miércoles, 4 de enero de 2023

POR NATUREZA GIGANTE

 

                                       POR NATUREZA GIGANTE

 

Olhando sua mão levantada, agora se dava conta que a idade não podia se esconder justo nelas.

Pensando no que os médicos tinham falado dele, não estaria vivo a muito tempo, mas ele continuava existindo, indo em frente, agora com quase oitenta anos.

Tinha nascido antes do tempo, porque era muito grande, segundo os médicos um movimento seu no útero de sua mãe, poderia matá-la.  Pesava quase seis quilos, na hora que o retiraram mediante uma cesárea.

Sua avó reclamava que ele já era muito pesado desde criança, o único que aguentava estar mais tempo com ele no colo, eram seu avô, seu pai, pois eram altos.   Os dois tinham por volta de um metro e noventa.

Quando foi a escola, ele sempre era o maior da turma, os pediatras estavam preocupados que não fosse inteligente o suficiente.  Quando fizeram testes com ele, olhava na cara deles, pediam aqueles jogos de colocar as peças dentro dos seus respectivos lugares, eles nunca entenderam que ele fazia ao contrário de proposito, pois aquilo lhe parecia chato.   Amontoava todas como se fosse uma construção, algumas vezes deixava a última em equilíbrio.

Quem prestou atenção nisso foi uma psicóloga, o deixou brincando com todas as peças ali no chão, ele construiu coisas diferentes, não colocou nenhuma nas caixas correspondentes.

Ela o deixou fazer o que queria, no final disse, me ajudas agora a guardar tudo isso, ele imediatamente colocou tudo aonde devia, inclusive separando por cores.

Virou-se para sua mãe, teu filho não tem problema nenhum de retraso, ao contrário vocês vão ter problemas, porque ele é inteligente.

Com 12 anos tinha 1,70 de altura, isso assustava seus companheiros, que fugiam dele no recreio, até o dia que estava ali sentado, um grupo de mais idade jogava basquete, a bola veio parar nos seus pés.  De aonde estava, numa diagonal, no final da quadra, pegou a bola, jogou como tinha visto fazerem na televisão, a bola apesar da distância, passou pelo aro, o treinador viu aquilo, ficou de boca aberta.  

O único problema era que ele usava óculos, para miopia.

Quando o chamaram para jogar basquete, aceitou, só para poder fazer amigos, com isso acabou capitão da equipe.    Estavam em último lugar na tabela de classificação, nos torneios escolares, ele conseguiu subir a equipe até a final.  Dizem as más línguas que perderam a final, por um problema técnico.

Mas nos anos seguintes, foram para cima sempre, ele além disso era o melhor aluno, em qualquer matéria, tinha uma cabeça privilegiada.

Fez amigos, mas aquela das garotas estarem atrás dele, todo mundo, baterem nas suas costas, como se ele fosse o melhor do mundo, não o conquistou muito, pois entendeu que tudo era por interesse.

Mas seguiu jogando, quando entendeu que era a oportunidade de ir a universidade, pois seus pais jamais iriam poder bancar a mesma para ele.

O que se espantavam os olheiros, os que veem das faculdades para olhar os jogadores, eram que suas notas eram excelentes, da maioria, nunca eram.

Era respeitoso, com o entrenador, porque tinha aprendido isso em casa.  Com 16 anos, quase véspera de ir à universidade, começou um dia a passar mal. Sangrava, pensaram primeiro que era pelo anus, depois dos exames médicos, descobriram que ele era hermafrodita.  Seus pais que eram religiosos, ficaram chocados, mas ele sabia que no fundo, sua mãe sabia disso tudo.

A coisa agora era, ocultar isso, para conseguir a universidade ou desistir.

Fizeram um exames mais exaustivo, os médicos se assustaram, porque ele tinha útero, além de com o tempo, se não fizesse ginastica, teria peitos.

Pelo menos uma universidade se interessou nele por causa das notas.  Por sorte era do outro lado do pais, assim o caso não seria um escândalo.

A principio se sentiu confuso, sempre tinha se sentido homem, inclusive era bem dotado nesse aspecto.  A decisão do basquete era por fazer amigos, quando percebeu que isso só tinha uma vantagem de ir à universidade, foi deixando de lado.

Falaram com muitos médicos, mas claro, os psicólogos, diziam que podia fazer uma série de operações, a partir do momento que ele decidisse qual o sexo que queria.

Ele nunca tinha sido burro, ao contrário, estava provado que seu Coeficiente era altíssimo, parou uns dias para pensar, depois de conversar com um psicólogo, em quem sentiu confiança.

Este lhe dizia que a decisão tinha que ser só sua, pois quem viveria com isso o resto da vida seria ele.

Seu pai, bem com seu avô queriam que optasse por ser homem.  Mas claro isso implicaria numa série de procedimentos, operações, anos de operações.  Não estava disposto a isso, porque quando consultava diretamente os médicos, agora ele exigia falar com eles em solitário, sem sua família se meter no assunto.

A maioria, lhe dizia que não saberia como se sentiria no futuro.  Se até agora ele se sentia uma pessoa completa, não viam por que se operar.  O que falavam do sangramento, tinha sido sua primeira menstruação.

Imaginem um homem de 1,98 de altura menstruado, seria a gozação de todos.

Seu psicólogo, lhe disse que resolvesse, não deixasse que nenhum especialista o analisasse, vais virar um elefante de circo, te levarão para todos os congressos médicos, para te exibirem.

Sua avô tinha um irmão que vivia em Los Angeles, era casado sem filhos. O acolheram, trocou de nome, pois isso se podia fazer.

Começou a ir a universidade, fazia duas ao mesmo tempo, as pessoas diziam que uma não encaixava na outra, estudava física, bem como literatura, sempre tinha amado os livros.

Quando terminou a universidade tinha finalmente 2,15 metros de altura. A coisa mais complicada era comprar roupas, embora ele adorasse andar sempre de bermudas, como os surfistas, ter camisetas imensas, seguia fazendo exercícios, tomou hormonas para os peitos não crescerem.  Tênis só por encomenda, tamanho 48, mas o mais interessante é que tinha um ritmo alucinante para seu tamanho.

Fez graduação no MIT em física quântica, aos mesmo tempo que fazia um curso de escritura.

Mas chegou um momento que a física deixou de interessa-lo, mesmo assim, acabou a graduação, embora tivesse convites de trabalhos.  Pensou muito a respeito.  Como o seu psicólogo tinha falado, ele sempre se sentia um elefante de feira.

De repente seu crescimento parou, teve uma mudança súbita no seu metabolismo, os médicos não entendiam por quê.  Os que o acompanhavam a tempo, não entendiam em absoluto por quê.

Nesse período, se sentia confuso, ansioso, calores.  Um dos médicos chegou à conclusão de que ele estava na menopausa, pela sua parte feminina.

Pensava que puta confusão, como posso ter menopausa, se não tenho nem trinta anos, mas claro os exames concordavam.   Foram meses de uma sensação estranha.

Foi passar uns dias com sua família, pela primeira ver percebeu que os incomodava, para seus avôs que tinham idade, ele era uma aberração da natureza.

Aquele aparentemente homem de 2,15 metros, que era ao mesmo tempo um homem/mulher.

Seus pais, no fundo se sentiam confusos, eles mesmo tinham se acusado entre si, para saber de quem era a culpa de ele ser assim.

Chegou à conclusão que nunca poderia viver ali com eles.  O melhor era seguir mantendo uma relação à distância.

Seus tios, ao contrário o queriam como filho, arrumou para dar aulas na universidade de Los Angeles, em física e física quântica.  

Ganhava bem, alugou um apartamento só para ele, dizia que estava cansado de dormir com os pés fora da cama, na verdade necessitava de espaço para sua vida.

Mandou fazer uma cama especial para ele, sua tia confeccionou seus lençóis, o apartamento não era imenso, mas para ele era perfeito.   Tinha tudo que precisava, um espaço para seus livros, uma grande poltrona que mandou fazer, para se sentar para ler.

Uma boa mesa de trabalho para preparar aulas no seu laptop, tinha assim conseguido um equilíbrio.   Na universidade, se dava bem com todo mundo, embora sempre quisessem arrumar uma namorada para ele.

Quando ia a praia, ia muito cedo, na hora que esta não estava muito cheia, ou no final do dia.

Seguia fazendo largas caminhadas, fazia exercícios, na barras que tinham perto do posto salva vidas.  Mas o que incomodava as pessoas, era sua introspecção.

As vezes ria, se sentia atraído por uma mulher, em seguida por um homem, mas nunca se decidia dar um passo além.

Um dos companheiros de universidade, quase tão alto quanto ele, estava passando por um momento difícil.  Um dia estava sentado nos jardins, lendo um livro, ao mesmo tempo comendo um sanduiche.  Este se sentou na sua frente.

As vezes sinto inveja de ti, foi seu primeiro comentário.  Aparentemente estas sempre em paz, não ter vejo nervoso, mas bem sim controlado.

Eu ao contrário, estou sempre descontrolado.   Meus relacionamentos, sempre dão errado, pois acham que com todo esse tamanho sou tonto, o que não é verdade.

Muita gente se apaixona pelo que tenho no meio das pernas, mas depois de saciarem sua curiosidade, me deixam de lado, minhas conversas, os assuntos que me interessam, não fazem parte do universo deles.

Lhe respondeu que disso ele entendia, que os assuntos que o fascinavam, a maioria das pessoas, não se interessavam.   Um psicólogo que me acompanhou durante muito tempo, me dizia que eu tinha que tomar cuidado para não virar um elefante de circo de variedades.

Começaram a conversar, com o tempo virou uma amizade.

Gordon Brown, ao contrário tinha sido uma estrela no basquete, tinha deixado, por um acidente. Mas tinha feito universidade com notas excelentes, ele era professor de Literatura americana.

Discutiam muito a falta de escritores negros.

O pessoal falava dos dois, imagina aqueles dois, desse tamanho sem namoradas.

Scott na verdade passava disso, as vezes alguma pessoa se aproximava, se insinuava, inclusive alunas, pois ele não era feio.   Pedia desculpas, mas dizia que tinha um compromisso sério.

Um dia estavam entrando em sua casa, para emprestar uns livros para o Gordon, quando este no corredor, pegou sua cabeça entre as mãos, o beijou.

Foi um susto, pois não esperava.  Se separou, perdão Gordon, temos que conversar, eu não quero perder um amigo.

Gordon, lhe confessou que sempre tinha sido gay, as complicações que isso implicava, quando comecei a falar contigo, eu tinha sido abandonado por um companheiro, ele só queria o meu piru.

Pela primeira vez na sua vida, se abriu, falou que era hermafrodita.

Gordon, respondeu, não me importo muito, pois na verdade creio que somos como dizem sempre, a meia laranja, ou a alma gêmea um do outro.

Um dia disse ao Gordon que ia ao médico que o acompanhava a anos, precisava saber os cuidados a tomar.

Então vou contigo, já que estamos juntos, nada mais certo que eu sabia dos limites que tenho.

Quando se apresentaram juntos o médico riu, disse que ele tinha não só arrumado alguém a sua altura, bem como podia compartir sua vida.

Só não te aconselho a ficar gravido, pois isso é uma coisa que pode acontecer, tens o útero não desenvolvido, pelo tamanho dos dois, seria uma criança grande demais, poderia te matar.

Talvez seja a hora dos dois conversarem, decidirem qual seria tua opção, homem ou mulher, antes que o tempo passe demais.

Foi o que fizeram, conversaram muito, ele ainda foi várias vezes ao seu psicólogo para conversar, tinha que tomar uma decisão, gostava de ser homem como o Gordon na cama se davam bem, nunca tinha se sentido uma mulher com ele.  Sabia que ele o queria como homem também, pois tinha conversado a respeito.

Esperou chegar a época das férias, fez a operação, Gordon não saiu do seu lado, retirou o útero, ficando somente com sua parte masculina.

Quando se refez de tudo isso, Gordon um dia soltou, se um dia os dois quisessem filhos, podiam adotar, pois ele próprio tinha sido adotado num orfanato.

Tive sorte, de ter uns pais adotivos que me queriam.  Infelizmente morreram anos atrás num acidente de carro, não tinham como esconder que eu era adotado, pois eram brancos, eu negro.  Mas o mais importante era isso, me queriam, eu era o filho que eles desejavam, por isso me esforcei ao máximo para ser bom aluno, um atleta, pois meu pai adorava o basquete.

Portanto se um dia pensamos, tem muita criança no mundo esperando um pai adotivo.

Um dia foi com ele ao orfanato, justo naqueles dias, uma jovem, queria dar seus filhos em adoção, eram gêmeos, um branco, outro negro, de pais diferentes.  Ela conversou com eles, estava na universidade, tinha sonhos, fui irresponsável confesso, mas meus pais são muito estritos, nunca aceitaram isso.

Adotaram os dois, como ainda não existiam os casamentos gays, cada um adotou um, assim não eram separados.

Nunca pensaram que seriam tão felizes, os companheiros falavam, mas eles passavam por cima disso.  Depois de quase 15 anos juntos, quando saiu os primeiros casamentos gays em San Francisco, se casaram tranquilamente, sem confusão.  

Sua tia era a única que sabia de tudo, os apoiou, adorava os meninos, tinha sempre com ela, uma foto dos dois, um em cada braço.

Agora trinta anos depois, olhava para trás, Gordon, estava ao seu lado como sempre, estavam aposentados, levavam uma vida tranquila, numa cidade perto de San Diego, a beira do mar.

Os meninos, tinham crescido, achavam natural, um pai branco, outro negro, já que eram assim.

Sabiam que era adotados, mas isso não lhes importava.  Um era médico, o outro era um dos escritores mais promissores da América.

A mãe deles tinha aparecido algumas vezes, mas claro estava o fator de que nunca tinham convivido com ela.  A tratavam bem, com educação, como tinham sido ensinados.  Mas não iam muito além disso.

Porque olhas tanto tua mão, lhe perguntou Gordon?

Porque nelas posso ver que o tempo passou, que sobrevivi, vivi, sou feliz contigo, tinham enfrentado todos os problemas juntos, sempre.   Nada do famoso comeram perdizes, foram felizes, mas estavam sempre dentro da realidade.

Quando ele teve câncer nos peitos, talvez porque nunca se desenvolveram, Gordon esteve aí como sempre, o apoiando.

Ele quando teve câncer de próstata, foi igual, ficou ao seu lado para tudo.

Os dois agora tinham os cabelos brancos, esperavam por netos, mas os meninos não estavam para esse labor.

O que era médico trabalhava em Urgência, sua grande paixão, dizia que não sobrava tempo, o outro, vivia indo pelo mundo, era jornalista, além de escrever livros muito solicitados.

Eles agora estava sos outra vez, as aves tinham voado do ninho, como dizia o Gordon, mas tinham um ao outro.

As vezes algum vizinho passava pela rua, via aqueles dois homens imensos, de mãos dadas, balançava a cabeça, como dizendo, como é possível.  Mas para eles isso não significava nada.

 

 

 

 

 

 

 

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