lunes, 30 de enero de 2023

SAM ROSE

 


Seu verdadeiro nome era Samuel Waitrose, mas tinha mudado para sempre por Sam Rose, esse era seu nome artístico, bem como o que usava normalmente, tinha trocado mediante uma lei, que lhe permitia isso.

A muito tempo não cantava em NYC, seu público normalmente era do Oeste do país, aonde ele vivia a muitos anos.   Tinha deixado sua amada Malibu, aonde tinha uma casa na praia, por isso, estava sempre com a pele dourada, com seus cabelos castanhos, largos, queimado do sol.  No alto de seu 1,90 de altura, seu corpo magnifico de surfista a tempo quase completo.  As garotas na praia suspiravam por ele, mas mantinha sua vida pessoal, no mais estrito sigilo.   Os jornalista sabiam que se perguntavam alguma coisa que não fosse relativa ao seu último trabalho, seus discos, seus shows, estavam fadados a não saber nada, pois se levantava sem responder, indo embora.

Podia inclusive dar uma entrevista para qualquer grande magazine, mostrar sua casa, seu estúdio de gravação, fotos com seus músicos, mas jamais junto a alguém.   A gravadora que tinha insistido nisso, tinha ido para a casa do caralho, pois ele tinha exigido uma clausula no contrato a esse respeito.

Nem seus músicos se atreviam a falar nada, pois quando assinavam um contrato para tocar na banda, havia uma clausula a respeito, o único que tinha se atrevido, pagou uma boa multa.

Estava exausto, tinha feito shows numa sequência incrível, Boston, Chicago, Filadélfia, Toronto, Montreal, agora para finalizar duas noites no Times Square Garden, para ninguém botar defeito.

Quando terminou o show, sua roupa estava totalmente enxarcada, havia um homem desses que de longe se nota que é do FBI ou da CIA, parado na porta.  O afastou, entrou, fechou a porta, já tinha imaginado que isso iria acontecer, mas de maneira nenhuma ia fazer nenhuma concessão.

Entrou no banheiro do camarim, tirou toda sua roupa, ficando completamente nu.  Entrou embaixo do chuveiro, não sabia quanto tempo esteve ali.

Seu manager apareceu, lhe disse que devia colocar seu carro pronto para sair.

Este lhe perguntou quem eram esses homens aí fora?

Livre-se deles, dizendo que me nego ao que pretendem, se não se vão, chame a polícia, denuncie assedio a minha individualidade.

Se vestiu, seu camarim tinha uma porta que dava ao seguinte, assim quase numa sequência, foi passando pelos de seus músicos, fez um pedido a um deles, era muito parecido com ele, lhe disse, no meu camarim, tem uma roupa em cima da cadeira, vista a mesma, use meu chapéu, saia do mesmo, vão tentar falar contigo, faça como se fosse um músico famoso, desça até a garagem, entre no carro disponível, nos vemos no hotel.

Esperou o escândalo que se fez na porta do camarim, para sair pelo outro lado, tinha prendido o cabelo, dentro de um gorro desses de inverno, com um casaco com capuz, saiu pelo outro, lado, se misturando na multidão.  Foi andando tranquilamente até o hotel, mas não entrou em seguida, ali estavam os mesmos homens esperando.

Filho da puta, foi tudo que pensou, nunca me deixara em paz, não basta ter trocado de nome, ainda me persegue.

Se referia ao seu pai, hoje em dia um juiz da suprema corte, muito conhecido por disfrutar da alta sociedade de NYC.

Mas nunca o poderia perdoar, pelo fato de ter perdido a única pessoa que tinha amado na vida, sua mãe.

Na época, tinha sido um escândalo, que no enterro dela, ele tivesse aberto a boca, o acusando de ser o assassino literalmente dela.

Depois desapareceu, tomou rumo ao outro lado do pais. Como excelente aluno que era, tinha uma bolsa de estudo, começou a estudar, literatura, filosofia, mas era um excelente compositor, cantor, se revelou logo cantando em pequenos shows, para ganhar a vida, foi descoberto, mas acabou a universidade.  Ou seja, não era um cantor idiota, sem formação.

Tinha sim mudado de nome radicalmente, apesar de seu nome original terminar em Rose, Waitrose, esse era o nome de sua mãe.  A tinha amado com loucura.

Ela tinha se sacrificado por seu pai, na época que ele estudava, ela era quem trabalhava, tinha uma certa experiencia, era bonita como um sol, essa era a sensação que ele tinha dela.  Alta, magra, loira de olhos castanhos, tinha trabalhado de secretária, estava na universidade, mas se apaixonou, seu pai teria que abandonar seus estudos, pois seus avós tinham falido.

Ela se sacrificou, era uma garota do interior, uma mulher simples, trabalhou todo o tempo para que ele pudesse estudar.  Ele acabou a universidade, até conseguir um emprego foi difícil, mas ela estava ali para ele.  Quando ele começou a carreira de ajudante de fiscal, foi que ficou gravida, depois de uma quantidade de abortos, ela quase morreu quando ele nasceu.

Seu pai, foi subindo, ao mesmo tempo que ia se afastando da família. Viviam no final numa bela casa, mas ele mesmo em casa estava sempre trabalhando.  Chegava, mexia nos seus cabelos, se fechava no escritório.  Foi deixando os dois em segundo plano, pois tinha sonhos, quando se tornou fiscal, a coisa piorou, passou a batalhar para ser fiscal chefe, então seu tempo para a família desapareceu, ela não encaixava na vida da maioria das outras mulheres dos homens que se dedicavam a isso, festas, coquetéis, não era uma mulher fachada.  Tentou voltar a trabalhar, ele não permitiu, o que iam falar dele, sempre dizia isso sua defesa.

Claro ela começou a beber, esperando que ele viesse pela noite, mas muitas vezes nunca aparecia, então ele a levava para a cama.   Um garoto de 12 anos, fazer isso, era muito forte, ela na verdade nunca reclamava, só dizia que tinha perdido sua juventude a troco de nada.

Quando ele aparecia, discutiam, ele o que fazia era subir para o telhado da casa para não escutar, até que escutava a porta batendo, um carro se afastando.

Então descia, para recolher como ele pensava os cacos que sobravam ali. Sua mãe destroçada.

Ela dizia, a única coisa que tinha de bom na vida era ele.

Estava estudando música, as vezes chegava mais tarde em casa, pois ficava ensaiando com os companheiros, na verdade era quase uma desculpa, para não chegar em casa a ver bebendo.

Mesmo assim, quando chegava, pegava seu violão, cantava uma música para ela.

Não siga a carreira de teu pai, dizia, seja cantor, serás um sucesso, dizia isso passando a mão pelo seu rosto.

Ele tinha 16 anos, sabiam que ele tinha uma aventura com uma mulher da alta sociedade, aparecia quando muito uma ou duas vezes por semana.  Depois não se sabia dele. Sempre tinham tido uma conta conjunta, sabia que ele não prestava atenção, começou a tirar uma quantidade grande de dinheiro, colocava em sua conta, para ele ir à universidade.

A última semana antes de morrer, tinha sido dura, ele tinha pedido o divórcio, alegando uma série de besteiras, ela se negou, a chegou a acusar de que eu não era seu filho, mas sim de alguma aventura.   A partir de então, ela mal levantava, já estava com um copo na mão.

Nesse dia chegou em casa, queria mostrar uma música nova que tinha composto, ficou parado na porta sem poder se mover, ela estava sentada na poltrona preferida dele, no escritório, tinha se suicidado.  O acusava de aproveitador.  Como a casa a muito tempo estava no nome dela, a deixava para ele.   Mas dizia que nunca o perdoaria por ter roubado sua juventude.  Nesse dia tinha colocado uma carta dirigida ao maior jornal da cidade contando o que ele tinha feito com ela.

Ficou horas ali, se despedindo dela, chamou a polícia, sem chamar a ambulância, já não havia nada a fazer.  Sabia que seu pai conseguiria esconder qualquer coisa, por isso a carta, ele guardou, nesse dia preparou a mochila para ir embora.

Quem avisou seu pai foi a polícia, este fez como sempre um farol impressionante. A ele quando lhe perguntaram, perguntou a que jornal pertencia, lhe disse que procurasse na correspondência, que ela tinha mandado uma carta ao jornal.

Se trancou na casa de um amigo, ficou lá, escapou de todo o circo que seu pai promoveu, entrevistas lacrimosas, uma série de besteira.

No dia da cerimônia do enterro, ele foi, quando o padre o chamou para falar, a primeira coisa que ele disse, foi que havia um erro, era não era católica, ele estava acompanhado do pastor de uma igreja batista.  Tinha horror a padres como o senhor que se vende, para os políticos sujos dessa cidade, o obrigou a sair do altar, comece tudo outra vez, disse ao pastor, apontou o dedo para o pai, dizendo aos policiais que estavam ao fundo, por favor prendam esse criminoso. A cerimônia só seguira quando esse filho da puta saia da igreja.

Não se moveu do altar, o pai ficou sentado olhando para ele.

Não esperava o que veio em seguida, tirou a carta do bolso, vou ler a última coisa que minha mãe deixou escrita, leu tudo. Aonde está a fulana, sua amante, por quem o senhor deixou sua família.   Aonde estão seus amigos da Máfia, que o protegem, o senhor não passa de um bom filho da puta, mas não se preocupe, deixo de usar seu nome hoje mesmo, porque essa acusação para conseguir o divórcio, confirma como o senhor é baixo.  Ele não sabia que sua mãe tinha gravado, se escutava a discussão dos dois, ele ameaçando de revelar que não era seu filho, que ela não passava de uma puta.

Metade dos presentes se levantou, saíram da capela.  Ele sinalizou dois guardas da dali, pais de amigos seus, pediu que o retirassem, já que não era da família, para prosseguirem o funeral.

Nada de festas, nada de enterro, ele procedeu com o pastor o que ela tinha pedido, ser cremada, que suas cinzas fosse para o outro lado do pais, para estar o mais longe dele possível.

No outro dia se publicou a carta aonde ela contava todos os podres que sabia dele.

Ele deixou nas mãos de um advogado a carta, bem como autorização para venderem a casa com tudo que estava dentro, mas antes, retirou a roupa que o pai tinha ali, fez uma fogueira na frente da casa, que sua amante comprasse novas para ele.  Mas fez uma coisa, sabia a combinação do cofre, entregou a um jornalista, cópia de tudo que tinha ali escondido, por isso ele levou anos para poder prosseguir sua carreia de juiz.

Jogou sua guitarra, bem como seu violão, no banco detrás do seu carro, atravessou todo o pais, já tinha dado entrada na mudança de nome, entrou na universidade já com seu novo nome, Sam Rose.   Se negava sempre a dar concertos na costa leste.

Entrou no hotel pela entrada de serviço, na porta do apartamento que tinha reservado para ele, estava a secretária de seu pai.

A atendeu sem abrir a porta.  Ela disse que seu pai estava mal, que precisava de um transplante de medula óssea.

Começou a rir, se transformou numa gargalhada, se abriu a porta ao lado, era seu relações públicas, por um acaso estava com uma jornalista, venha tenho um furo para ti.

Esta senhora é a secretária do homem que diz agora ser meu pai, a mulher queria ir embora, mas ele segurou seus pulsos, só te solto se dizer por que estão me perseguindo a noite inteira.

Ela disse, viu que a jornalista gravava com seu celular, agora grave também minha resposta, ele para pedir o divórcio de minha mãe, disse que eu não era seu filho, tampouco quero saber se sou apto a lhe dar parte da minha medula óssea, quero que ele morra sofrendo muito.

Pediu a jornalista, publique imediatamente na internet, que o presunto filho do juiz federal, disse o nome do pai, se nega terminantemente a lhe doar medula óssea, que quer que ele sofra muito.

Soltou a secretária, já tens o que queria.

Abriu a porta de seu apartamento, viu que o telefone não parava de tocar, tirou o mesmo do gancho, fechou a porta de seu quarto, se jogou na cama.

No dia seguinte logo cedo, saiu pela porta de serviço do hotel, rumo ao aeroporto.

Embarcou num avião da discográfica.   De lá foi direto para sua casa em Malibu, pediu a um dos vizinhos que era policial, agora todos sabiam que ele tinha um passado, que pusesse guardas em frente a mesma.

Ele lhe disse, o melhor que fazes é ir para algum lugar distinto.

Não, aqui é minha casa, já tinha orientado seu advogado para pedir uma ordem de afastamento de qualquer pessoa vinculada ao seu pai.

A gravadora, mandou dois seguranças, ele entrava na água, fazia seu surfe de sempre, depois se fechava em casa.  Quando procuravam seu manager, esse dizia que estava preparando seu novo disco.

Meses depois soube que tinha morrido, que lhe deixava uma fortuna, fez sua única aparição, com um cheque no valor que tinha deixado, entregando o mesmo a um orfanato, quiça essas crianças possam aproveitar o dinheiro de um filho da puta.

Sabia que tinha irmãos do segundo casamento dele, mas os ignorou, tampouco foi ao enterro do mesmo.

Tinha dinheiro suficiente para muitos anos, lhe deu um branco na cabeça, não era capaz de produzir.  Sabia que outros músicos com problemas, se agarravam a bebida, ou mesmo as drogas, isso ele nunca tinha suportado.

Ficou ali na sua casa, vivendo como sempre, de dedicou a escrever a história de sua mãe, tudo que ela tinha lhe contado.

Um dia, sentado na varanda olhando o mar, começou a compor uma música em homenagem a ela, bem como a todas as mulheres que se sacrificam por suas famílias.  Era um gênero totalmente novo. Pela primeira vez, tocava com uma orquestra como ele queria.

Quando a música começou a tocar nas rádios, nos podcast, foi um sucesso incrível, finalmente deu entrevista, mas como sempre falando da música, só contava minha mãe se chamava Rose, por isso uso esse nome.  Foi uma mulher incrível, acabo de escrever um livro sobre ela, sobre as mulheres que sacrificam suas vidas pela família, por seus filhos.

As editoras, começaram a procurar por ele, mas só assinou contrato, se não exigiam entrevistas, tampouco tarde de autógrafos.   O livro acabava de sujar a memória do seu pai, pois publicou numa parte os documentos que o ligavam a Máfia, que ele tinha usado para subir na vida.

Sua mulher tentou que isso não fosse publicado, mas os documentos estavam ali.  Riu muito quando soube que o argumento, era que seus irmãos, nem sabiam que ele existia.

Mas não retirou o livro de maneira nenhuma.  Ela entrou com uma ação mas perdeu.

Um dia estava na sua varanda, escrevendo como sempre, estava batalhando com uma palavra que não saia, pegava o violão, tocava esse pedaço, mas não conseguia encaixar nenhuma palavra, escutou uma voz dizendo, tente com essa.

Ele olhou, ali em pé estava um rapaz, que devia ter a idade, que tinha quando saiu pelo mundo.

Sem tornar a olhar para ele, pois era como se ver no espelho, experimentou, encaixou.

Porra, agora terei de colocar como coautor um desconhecido que invade minha varanda.

Sou teu irmão Cris, não sabia que existia, mas sempre amei tua música, talvez porque tenha um fundo de verdade.

Posso me sentar?

Sim, em que posso te ajudar.

Ajudar, não creio que possa, estou sim farto de manter uma fachada, a idiota da minha mãe, faz tudo para isso, ele a tempo tinha sua secretária, a mesma que foi te procurar, como amante. Era um bom filho da puta.  Li teu livro, não te condeno em absoluto.

Deve ter tentado conseguir tua medula óssea, porque nem eu, tampouco meu irmão éramos compatíveis.   Agora que a merda foi espalhada pelo ventilador, em que mostra que ele sempre foi como eu pensava, um bom filho da puta.  Nada a declarar senhor juiz, disse isso rindo.

Bem-vindo ao mundo real Chris.

Como chama teu irmão?

Robert, ele é autista, vive fechado em casa, não pense tu que minha mãe deixe suas festas, seu jogo de Bridge com as amigas para cuidar dele.  Tem uma quantidade de gente para isso.

Ela quando se casou com ele, o fez com separação de bens, porque já dizia que não era tonta.

Tu não sabias mas ela estava no enterro de tua mãe, me disse que tu tens um caralho de fazer gosto por ter feito o que fez.   O mesmo quando a amante foi te pedir para doar para o velho.

Morreu sozinho no hospital, pois todo mundo sabia dele, até a amante desapareceu.

Tampouco fomos ao enterro, ninguém de casa. Tinham sim alguns poucos amigos, dizem que algum chefão da máfia que o apoiava.

Avisei minha mãe que vinha te conhecer, ela ficou preocupada por cinco minutos, como sempre, depois o celular tocou, alguém a chamando para alguma festa, se esqueceu do assunto, aproveitei, peguei o primeiro avião para cá.

Pois eu quando vim, foi no meu velho carro, usei toda essas distância para ir me afastando de tudo.

Estudas?

Não sei o que quero, minha mãe que diz que tenho que estudar direito, mas odeio a ideia. Pensei muito em milhões de coisas, mas não consigo me decidir.

Tomas drogas?

Nem pensar, repetiu uma frase que ele a tempos tinha falado numa entrevista, que nunca tinha aceitado a drogas, nem tampouco o álcool, pois nublavam sua criação.  Tenho que ter a cabeça despejada para saber o que fazer, como seguir em frente.

A essa entrevista, se a segues ao pé da letra fico contente por ti.

Toque de novo a música inteira por favor.

Viu que ele era educado, tocou, realmente a palavra sugerida encaixava.

A música, como a poesia, embora nunca tenha escrito nenhuma, as vezes é difícil encontrar uma palavra que expresse o que sentes, além de fazer rima.  Obrigado.

Sem querer seguiu escrevendo, viu que Chris olhava para o mar.

Sabes fazer surf?

Não, sempre quis aprender, mas minha mãe nunca permitiu.

Se levantou, chamou um dos garotos da praia, este veio até sua varanda, podes ensinar meu irmão a fazer surf?

Claro que sim Sam.

Venha o levou aonde tinha roupa da praia, veja se te serve.

A cara do Chris era ótima.  Quando for a hora de jantar, como cedo, te chamo.

Voltou a trabalhar, ele sempre quis ter irmãos, amigos tinha uns poucos, mas a garotada da praia eram o melhor para ele.

Na verdade, nunca tinha tido aventuras que durassem muito, pois sempre procurava fora do seu ambiente, inclusive preferia dormir na casa da pessoa, que trazer para a sua.

Tinha passado pela sua vida, homens, mulheres, mas nunca tinha encontrado sua meia laranja.

Nunca tinha se preocupado com isso, não queria ter filhos, temia cometer erros como tinha feito seu pai com ele, agora sabia também com seus irmãos.

Seguiu compondo, quando acabou, tornou a gravar inteira, mandou para seus músicos, assim saberiam do que se tratava para gravarem no dia seguinte.

No jantar conversou com Chris a respeito do Robert.

Eu o chamo de Bob, ele não gosta que as pessoas cheguem muito perto dele, o velho nunca chegava, aliás a mim tampouco.   Eu desde garoto ficava puto, pois ele ignorava meu irmão, dizia que isso devia vir da parte de minha mãe, como se fosse uma doença contagiosa ou hereditária.

Eu para vir aqui, só fiquei sossegado quando a senhora que me criou, disse que ficava, é uma das poucas pessoas que ele deixa se aproximar.

Eu sempre mostro para ele tuas músicas, ele gosta, marca o ritmo, aquela que fizeste para tua mãe ele adora, “Rose”, essa.

Vou pedir para o juiz me dar maioridade, pois assim posso receber o fideicomisso, deixado pelo meu avô.  Também se sou maior de idade, posso tentar tirar meu irmão daquela casa, o colocar numa escola especial.

Ela, bem como ele, sempre o esconderam de tudo, para todos os efeitos sou filho único. Acreditas que ele no seu testamento, deixou dinheiro para ti, para mim, para o Bob nada, como se ele não existisse.

Se queres te ajudo, tenho um excelente advogado em NYC, foi quem me ajudou contra ele, inclusive vendeu a casa que era da minha mãe, a única coisa que ele fez certa.

Dizia que com isso pagava os anos que ela trabalhou, o sustentando para que estudasse. Mas se esqueceu que ela perdeu a oportunidade de estudar como queria, se sacrificou por ele, como se uma casa resolvesse o problema.

Esse dinheiro ficou numa conta, que esse mesmo advogado administra, como um fundo. Nunca toquei nele.  O que ele me deixou, doei para um orfanato, mais isso tudo mundo sabe por que foi publicado nos jornais, na televisão.

Foi quando decidi te procurar, pensei se o sujeito faz isso, ele é honesto, não quer esse dinheiro para nada.

Como era tarde para chamar o advogado, perguntou aonde ele tinha sua bagagem.

Não tenho, só essa mochila, com umas cuecas, duas camisetas, não sabia se ias me receber.

Venha, o levou a um quarto que nunca usava, arrumaram a cama juntos, dormes aqui, amanhã cedo falamos com o advogado, conforme for vou contigo.

Só que depois tenho que ir me encontrar com meu grupo para gravar a música de ontem.

Chris rindo disse, eu vou exigir minha parte, só por causa de uma palavra.

Depois ainda ficaram vendo a lua sobre o mar.

Sempre sonhei com isso, odeio NYC, vivemos preso naquele edifício de luxo, que foi a casa do meu avô.  Meu irmão nem sai para ir a uma praça, nada.

É como se ela o protegesse, mas na verdade tem vergonha dele.  Me desculpe o que vou falar, sei que amaste tua mãe, mas acho que ela aguentou o velho, porque aparentemente ele era importante, convidado para festas nas mansões de Washington, aonde ela se cruzava com gente importante.

Quem me criou, no momento faz isso com meu irmão, é uma senhora negra, chamada Dorothy, ela sempre foi mais minha mãe que a verdadeira.   Com todo o dinheiro que tem, se ocupa de ir ao cabelereiro, ter as unhas perfeitas, almoços com as amigas, jogar bridge, etc.

Perdeu muitas, depois do teu livro, me disse que teve que entrar na justiça contra ti, pois estragava seu modo de vida.

Pois alegava ao contrário, que isso prejudicava aos dois.

Vê aonde estou metido, mas com o dinheiro que me deixou meu avô, posso cuidar do meu irmão, fazer alguma coisa que eu goste. 

Eu adoro música como tu, toco piano, em casa sempre existiu um piano, que mais parecia de enfeite, daqueles negros imensos. Cheio de retratos de pessoas importantes que ela conhece, mas um dia me deu a louca, estava irritado com o comportamento dela, levantei essa tampa jogando tudo no chão, me sentei comecei a tocar, gostei, como tenho um paga mensal, para não pedir dinheiro, comecei a fazer aulas em segredo.

No dia seguinte falaram com o advogado, marcaram para o dia seguinte, ele iria gravar a música, depois pegariam um avião.  Ligou para sua gravadora, disse que precisava ir a NYC, claro imediatamente autorizaram o avião.  Com uma condição, ele se apresentaria de noite, num show de televisão tocando alguma música nova.

No studio, Chris, assistiu os primeiros momentos do ensaio, lhe disse ao ouvido, porque não colocas o piano de fundo, acho que ficaria bem, em vez de começar dessa maneira, olha o que vou te mostrar.

Sentou-se ao piano, começou a dedilhar os primeiros acordes, uma e outra vez, a partir daqui arranca só com tua voz, depois entram os outros, fazes como um lamento, até aquela palavra.

O editor, disse, de aonde tiraste essa figura interessante?

É meu irmão Chris.

Gosto da ideia dele, vamos experimentar.

Assim fizeram, depois ficaram escutando a música.

Puta merda soltou o editor, nem precisamos gravar de novo.  Vamos experimentar, uma segunda opção, que seja só os dois, ele tocando o piano, tu o violão, num tom mais baixo, cante essa música a princípio como se estivesse falando a letra, creio que pode ficar bom também.

Assim fizeram, ficava completamente diferente, sua voz inclusive ficava mais encorpada.

Como vais fazer amanhã a noite no programa de televisão, terás que cantar uma música?

Cantarei essa, se o Chris me acompanha.

Claro que sim, olhe como eu toco “Rose”, faço muito para o Bob.

Começou a tocar, como se fosse uma Naná, ficava lindo.

Gostei, vamos ver se consigo cantar contigo junto.  Abaixou dois tom sua voz, assim ficava diferente, mais suave.

Nunca a imaginei desta maneira.

Eu quando escutei essa música, me parecia que estavas recordando de tua mãe cantando para ti, foi o que entendi desde o começo.

Foram com seu velho jeep até o aeroporto de manhã, de lá um carro da gravadora os levou ao advogado que estava esperando.

Esse estudou todo o caso, foi com eles ao advogado de seu avô, que disse que sim, que ele podia pedir isso, como faria anos, dentro de uma semana, podia pedir isso, assim teria dinheiro para tocar sua vida.  Tinham combinado em nenhum momento falar nada do Bob.

Foram almoçar, deram de cara com sua mãe no restaurante, ela nem tinha percebido que ele não estava em casa.

Quando o apresentou a ela, foi ríspida, como ousas procurar meu filho?

Fui eu que ontem tomei um avião, fui até lá para conhecer meu irmão, ele me recebeu bem, pude conhecer um homem sério, direto.  Falamos muito, de mim, do Bob, do meu futuro.

A cara dela ficou vermelha, quando uma das amigas perguntou quem era o Bob.

Chris não perdeu tempo, é meu irmão pequeno, que ela esconde porque tem autismo, tem vergonha dele.

A mulher, se levantou, pegou sua bolsa, foi embora sem sequer dizer até logo.

Assim vais acabar com as poucas amizades que tenho.

Amiga, essa mulher só se encontra com a senhora, porque pensa que eres alguém na vida, mas deve estar decepcionada.

Depois do almoço vou levar o Sam para conhecer o Bob.

A cara dela era de espanto, com o filho falando com ela dessa maneira.

Ela saiu, entrou na limousine, sem dizer até logo para ninguém.

Com certeza vai ao massagista, para se relaxar.

Realmente quando chegaram em casa ela não estava, ele imediatamente adorou a Dorothy, essa disse baixinho, o Bob perguntou por ti.

Venha, pegou a mão do irmão maior, o levou para o salão, ali estava sentado o menino mais bonito que tinha visto na vida.  Loiro com os olhos azuis quase transparente, muito magro.

Esse quando viu o irmão correu para ele, mas parou quando viu o Sam.

Não tenhas medo Bob, ele é nosso irmão mais velho. Te lembras daquela música que gostas, foi ele quem a fez.  Abriu o piano, começou a tocar “Rose”, ele cantou junto, a cara do garoto era fantástica, se balançava ao ritmo, como se alguém o balançasse para dormir.

Ficou ali parado, o menino se aproximou, pegou na sua mão.

Olha a que ele fez ontem, tocou para ele, os dois cantando juntos, o garoto, veio se sentar junto com o Chris, nisso, entrou a mãe.

Estava furiosa, principalmente quando viu o quadro, dos três irmãos juntos.

Viu que o Bob tinha medo dela, pegou a mão da Dorothy, a arrastou para fora dali.

Bom Chris, vou embora, estou no hotel, devem ter reservado uma suíte, queres ir comigo.

Ele só disse a mãe, para sintonizar o programa de televisão essa noite.

Ela ficou com a boca aberta.

Espera por mim na portaria, vou buscar algo de roupa, me despedir do Bob, dizer a Dorothy que coloque no programa hoje á noite.

Ele educadamente disse até logo para a mulher.

Ficou na portaria do prédio, entraram duas garotas, que ficaram olhando para ele, justo saia o Chris, saíram os dois juntos do edifício.

Ela estava espumando, estava ligando para o massagista, pois está nervosa.

Como a suíte do hotel tinha um piano, ensaiaram as duas músicas.

Vamos cantar primeiro Rose para o Bob, ele vai gostar.

O carro da discográfica, veio busca-los para irem ao canal de televisão, avisou a produção que seu irmão ia acompanha-lo ao piano, que seria duas músicas, uma antiga, revista pelo irmão e outra que tinham composto juntos.

Se vestiram, esperaram sua vez.

Quando o apresentador os anunciou, dizendo que Sam Rose pela primeira vez cantava junto com seu irmão Chris.

Quando o foco os iluminou, Sam explicou, que cantavam essa música especialmente para seu irmão menor Bob, é um arranjo que fez meu irmão Chris, sobre essa música que compus para minha mãe, contou que ele tinha entendido de outra maneira, que pode ser de aonde saiu essa música, ele me fez lembrar que quando eu era pequeno ela me cantava sempre para dormir.

A cantaram, o publico veio abaixo.   Agora essa outra que compusemos ontem no nosso encontro, que ele me sugeriu cantar desta maneira, fizemos duas gravações diferentes.

Cantaram de novo, o publico gostou, pois no final, cantavam o refrão com os dois.

O apresentador perguntou se o Chris também era um Rose?

Rose não é meu sobrenome verdadeiro, eu mudei a muito anos atrás, quando minha mãe morreu, ela se chamava assim, quis ligar definitivamente minha vida ao seu nome.

Ele é filho do segundo casamento do meu pai, bem como meu irmão Bob.

Que tal Chris, cantar com teu irmão.

Eu sempre gostei das músicas dele, mas não sabia que era meu irmão, Bob, nosso outro irmão sofre de autismo, mas adora essa música “Rose”, eu comecei a tocar piano, para ele.

Quando saíram, eles riam, Chris, falou, ela deve estar furiosa, agora todo mundo sabe que tem um filho autista.

O celular dele não parava, mas só atendeu uma chamada da Dorothy.

Meu filho que maravilha te ver cantando, Bob adorou, chegou a cantar um pedaço da música,

Mais feliz ficou porque dedicaram a ele a música.  Diz que gosta do irmão.

Passou o celular para o Bob, ele só ria no telefone.

A mãe o chamou várias vezes, mas ele não atendeu.  Ela faz o mesmo quando está fora, se chamo por alguma coisa, nunca atende.

Eles se mudaram de hotel, Sam resolveu ficar para apoiar o irmão, foram para um apart hotel, assim ficavam mais à vontade.

Os dois advogados se apresentaram diante do juiz de menores, que ia apreciar o caso, no último momento intimaram sua mãe.   Ele se sentou ao fundo da sala, pois tudo era uma decisão do Chris.

Ela perdeu a estribeiras, quando o viu na sala.   Achou que ele tinha instigado ao Chris, mas esse disse que a ideia de procurar o irmão tinha sido dele, queria falar com alguém sobre o meu futuro, já que a senhora esta sempre muito ocupada, com sua vida particular.

Ele explicou o que queria para o Juiz.    Quero poder decidir sozinho o que vou fazer da minha vida, para isso meu avô me deixou esse dinheiro.

Quando acabou tudo, o juiz disse que tinha visto os dois na televisão, gosto muito dessa música, minha mulher também.  Mas essa nova leitura fica espetacular.   A nova, fez minha mulher chorar, segundo ela, é uma música dedicada as mulheres.

O arranjo quem fez foi o Chris, soltou o Sam, pior senhor Juiz, agora vou ter que dar a parceria para esse garoto, vai ganhar dinheiro as minhas custas, colocou o braço em cima do ombro dele.

Chris, perguntou se podia falar com o juiz a sós?

Sim, posso te dar uns 15 minutos.

Quero fazer uma consulta, mas só entre nós dois.

Todos saíram da sala.

Ele voltou sorrindo.

Sua mãe os esperava fora, tinha perdido a pose, quer dizer que te vás de casa?

Se a senhora nem notou que eu não estava durante dois dias, não farei muita falta, foi a resposta.

Depois que se afastaram ele falou com seu novo advogado, o juiz acha que tenho possibilidades de ter a guarda do Bob, se você me ajuda a cuidar dele.

Vou pensar no que me estar pedindo.

No caminho para o apart hotel, foi lhe dizendo, tens que fazer com que a Dorothy, fale com o Juiz, afinal foi ela que tem criou, que cuida do Bob, se sua mãe ganha, pode afastar os dois.

O problema será aonde vamos viver?

Posso me mudar para uma casa maior ali na praia, ou mesmo conseguir a do lado, que está a venda, conheço o dono, assim vocês teriam a casa de vocês, mas eu estaria junto.

Achas que o Bob ia gostar de viver ali.

Acho que sim, eu pelo menos poderia ensinar ele a fazer surf.

Já falas como um campeão na matéria.

Mas seja qual seja tua decisão eu vou te apoiar.

Tinham que se preparar, afinal sua mãe tinha o poder sobre o irmão.  Talvez a decisão fosse que ele estivesse numa escola especial, bem cuidado.

Foi uma larga batalha, mas sem querer depois de muitos meses, Sam, falou com os empregados da casa, que estavam fartos da encenação.  Sabiam que agora ela tinha um amante que levava para casa.

Precisavam de fotos, para comprovar.  Quem as conseguiu foi a Dorothy, que queria proteger seu garoto como chamava o Bob.

Não deu outra, era o próprio juiz que levava o caso.  Foram os dois ao escritório do mesmo, que os recebeu com desprezo.   Mas quando viu as provas, ou deixava o caso, ou escândalo.

Esse se recusou, então não restou outra que abrir a porta, fazer entrar uma repórter do melhor jornal da cidade, entregar a ela um envelope na frente dele, bem como um vídeo que os viam sentados na mesa do café da manhã em roupas menores.

Foi um bom escândalo, sem duvida nenhuma o juiz seguinte deu a guarda ao Sam, no caso dele faltar o Chris, mas o melhor foi descobrir, com o advogado dela, que tinha sido seu amante, o testamento real do seu avô, o apartamento era dos garotos, bem com todo o recheio.

Ela se negava a sair, o apartamento era cheio de obras de arte, Chris chamou um experto no assunto, que levou tudo para vender, a eles não interessava nada disso, deixaram somente o quarto dela, sem decoração nenhuma, um quadro que estava ali, valia milhões, foi um escândalo completo.

Quando os levou para a nova casa ao lado da sua, acompanhados da Dorothy, além de Mirthes, uma senhora que cozinhava os pratos que o Bob gostava.  Era uma casa maior que a sua, agora Chris estudava música na universidade, elaborar partituras, tinha planos de posteriormente fazer composição, bem como regência.

Bob começou a sair da sua casca, era bem recebido pelos garotos da praia, que estavam sempre de olho nele.  De sua casa, como sempre trabalhando na varanda, as vezes levava um susto, pois ali estava o Bob, escutando ele compor.

Tinha um ouvido musical impressionante, as vezes lhe soltava algo que faltava na música.

Foram tocando a vida em frente, agora Chris sempre se apresentava com ele.  Se recusavam a fazer shows em NYC, apesar de terem ali uma plateia cativa.

As vezes vinham desde lá para gravar um show com eles dois.

Anos depois, indo a escola, pela primeira vez escutaram Bob cantando numa festa da mesma, “Rose”, tinha uma voz cálida, tinha falado no começo, minha música preferida, do meu irmão Sam.

Dorothy viveu com eles até idade muito avançada.  Depois tinha na casa uma senhora que cuidava dela, Sam dizia que ela era a mãe real dos meninos.  Da verdadeira nunca mais souberam, com tanto escândalo, desapareceu.

As vezes ele pensavam, os dois deviam ser a famosa meia laranja, um do outro, tanto seu pai como ela, não eram flor que se cheirasse.

Ele levou muito tempo para encontrar a sua parte afetiva realizada, a principio teve receio, pois conheceu um transexual, que era músico como ele, professor da escola que ia o Bob, foram se conhecendo, se encontrando, acabaram juntos.

Ele não escondia mais nada, mas seguia não permitindo perguntas sobre sua vida particular, nem a dos meninos, já bastava tudo que tinham aguentado.

Seu companheiro, Geo, dizia, tive que virar homem para me apaixonar por outro homem. Mas se completavam.

Com o tempo, fizeram uma bela composição, ajudados pelo Bob, que agora tocava piano também, mas claro não gostava dos shows, muita gente o confundia.

Seu maior prazer era surfar com os amigos da praia, nisso era melhor que o Chris, ria muito com isso.

Esse dizia ao Sam, ainda bem que tive a coragem de te procurar, embora pensasse que ia bater com o nariz na porta. 

Eres meu irmão, não tens culpa dos erros dos outros.

Quando Chris se casou, Bob e ele foram padrinhos, a madrinha foi a Dorothy, a garota era especial, também amava a música.

Enfim sem querer, acabaram formando uma família verdadeira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

lunes, 23 de enero de 2023

GRITOS SURDOS

 

                                

 

Lamentava o que tinha acontecido na noite anterior, mas sabia sempre o caminho a tomar, por isso estava de novo no seu psicólogo.  Esse ia estranhar, mas como uma bofetada, seus pesadelos tinham voltado.

No dia anterior, seu irmão mais novo, com o qual não tinha tido muita convivência, a partir que era filho de seu pai, com sua segunda esposa, tinha aparecido de visita, quando abriu a porta o viu vestido de militar, tinha explodido.

Esse puto velho te convenceu, lhe disse que sequer dizer bom dia ou qualquer outro cumprimento.  Espumava de ódio, demorou para se acalmar, piorou quando o outro lhe contou que tinha entrado para o exército, porque seu pai lhe contava seus logros.

Tudo mentira desse velho asqueroso.  Não entendeste ainda que é um hipócrita, tudo bem é um coronel, mas nunca foi a guerra, se limita a treinar as pessoas, mas nunca matou ninguém, tampouco viu morrer nenhum companheiro em seus braços, nunca viu a miséria dos países que outros como ele dizem que temos que ir para salvar o mundo.

Não é o que ele diz.  Mostra seus galões triunfantes, conta histórias.

Nada disso é real, venha comigo, mal deu o tempo de seu irmão colocar a bagagem no chão o saiu arrastando, antes lhe mostrou sua prótese da perna direita, ele te falou disso?

Não sabia que tinhas uma prótese.

Pois essa é a verdade, tampouco te contou que levo anos entrando, saído de clínicas, por causa dos meus problemas psicológicos, tentando deixar as drogas para dormir, para despertar, coisas que me faça esquecer o que passei.

O enfiou em seu jeep, de malas maneiras, o levou a casa de um general retirado, se apresentou como sempre ali, de supetão, fez o mesmo lhe contar ao irmão quem era seu pai na verdade.

O General o chamou de lambe botas, de puxa saco, esse filho da puta nunca foi a uma guerra, aproveitou que seu pai foi militar, para sempre escapar.

Ele gravou a conversa inteira com o General, pediu para o irmão chamar o pai, este atendeu, pensando que ele estava em algum campo de treinamento.  Ele tirou o celular da mão do irmão, disse estou mandando esta gravação para todos teus amigos do Pentágono, bem como para teus amigos que você vive contando mentiras.  Manda mais um filho para morrer, em nome da tua idiotice, estás fudido, mando também para todos os jornalistas de Washington, para publicarem umas verdades sobre ti.

O velho gritava para que ele não fizesse isso, mas já tinha apertado o botão, ali estava gravada a conversa do general, com seu irmão, bem como coisas que ele sabia.  Tinha convencido seu irmão menor de ir a guerra quando ele estava em Iraque.  Este morreu na primeira saída, pois não estava preparado.

Fazia o mesmo com esse agora, mandou a gravação para a mãe dele também, assim saberia com quem estava casada.

Voltaram para sua casa, pediu que o irmão colocasse outra roupa, lhe disse claramente, não te conheço, mas se fosse tu, saia do pais, mas não ia para o exército.

Foram para a praia, o foi apresentando uma série de ex-militares, como ele todos com problemas, um lhe faltava um braço, outro um olho, enfim mil misérias.

De noite, acordou de uma maneira que não se lembrava a muito tempo, aos gritos, que iam aumentando de volume, para acabar num grito surdo como ele dizia, um grito sem som nenhum, com os olhos arregalados.

Quando seu irmão conseguiu por fim acalma-lo, resmungou, mais uma vez terei de mudar de casa, pois os vizinhos vão reclamar, embora vivesse no último andar, se escutava tudo.

Passou uma duas horas, chorando, se lembrando de tudo, principalmente da última vez, o comboio tinha entrado numa aldeia, no centro da mesma embaixo de uma árvore estavam todos os velhos, crianças, mulheres mortos, mal entraram sofreram um ataque massivo.

Ele foi um dos poucos que sobreviveu, quem conseguiu avisar a base.

Mas da maneira que tinha caído, olhava para um garoto morto, com a boca escancarada num grito surdo como ele chamava, se via que estava gritando na hora de sua morte.

Isso tinha acabado com o pouco de tinha de cabeça, mais ainda quando voltou, depois de meses na Alemanha, aonde tinha acabado por amputar sua perna. Desde um pouco abaixo da articulação, usava uma prótese, tinha acabado caindo da cama.

Seu irmão estava horrorizado.

Ele se levantou, usando as muletas, foi para o banheiro, se colocou embaixo do chuveiro, chorando como uma criança, pediu que ele fosse embora, mas que o escutasse, encontre com tua mãe uma maneira de escapar disso.  Ela é rica, pode te ajudar.

Ele ao contrário tinha entrado para o exército, porque mal podiam viver da miséria de mesada que seu pai dava para ele, e seus irmãos, eram mais três, duas garotas depois dele, além do pequeno que tinha morrido.  Isso levou sua mãe ao desespero.

Mas o coitado tinha procurado seu pai, pedindo ajuda, este o convenceu de entrar para o exército como tinha feito com seu único filho desse segundo casamento.

Esperou um bom tempo, pois não tinha consulta marcada, contou tudo para o psicólogo, volto a ter pesadelos, creio que quando volte, encontrarei o proprietário pedindo que saia do mesmo.

Isso já tinha acontecido mil vezes.   Pior agora não tinha dinheiro para entrar para um clínica, as do exército nem pensar.

Quando saiu da consulta, seu celular tinha várias chamadas, viu que era da mulher de seu pai, chamou, estava meio histérica.   Perguntou se realmente era verdade?

Sim, ele vai negar mas é tudo verdade, nunca foi a guerra nenhuma, conta mentiras para todo mundo, eu fui a guerra porque não podia ir a uma universidade, já não tinha direito a pensão dele.   Mas o filho da puta convenceu meu irmão pequeno quando foi pedir ajuda para ir à universidade que fizesse o mesmo, morreu dois dias depois ao chegar.

É isso que a senhora quer para seu filho. Que volte dentro de um caixão, que tenha que viver o resto de sua vida com uma bandeira, que nem serve para limpar a bunda.

Só a escutou dizer, o coloquei hoje para fora da minha casa, estou movendo tudo, para evitar que meu filho siga no exército, me chamou chorando, é um menino que não tem experiencia nenhuma de vida.

Quando chegou em casa, não viu o proprietário, tomou duas pastilhas para dormir, fechou tudo, ficou com a casa no escuro.  Tirou a prótese, se jogou na cama.

Despertou outra vez de madrugada, usava para evitar os gritos, uma espécie de mordaça, tinha aprendido com um amigo seu, colocava um aparelho desses que usam os que tem bruxismo, para proteger os dentes, bem como uma mordaça de uma fita adesiva, como essas que se viam em filmes policiais, assim os gritos ficavam baixos.

Sabia que o sonho ia se repetir uma e outra vez.

Viu que seu celular, tinha mensagens de suas duas irmãs, graças a deus as duas tinha escapado de um destino horrível.  Uma era enfermeira num dos melhores hospitais de Los Angeles, a outra advogada num bom escritório.

Quando se livrou de tudo isso, as chamou as duas disseram o mesmo, leia os jornais, bem como olhe os tele diários.

Era sobre o seu pai, entrevistavam vários amigos dele, que pensavam que eram um homem curtido das guerras.  Outros o consideravam um bufão.

O pentágono o tinha colocado na rua, por falsificar, papeis que atestavam que tinha estado na frente de batalha.

Quando abriu a porta para sair, para ir comprar pão, deu de cara com ele, apontava uma arma para ele.

Ficou rindo, pois a arma estava travada, lhe deu um murro na cara, o deixando desacordado, chamou a polícia, o denunciou.

Se negou a retirar os cargos, ele o tinha ameaçado com uma arma, se sentia melhor se vingando dele.

No dia que o julgavam, ficou sentado na última fila, a quantidade de papeis que o fiscal tinha conseguido contra ele era muita.

Pelo visto tinha vivido sua vida inteira uma imensa mentira, podia ser julgado pelos militares, mas estes abriram mão por causa do escândalo, que tinha provocado.

60 por cento dos papeis de suas promoções, eram falsos.

Se via que ele estava alterado, quando o chamaram para depois, ele exigiu que falassem dos títulos que tinha, mas o fiscal se dirigiu a ele, por seu nome normal.  Lhe disse que o exército, tinha lhe retirado qualquer título.

Quando o juiz leu sua sentença de 15 anos de prisão por falsidade ideológica, ele espumava, foi então que se levantou, deixando que o visse.

Vou te matar filho da puta, ninguém pode comigo.  Pensaram que ele estava ameaçando o juiz, que lhe deu mais cinco anos de presente.

Saiu dali, no seu velho jeep, que era a única coisa que tinha de valor, estava seu saco de roupa, foi embora sem destino.  Tinha uma pequena paga de pensão por invalidez, daria para viver em alguma cidade pequena do interior.

Saiu sem destino, rindo feliz pela primeira vez em muitos anos.

Era uma vingança, ele sabia disso. Mas se olhasse para trás, o abandono que esse homem tinha feito com sua família.  Tinha passado a vida inteira arrotando caviar, quando devia comer merda do chiqueiro que era mentalmente.

Tinha visto sua mãe ir fenecendo, lentamente, trabalhando como uma louca como costureira, para os manter alimentado, vivendo num edifício miserável, enquanto ele vivia numa mansão, claro as custas da atual mulher.

Agora pelo menos estaria no meio da escoria a que pertencia.

Passou vários dias acampando no deserto, tinha parado para pensar, pois se tinha pesadelos, ali podia gritar à vontade, quando muito espantaria os escorpiões.

Quando acabou seus mantimentos, foi até a cidade mais próxima, mas foi acampar outra vez, aos pés de uma montanha.

Encontrou por ali, um pequeno riacho que desaparecia de repente no meio das pedras.

Ali pela primeira vez conseguiu dormir sem tomar remédio nenhum.

Um dia despertou com um velho índio, sentado de cócoras em cima de uma pedra o observando.

Ele lhe disse bom dia, colocou sua prótese, se levantou, colocou mais lenha na pequena fogueira para fazer café, estendeu uma caneca limpa com café ao homem, que seguia o olhando sem dizer nenhuma palavra.

Quando viu, estava contando para o homem sua história, falando inclusive dos seus traumas, seus pesadelos.

O homem seguia sem falar, o pegou pela mão, entrou numa cova, logo em seguida de aonde estava, só então entendeu que tinha acampado num lugar sagrado pelos índios, pediu desculpas, não sabia.

O homem o fez entrar numa gruta, que estava iluminada com tochas molhadas talvez em petróleo.  Viu então de aonde vinha a agua do riacho, o homem se sentou, lhe disse para fazer o mesmo.

Ele tirou a prótese, mas claro para isso tinha que tirar suas calças, o homem disse que devia ficar como estava, ali sentado no chão na frente dele.

Fechou os olhos, começou uma viagem que nunca poderia imaginar, sem tomar drogas, nada que o induzisse.

Toda sua vida passada, enfrentando o mesmo homem, o que era atualmente seu pai, um sujeito que sempre tinha sido egoísta, covarde, para não citar coisas mais complicadas.

Em nenhuma vida, ele tinha deixado de lutar contra ele.  Agora entendia a raiva que tinha dele desde criança.  Era um homem frio com os filhos.

Foi ficando ali com o velho índio, quando esse disse que tinha passado esse tempo refletindo sobre a vida, o levou até aonde vivia, num povoado de casebres, aonde ele era o chamã, ninguém perguntou nada a respeito dele.

Foi aprendendo com o velho uma série de coisas, o ajudava em sua horta com as ervas, agora com a chegada do inverno, era o tempo de recolher o que se podia, fazer pequenas porções, deixar para secar.   Aprendeu o uso de cada uma.  Uma vez por semana, ia até a cidade mais próxima, para usar num locutório, um telefone, para chamar as irmãs, assim sabia noticias delas, bem como de sua mãe.

Um ano depois, soube que tinham assassinado seu pai em prisão, alguém descobriu que as histórias que contavam era mentiras, tinham lido na biblioteca, jornais antigos sobre ele.

Cada um tem o fim que merece, foi tudo que comentou.  Sua irmã que era advogada, ainda comentou que tinha se juntado a um grupo de raça ária, que esses não tinham perdoado suas mentiras.  Isso era uma coisa compulsiva nele.

Nenhuma de suas irmãs, pensava em casar-se ter filhos, tinham tido uma vida muito desgraçada, para desejar colocar filhos no mundo.

Ele foi ficando, só sabia mais ou menos do tempo, contando as estações, primavera, verão, outono, inverno, pelo que plantava em cada uma.

Agora se reunia com os outros homens que tinham sobrado da tribo, numa velha cabana, aonde o velho praticava antigos rituais, levou um bom tempo, apareceu um homem que tinha servido o exercito como ele, tinha os mesmos problemas, o velho lhe disse que ele devia cuidar desse homem.   O levou para essa cabana, aonde usavam ervas, nas brasas, isso além de escutar tudo que o outro falava que tinha visto, como tinha sido usado pelos seus superiores, contava que dali tinham saído cinco rapazes, enganados pelos recrutadores, mas que agora ele jamais ia permitir que voltassem ali.   Só ele tinha retornado, tinha sido colocados num regimento, aonde só existiam como dizia um comandante a escoria da sociedade, negros, mexicanos, homens que para escapar da prisão entravam no exército, eram uma bucha de canhão perfeita, ninguém ia sentir falta deles.

Os dois podia levar dias conversando.  Se tornaram amigos, ele sempre estava ali, quando o outro tinha pesadelos, agora já podia falar dos seus com alguém.

Os dois ajudavam o velho em tudo, inclusive com suas economias, tinham comprado um trator de segunda mão, que Osborne consertou, aravam a terra, ajudando a tribo, plantando milho, trigo o que fosse necessário.  Iam nas terras sem cultivar das pessoas da tribo, quando fizeram a primeira colheita de milho, já não necessitavam de ajuda do governo, depois fizeram a de trigo, estudaram uma maneira de guardar o que sobrava para os meses de inverno, para distribuir entre as pessoas.  Algumas mulheres, sempre traziam tortas de trigo que faziam para eles, mas também aprenderam a fazer.    Um dos homens trouxe vários cavalos, misturados de Mustang, com outros abandonados.  Esse se dedicava a ir pelas fazendas, comprar cavalos, éguas que as pessoas não queriam mais.  Davam ali seu repouso de guerreiro.  Construíram entre todos um grande celeiro, aonde deixar os animais durante os meses mais pesados de inverno.

Como por milagre, algumas éguas tiveram potros, que eram a alegria da criançada.

Nesses meses como não podia ir à escola da vila mais próxima, eles, que tinham aprendido um pouco ensinavam as crianças.  Tinham encontrado o equilíbrio numa vida simples, não permitiam aos jovens, porque lhes ensinava com exemplos, bebida, drogas, a maioria das vezes conseguiam.

Quando apareceram recrutadores, os expulsaram dali, desta vez não levavam nenhum jovem para serem bucha de canhão.

Eles agora tinham aprendido do velho, ensinavam os valores antigos da raça, Osborne, ria muito quando o velho o chamava de cavalo tonto, quando lhe perguntou por que, lhe disse que era por sua maneira de andar com a prótese.

No inverno seguinte, fizeram uma coisa os dois, se documentaram aonde, existiam índios que tinham perdido tudo por culpa do exército, que viviam pelas ruas como homeless, ou nas drogas, os catequisavam, construíram uma cabana imensa, a moda antiga, com uma grande lareira ao centro, os que quiseram vir, eles purgavam, ensinavam a conviver outra vez ali, se recaiam nas drogas, o mandavam voltar de aonde tinham saído, mas a maioria ficava, tinham todos largas conversas pelo que tinham passado, quando chegava a primavera, ajudavam a todos no campo, eles mesmos cultivavam uma boa parcela de terra, plantando o que necessitavam, milho, batatas, trigo, assim tinham como se manter no inverno.

Todos tinham uma pensão do exército, conseguiram na cidade uma índia que era professora, entre todos construíram uma escola para os mais pequenos.

Esta acabou se casando com um dos homens recuperados por eles.

Outros, que tinham sofrido na carne abusos sexuais, criavam casais entre eles.

Numa das idas a cidade, uma senhora se aproximou, tinha ido visitar uma irmã sua que era freira num orfanato, ali estava duas crianças descendentes de índios, que ninguém sabia de aonde eram.   Conseguiram com a ajuda desta trazer as crianças, a casa do velho agora era deles, as criavam como seus filhos.

Tinha com o Osborne uma relação, baseada na confiança, no amor que acabaram descobrindo entre eles.

O velho ninguém sabia a idade certa, nem ele mesmo, um dia faleceu, antes de morrer, disse que ele estava preparado para ajudar ali, veja tudo que vocês dois fizeram pela gente daqui, continuem ajudando.

Os dois chegaram a ver seus dois filhos adotivos, bem como outras crianças, irem à universidade, com bolsas de estudos, eles batalhavam para isso.

Chegou um momento que sua irmã que era enfermeira veio viver ali com eles, os ajudava a cuidar dos enfermos.  Falava com a outra, sem querer encontrei a paz que buscava a tanto tempo, passou a viver com um dos homens que ali estava, já a muito tempo recuperado, mas seguiam fazendo o de sempre, a temporada que ia buscando irmãos perdidos, não lhes importava a que tribo pertencessem ali, formava uma tribo a parte.

Chegou um momento que perdeu noção também da idade que tinha, com o tempo deixou de usar a prótese, para andar com muletas.   Uma vez voltou com Osborne aonde o velho o tinha encontrado, estiveram ali retirados quase um mês, durante o inverno.

Quando voltaram a sensação que tinham era que voltavam para seu lar, ou o que fosse isso, tudo tinha seguido funcionando como se eles estivesse sempre presente, isso era salutar.

Nas parcelas de terras agora, todos tinham cavalos, o homem que tinha trazido os primeiros, seguia fazendo o mesmo, saia pelos rodeios, trazia cavalos que ninguém mais queriam, cuidavam dos mesmos, seguindo os ensinamentos do velho, cada família tinha agora, pequenos celeiros para terem seus animais.   Juntaram durante muito tempo, todos com os excedentes que vendiam como uma cooperativa, trouxeram ovelhas, que alguns criavam, as mulheres aprenderam a trabalhar em teares, que Osborne construiu seguindo um livro antigo, agora eram capaz de fazerem mantas como as antigas faziam.  Ele tanto movimentou que conseguiu que um senador, conseguisse, um grupo pequeno de búfalos, os começaram a criar livres, só comiam a carne dos que ficavam mais velhos.   As crianças voltaram a aprender a usar arco e flecha, para voltarem ao tempo passado.  Aprendiam a usar os cavalos sem artefatos como os homens brancos.  Ele mesmo, cavalo manco, montava, usando somente uma perna, levou tempo, mas conseguiu encontrar o equilíbrio.

Na vez seguinte quando foram para o retiro espiritual como ele chamava, levaram um grupo de jovens, para alguns a princípio, era como ir de excursão, quando chegaram lá, viram que era outra coisa, todos se compenetraram.

Um dos seus garotos que tinha estudado medicina, voltou, foi aprendendo ajuntar o que tinha aprendido na universidade, as medicinas do velho, que já sabia desde criança.

Ele foi a revelação dessa última viagem deles, pois viram que tinham um poder de cura, muito particular, seria o próximo chamã, nem ele, tampouco Osborne se consideravam chamamés, mas sim um discípulo do velho.

Peter montou uma pequena clínica, no meio do caminho entre aonde viviam, e a vila mais próxima, assim podia atender a todos, sua irmã que era enfermeira, ensinou tudo a um grupo de garotas, algumas foram estudar fora, outras ficaram ali ajudando.

Sempre havia uma que estudava para professora, para seguir cuidando das crianças.

Alguns iam fazer universidade, não voltavam, ninguém dizia nada, pois como o velho tinha lhe falado, as pessoas têm direito a voar com suas própria asas e destino.

Agora velhos, se sentavam na varanda da cabana, ficavam olhando os mais jovens trabalhando no campo.  Tinham meios de subsistência próprios, o orgulho voltava a existir entre eles.

Ele que estava perdido, tinha encontrado seu caminho.  Agora sonhava muito com o velho que lhe dizia que sua próxima vida teria outro caminho a seguir.

Sabia que mais dias, menos dias, deixaria de existir, mas isso já não importava, tinha feito algo de valor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 16 de enero de 2023

JORGE DA CAPADÓCIA

 

                            

 

Despertou rindo, tinha sonhado com São Jorge falando com ele, de fundo escutava a música de Jorge Ben Jor, ria sempre com isso, pois sabia que seu dia seria melhor.

Sua mãe era apaixonada por Jorge Ben Jor, quando ele compôs essa música ela não duvidou nenhum minuto em coloca-la no bebê que estava por nascer, todo mundo ria, pois ela não tinha ideia se seria homem ou mulher.

Meu pai foi contra desde o princípio, ele era filho de santo de Xangô, queria que meu nome fosse o símbolo do mesmo.  Ficava dizendo o tempo todo que ela iria contrariar seu santo.

Pior nasci no dia que se comemorava São Jorge, uma grande festa ali no centro da cidade, na igreja dedicada a ele, ela trabalhava numa loja justo em frente, viviam os dois na mangueira.

Logo cedo, quando o sino da igreja começou a tocar, ela trabalhava tranquilamente, pois tinha errado nas contas, achava que eu só nasceria um mês depois.

Estava atendendo uma cliente, que aproveitava que tinha vindo trazer oferenda na igreja, quando rompeu águas.

O menino nasceu ali mesmo, as amigas logo disseram, nasceu no dia dele, vai ser protegido por ele.  Imagina nascer ali em pleno Saara, na Rua da Alfândega, foi um corre, corre, desgraçado, acho que nesse momento, ficou marcada a minha vida, estar sempre no meio da confusão, mas com São Jorge me protegendo.

Imagina alguém se chamar Jorge da Capadócia Silva Santos, pois bem esse é meu nome. Um pouco grande para um pobre.  Quando na escola na lista de chamada, como havia por ali muitos Jorge, a professora dizia alto em bom som, Jorge da Capadócia, todo mundo ria.

Eu a princípio ficava zangado, mas depois me acostumei.  Minha mãe no meu aniversário, para contrariar meu pai, colocava em vez de parabéns, Jorge da Capadócia, cantada por Jorge Ben Jor.

Eles iam trabalhar, me deixava ali numa escola, perto do Campo de Santana, aonde eu passava o dia inteiro.   Ela trabalhou nessa loja até morrer, ele trabalhava na construção. Vivíamos num barraco lá na Mangueira.

Minha mãe dizia que eu não podia escutar a bateria, que começa a dançar, em pequeno, era como se me colocasse uma bateria.

Mas talvez o fato de terem que me deixar em algum lugar para trabalhar, me isolou dos garotos da favela, que desde jovem caiam nas drogas.

Meu pai tinha um padrinho, um coronel da aeronáutica, esse quando fiquei maior, me meteu na escola interno em Barbacena, talvez tenha sido minha salvação.   Só vinha para casa nas férias, era uma festa, ela também tirava férias para estar com seu filho querido.  Eu sempre me questionava por que a vida deles nunca melhorava, levei anos para entender isso, claro com o salário de merda que ganhavam, sobreviviam.  Isso ela não queria para mim.

O Coronel Antônio dos Prazeres entendia meus pais, pois seu único filho tinha se perdido justo aí, nas drogas, ele bem como sua mulher que eu chamava de madrinha, praticamente me adotaram quando eu tinha uns 15 anos, minha mãe morreu, num assalto no ônibus, voltando para casa, cansada do trabalho.  Entrou um filho da puta no ônibus para assaltar para comprar drogas, como ninguém queria dar, deu um tiro, acertando justamente nela.

Meu pai ficou perdido, pois quem vestia as calças em casa era ela.  Só assentou cabeça quando encontrou outra mulher dura de roer, mas que não me queria em sua casa.

O jeito foi seguir na escola, depois vim morar na casa do Coronel dos Prazeres.  Eles dois ficaram me incentivando a entrar para a universidade, pois esse era o sonho dos dois, vivíamos ali no Rio Comprido. Eu de uma certa maneira estava cansado de estar preso, como tinha estado interno na escola.

Pensei muito bem o que queria fazer, ele riu.  Imaginem um mulato claro, cabelos crespos, olhos verdes, que herdei de algum antepassado, 1,85 metros de altura.  Queria fazer arquitetura.  Eles me deram força, bem como um carro de segunda mão, para me deslocar a universidade do Fundão.  Tinha sido bom aluno, passei com uma boa colocação no vestibular.

No final do primeiro ano, eu pensando quando chegasse as férias ia poder fazer uma coisa que amava, me dedicar ao surf, com minha velha prancha de segunda mão.  Nada disso o Coronel arrumou para que fosse trabalhar durante as férias num escritório de arquitetura de um amigo dele no centro da cidade.  Entre centro da cidade, Ipanema, havia uma grande diferença.

Mas fui, adorava a madrinha, bem como respeitava o coronel, sabia que devia demasiado a eles que me queriam como filho.  Eu entendia, eles não queriam de maneira nenhuma que eu caísse nas tentações da juventude.

Quando começavam os ensaios da mangueira, íamos uma vez por mês, assim eu via meu pai, acabado, frustrado com sua vida, sempre que me via, falava da minha mãe, que mulher como ela eu jamais encontraria, eu concordava.

Nos outros finais de semana, eu ia a praia com minha velha prancha para fazer surf, todos me olhavam de lado, pois a maioria tinha das novas.

Não me incomodava, eu gostava mesmo era de estar dentro d’água, aonde me sentia um peixe a mais.

No escritório eu não passava a principio de um office boy, pau para toda obra, mas não me importava, pois ganhava algo.

Eu escutava sempre alguém falado ou reclamando dos cálculos de estrutura, no escritório, o contratavam por fora para os grandes projetos, sem eles nada parava em pé.

Tinha um companheiro que cada vez que via um sujeito trazendo o cálculo do projeto, dizia esse sim sabe ganhar dinheiro.

Me interessei sobre o assunto, pois era fera em matemática, mas depois descobri que ia além disso.   Fui a secretária me informar, me disseram que eu poderia já ir fazendo por fora, como uma especialização, ou terminar o curso dentro de dois anos para fazer.  Se o vais fazendo agora, quando acabe o curso, terás dois diplomas.

Falei com o padrinho, junto com a madrinha, para saber o que achavam.  Ele foi se informar, era uma verdade, cada projeto, o arquiteto que fazia os cálculos, ganhavam uma boa mordida no orçamento.

Me disse que fosse em frente, eu conseguia conciliar meus horários, embora não me deixasse tempo para nada, já ia bem adiantado no curso, quando um dia escutei um engenheiro que trabalhava ali, reclamar, que havia algum erro no projeto, pois tinha se esquecido, que claro o edifício ficava na Barra da Tijuca, seria construído em cima da areia.

Vi o projeto ali jogado, me sentei comecei a fazer os cálculos, realmente havia um erro, recomecei outra vez, vi aonde estava o erro, comentei com o engenheiro, ele me arrastou ao escritório do chefe, tive que comentar que estava fazendo o curso nesse momento, me faltavam meses para acabar, que quando terminasse, teria dois diplomas.

Agora cada projeto que chegava do escritório que fazia os cálculos, me pedia para refazer.

Rápido me dei conta, porque um colega trabalhava ali, que raramente iam olhar o local, examinar a terra, até uma certa profundidade, uma coisa essencial nos cálculos.   Tinha aprendido que teria que analisar a terra, a inclinação, tudo a respeito aonde ia se construir.

Com isso fui refazendo os projetos todos, que voltavam, para ver se estava certo, não reclamava, pois estava aprendendo.   Ia até o local da obra, analisava tudo, voltava com um bloco cheio de anotações.

Quando acabei o curso, além da festa que meus padrinhos fizeram, veio meu pai também com seu filho pequeno.  Ele tinha inveja de mim, eu dele, por estar perto do meu velho.

No dia seguinte o arquiteto chefe me chamou, pensei, claro já não necessitam de um estagiário, vão me colocar na rua.

Era ao contrário, tinha feito uma reunião, ele bem como seu sócio, queriam me contratar, para ao contrário de mandarem os cálculos para fora, que eu os fizesse.   Me pagariam bem, para mim era um bom dinheiro.

Falei com os padrinhos.

A resposta sempre certa do velho coronel, era, tens que começar em algum lugar, ai eles já te conhecem, tudo bem se fosses por fora, ias ganhar mais, mas ninguém te conhece, deixe teu nome aparecer no projeto, isso era uma coisa obrigatória, pois tinha que aparecer quem tinha feito o cálculo de estrutura.

Aceitei, tinha agora uma sala só para mim, além da inveja dos outros.  Mas eu pensava sempre, Jorge me protege.

Ao contrário dos outros ia as obras, observava as pessoas trabalhando, me atrevia a examinar cada detalhe.   Um dia notei que o cimento era uma merda, estava muito molhado.  Era uma empresa subcontratada, falei com o chefe, este ficou uma fúria, pois a mesma era do seu cunhado.  Esse filho da puta, sempre querendo ganhar mais dinheiro.

No que mandou analisar, fez um escândalo imenso, pois claro havia um perigo nisso, as construções na Barra da Tijuca, tinham que ser perfeitas.

Um dos problemas, era que os arquitetos mal saiam do escritório. Alegavam que ir a Barra da Tijuca e voltar, perdiam muito tempo.

Ele como sempre explodia, resolveu mudar o escritório para lá.   Eu arrumei um pequeno apartamento, logo no inicio na parte antiga, que em alguns anos iria desaparecer, para dar lugar a edifícios imensos.   Nos finais de semana, os padrinhos, vinham com meu pai, que estava agora com a cabeça quase toda branca, tinha se aposentado, mas ganhava uma miséria, quando ia embora, eu sempre arrumava um jeito de lhe enfiar dinheiro no bolso.

Ele sorria, eres igual tua mãe, fazia tudo muito simples, para ninguém prestar atenção. Ela estaria feliz com o rumo da tua vida.

Não tinha muito tempo para nada, mas a menor folga, escapava para a praia, fazer surf, isso era uma delícia.    A empresa estava construindo por ali, tinham demolido dois edifícios antigos, iam construir um de uma maneira que queria experimentar, mais moderna, grandes com varanda de frente para o mar.  Trabalhei como um louco nesse projeto, pois por baixo tinha um lençol de água, fiquei estudando todas as opções, pois no momento que demoliram os dois edifícios, se viu que a estrutura estava toda enferrujada.

Comecei a ler, sobre um sistema novo que se usava na Europa.  Meu chefe muito esperto, me deu um bilhete de avião, bem como contato com os fabricantes, para ver como funcionava.

Imaginem que apesar de ter estudado na escola da aeronáutica, nunca tinha feito um voo tão grande.  Se tratava de saber mais que os outros, estudar, isso era comigo.

Madrinha se preocupava porque não tinha nenhum romance sério.  Era uma verdade, tinha romances relâmpagos de uma só noite, nada mais.  Garotas que se impressionavam comigo, mas quando viam meu velho carro, não tinha coragem de me desfazer dele, davam no pé.

Ou quando viam meu apartamento pequeno, apertado, cheio de livros, projetos pelas paredes, deviam pensar esse não vai a lugar nenhum.

Mal sabiam que eu estava fazendo uma caixinha para um dia desses montar um escritório só para mim, já era conhecido.

Embarquei, não sei por que me veio a cabeça a música preferida da minha mãe, Jorge da Capadócia.  Aquilo foi como um estalo na minha cabeça.  Ainda pensei, Jorge, abre meus caminhos.

Foi o que aconteceu. Fui para passar uns 15 dias na fábrica, me viram tão empenhados, embora todos falassem francês, o meu era rudimentar, entendia, anotava, procurava encontrar defeitos.

Antes de ir embora, fui convidado para almoçar com o dono da fábrica.  Foi claro comigo, preciso de gente como tu, que se esforça ao máximo, para isso.

Queres vir trabalhar aqui, escreveu num papel, o que me pagaria por mês, era meu salário de dois anos, fiz os cálculos mentalmente, transformando os valores ao câmbio do dia.

Me faziam um contrato para dois anos, depois me associaria ao projeto que tinham para as zonas de praia do Brasil.   Disse que ia pensar.

No hotel, apesar do fuso horário, telefonei para os padrinhos, levam um susto de fazer gosto.

Contei para eles o que tinham me oferecido, o que achavam que devia fazer?

Nunca cuspa no prato que comeste esse tempo todo.  Acho que deves vir até aqui, resolver esse projeto, falar da oferta, voltar para aí, vamos sentir tua falta, mas é a tua vida.

Falei outra vez com o dono da empresa.

Mandariam um sistema para resolverem o problema imediato do edifício, mas eu tinha que assinar um contrato antes.

Sai da sala dele, telefonei para o meu chefe no Rio, comentei, ele aplaudia, acho fantástico, diga a ele que me interessa ser sócio dele quando venha para o Brasil.

Venha nos oriente nesse projeto, depois a vida é tua.

Foi o que fiz, ia sentir muita falta do mar.  Mas antes de ir embora, fui a igreja de São Jorge, na frente aonde tinha nascido, rezei muito pela minha mãe, que ele me desse proteção.  Nunca tinha tido tempo para ser muito religioso.  Mas ele sempre estava na minha cabeça.

Depois atravessei a rua, me apresentei para algumas amigas da minha mãe, que riram muito, a maioria estava para se aposentar, como elas diziam com um salário de merda.  Uma delas, que tinha inclusive ajudado minha mãe no parto, riu, imagine, era meu primeiro dia aqui, a chefa na minha frente diz ui, só vejo água caído pelas suas pernas, com a confusão da festa de São Jorge imagina como estava isso aqui.

Corri por um lençol, na loja do lado, logo em seguida nasceste tu.

Me contou que nunca tinha se casado, pois não queria filhos, meus irmãos todos acabaram nas drogas, numa vida desgraçada.  Eu nunca pude estudar, mas fico feliz em te ver, imagino como estaria tua mãe sabendo disso.

Meu pai, apareceu no almoço de despedida que os padrinhos fizeram ali no Rio Comprido, estava baleado, de tanto trabalhar, em coisas que já nem podia. Como sempre vinha com o seu filho pequeno.   Este estava chateado, pois queria seguir estudando, mas claro não havia dinheiro.  Me afastei com ele, perguntei o que queria estudar.

Quero ser médico, foi taxativo.

Muito bem, vou te ajudar, falarei com meu padrinho, enviarei dinheiro para teu curso, através dele, está velho, mas não se esqueça é um coronel.

Eu sei, ele já vem me ajudando. Me disseram para vir viver aqui, mas quem vai cuidar do velho, minha mãe desapareceu a muito tempo, agora somos só os dois.

Me sentei quando foram embora com os padrinhos, falei longamente com eles, eu mandaria dinheiro sempre, mas que eles controlassem.  Nos fundos da casa deles, tinha um pequeno apartamento em cima da garagem, já disse para teu pai vir viver aqui, mas ele acha que é por caridade.  Nesse dia subi a mangueira de noite para falar com o velho, arrastei os dois sem admitir discussão nenhuma, lhe fiz ver que o menino tinha direito a seguir em frente.  Os padrinhos tinham me ajudado, senão não estaria aonde estou.  Tanto falei que ele aceitou.

Fui embora mais tranquilo, assim pelo menos ele teria um final de vida mais cuidado, ao lado dos amigos de sempre, bem como meu irmão, Juca poderia ir à universidade.

Cumpri o prometido, todos os meses fazia um deposito para o Coronel, assim ele controlava tudo.  Dizia quando eu telefonava, que mandava a mais, mas dizia que era para os remédios do velho.

Mandava fotos do apartamento que o dono da empresa tinha alugado para mim, me dediquei a trabalhar, fazia um curso pelas noites para falar melhor a língua, poder me comunicar com os operários.

Sem querer o trabalho me proporcionou, oportunidades, que nunca poderia agradecer, quando eram consultados por algum pais, para um projeto, me mandavam, primeiro ir olhar a estrutura que queriam restaurar, examinar o que existia ali, nisso conheci a Espanha, Itália, Alemanha, mas principalmente a própria França.

Fiz nome, escrevi artigos para revistas, falando do nosso produto, explicando o uso, como se devia analisar tudo.  Fui convidado para dar palestras em universidades.  Estava feliz, claro o único que me faltava era uma família, principalmente a praia.

Quando meu pai morreu, voei na mesma noite para o Rio de Janeiro, chegar, sentir o mal cheiro da cidade, que te batia na cara mal saia do Aeroporto, era foda. 

Lá estava meu irmão Juca, mais bonito do que eu me lembrava.  Estava arrasado, eu sentia, porque era meu pai, mas sentiria mais se fossem os padrinhos.

Fizemos o enterro, o coloquei ao lado da minha mãe, Juca chorou nos meus braços, ele em breve acabava medicina, queria fazer uma especialização, lhe disse que podia contar comigo.

Os padrinhos também estavam velhos, era duro ver isso.

Juca estava fazendo especialização ali no hospital da Aeronáutica, ali no Rio Comprido, me disse em que.  Fiquei de olhar para ele, assim ele poderia ir para fora.

Mais uma vez ele me disse, como vou deixar esses dois sozinhos.  Quem estava na porta, foi o velho coronel.

O abraçou, nem pensar, os filhos são para voar, se teu irmão te consegue isso, iremos para uma casa de pessoas de idade lá pelos lados de Jacarepaguá, teremos uma boa vida no final, mas o melhor foi ter ajudado vocês dois que foram como filhos para nós, a ir em frente.

Seis meses depois, consegui o que ele queria, um hospital em Paris, que trabalhava justamente no que ele queria.

Meu chefe é claro, mediou tudo.

Um dia estava conversando com ele, tinha se divorciado recentemente, teve que soltar um bom lastre de dinheiro para a ex-mulher, pelo divórcio, ela ameaçava um escândalo, que para ele seria uma merda.

Me soltou a queima roupa, descobriu que eu tinha um romance, com um velho companheiro de universidade.  Eu conhecia o sujeito, era também casado.

Mas deu uma só cacetada, levei duas, pois ele, aceitou uma oferta de sua empresa que queria a anos que fosse para os Estados Unidos.   Me largaram na sarjeta.

Os dois começamos a sair juntos, ir jantar, tomar um vinho, acabamos na cama nem sei como.

Me contou a crise de ciúmes que seu namorado anterior tinha tido, quando me contratou, dizia que tinha outros interesses.

Só que esses interesses levaram anos para acontecer.

Nas primeiras férias juntos, o levei ao Rio de Janeiro, para conhecer o carnaval.  Quando me viu sambando ficou como louco.  Me dizia depois ao ouvido, só de pensar que eres meu, ficava orgulhoso.

Matei a vontade de fazer surf.  Voltamos, um dia que estava com ele em Paris, dei de cara com meu irmão Juca.

Este estava acompanhado de uma loira daquelas de capa de revista.  Disse que iria acabar o curso em breve, lhe apresentei o Jean dizendo que ele tinha feito possível seu sonho, não fui eu quem conseguiu isso para ti.

Me perguntou se eu tinha mudado de endereço, enquanto Jean conversava com sua namorada, dei uma volta com ele ao quarteirão, contei o que tinha acontecido, que eu agora vivia com ele.

Fui honesto, nunca pensei que fosse amar a um homem, mas aconteceu, além de ser meu melhor amigo.

Contei que tinha ido com o Jean, muitas vezes visitar os padrinhos em Jacarepaguá, me disseram que os chama sempre.  Pois é, estão velhos, dei um dinheiro por fora, para eles poderem ter uma boa vida lá, afinal nos ajudaram aos dois.

Não sabia disso?

Pois é, custa caro, ele mantém tudo com sua aposentadoria, sabe como é na pátria amada, enquanto produzes bem, depois estás de escanteio.

Me perguntou se pensava em voltar ao Brasil, para montar a tal fabrica.

Andamos olhando, mas vejo que os interesses não são os mesmos. Querem como sempre ganhar dinheiro fácil, enganar o sócio estrangeiro.

Jean, como eu, não tem filhos, esta contente com o que conseguiu.  Eu mais ainda porque me projetou para o mundo vamos dizer assim.  Esse mês iremos para Londres, darei durante uma semana aulas em Oxford, para alunos que se especializam.

Não posso pedir mais da vida.  Rindo contei para ele, que tinha levado o Jean, para visitar o lugar que tinha nascido.  Tive que explicar muito, a loja que minha mãe trabalhava, não existe mais, tudo está vindo abaixo ali no Saara.

E tu, pensas em voltar?

Tive um convite para ficar, mas queria justamente falar contigo.  O que achas.

Nos sentamos numa mesa, fiz os cálculos com ele, valia a pena ele ficar. Qualquer coisa te ajudo.

Nada disso, isso já fizeste o bastante, senão teria terminado como meus irmãos, no tráfico de drogas, fudidos, nem sei se algum esta vivo hoje em dia.

Ele foi ficando, chegou a se casar com aquela beleza toda, os dois filhos dele, são meus afilhados.

Jean, foi meu primeiro amor com outro homem, quando se cansou, passou a fábrica para frente, eu fui dar aulas a convite da universidade em Aix en Provence, seguimos vivendo por lá, pelo menos eu tinha o mar por perto.

Mas tinha um sonho, sem querer por dar aulas na universidade, fui com os alunos a Capadócia na Turquia, foi como voltar para casa, me apaixonei.

Consegui com o governo Turco licença para fazer um estudo sobre as cidades subterrâneas, imaginar como tinham sido concebidas.  Foi o máximo, fui para ficar um mês, acabei me interessando por milhões de coisas da área, aprendi a língua, acabei dando aulas na universidade de lá.

Me interessava apesar de parecer absurdo para alguns, como tinham se engenhado para construir essas cidades, pois, era como ir escavando para baixo sempre.  Fazia mapas detalhados do lugar, depois explorava o do andar de baixo, documentava tudo. Para ver como se encaixavam no final.

Escrevi um livro sobre isso.  Fiz aulas com um professor da universidade de Istambul, ele me levou para conhecer a cidade subterrânea, que existia por debaixo da cidade.  Era impressionante, por isso podia viver muito tempo, durante qualquer cerco a cidade.

Estava explorando uma via de acesso, que tinham certeza de que iria dar ao porto, por aonde podia receber abastecimento. 

Jean dizia que esse professor estava apaixonado por mim.   Um dia comentou de durante minha ausência tinha conhecido outra pessoa, que estava apaixonado.  Eu entendi, estava fora de casa meses, lhe desejei boa sorte na sua nova aventura.

Consegui financiamento para explorar tudo o que estava fazendo, o governo Turco me deu permissão para seguir com o professor Ismael, fazendo o trabalho, íamos detalhando tudo, ele sabia como eu era bom desenhando mapas, observando, medindo as estruturas, a pouco tempo, na construção de um edifício muito alto nessa zona, ao colocarem as novas estruturas, tinham afundado.  Fizemos os dois um informe detalhado, acabamos encontrado a via que dava justamente ao túnel que ia até o porto, inclusive uma via, que levava fora da muralha.

Estava feliz, era como se pagasse ao Jorge da Capadócia tudo que tinha feito por mim.

Recebi junto ao Ismael, uma comenda do governo turco.  Agora falava bem a língua, contei a minha história.  No dia seguinte saia nos Jornais.  Para essa cerimonia, veio meu irmão com a família.  Foi uma festa.

Ismael, um dia que quase morremos numa das nossas aventuras embaixo da terra, ele tinha ficado preso, embaixo de um desmoronamento, mandei buscar socorro, mas fiquei com ele, pensou que ia morrer, se declarou para mim.

Passamos a viver juntos, numa vila que comprei com o dinheiro que tinha, uma vez por ano, saia pelos países que me convidavam para falar sobre a Capadócia, bem como nosso trabalho em Istanbul, íamos os dois, eram nossas férias.

Quando ficamos mais velhos, numa das pesquisas que fazíamos, descobrimos, uma cidade antiga, tudo começou por curiosidade, já sabíamos que ali, se levanta uma pedra, descobre algo.  A pequena cidade, embaixo, era uma dessas de veraneio, simplesmente.

Tinha uma pequena enseada.  Subíamos a montanha que estava por detrás, para fazer fotos, achei estranho, uma parte de terra que tinha desmoronado, começamos a imaginar, encontramos uma torre, a equipe de arqueólogos, nos convidou para participar, tínhamos nos conhecido em Istambul, durante nosso trabalho.

Encontrei uma nova paixão, junto com o Ismael, participávamos com os jovens estudantes abrindo a terra para encontrar uma cidade, que devia ter sido comercial, a torre era como um sistema de vigia.  Datava de séculos antes de Cristo, foi emocionante.  A cidade nos agradeceu, encontramos uma casa, ficamos vivendo lá, eu encantado, pelo menos podia tomar banho de mar.   Acabamos escrevendo dois livros sobre o local, agora nos estudavam pelo que tínhamos feito em Istambul, bem como dessa nova descoberta.

Chegamos a acreditar, inclusive ao encontrarmos uma espécie de cripta, que por ali tinham andado os cruzados, mas quando os arqueólogos examinaram, era um lugar de repouso de algum guerreiro de Saladino.   A cidade tinha sido destruída justamente nessa época, pelos cruzados, o tempo a sepultou.

Quando escrevíamos era ao mesmo tempo, eu o fazia em francês, ele em árabe, depois trocávamos ideias a respeito.

Recebi um convite para ir ao Rio de Janeiro falar sobre isso.  Me informei direito, era para meia dúzia de gatos pingados, foi mais fácil convida-los através do governo Turco para que viesse, conhecessem em primeira mão, o que tinha feito por ali.  Se uniu ao grupo o embaixador brasileiro, o tratei como qualquer um, estivemos na Capadócia, aonde contei o porquê do meu nome, depois o que o trabalho por debaixo da cidade, por sorte o tal embaixador sofria claustrofobia não se atreveu a descer.  Depois os levei ao último trabalho, que não tinha acabado ainda.

Por isso queriam que fosse a Brasília para receber uma comenda, me recusei, já não pensava mais em voltar ao Brasil, quando me entrevistaram a respeito, eu soltei na cara, já não devia favores a ninguém, muito menos para o governo.  Soltei que deviam ajudar mais aos estudantes para irem em frente, claro como sempre não gostaram.

Mas tinha minha vida organizada ali, vivia feliz com o Ismael, estávamos sempre mergulhados no que ainda se ia descobrindo, ao final, agora se chegava aonde tinha sido a muralha que protegia a cidade.

Mas nossa casa a beira do mar, era fantástica.  Agora era só esperar o final, pois tinha noção que isso aconteceria, tinha passado por muitos estágios em minha vida.  Afinal tinha uma paz interior, fantástica, pois imaginem um garoto que nasceu ali em plena rua da Alfandega, na frente da Igreja de São Jorge, chegar aonde cheguei.

Meu irmão Juca hoje era famoso em sua especialidade, tinha a mesma noção do que eu, que nunca dariam valor ao que ele fazia.   Vinha agora todas as férias passar dias conosco.

Nunca poderíamos esquecer dos Padrinhos, soubemos que tinham morrido, já meses depois de os terem enterrados, mas na minha última ida até lá, ele foi também, visitamos os dois no cemitério, mandamos rezar uma missa na igreja de São Jorge, para eles.

Fechei a porta, para qualquer lembrança do pais, pois não valia a pena.