martes, 27 de diciembre de 2022

MESTRE CANJICA

 

 

 

 

 

 

Eu Sei Que Vou Te Amar

Tom Jobim

Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente, eu sei que vou te amar

 

E cada verso meu será

Pra te dizer que eu sei que vou te amar

Por toda minha vida

 

Eu sei que vou chorar

A cada ausência tua eu vou chorar

Mas cada volta tua há de apagar

O que está ausência tua me causou

 

Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver

A espera de viver ao lado teu

Por toda a minha vida

 

Despertou pensando nessa música, ainda pensou, meu passado me condena, as vezes acreditava piamente nisso, que o passado era como uma onda, ia, voltava, quebrava na praia, mas nunca desaparecia por causa da repetição.

Ele tinha se inventado, reinventado mil vezes, mas seguia como dizia sobrevivendo, isso sempre, as vezes dizia as pessoas, eu sou um sobrevivente de mim mesmo, mil vezes.

Era conhecido pelos íntimos como Mestre Canjica, mas seu nome verdadeiro de Adalberto Castro Mendonça, tinha nascido em Salvador, Bahia, era um soteropolitano da gema, como dizia, além de ser filho de Xangó, Iansã, com um Exu Bara, para o acompanhar a vida inteira.

Era um tipo baixo, como sua mãe, uma mulata para ninguém botar defeito, tinha somente 1,60, foi trabalhar na casa do Coronel Olímpio Mendonça, ela se chamava Doroteia Castro, era uma mulher para ninguém botar defeito.  Ajudava em tudo, principalmente a cuidar da mulher do Coronel Mendonça.   Na época os tratamentos de câncer não eram tão bons como agora, era a segunda vez que tinha a doença.  Cuidou dela até morrer, os filhos nunca aparecia, tinham suas vidas, diziam que não gostavam de ver sua mãe morrer, vieram ao enterro, para saber se depois tinham direito a alguma herança.  Nada, tudo era do Coronel.

Ele se apaixonou por Doro, ou Doroteia, sem remédio, dai nasceu Adalberto Castro Mendonça, ele fez questão de colocar o nome no garoto, para surpresa de muitos, era muito claro, olhos verde, cabelos crespos loiros, um sorriso na cara, o médico riu, dizendo que era raro isso, uma criança nascer sorrindo.

O velho se apaixonou perdidamente pelo filho.  O chamava de Canijo, pelo seu tamanho, quando foi para a escola, claro sofria bullying, mas seu pai o colocou para aprender capoeira com Mestre Surpresa, esse era famoso na época, diziam que era uma caixa de surpresa, pois sempre sabia improvisar, derrotando os que vinham lutar com ele.

O menino se revelou, tinha uma facilidade incrível para isso, não gostava muito era de estudar, tinha verdadeira paixão, vendo sua mãe cozinhar, ela era uma das Yaos, de uma famosa senhora do Candomblé.   Tinha um restaurante na Praia Vermelha, chamado Comida de Santo, tinha licença deles para reproduzir as comidas de suas oferendas.

A lista das comidas era imensa, mas se o cliente pedia para fazer uma entrega, ela a fazia dentro dos preceitos, nunca entregava no restaurante, mas sim na sua casa, que ficava por detrás do mesmo, ali, vivia com seu filho querido, que desde criança a ajudava nesses afazeres, o Coronel ria daquele garoto tão pequeno, mas que sabia de tudo, cada comida, como devia ser, como devia arrumar na oferenda.

Mas Adalberto, mestre Canjica, era apaixonado justamente por esse milho branco, a senhora do Candomblé, dizia que ele era protegido também por Oxalá-Oxalufan, dai estar de sobreaviso de tudo.   Quando a mãe fechava o restaurante, nos dias que ia ao Terreiro ele ia junto, cuidava de todas as quartinhas, colocando água nelas, mas tinha seu preferido, que era Exu Bara, aonde colocava as frutas que ele gostava.  A senhora ficava rindo, esse minino, em vez de dizer menino, nem precisa fazer a cabeça, já nasceu feito.  Saberá ir pelo mundo, como Oxalá manda, se reinventando, sobrevivendo a qualquer preço.

Mas no restaurante de sua mãe, sabia fazer todas as comidas que os clientes iam ali especialmente comer, um acarajé de entrada, alguns ia comer uma moqueca, com tudo que tinha de direito, mungunzá, sarapatel, a lista era imensa.

Ele ia fazer 17 anos quando um dia sua mãe foi chamada as pressa no terreiro, ali lhe explicaram que o Coronel tinha seus dias contados, que ia haver uma grande confusão, com os herdeiros, era melhor mandar Mestre Canjica, se mandar pelo mundo, que aliás era sua obrigação.

Ela chorou muito, resolveu contar para o Coronel, a muito que ele tinha mandado os filhos a merda, tinha uma plantação imensa de cacau, no interior, os filhos queriam tudo o que ele tinha, nunca iam reconhecer o Adalberto como irmão. 

O velho, abriu uma conta no banco no nome dele, colocou lá um bom dinheiro.  Quando soube da história, sentaram-se os três, lhe explicaram a situação, teus irmãos nunca vão se contentar com todo dinheiro que possa dar para eles, vão querer tua parte também, eu fiz as contas, depositei esse valor numa conta no banco, a principio mexa o menos possível nela para não chamar a atenção.  Deves ir embora, quero que esteja vivo para sempre.

Foram ao terreiro, a Senhora fez uma larga proteção para ele, alguns chamava de fechar o corpo, mas no fundo era só uma proteção, ficou ali sete dias, ela lhe disse umas coisas em particular, que seu destino era correr o mundo.  Ajudar a quem precisasse, mas que nunca confiasse demasiado em ninguém, principalmente em se tratando de amor.   Que primeiro ama-se a si mesmo, depois já se veria.   Lhe deu a direção de um filho de santo que ela tinha preparado com esmero no Rio de Janeiro.  Mas cuidado, deixe sempre teu Exu, examinar primeiro para ver se gostas ou não como ele trabalha.

Saiu de madrugada de Salvador, num caminhão de um amigo de seu pai, que descia para o Rio de Janeiro, carregado de Cacau.

Era um senhor, muito divertido, lhe soltou numa das paradas que fizeram para comer, na beira de um rio, aonde aproveitaram para tomar um banho.  Menino, saíste na hora certa, havia um zum-zum-zum terrível lá na Baixa do Sapateiro, um dos teus irmãos estava contratando um cangaceiro para dar conta de ti.

Quando estavam chegando ao Rio, pararam para dormir, sonhou com seu pai, sabia que ele tinha desencarnado.  Quando conseguiu falar com sua mãe, ela lhe contou, os filhos tinham aparecido, levado o pai, para um enterro decente, que a proibiam de ir.

Estou recolhida aqui no terreiro, aqui eles não entram, ficarei aqui um bom tempo, mas tu cuidado, proteja tuas costas, não confie em ninguém.

Na parada seguinte, que fizeram antes de entrar no Rio, viu que o velho ficava estranho, pensou esse filho da puta vai me matar, pegou a mochila, que era a única coisa que tinha, parava nesse momento por ali, o ônibus da Viação Cometa, que fazia a linha São Paulo/Rio de Janeiro, viu que um homem descia, falou com o motorista, pagou o bilhete, quando o velho saiu, ele já não estava mais.  Não tinha comentado de maneira nenhuma com o velho, aonde iria.

Desceu na Rodoviária do Rio, se informou de um endereço, que tinha na mão, dado em segredo pela Senhora do terreiro.  Era logo ali em Santo Cristo.

Foi andando com sua mochila, impressionado com o cheiro do canal do Mangue.  Foi perguntando ali, aqui, até que encontrou a rua, que ficava numa subida, era como uma favela, mas tudo limpo.  A vizinha disse que o homem que procurava, trabalhava no cais do porto, normalmente mais tarde estaria no bar da esquina tomando uma cerveja.

Viu que ele ia, esperar, ela era também baiana, lhe ofereceu comida.  Venha garoto, fiz um sarapatel dos bons.   Foi conversando com ele, aonde ia comprar os ingredientes, na feira dos nordestinos, ali em São Cristóvão, ele comentou que sua mãe era uma cozinheira de mão cheia.

Ela estava preparando uns acarajés de encomenda para o dito cujo bar, ele cuidou para ela com cuidado, enquanto ela fazia outra coisa, preparou os recheios, a sua maneira, ela ria muito, que mãos tens garoto, provou o tempero, está de lamber os beiços.

Depois foi com ela levar até o bar, era a hora que os estivadores voltavam do porto, tomavam uma cerveja, alguns comiam ali mesmo, ela chamou o Ernesto, ele entregou a carta que tinha no bolso.  Ele leu, riu, mais um refugiado da santa Bahia, provou o acarajé, soltou tia Nuncia, a senhora mudou o recheio. 

Mudei nada, foi ele quem fez.  Logo foi contratado para trabalhar ali naquele bar, para começar estava bom.

A casa do Ernesto era pequena, mas estava super limpa, riu ao entrar, pois viu um altar para Exu, entendeu logo.   Ele dormiria no chão, em cima de um colchão que o Ernesto arrumou, mas isso não importava, não ia contar que tinha dinheiro para montar uma casa.

Ficou morando ali um tempo, até ter um salário para alugar um pequeno apartamento mais em baixo, perto do bar.  Mas nunca perdeu a amizade com o Ernesto, era bom na Capoeira também.

Nos domingos iam logo cedo a feira de São Cristóvão, ali olhava os outros tipos de comida do Nordeste, depois aprendeu tudo com tia Nuncia, no barraco dela, não tinha sala, mas sim uma imensa cozinha, com uma mesa imensa aonde se preparava tudo.

Aprendeu as outras comidas.  Ia com o patrão logo cedo, a Cobal, para comprar tudo fresco.  O Bar ficou famoso, no domingo de tarde era super concorrido.

Quando conversou com o Ernesto sobre o pai de santo que tinha falado a Senhora, ele soltou, esqueça, esse virou um engana tonto.  Faz tudo por dinheiro, mal te vê, diz que tens olho gordo em cima de ti, pede logo uma matança, que ele cobra uma fortuna, agora vive com os dedos cheios de anéis de ouro, pulseiras, se o trabalho é mais forte, logo pede uma pulseira de ouro para agradar o santo.  Tudo balela, mal sabe ele que os que fazem isso, acabam mal.

Te levarei a um que vou uma vez por mês, aqui na Mangueira, a mãe de santo é porreta.

Dito e feito, o fez lembrar-se imediatamente da Senhora da Bahia.   Como seu Exu ficou contente seguiu em frente.

Um dia parou um carro na frente do restaurante, isso era raro por ali, que todo mundo tinha carro de segunda mão.   Desceu um senhor bem-vestido, para o Adalberto, muito bonito, sempre tinha gostado de homens mais velhos.

Se sentou numa mesa num canto, ele saiu da cozinha, perguntou o que queria comer, ali não tinha garçom, era ele que saia, perguntava o que queria o cliente.

Isso fez graça ao homem, olhe bem para mim, me prepare o que quiser.   Lhe trouxe de entradas uns acarajés que tinha acabado de fazer, lhe preparou um Vatapá, pois tinha comprado tudo fresco na Cobal essa manhã, de sobremesa, lhe trouxe um bolo de mandioca, que tinha feito de madrugada, antes de sair para o mercado. 

Ernesto dizia que ele dormia pouco.   Ele ria, nada disso, eu quando saio do restaurante, só fazia o almoço, deixava a cozinha brilhando, ia para seu pequeno apartamento, caia no sono, se levantava lá pelas sete horas, preparava os doces, fazia todos esses doces que a garotada adora, bananada, cocadas, brancas, negras, olho de sogra, preparava as bandejas, no dia seguinte entregaria a duas senhoras que ficavam sentadas na porta da casa vendendo, ele as pagava bem.   Sempre era uma maneira de ganhar mais um.

Uma vez por semana, telefonava do orelhão da esquina para sua mãe, essa tinha decidido viver ali no terreiro, o homem que tinha amado, não estava mais, tinha virado a Yao preferida da Senhora.  

Voltando ao cliente, viu que ele cada coisa que comia, anotava num caderninho.  Não foi embora em seguida como faziam os clientes, esperou que ele terminasse de limpar a cozinha, fez uma entrevista com ele, lhe contou que escrevia numa coluna de culinária do O Globo, estava escrevendo artigos, sobre comidas de boteco.  Mas tinha se surpreendido com ele.

Bom a comida daqui, está sempre fresca, vamos ao Cobal de madrugada, compro tudo fresco, assim o que tiver de melhor nesse dia, é o que eu ofereço ao cliente.

O homem baixinho, lhe disse, devias abrir um restaurante, para ti, lhe entregou o cartão, que dia estas livre?

Nunca, eu trabalho de domingo a domingo.

Lhe perguntou se faria uma grande comilança, que queria oferecer aos amigos, me telefona, combinamos.

Ele comentou com tia Nuncia.

Caralho soltou ela, esse homem é famoso, olha aqui no cartão, se faz chamar de Apicius, o primeiro grande cozinheiro que se conhece.  Mas embaixo estava escrito o nome Marcus Silveira.

Logo que saiu a crônica na revista de domingo, o botequim ficou cheio, claro como todo donos, a ganancia falou mais alto.  Ele pediu um aumento, o dono miserável, lhe deu um aumento mixuruca.

Tomou coragem, incentivado por tinha Nuncia, telefonou para o Marcus Silveira, quando contou a história, ele riu, sempre é assim, os donos de restaurantes nunca reconhecem que se não fosse pelos cozinheiros não seriam nada.

Aproveitou, que o dono ia fechar por uns dias, para aumentar o mesmo, pintar, colocar mesas novas.

Combinou a tal comilança.  Só preciso seu Marcus, de um furgão, para ir ao Mercado logo cedo, depois na feira de São Cristóvão, depois sou todo seu.

No dia combinado, apareceu um furgão, ele tia Nuncia, tinham descido, para o largo, para não chamar muita atenção.  Depois foram para a casa do jornalista, que vivia numa bela casa na Gávea.

Os dois se meteram na cozinha, prepararam uma moqueca de lamber os beiços, de entrada ele fez acarajés, uma salada de feijão fradinho com polvo, regada no azeite, cheiro verde, os doces trouxe de casa, um belo manjar de coco, bolo de mandioca, o Marcus tinha contratado dois garçons.

Foi um sucesso, todos queriam receitas, mas isso nem pensar, quando saíram da cozinha, depois de se assearem, cada um com seu turbante do seu santo, receberam uns aplausos merecidos.

Marcus sentou-se com os dois, disse claramente estão perdendo tempo nesse boteco, eu abriria um lugar pequeno para não perder a essência, no centro da cidade, que fechasse aos domingos, afinal é um dia para descansar.  Um olhou para o outro, soltaram ao mesmo tempo, não conheço o centro direito para isso.

Entraram no carro com ele, vou te mostrar um lugar que herdei recentemente, não quero ser sócio, só cobrarei o aluguel.  Era ali na rua do Ouvidor no final, já quase Beco do Teles, o movimento aqui é durante a semana e no sábado.   Era um botequim antigo, precisava sim de uma reforma na cozinha e no banheiro.  Uma pessoa na barra, esse homem que levou vocês para fazer compras, trabalhou aqui, pode cuidar da barra, atender os clientes.

Ou então mantem como gostas, atendes tu, tem lugar para poucas mesas, bem como algumas na rua.

Depois de muito conversar, tia Nuncia disse que tinha umas economias, ele não tinha mexido no seu dinheiro, que só rendia.  Nem tinha tempo para gastar direito, podemos colocar uma senhora vestida de baiana, vendendo doces ali ao lado.  Assim a sobremesa vem dela.

Mas usaremos cada dia a roupa de um santo.

Fecharam negócio, mas honestamente avisaram o dono do botequim que iam se mudar, o homem não gostou nenhum pouco pois imaginava ganhar mais dinheiro em cima deles.

Tinham sido honesto, não tanto como ele, mas iniciaram as reformas, a cozinha ficou moderna, o banheiro também, reformaram o balcão, segundo Nestor, o homem que o levava de compras, era bom estar bem surtido de cerveja, caipirinha, algum que outro refrigerante.

Assim fizeram, deram nome ao lugar, como o da sua mãe, Comida de Santo.  No sábado sempre tinha feijoada, resolveram usar louças de barro, pois eram mais fácil de substituir.

Os dois na cozinha apesar de pequena se apanhavam, Nestor os apanhava de manhã, já carregavam o tabuleiro da baiana, que era uma conhecida da tia Nuncia, compravam peixes, tinham sempre na carta, uma moqueca, o prato do santo do dia, acarajé, foi um sucesso.

Nestor sabia como as pessoas gostavam de cerveja, estavam sempre super geladas, tinha na parte de cima, um congelador, que ele ia repondo, no sábado trazia seu filho para ajudar, a servir as mesas.   As vezes tinha fila de espera.  Quando saíram outra vez no Apicius, era a semana inteira, quando chegava no fim do sábado, estavam sonhando com o domingo, para dormirem até tarde.

No domingo de tarde, sempre subia para ver seu Exu, colocar agua nas quartinhas ele mesmo, embora ali tivesse uma Yao, para fazer isso.

As vezes tinha uma aventura, mas não passava disso, não tinha tempo para romances loucos, nunca tinha saído para boates, ou coisa parecida.  Primeiro não era bonito, era ajeitado como dizia tia Nuncia.

Um dia Marcus apareceu com um cozinheiro francês, esse ficou louco com ele, se meteu na cozinha para ver os dois trabalharem.

Uma vez por mês passaram a ir ao seu restaurante para fazer uma comida especial.  Viu que ele queria era aprender.

Um dia disse para tia Nuncia, esse sem vergonha, quer é roubar nossas receitas, não vamos mais.  O homem insistiu, mas alegaram que era seu dia de descansar.

O mesmo tentou fazer igual, mas claro o pulo do gato ele não sabia.

Marcus não gostou muito, em represália, aumentou o aluguel.   Mas ele era malandro velho, o obrigou a respeitar o contrato até o final.  Andou bisbilhotando por ali.

Tia Nuncia, disse que estava muito cansada, já não tinha idade para tanto movimento.

Ele tinha conhecido uma mocetona na casa de santo, a chamou para trabalhar com ele. Fechou o restaurante, na surdina foi visitar primeiro sua mãe.

Estava muito envelhecida, passou uns dias com ela, voltou a sua luta.

Pensava em abrir em Copacabana, mas viu que os alugueis eram absurdos.  Um dia conversando com um sujeito, ele disse que tinha um no Leme, bem situado, a pessoa que ocupava o local, ia se aposentar.

Foi dar uma olhada, tinha uma boa clientela, o grande problema, era que abria ao meio-dia, bem como de noite.   Bolou uma carta especial, de dia uma comida mais pesada, de noite muito peixe, saladas, tira gosto.  O homem lhe ofereceu um pequeno apartamento logo em cima, assim ele podia entre um horário e outro dormir um pouco.

Montou um esquema, diferente, ia a Cobal logo cedo, deixava tudo preparado, para o meio-dia, que ali era mais tarde, a hora que o pessoal saia da praia, depois descansava, voltava de noite, Nini, sua ajudante, começava a preparar saladas, ele entrava com sopas, ou seja tinham comida para a noite, além claro de uma serie de tira gosto.  Funcionava muito bem, nunca mais claro saíram na coluna do Apicius, tinham deixado o Marcus na mão.

Manteve o Nestor como sua mão direita, para irem ao mercado, de noite seu filho coordenava os garçom.    Os turistas adoravam, era uma comida diferente.  Finais de semana, queriam comer a famosa feijoada do Mestre Canjica.

Conheceu um americano, se apaixonou, era totalmente ao contrário dele, alto, magro, cabelos negros, barba, olhos azuis, Tim O’Brien, trabalhava numa companhia americana.

Ele adorava sacanagem, principalmente dizia que não entendia como ele sendo baixinho tinha um caralho tão grande.

Um belo dia, disse que voltava para os Estados Unidos, iria trabalhar em NYC, por que não vens comigo?

Ele ainda pensou, me engana que eu gosto, aqui eu sou o rei da cocada, mas lá, como vai ser.

Quando chegou o inverno, foi com a desculpa de tirar umas férias para ver como era o ambiente, claro quando chegou o Tim, já tinha outro namorado.

Ele sabia que esse homem não podia ficar sem uma coisa dura na mão, riu muito quando pensou nisso.    Este lhe pediu, fez uma comida boa para os amigos dele, ficaram como loucos.

Foi para ficar uma semana, ficou quinze dias, fez várias comidas, nas casas dos amigos dele, mas cobrando, que malandro que é malandro não bobeia.

Acabou gostando da cidade. Mas claro viver lá era caro, bem com montar um negócio requeria dinheiro.

Voltou para o Brasil, levou mais um ano, com o restaurante, foi a Bahia porque sua mãe tinha morrido.

Conversou com a Senhora, agora muito velha, ela disse para ele que no jogo, aparecia que ele devia se arriscar, mas primeiro faça como fizeste, trabalhe de empregado.

Pensou muito a respeito, conheceu clientes que ficavam num hotel ali perto, um era cozinheiro em Paris, lhe disse que tinha uma comida excelente, mas precisava a ter requinte.

Perguntou como se preparava uma comida para entregar ao santo.

Primeiro o levou ao terreiro, pois ele tinha curiosidade, a mãe de santo, lhe disse para oferecer uma comida para Nanã que era a santa de cabeça dele.

Ele preparou um sarapatel, além de um mungunzá. Arrumou tudo em tigelas brancas.

O Pierre lhe disse, isso é uma boa apresentação, mas imagine isso, num prato de qualidade, arrumado a perfeição, sem o exagero de comida que vocês fazem aqui.  Um prato aqui, comem mais de uma pessoa, não me admira que os pobres sejam gordos.

Pierre conversou muito com ele, claro na cama também, se sentiam atraídos um pelo outro, contou que tinha ao lado de seu restaurante um armazém, se ele quisesse abriria ali um Comida de Santo, Mestre Canjica ria muito, pois a pronuncia era ótima. Fazes uma pequena cozinha ligada à minha, para não ter problema de licença, montas como queres, eu te alugo o local, mas o dono serás tu, nada de sociedade, minha experiencia é horrível.

Pensou muito, quando Pierre estava para ir embora aceitou.  Passou para frente o seu, colocou todo seu dinheiro no Banco do Brasil, assim podia mover para lá.  Lhe deram um cartão de crédito de muito valor.

Claro sair do Rio pleno verão, pegar o inverno de lá, foi duro, conseguiu um pequeno apartamento, justo a volta da esquina.   Primeiro ficou uns meses trabalhando com o Pierre, os dois eram iguais na cozinha, falavam o estritamente necessário.

Aprendeu a ir aos mercados aonde tinham os produtos africanos, similares, evidentemente a comida dos santos vinha de África então era fácil, com o quiabo, foi montando uma carta, mais comestível, ao mesmo tempo que foi reformando o local, sem pressa nenhuma, usando o salário que Pierre lhe pagava.  O medo do Pierre era outro, que ele se apaixonasse por algum francês.

Tira isso de tua cabeça, mon cher ami, lhe dizia, não sou de aventura, se estou contigo, me basta.

Mandou fazer toalhas com tecidos africanos, um dos cozinheiros do Pierre era de Benin, sabia já fazer algumas coisas.   Tinha feito curso de doces, os apresentava os de Brasil de outra maneira, acrescentou alguns doces da cozinha mineira.

Primeiro era fazer um boca a boca, disse ao Pierre, vou fazer umas quitandas, colocar duas africanas vestidas de filhas de santo, distribuindo, pequenas porções.

Lhe apareceram duas emigrantes da Bahia, aí foi fácil, com seus turbantes, colares de contas, não queria guias, mil balangandãs, chamavam atenção.  Abririam de terça a domingo, descansariam segunda-feira.

Logo na primeira semana foi super bem, claro, agora era a propaganda boca a boca. Pierre bem relacionado, convidou críticos gastronômicos para irem almoçar, ou jantar.

A cerveja era servida como no Brasil, muito gelada, bem como uma das meninas fazia caipirinha, as apresentavam em pequenos copos, para as pessoas provarem.

Nos sábados tinham feijoada, que ele se virava para fazer, pois faltavam ingredientes, mas as pessoas não sabiam disso.  Improvisava.  Servia em pratos que tinha mandado fazer, todos de barro esmaltado.   O próprio prato estava dividido em partes, uma para o feijão, outra para o arroz, para a farofa, dai por diante.  Doces, os de sempre, mas agora como sabia fazer sorvetes, apresentava o bolo de mandioca, com um sorvete de maracujá. Era um contraste na boca do cliente.

Aos domingos, tinha um fornecedor de peixes, que lhe trazia logo de manhã, os que ele queria para fazer uma moqueca.  Ficou conhecido também como um restaurante de comida de mercado, estava sempre cheio.  Mas na segunda feira, era seu dia de descanso, além de visitar um africano Babalorixá, que tinha conhecido, fazia suas obrigações.

Esse quando foi ao restaurante, ficou encantado, nos meses de inverno, como era uma comida quente em calorias, tinham reservas imensas.

Não voltou ao Brasil nem para férias.   Muita gente aparecia, para propor franquias, mas ele sabia que isso podia lhe dar dinheiro, mas também muita dor de cabeça.

Pierre tinha se transformado, além de um grande amigo, numa pessoa que ele confiava, amava.

Quando desceram umas férias para a zona do Mediterrâneo, ele lhe disse, aqui, quero ter meu repouso de guerreiro, um restaurante pequeno como o de Paris, para os meses de verão, no inverno só abrir ao meio-dia.  Pela primeira vez, os dois iam trabalhar lado a lado, Pierre tinha aprendido a fazer tudo.  Alia inclusive podia trabalhar mais com peixes frescos.

Foi o que fizeram, venderam tudo em Paris, antes convidou todos os jornalistas que tinham lhe dado apoio nesses anos todos, para uma grande despedida, preparou, um grande banquete de comidas de Santo.   Foi uma reportagem impressionante, dando a dica de aonde estariam os dois a partir de agora.

Montaram um perto de Cassis, numa vila muito pequena, junto ao pequeno porto de pescadores, no verão aquilo fervia. No inverno desfrutavam da casa que tinham construído, um pouco mais afastado, numa pequena praia, ali ele tinha seus santos, integrados a natureza.

Quando viu tinham se passados muitos anos, um dia se olhou no espelho, tinha seus cabelos todos brancos, bem como o Pierre. Agora tinham cozinheiros, que aguentavam a carga, passavam mais tempo desfrutando um do outro.

Levou o Pierre a primeira vez a Bahia, lá ficou sabendo dos irmãos, tinham perdido toda a fortuna do velho, em imensas brigas.   Ele visitou o tumulo do pai, bem como de sua mãe, soube depois que o pessoal do terreiro, tinha conseguido enterra-la justo ao lado do dele.

A nova senhora do terreiro, o recebeu muito bem.  Conversaram muito, pois tinha conhecido sua mãe.

Voltou mais tranquilo para a França, de lá já não se moveria mais.

 

 

 

 

  

 

 

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