lunes, 16 de enero de 2023

JORGE DA CAPADÓCIA

 

                            

 

Despertou rindo, tinha sonhado com São Jorge falando com ele, de fundo escutava a música de Jorge Ben Jor, ria sempre com isso, pois sabia que seu dia seria melhor.

Sua mãe era apaixonada por Jorge Ben Jor, quando ele compôs essa música ela não duvidou nenhum minuto em coloca-la no bebê que estava por nascer, todo mundo ria, pois ela não tinha ideia se seria homem ou mulher.

Meu pai foi contra desde o princípio, ele era filho de santo de Xangô, queria que meu nome fosse o símbolo do mesmo.  Ficava dizendo o tempo todo que ela iria contrariar seu santo.

Pior nasci no dia que se comemorava São Jorge, uma grande festa ali no centro da cidade, na igreja dedicada a ele, ela trabalhava numa loja justo em frente, viviam os dois na mangueira.

Logo cedo, quando o sino da igreja começou a tocar, ela trabalhava tranquilamente, pois tinha errado nas contas, achava que eu só nasceria um mês depois.

Estava atendendo uma cliente, que aproveitava que tinha vindo trazer oferenda na igreja, quando rompeu águas.

O menino nasceu ali mesmo, as amigas logo disseram, nasceu no dia dele, vai ser protegido por ele.  Imagina nascer ali em pleno Saara, na Rua da Alfândega, foi um corre, corre, desgraçado, acho que nesse momento, ficou marcada a minha vida, estar sempre no meio da confusão, mas com São Jorge me protegendo.

Imagina alguém se chamar Jorge da Capadócia Silva Santos, pois bem esse é meu nome. Um pouco grande para um pobre.  Quando na escola na lista de chamada, como havia por ali muitos Jorge, a professora dizia alto em bom som, Jorge da Capadócia, todo mundo ria.

Eu a princípio ficava zangado, mas depois me acostumei.  Minha mãe no meu aniversário, para contrariar meu pai, colocava em vez de parabéns, Jorge da Capadócia, cantada por Jorge Ben Jor.

Eles iam trabalhar, me deixava ali numa escola, perto do Campo de Santana, aonde eu passava o dia inteiro.   Ela trabalhou nessa loja até morrer, ele trabalhava na construção. Vivíamos num barraco lá na Mangueira.

Minha mãe dizia que eu não podia escutar a bateria, que começa a dançar, em pequeno, era como se me colocasse uma bateria.

Mas talvez o fato de terem que me deixar em algum lugar para trabalhar, me isolou dos garotos da favela, que desde jovem caiam nas drogas.

Meu pai tinha um padrinho, um coronel da aeronáutica, esse quando fiquei maior, me meteu na escola interno em Barbacena, talvez tenha sido minha salvação.   Só vinha para casa nas férias, era uma festa, ela também tirava férias para estar com seu filho querido.  Eu sempre me questionava por que a vida deles nunca melhorava, levei anos para entender isso, claro com o salário de merda que ganhavam, sobreviviam.  Isso ela não queria para mim.

O Coronel Antônio dos Prazeres entendia meus pais, pois seu único filho tinha se perdido justo aí, nas drogas, ele bem como sua mulher que eu chamava de madrinha, praticamente me adotaram quando eu tinha uns 15 anos, minha mãe morreu, num assalto no ônibus, voltando para casa, cansada do trabalho.  Entrou um filho da puta no ônibus para assaltar para comprar drogas, como ninguém queria dar, deu um tiro, acertando justamente nela.

Meu pai ficou perdido, pois quem vestia as calças em casa era ela.  Só assentou cabeça quando encontrou outra mulher dura de roer, mas que não me queria em sua casa.

O jeito foi seguir na escola, depois vim morar na casa do Coronel dos Prazeres.  Eles dois ficaram me incentivando a entrar para a universidade, pois esse era o sonho dos dois, vivíamos ali no Rio Comprido. Eu de uma certa maneira estava cansado de estar preso, como tinha estado interno na escola.

Pensei muito bem o que queria fazer, ele riu.  Imaginem um mulato claro, cabelos crespos, olhos verdes, que herdei de algum antepassado, 1,85 metros de altura.  Queria fazer arquitetura.  Eles me deram força, bem como um carro de segunda mão, para me deslocar a universidade do Fundão.  Tinha sido bom aluno, passei com uma boa colocação no vestibular.

No final do primeiro ano, eu pensando quando chegasse as férias ia poder fazer uma coisa que amava, me dedicar ao surf, com minha velha prancha de segunda mão.  Nada disso o Coronel arrumou para que fosse trabalhar durante as férias num escritório de arquitetura de um amigo dele no centro da cidade.  Entre centro da cidade, Ipanema, havia uma grande diferença.

Mas fui, adorava a madrinha, bem como respeitava o coronel, sabia que devia demasiado a eles que me queriam como filho.  Eu entendia, eles não queriam de maneira nenhuma que eu caísse nas tentações da juventude.

Quando começavam os ensaios da mangueira, íamos uma vez por mês, assim eu via meu pai, acabado, frustrado com sua vida, sempre que me via, falava da minha mãe, que mulher como ela eu jamais encontraria, eu concordava.

Nos outros finais de semana, eu ia a praia com minha velha prancha para fazer surf, todos me olhavam de lado, pois a maioria tinha das novas.

Não me incomodava, eu gostava mesmo era de estar dentro d’água, aonde me sentia um peixe a mais.

No escritório eu não passava a principio de um office boy, pau para toda obra, mas não me importava, pois ganhava algo.

Eu escutava sempre alguém falado ou reclamando dos cálculos de estrutura, no escritório, o contratavam por fora para os grandes projetos, sem eles nada parava em pé.

Tinha um companheiro que cada vez que via um sujeito trazendo o cálculo do projeto, dizia esse sim sabe ganhar dinheiro.

Me interessei sobre o assunto, pois era fera em matemática, mas depois descobri que ia além disso.   Fui a secretária me informar, me disseram que eu poderia já ir fazendo por fora, como uma especialização, ou terminar o curso dentro de dois anos para fazer.  Se o vais fazendo agora, quando acabe o curso, terás dois diplomas.

Falei com o padrinho, junto com a madrinha, para saber o que achavam.  Ele foi se informar, era uma verdade, cada projeto, o arquiteto que fazia os cálculos, ganhavam uma boa mordida no orçamento.

Me disse que fosse em frente, eu conseguia conciliar meus horários, embora não me deixasse tempo para nada, já ia bem adiantado no curso, quando um dia escutei um engenheiro que trabalhava ali, reclamar, que havia algum erro no projeto, pois tinha se esquecido, que claro o edifício ficava na Barra da Tijuca, seria construído em cima da areia.

Vi o projeto ali jogado, me sentei comecei a fazer os cálculos, realmente havia um erro, recomecei outra vez, vi aonde estava o erro, comentei com o engenheiro, ele me arrastou ao escritório do chefe, tive que comentar que estava fazendo o curso nesse momento, me faltavam meses para acabar, que quando terminasse, teria dois diplomas.

Agora cada projeto que chegava do escritório que fazia os cálculos, me pedia para refazer.

Rápido me dei conta, porque um colega trabalhava ali, que raramente iam olhar o local, examinar a terra, até uma certa profundidade, uma coisa essencial nos cálculos.   Tinha aprendido que teria que analisar a terra, a inclinação, tudo a respeito aonde ia se construir.

Com isso fui refazendo os projetos todos, que voltavam, para ver se estava certo, não reclamava, pois estava aprendendo.   Ia até o local da obra, analisava tudo, voltava com um bloco cheio de anotações.

Quando acabei o curso, além da festa que meus padrinhos fizeram, veio meu pai também com seu filho pequeno.  Ele tinha inveja de mim, eu dele, por estar perto do meu velho.

No dia seguinte o arquiteto chefe me chamou, pensei, claro já não necessitam de um estagiário, vão me colocar na rua.

Era ao contrário, tinha feito uma reunião, ele bem como seu sócio, queriam me contratar, para ao contrário de mandarem os cálculos para fora, que eu os fizesse.   Me pagariam bem, para mim era um bom dinheiro.

Falei com os padrinhos.

A resposta sempre certa do velho coronel, era, tens que começar em algum lugar, ai eles já te conhecem, tudo bem se fosses por fora, ias ganhar mais, mas ninguém te conhece, deixe teu nome aparecer no projeto, isso era uma coisa obrigatória, pois tinha que aparecer quem tinha feito o cálculo de estrutura.

Aceitei, tinha agora uma sala só para mim, além da inveja dos outros.  Mas eu pensava sempre, Jorge me protege.

Ao contrário dos outros ia as obras, observava as pessoas trabalhando, me atrevia a examinar cada detalhe.   Um dia notei que o cimento era uma merda, estava muito molhado.  Era uma empresa subcontratada, falei com o chefe, este ficou uma fúria, pois a mesma era do seu cunhado.  Esse filho da puta, sempre querendo ganhar mais dinheiro.

No que mandou analisar, fez um escândalo imenso, pois claro havia um perigo nisso, as construções na Barra da Tijuca, tinham que ser perfeitas.

Um dos problemas, era que os arquitetos mal saiam do escritório. Alegavam que ir a Barra da Tijuca e voltar, perdiam muito tempo.

Ele como sempre explodia, resolveu mudar o escritório para lá.   Eu arrumei um pequeno apartamento, logo no inicio na parte antiga, que em alguns anos iria desaparecer, para dar lugar a edifícios imensos.   Nos finais de semana, os padrinhos, vinham com meu pai, que estava agora com a cabeça quase toda branca, tinha se aposentado, mas ganhava uma miséria, quando ia embora, eu sempre arrumava um jeito de lhe enfiar dinheiro no bolso.

Ele sorria, eres igual tua mãe, fazia tudo muito simples, para ninguém prestar atenção. Ela estaria feliz com o rumo da tua vida.

Não tinha muito tempo para nada, mas a menor folga, escapava para a praia, fazer surf, isso era uma delícia.    A empresa estava construindo por ali, tinham demolido dois edifícios antigos, iam construir um de uma maneira que queria experimentar, mais moderna, grandes com varanda de frente para o mar.  Trabalhei como um louco nesse projeto, pois por baixo tinha um lençol de água, fiquei estudando todas as opções, pois no momento que demoliram os dois edifícios, se viu que a estrutura estava toda enferrujada.

Comecei a ler, sobre um sistema novo que se usava na Europa.  Meu chefe muito esperto, me deu um bilhete de avião, bem como contato com os fabricantes, para ver como funcionava.

Imaginem que apesar de ter estudado na escola da aeronáutica, nunca tinha feito um voo tão grande.  Se tratava de saber mais que os outros, estudar, isso era comigo.

Madrinha se preocupava porque não tinha nenhum romance sério.  Era uma verdade, tinha romances relâmpagos de uma só noite, nada mais.  Garotas que se impressionavam comigo, mas quando viam meu velho carro, não tinha coragem de me desfazer dele, davam no pé.

Ou quando viam meu apartamento pequeno, apertado, cheio de livros, projetos pelas paredes, deviam pensar esse não vai a lugar nenhum.

Mal sabiam que eu estava fazendo uma caixinha para um dia desses montar um escritório só para mim, já era conhecido.

Embarquei, não sei por que me veio a cabeça a música preferida da minha mãe, Jorge da Capadócia.  Aquilo foi como um estalo na minha cabeça.  Ainda pensei, Jorge, abre meus caminhos.

Foi o que aconteceu. Fui para passar uns 15 dias na fábrica, me viram tão empenhados, embora todos falassem francês, o meu era rudimentar, entendia, anotava, procurava encontrar defeitos.

Antes de ir embora, fui convidado para almoçar com o dono da fábrica.  Foi claro comigo, preciso de gente como tu, que se esforça ao máximo, para isso.

Queres vir trabalhar aqui, escreveu num papel, o que me pagaria por mês, era meu salário de dois anos, fiz os cálculos mentalmente, transformando os valores ao câmbio do dia.

Me faziam um contrato para dois anos, depois me associaria ao projeto que tinham para as zonas de praia do Brasil.   Disse que ia pensar.

No hotel, apesar do fuso horário, telefonei para os padrinhos, levam um susto de fazer gosto.

Contei para eles o que tinham me oferecido, o que achavam que devia fazer?

Nunca cuspa no prato que comeste esse tempo todo.  Acho que deves vir até aqui, resolver esse projeto, falar da oferta, voltar para aí, vamos sentir tua falta, mas é a tua vida.

Falei outra vez com o dono da empresa.

Mandariam um sistema para resolverem o problema imediato do edifício, mas eu tinha que assinar um contrato antes.

Sai da sala dele, telefonei para o meu chefe no Rio, comentei, ele aplaudia, acho fantástico, diga a ele que me interessa ser sócio dele quando venha para o Brasil.

Venha nos oriente nesse projeto, depois a vida é tua.

Foi o que fiz, ia sentir muita falta do mar.  Mas antes de ir embora, fui a igreja de São Jorge, na frente aonde tinha nascido, rezei muito pela minha mãe, que ele me desse proteção.  Nunca tinha tido tempo para ser muito religioso.  Mas ele sempre estava na minha cabeça.

Depois atravessei a rua, me apresentei para algumas amigas da minha mãe, que riram muito, a maioria estava para se aposentar, como elas diziam com um salário de merda.  Uma delas, que tinha inclusive ajudado minha mãe no parto, riu, imagine, era meu primeiro dia aqui, a chefa na minha frente diz ui, só vejo água caído pelas suas pernas, com a confusão da festa de São Jorge imagina como estava isso aqui.

Corri por um lençol, na loja do lado, logo em seguida nasceste tu.

Me contou que nunca tinha se casado, pois não queria filhos, meus irmãos todos acabaram nas drogas, numa vida desgraçada.  Eu nunca pude estudar, mas fico feliz em te ver, imagino como estaria tua mãe sabendo disso.

Meu pai, apareceu no almoço de despedida que os padrinhos fizeram ali no Rio Comprido, estava baleado, de tanto trabalhar, em coisas que já nem podia. Como sempre vinha com o seu filho pequeno.   Este estava chateado, pois queria seguir estudando, mas claro não havia dinheiro.  Me afastei com ele, perguntei o que queria estudar.

Quero ser médico, foi taxativo.

Muito bem, vou te ajudar, falarei com meu padrinho, enviarei dinheiro para teu curso, através dele, está velho, mas não se esqueça é um coronel.

Eu sei, ele já vem me ajudando. Me disseram para vir viver aqui, mas quem vai cuidar do velho, minha mãe desapareceu a muito tempo, agora somos só os dois.

Me sentei quando foram embora com os padrinhos, falei longamente com eles, eu mandaria dinheiro sempre, mas que eles controlassem.  Nos fundos da casa deles, tinha um pequeno apartamento em cima da garagem, já disse para teu pai vir viver aqui, mas ele acha que é por caridade.  Nesse dia subi a mangueira de noite para falar com o velho, arrastei os dois sem admitir discussão nenhuma, lhe fiz ver que o menino tinha direito a seguir em frente.  Os padrinhos tinham me ajudado, senão não estaria aonde estou.  Tanto falei que ele aceitou.

Fui embora mais tranquilo, assim pelo menos ele teria um final de vida mais cuidado, ao lado dos amigos de sempre, bem como meu irmão, Juca poderia ir à universidade.

Cumpri o prometido, todos os meses fazia um deposito para o Coronel, assim ele controlava tudo.  Dizia quando eu telefonava, que mandava a mais, mas dizia que era para os remédios do velho.

Mandava fotos do apartamento que o dono da empresa tinha alugado para mim, me dediquei a trabalhar, fazia um curso pelas noites para falar melhor a língua, poder me comunicar com os operários.

Sem querer o trabalho me proporcionou, oportunidades, que nunca poderia agradecer, quando eram consultados por algum pais, para um projeto, me mandavam, primeiro ir olhar a estrutura que queriam restaurar, examinar o que existia ali, nisso conheci a Espanha, Itália, Alemanha, mas principalmente a própria França.

Fiz nome, escrevi artigos para revistas, falando do nosso produto, explicando o uso, como se devia analisar tudo.  Fui convidado para dar palestras em universidades.  Estava feliz, claro o único que me faltava era uma família, principalmente a praia.

Quando meu pai morreu, voei na mesma noite para o Rio de Janeiro, chegar, sentir o mal cheiro da cidade, que te batia na cara mal saia do Aeroporto, era foda. 

Lá estava meu irmão Juca, mais bonito do que eu me lembrava.  Estava arrasado, eu sentia, porque era meu pai, mas sentiria mais se fossem os padrinhos.

Fizemos o enterro, o coloquei ao lado da minha mãe, Juca chorou nos meus braços, ele em breve acabava medicina, queria fazer uma especialização, lhe disse que podia contar comigo.

Os padrinhos também estavam velhos, era duro ver isso.

Juca estava fazendo especialização ali no hospital da Aeronáutica, ali no Rio Comprido, me disse em que.  Fiquei de olhar para ele, assim ele poderia ir para fora.

Mais uma vez ele me disse, como vou deixar esses dois sozinhos.  Quem estava na porta, foi o velho coronel.

O abraçou, nem pensar, os filhos são para voar, se teu irmão te consegue isso, iremos para uma casa de pessoas de idade lá pelos lados de Jacarepaguá, teremos uma boa vida no final, mas o melhor foi ter ajudado vocês dois que foram como filhos para nós, a ir em frente.

Seis meses depois, consegui o que ele queria, um hospital em Paris, que trabalhava justamente no que ele queria.

Meu chefe é claro, mediou tudo.

Um dia estava conversando com ele, tinha se divorciado recentemente, teve que soltar um bom lastre de dinheiro para a ex-mulher, pelo divórcio, ela ameaçava um escândalo, que para ele seria uma merda.

Me soltou a queima roupa, descobriu que eu tinha um romance, com um velho companheiro de universidade.  Eu conhecia o sujeito, era também casado.

Mas deu uma só cacetada, levei duas, pois ele, aceitou uma oferta de sua empresa que queria a anos que fosse para os Estados Unidos.   Me largaram na sarjeta.

Os dois começamos a sair juntos, ir jantar, tomar um vinho, acabamos na cama nem sei como.

Me contou a crise de ciúmes que seu namorado anterior tinha tido, quando me contratou, dizia que tinha outros interesses.

Só que esses interesses levaram anos para acontecer.

Nas primeiras férias juntos, o levei ao Rio de Janeiro, para conhecer o carnaval.  Quando me viu sambando ficou como louco.  Me dizia depois ao ouvido, só de pensar que eres meu, ficava orgulhoso.

Matei a vontade de fazer surf.  Voltamos, um dia que estava com ele em Paris, dei de cara com meu irmão Juca.

Este estava acompanhado de uma loira daquelas de capa de revista.  Disse que iria acabar o curso em breve, lhe apresentei o Jean dizendo que ele tinha feito possível seu sonho, não fui eu quem conseguiu isso para ti.

Me perguntou se eu tinha mudado de endereço, enquanto Jean conversava com sua namorada, dei uma volta com ele ao quarteirão, contei o que tinha acontecido, que eu agora vivia com ele.

Fui honesto, nunca pensei que fosse amar a um homem, mas aconteceu, além de ser meu melhor amigo.

Contei que tinha ido com o Jean, muitas vezes visitar os padrinhos em Jacarepaguá, me disseram que os chama sempre.  Pois é, estão velhos, dei um dinheiro por fora, para eles poderem ter uma boa vida lá, afinal nos ajudaram aos dois.

Não sabia disso?

Pois é, custa caro, ele mantém tudo com sua aposentadoria, sabe como é na pátria amada, enquanto produzes bem, depois estás de escanteio.

Me perguntou se pensava em voltar ao Brasil, para montar a tal fabrica.

Andamos olhando, mas vejo que os interesses não são os mesmos. Querem como sempre ganhar dinheiro fácil, enganar o sócio estrangeiro.

Jean, como eu, não tem filhos, esta contente com o que conseguiu.  Eu mais ainda porque me projetou para o mundo vamos dizer assim.  Esse mês iremos para Londres, darei durante uma semana aulas em Oxford, para alunos que se especializam.

Não posso pedir mais da vida.  Rindo contei para ele, que tinha levado o Jean, para visitar o lugar que tinha nascido.  Tive que explicar muito, a loja que minha mãe trabalhava, não existe mais, tudo está vindo abaixo ali no Saara.

E tu, pensas em voltar?

Tive um convite para ficar, mas queria justamente falar contigo.  O que achas.

Nos sentamos numa mesa, fiz os cálculos com ele, valia a pena ele ficar. Qualquer coisa te ajudo.

Nada disso, isso já fizeste o bastante, senão teria terminado como meus irmãos, no tráfico de drogas, fudidos, nem sei se algum esta vivo hoje em dia.

Ele foi ficando, chegou a se casar com aquela beleza toda, os dois filhos dele, são meus afilhados.

Jean, foi meu primeiro amor com outro homem, quando se cansou, passou a fábrica para frente, eu fui dar aulas a convite da universidade em Aix en Provence, seguimos vivendo por lá, pelo menos eu tinha o mar por perto.

Mas tinha um sonho, sem querer por dar aulas na universidade, fui com os alunos a Capadócia na Turquia, foi como voltar para casa, me apaixonei.

Consegui com o governo Turco licença para fazer um estudo sobre as cidades subterrâneas, imaginar como tinham sido concebidas.  Foi o máximo, fui para ficar um mês, acabei me interessando por milhões de coisas da área, aprendi a língua, acabei dando aulas na universidade de lá.

Me interessava apesar de parecer absurdo para alguns, como tinham se engenhado para construir essas cidades, pois, era como ir escavando para baixo sempre.  Fazia mapas detalhados do lugar, depois explorava o do andar de baixo, documentava tudo. Para ver como se encaixavam no final.

Escrevi um livro sobre isso.  Fiz aulas com um professor da universidade de Istambul, ele me levou para conhecer a cidade subterrânea, que existia por debaixo da cidade.  Era impressionante, por isso podia viver muito tempo, durante qualquer cerco a cidade.

Estava explorando uma via de acesso, que tinham certeza de que iria dar ao porto, por aonde podia receber abastecimento. 

Jean dizia que esse professor estava apaixonado por mim.   Um dia comentou de durante minha ausência tinha conhecido outra pessoa, que estava apaixonado.  Eu entendi, estava fora de casa meses, lhe desejei boa sorte na sua nova aventura.

Consegui financiamento para explorar tudo o que estava fazendo, o governo Turco me deu permissão para seguir com o professor Ismael, fazendo o trabalho, íamos detalhando tudo, ele sabia como eu era bom desenhando mapas, observando, medindo as estruturas, a pouco tempo, na construção de um edifício muito alto nessa zona, ao colocarem as novas estruturas, tinham afundado.  Fizemos os dois um informe detalhado, acabamos encontrado a via que dava justamente ao túnel que ia até o porto, inclusive uma via, que levava fora da muralha.

Estava feliz, era como se pagasse ao Jorge da Capadócia tudo que tinha feito por mim.

Recebi junto ao Ismael, uma comenda do governo turco.  Agora falava bem a língua, contei a minha história.  No dia seguinte saia nos Jornais.  Para essa cerimonia, veio meu irmão com a família.  Foi uma festa.

Ismael, um dia que quase morremos numa das nossas aventuras embaixo da terra, ele tinha ficado preso, embaixo de um desmoronamento, mandei buscar socorro, mas fiquei com ele, pensou que ia morrer, se declarou para mim.

Passamos a viver juntos, numa vila que comprei com o dinheiro que tinha, uma vez por ano, saia pelos países que me convidavam para falar sobre a Capadócia, bem como nosso trabalho em Istanbul, íamos os dois, eram nossas férias.

Quando ficamos mais velhos, numa das pesquisas que fazíamos, descobrimos, uma cidade antiga, tudo começou por curiosidade, já sabíamos que ali, se levanta uma pedra, descobre algo.  A pequena cidade, embaixo, era uma dessas de veraneio, simplesmente.

Tinha uma pequena enseada.  Subíamos a montanha que estava por detrás, para fazer fotos, achei estranho, uma parte de terra que tinha desmoronado, começamos a imaginar, encontramos uma torre, a equipe de arqueólogos, nos convidou para participar, tínhamos nos conhecido em Istambul, durante nosso trabalho.

Encontrei uma nova paixão, junto com o Ismael, participávamos com os jovens estudantes abrindo a terra para encontrar uma cidade, que devia ter sido comercial, a torre era como um sistema de vigia.  Datava de séculos antes de Cristo, foi emocionante.  A cidade nos agradeceu, encontramos uma casa, ficamos vivendo lá, eu encantado, pelo menos podia tomar banho de mar.   Acabamos escrevendo dois livros sobre o local, agora nos estudavam pelo que tínhamos feito em Istambul, bem como dessa nova descoberta.

Chegamos a acreditar, inclusive ao encontrarmos uma espécie de cripta, que por ali tinham andado os cruzados, mas quando os arqueólogos examinaram, era um lugar de repouso de algum guerreiro de Saladino.   A cidade tinha sido destruída justamente nessa época, pelos cruzados, o tempo a sepultou.

Quando escrevíamos era ao mesmo tempo, eu o fazia em francês, ele em árabe, depois trocávamos ideias a respeito.

Recebi um convite para ir ao Rio de Janeiro falar sobre isso.  Me informei direito, era para meia dúzia de gatos pingados, foi mais fácil convida-los através do governo Turco para que viesse, conhecessem em primeira mão, o que tinha feito por ali.  Se uniu ao grupo o embaixador brasileiro, o tratei como qualquer um, estivemos na Capadócia, aonde contei o porquê do meu nome, depois o que o trabalho por debaixo da cidade, por sorte o tal embaixador sofria claustrofobia não se atreveu a descer.  Depois os levei ao último trabalho, que não tinha acabado ainda.

Por isso queriam que fosse a Brasília para receber uma comenda, me recusei, já não pensava mais em voltar ao Brasil, quando me entrevistaram a respeito, eu soltei na cara, já não devia favores a ninguém, muito menos para o governo.  Soltei que deviam ajudar mais aos estudantes para irem em frente, claro como sempre não gostaram.

Mas tinha minha vida organizada ali, vivia feliz com o Ismael, estávamos sempre mergulhados no que ainda se ia descobrindo, ao final, agora se chegava aonde tinha sido a muralha que protegia a cidade.

Mas nossa casa a beira do mar, era fantástica.  Agora era só esperar o final, pois tinha noção que isso aconteceria, tinha passado por muitos estágios em minha vida.  Afinal tinha uma paz interior, fantástica, pois imaginem um garoto que nasceu ali em plena rua da Alfandega, na frente da Igreja de São Jorge, chegar aonde cheguei.

Meu irmão Juca hoje era famoso em sua especialidade, tinha a mesma noção do que eu, que nunca dariam valor ao que ele fazia.   Vinha agora todas as férias passar dias conosco.

Nunca poderíamos esquecer dos Padrinhos, soubemos que tinham morrido, já meses depois de os terem enterrados, mas na minha última ida até lá, ele foi também, visitamos os dois no cemitério, mandamos rezar uma missa na igreja de São Jorge, para eles.

Fechei a porta, para qualquer lembrança do pais, pois não valia a pena.

 

 

 

 

 

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