lunes, 12 de diciembre de 2022

PLAY OFF - DESEMPATE

 

                           

 

Era meu último Play Off, tinha decidido pendurar os tênis, não podia dizer chuteiras porque não era jogador de futebol.

Esperava para entrar na cancha, para a segunda parte, viu uma confusão muito grande na porta, pensou que eram jornalistas, para falarem de seu amigo Sammy, pela primeira vez jogavam em equipes contraria, sentia falta dele para jogar, mas por qualquer motivo que ainda não tinha entendido, ele decidiu jogar no time contrário.  Ele respeitou sua decisão, andava muito estranho ultimamente.    Jogou como nunca, sabendo que era sua despedida, seu contrato tinha terminado, queriam renovar, mas ele não.

Ganharam, era seu segundo anel, depois foi para o vestuário, estava cansado, o treinador, se aproximou, tem uma pessoa querendo falar contigo.  Acabou de tomar seu banho, se vestiu, disse adeus aos companheiros, saiu.

Deu de cara com Charles Jackson, para CJ.   Um detetive que ele era apaixonado, nunca tinha falado nada a respeito, ao mesmo tempo, esse homem era como uma ave agourenta, na sua vida, só aparecia para lhe dar más notícias.

Perguntou o que era desta vez, procurou Sammy com o olhar, ali estavam todos os jogadores que tinham participado do Play Off deste ano.

C.Jackson, lhe apertou sua mão, o arrastando dali.

Perguntou se ele tinha visto Sammy no dia anterior.

Não, depois do partido não quis falar comigo, estava furioso.   Eu estranhei pois sempre falávamos dos jogos, como tinha sido, o que achávamos.  Aliás essas eram as únicas conversas que tinham ultimamente.  Na última temporada, Sammy tinha mudado de time, sem consulta-lo, eles que se falavam de tudo.

Se conheciam desde criança, tinha compartidos desgraças pessoais, bem como triunfos na universidade, ele era o único que sabia que deixava o basquete.  Se não falasse com ele, com quem falaria.   Tinha ficado furioso com ele, como podia fazer isso, se o basquete tinha sido a vida dos dois, todos esses anos, vamos dizer assim, a salvação.

Tinham começado a se afastar, quando Sammy se deslumbrou por ter dinheiro.  Ele ao contrário sempre tinha tido.

Sentou-se numa cadeira dessas de plástico, o inspetor sentou-se na frente dele. Não sabes nada, verdade?

Saber o que?

Sammy morreu ontem a noite, estava completamente drogado, avançou um semáforo, morreu no ato, com a cabeça degolada.

Foi abrindo a boca, mas não lhe saia grito nenhum, seus gritos tinha acabado, as lagrimas escorriam pela sua cara, pareciam uma enxurrada.    Tinha ficado surdo, via que C. Jackson falava com ele, mas não escutava.

Começou a tremer, foi caindo num poço fundo, negro, estava farto de tantas desgraças será que isso nunca ia acabar.

Viu que ele se levantava, mas não se mexeu, ele saiu, voltou com o entrenador.

Desculpe filho, mas não quis te dar essa notícias antes do jogo, entre os dois o levantaram, saíram por uma porta lateral, lhe perguntaram se tinha vindo de carro.  Ele nunca tinha tido carro, andava com o Sammy, para que precisava de carro.

O inspetor, disse que o levava para casa.

Aonde está Sammy?

Não podes vê-lo ainda, estão fazendo a autopsia.

Ele seguia querendo gritar, as lagrimas continuava caindo pela sua cara.  Teve que ser literalmente levado para cima no edifício pelo inspetor, esse abriu a porta, deve ter ficado de boca aberta com seu apartamento.  Ao contrário dos outros jogadores, que viviam em apartamentos suntuosos, ele vivia num pequeno, era o último andar, um sala quarto, uma varanda fechada, com duas estantes cheias de livros, a mesa de centro tinha pilhas imensas, como explicar, que os livros eram tudo para ele.   Sem eles já tinha morrido a muito tempo.

Era conhecido como o EUNUCO, da NBA, pois nunca o tinham ligado com ninguém, nenhuma modelo, ou outro homem.  Vivia uma vida retirada, a única pessoa que sabia de sua história era o Sammy, também era o único que tinha uma chave do apartamento.

Caiu numa das poltronas, só tinham duas.   Agora fazia sentido o que Sammy tinha falado para ele.   “Nem no final me deixas vencer”.

C.Jackson, disse que talvez ele estivesse drogado.

Drogas, sempre as malditas drogas, foi o que soltou.

Colocou as mãos na cara, deixou que as lagrimas continuassem escorrendo por elas.

Perdão soltou, não sei o que te dizer.  Ontem depois do partido estava furioso, mas não fui eu que batalhou contra ele, tinha sido um companheiro seu de equipe.

Falou o que ele lhe tinha dito, saiu dos vestuário furioso.

Fomos nos afastando, apesar de ser meu único amigo, tinha comprado a dois anos um apartamento maravilhoso, levando sua mãe para viver com ele, mas ela preferiu voltar a viver na mesma casa que tinha vivido sempre.

O celular do C. Jackson começou a tocar, ele pediu licença se afastou, ficou escutando.

Eram da autopsia, ele estava até a alma de drogas.

Comentou, que treinador, lhe tinha perguntado isso, antes de Sammy sair da equipe, indo para outra ganhando mais.  Ele tinha se negado, pois já tinha decidido que seria sua última temporada.

Não tinha nada planejado, o basquete tinha sido seu refugio desde criança, era tudo para ele, mas seu psicólogo tinha falado muito com ele, que talvez tivesse chegado a hora de enfrentar a vida de frente, afinal ia fazer trinta e cinco anos, começou a tremer outra vez.

Quando C. Jackson, colocou a mão no seu ombro, desta vez se permitiu colocar a cabeça em cima da mesma, tinha amado toda vida esse homem, embora ele sempre viesse com más notícias.

Este perguntou se tinha alguém que podia chamar para ficar com ele.  Sorriu, só o Sammy me entendia, não tenho ninguém em minha, vida, amigos, família nada.

Pode ir-se eu fico bem sozinho, estou acostumado.

C. Jackson, deu a volta se ajoelho na frente dele, tinha que se controlar, pois o queria beijar, viu que sua têmporas, estavam cheias de cabelos brancos, mas isso aos seus olhos o fazia mais bonito.

Sammy era o único que sabia que eu deixava a NBA, esse foi meu último jogo. Lhe contei outro dia, antes do jogo entre nossas equipes, nada disso me ajuda hoje em dia.  Preciso enfrentar minha vida finalmente de frente.

A mãe dele já sabe?

Sim, está com a família dela.   Queres ir até lá?

Não tens que trabalhar?

Não já avisei que ficarei contigo.

Entrou novamente no velho carro do inspetor, não disse nenhuma palavra, esse de vez em quando num semáforo, lhe segurava a mão.  Se ele fosse uma pessoa que pudesse verbalizar, diria por favor me abrace, me beija.

Mas não dizia nada, isso era uma coisa impossível para ele.  Não sabia verbalizar mais as coisas.

Fechou os olhos, se lembrando como tinha conhecido o Sammy.   Estavam na mesma escola do bairro que viviam.  Os outros garotos nunca se aproximavam dele, pois era diferente, alto, loiro, olhos verdes, já era forte, pois de tarde ajudava no armazém do pai.  Esse era um bom filho da puta, de vez em quando chegava a escola com os braços, com manchas rojas, mesmo usando a camisa de mangas compridas não dava para esconder, que o pai tinha descarregado nele sua fúria.

Sammy era a mesma coisa, seu padrasto, era outro filho da puta.  Um dia uma bola veio parar aos seus pés, ele se levantou, de aonde estava encestou.  Todo mundo ficou de boca aberta, os dois começara a jogar um com o outro, sem nunca terem se falado.  Nenhum dos dois eram de muitas palavras.

Isso passou a ser um ponto entre eles, no fundo de sua casa, no lado da garagem, tinha um aro, ali jogavam no final do dia, ou nos dias que não ia ao armazém do pai.

Quando sua mãe ficou doente, ele ficava em casa com ela, escutava o assobio do Sammy, ela dizia teu amigo está aí, vá jogar com ele.

Ele se desafogava jogando com uma certa violência.

Os dois se entendiam, não faziam parte de grupo nenhum na escola, de nenhuma gang, das muitas que tinham pelo bairro.

Seu irmão, seu ídolo ao mesmo tempo tinha desaparecido, se não fosse sua mãe, ele acreditava que teria morrido.   Era ela que lhe dizia baixinho, tens que sair daqui, talvez o basquete seja o meio que tenhas de conseguir uma bolsa para a universidade.

Quando ela morreu, ou melhor se suicidou, tomando toda as medicações, possíveis, deixou um bilhete para ele, esconda as duas caixas que estão na garagem. Sabia do ela falava, era duas caixas de sapatos, que estavam cheia de dinheiro, ela durante anos tinha feito a caixa da loja de seu pai, pois ele não gostava dessa parte, ele achava que ela fazia isso para ter uma maneira de escapar da vida que tinha.

No último ano, ele a tirou de seu quarto, colocou no de seu irmão Dawson, trazia mulheres diferentes todas as noites, nunca ficava com ela, dava para escutar ele fazendo sexo com elas, porque era escandaloso.

Ele tinha se mudado para o sótão da casa, usava a parte da frente, assim não escutava nada.

Tampouco escutou nada quando ela morreu.   Quando desceu no dia seguinte, encontrou a casa cheia de policiais, seu pai tinha chamado a ambulância, eles a polícia, pois achavam a morte dela suspeita.   Foi a primeira vez que viu o C. Jackson, ele estava começando sua vida de policial.  Pensou antes de entender o que tinha acontecido, que homem bonito.

Foi interrogado várias vezes, seu pai era um homem violento.  Sua mãe tinha os braços cheio de marcas, ele se desculpou dizendo que a tinha sacudido para ver se colocava os comprimidos para fora.

Ficou como um louco, pois sua mãe era o único que tinha, Dawson tinha desaparecido, não sabia nada dele, até o dia que disse que ia embora, pois estava farto de seu pai.

Ele era filho do primeiro casamento, era 10 anos mais velho do que ele.  Seu pai o tinha visto dando um beijo num homem, um jamaicano, chamado Coton Jack, outro C.J. tinha lhe dado uma puta surra, que naquela casa ele não queria viado nenhum, queria homens como ele.

Minha mãe tentou defender o Dawson, levou um murro na cara com toda força, foi parar do outro lado da cozinha, lhe disse, cuida da tua vida, esse filho é meu, faça com que o seu seja homem pois senão o mato.

Dawson tinha desaparecido do mapa, anos depois o encontrei, vivia num acampamento de homeless, tinha entrado para a marinha, usava uma prótese na perna.

Nesse dia meu único consolo foi o Sammy.   Me arrastou com ele para nosso jogo de sempre, gostava da minha mãe. Ficávamos encestando, procurando fazer cada vez mais longe do aro.

Eu sempre ganhava, nesse dia tinha um ódio mortal.

Foi um enterro triste embaixo de chuva, a única irmã da minha mãe, veio com o marido, meu pai disse aos dois para desaparecerem, pois sabia que os dois eram umas merdas.

Assistiram o enterro o mais longe possível.

A partir desse dia, eu só existia nos momentos que estava jogando com o Sammy, erámos os melhores da escola.  O mais interessante, era que também erámos os melhores alunos, as notas mais altas, competíamos nisso também, mas porque um ensinava para o outro o que não tinha entendido nas aulas, eu era ótimo em matemática.  Ele em outras coisas.

Nos completávamos.

No mesmo dia do enterro, meu pai levou uma mulher para casa, mesmo com a distância podia escutar as gargalhadas dele, mas elas nunca ficavam.

Ele saia com seus amigos machões de toda a vida, eles tinham inveja pois tinha um negócio, eram bonitão, assim era fácil, trazer, uma mulher para casa.  Se repetia ou não, nunca soube.   Inclusive uma vez desci para tomar café para ir à escola, lá estava a mãe do Sammy, me disse para não falar nada para ele, meu pai entrou, enfiou dinheiro na mão dela.

Eu já tinha levado para meu quarto, escondido bem as duas caixas da minha mãe.  Agora eu levava o trabalho que ela fazia, tinha aprendido, fazia o mesmo, para um dia poder ir a universidade.

Nessa época vi o Dawson pela primeira vez, da pequena janela do meu quarto, o vi do outro lado da rua, olhando para a casa.  Não era uma cara normal, desencaixada, cheia de ódio.

Corri, mas não o encontrei.

Passei nos meus momentos livres, pois o tinha visto vestido de roupa militar, a procurar por ele, com o Sammy, mas o encontrei um dia, que fui sozinho com minha bicicleta pelo lugar que havia acampamentos de homeless militares.

Um homem tentava roubar minha bicicleta, quando ele apareceu do nada.

O que fazes vindo aqui me procurar sempre, não lhe respondi, simplesmente o abracei muito forte, eu o adorava, era meu ídolo desde pequeno.  Ele dizia que tinha que tomar cuidado comigo, porque quando era criança era como uma sombra dele, estava sempre atrás dele, para receber um carinho, ou que ele me levantasse por cima da cabeça dele, era como o visse de outra maneira.

Falei que minha mãe tinha morrido, que o filho da puta, levava cada dia uma mulher para dentro de casa, que minha vida era um inferno, se eu podia ficar com ele.

Me disse que ia dar um jeito.   Levou muito tempo assim, as vezes ia com o Sammy vê-lo, as vezes estava totalmente drogado, mas não me importava, ficava ali na sua tenda, segurando sua mão.

Lhe perguntei por que não fazia um tratamento para se livrar disso?

Me disse que era o único que tinha, que Coton Jack tinha morrido na guerra, era o amor de sua vida, nada tem sentido.   Um dia apareci, cheio de hematomas, o velho agora pega você não é.

Ficou dizendo baixinho, filho da puta, tenho que lhe parar os pés.

Eu já tinha 16 para 17 anos, era alto, magro, mas meu pai tinha uma força incrível. Tinha sido lutador de boxe em sua juventude. Quando te soltava um murro, não havia como se defender.

Dois dias depois, eu agora usava um casco para não escutar os ruídos, colocava alguma música no último volume.

Escutei mesmo assim um ruido, como se tivesse alguém discutindo.  Sabia que a mulher que meu pai tinha trazido para casa, tinha ido embora, pois tinha sentido a porta da casa bater, algumas saiam furiosas com ele.  Devia ser violento na cama.

Depois mais tarde já estava na cama, escutei uma discussão, pensei que a mulher tivesse voltado, pensei comigo, esse tormento nunca vai acabar.   Me faltavam meses para acabar, tinha a possibilidade de conseguir uma bolsa de estudos, na verdade eu o Sammy disputávamos a mesma, para irmos à universidade, como jogadores de basquete.  A cada jogo nos esforçávamos o máximo, porque sabíamos que tinham olheiros por ali.

Depois escutei como se alguém tivesse caído escadaria abaixo.

Mas até que resolvi sair do meu esconderijo, ou toca, como eu chamava meu quarto, já era tarde, desci, para ir à cozinha, vi meu pai numa posição grotesca aos pés da escada, chamei a ambulância, bem como pedi que viesse a polícia.

Quem apareceu como sempre foi o C. Jackson, mas eu já sabia que ele estava morto, porque tinha aprendido a tomar o pulso de minha mãe.

Eles achavam que alguém o tinha empurrado escadas abaixo.

C. Jackson, me perguntou o que eu estava fazendo, o levei até meu quarto, lhe expliquei que todas as noites ele trazia uma mulher para casa, desde a época que minha mãe estava doente.

Uso esse casco, com a música no último volume, para não escutar nada, mas disse que senti a porta batendo, com faziam algumas mulheres.  Depois o ruido de alguma coisa caindo, mas como ele sempre estava alto de bebida, eu nunca me atrevia sair, porque senão quem levava era eu.  Mostrei ainda as manchas rojas que tinha nos braços, ele tem uma força incrível.

Não mencionei que meu irmão estava na cidade, nem se o tinha visto.  Quando me perguntou do Dawson, lhe disse que era militar, mas não sabia se estava em alguma missão.  Ele não vive aqui a anos.

Me perguntou se queria que avisasse algum parente, lhe disse que não tinha nenhum.

Um dia depois voltou, porque tinha encontrado troços de pele, embaixo da unha, o ADN, era de alguém da família.   Na delegacia, me fizeram ficar nu, uma pessoa da oficina forense, examinou meu corpo inteiro para ver se tinha algum arranhão, o que encontraram foram muitas marcas no meu corpo.  Quando disse que meu pai sempre precisava de um saco de pancadas.

Eles começaram a procurar o Dawson, nesse meio tempo o advogado, estava providenciando o enterro dele, só depois leria seu testamento.

Dois dias depois, apareceu outra vez o C. Jackson, outra má noticia, estava com o Sammy, estudando para os exames finais, ele me pediu para o acompanhar.  Fomos os dois, não disse o que era, lhe perguntei se tinha que chamar o advogado de meu pai.

Não, fique tranquilo.   Já sabemos quem matou teu pai.

Me levou para ver o cadáver de meu irmão, tinha morrido de uma overdose, tinha a cara toda arranhada, pelo visto ele tinha matado nosso pai.

Fiquei arrasado, Sammy avisou sua mãe, ela o deixou ficar comigo.  Nessa noite tive pesadelos, com o Dawson, o matando.

Enterramos os dois ao lado de minha mãe.

Seu amigo todos estavam ali, mas me surpreendi, escutar a maioria deles, dizer, finalmente esse filho da puta palmou, merecia ter morrido a muito mais tempo.

Falei com o C. Jackson, tentando assim talvez, pensar que qualquer um deles, tivesse matado meu pai.

Ele explicou, que ele costumava se meter nos namoros dos amigos, roubando a namorada para uma foda, depois contava para todo mundo.

Fui escutar a leitura do Testamento, pedi ao Sammy para ir comigo, ele se sentou mais atrás.

O filho da puta, pelo menos deixava tudo para mim, nada para o Dawson, deve ter tido a coragem de colocar no testamento que não deixava nada para ele, pois era um viado.

Tampouco tinha nada agora, pois já estava morto mesmo.

Minha tia apareceu com seu famigerado marido.   Falei com o advogado, ia fazer 17 anos em alguns dias, falei da fama dos dois, pedi que falasse com o juiz para minha independência, afinal iria para a universidade.  O velho tinha me deixado a casa, o edifício do seu armazém, bem como o negócio.

Fui com ele falar com o juiz, o advogado tinha tirado informação a respeito de minha tia e seu marido, estava arruinados.

Assinou os papeis, para todos os efeitos, eu era maior de idade. 

Tínhamos o último jogo, demos um varapau desgraçado no outro time.  Eu jogava como um louco acompanhado do meu amigo.

Quando me ofereceram a bolsa de estudos, disse ao selecionador, que eu não precisava, podia pagar minha universidade, mas se eles queriam que jogasse, dessem a mesma ao Sammy.

Antes de ir, chamei o advogado, mandei vender a casa com tudo que tinha dentro, o armazém um chines estava interessado em ficar com o negócio, me pagaria mensalmente um aluguel do local.    Peguei todo o dinheiro das caixas, guardei num banco, fomos os dois para a universidade. Mas dois dias antes, o chamei, Sammy, vamos fazer uma farra.   Claro nossa roupa era de segunda.  Só usávamos os dois, roupas de segunda mão.

Na época era moda comprar roupas no Village, Soho, Chinatown, compramos, calças, camisetas, casacos, sapatos, tênis, tudo que nunca tínhamos tido, eu tinham um lema nessa época, com o Sammy, tudo que é meu é teu, afinal era o único amigo que tinha.

Compartíamos quartos, quem me chamou de eunuco a primeira vez foi ele, pois combinamos um código, se tinha uma meia amarada na porta, o outro não entrava, sinal que estava com alguém.

Isso era sempre ele, eu nunca levava ninguém, tampouco tinha a quem levar.

Tentei fazer sexo com uma garota, mas foi uma decepção, para conseguir chegar a final, tive que imaginar que era o C. Jackson.   Aquele homem me deixava louco.

Mas perdi a virgindade com um dos auxiliares técnicos, da equipe, no banheiro do ginásio, uma noite que cheguei ao nosso quarto, lá tinha uma meia amarrada, fui para o ginásio, fiquei encestando no aro, horas, depois resolvi tomar um banho, ele apareceu, me viu nu, foi um passo.   Depois eu me escondia em seu quarto as vezes.

Mas a brincadeira de Eunuco, já funcionava.

Quando fomos chamados para uma equipe, insisti que o Sammy fosse junto, meu salário era mais alto que o dele.

Ele foi morar num bom apartamento, eu comprei o que vivo até hoje.  Ele quando viu, me chamou de miserável.

Sammy, se lembra do meu quarto em casa, era assim, não preciso de muita coisa, não quero impressionar nenhuma garota.

Ele sabia da minha aventura, com o ajudante de treinador, mas ficou quieto, eu nunca escondi nada dele, tampouco tive nada com ele, era meu melhor amigo.

Chegamos à casa de sua mãe, pelo menos ele tinha comprado uma casa melhor para ela.

Me abraçou chorando, chamei nosso advogado, pedi para providenciarem todo o enterro, perguntei ao C. Jackson, se podia costurar a cabeça dele no tronco, para não fazer feio no caixão.  

Creio que o mesmo estará fechado, com um visor, pois seu estado é lastimável.

Só voltei a casa no dia seguinte, para trocar de roupa, a cerimônia, foi numa igreja batista, pois era aonde frequentava sua mãe.   Um dos novos amigos dele, se aproximou de mim, com um sorriso sarcástico disse, ele no final te odiava, principalmente depois que teu equipe ganhou o Play Off, disse que nunca iria conseguir sair da sua sombra.   Esse me levou a parte, me contou tudo que o Sammy tinha falado de mim.  Que tinha entrado na universidade, porque eu tinha desistido da bolsa de estudos, que quando fomos para a NBA, ele tinha entrado na equipe, porque eu tinha exigido, que ganhava mais do que ele.

Mas ele era meu único amigo, como não fazer isso?

Pois ele contou para toda a equipe que eres viado.

Me senti traído, mas o entendia, como podia pensar isso de mim, ele era o único que eu tinha, minha única família.

Chorei muito toda a cerimônia, não podia dizer aos outros, que chorava, porque me sentia abandonado, por meu amigo de infância.

No dia seguinte, fui com o advogado, para falar da assinatura do contrato.

Tinha saído uma noticia no jornal que eu saia do armário, que era gay.  Usei isso para não assinar o contrato, mesmo assim me choveram ofertas.  Quando quiseram me entrevistar, eu preferi falar do Sammy, que não podia ficar mais jogando, tinha que mudar o rumo da minha vida.

Fiz um balanço geral do meu dinheiro, tinha vendido ao chines a pouco tempo o edifício inteiro, o resto da herança do meu pai, tudo estava aplicado no banco, quando comprei o apartamento que vivia, paguei direto o mesmo, o meu salário sobrava, uma parte dele o destinava a escola de aonde tinha estudado, para ajudar os alunos a serem alguém, mas nunca divulgava isso.

Nem chegava a gastar basicamente meu salário.   Vivia modestamente, não gostava de luxo, a única coisa que tinha de extra era uma cabana em Cape Code, que comprei de um jogador em apuros.   Passava lá minhas férias sozinho.  Sammy ia por aí

com os novos amigos, de festa em festa, as vezes aparecia, eu jamais lhe fiz qualquer comentário, afinal a vida era sua.

Fiquei sabendo que não deixou muito dinheiro para a mãe, pedi ao advogado que vendesse esse apartamento de luxo que ele tinha, que administrasse o dinheiro para ela, não tinha muita noção, sempre tinha sido uma mulher pobre.

Antes de sair da cidade, fui falar com ela, para que não escutasse o que falavam de mim.  Alguns diziam que o Sammy tinha sido meu amante a vida inteira.

Eu sei meu filho, sempre foste amigo dele, mesmo naquele dia que me viste em tua casa, eu tinha feito sexo com teu pai, pois precisava de dinheiro.  Era um bom filho da puta, não fique ofendido.   Sammy me contou que mesmo tua mãe doente, ele levava mulheres para casa.

Soube por um dos amigos dele, que o criticou por isso, que a resposta o deixou horrorizado, que a casa era dele, se ela não gostasse que fosse embora, mas que o filho ficava, já bastava um ser gay.   Coitado nem sabia que eu também era.

Passei o verão escondido na cabana, só saia para fazer compras em alguma cidade perto, não queria ser reconhecido.

Chegou o inverno, segui ali.   Algumas noites tinha pesadelos, em ver o Sammy sem cabeça, ou mesmo meu irmão, empurrando meu pai, pela escada.  Tinha que enfrentar isso, já não tinha uma bola, nem um aro para me distrair.   Vi um cartaz na vila aonde fazia compras, de um gabinete de psicólogo, copiei o numero de telefone, chamei marquei uma hora.

Encontrei uma senhora, com os cabelos brancos, arrumados modestamente num coque, parecia uma avô que nunca tive.

Já no primeiro dia, creio que vomitei tudo que tinha guardado. Desde a minha infância, o amor que sentia pelo meu irmão, como meu pai maltratava minha mãe, sua morte, que eu achava que tinha sido ele.

Fui me sentindo melhor, agora saia para largos passeios pela praia, já não ficava fechado na cabana, logo chegaria a primavera, o verão.

Alguns dias simplesmente caminhava, outros corria, para me manter em forma.

Um dia esbarrei em C. Jackson.   Me perguntou o que fazia ali.

Férias permanente, lhe perguntei o mesmo?

Estou de férias, vi que tinha um braço, preso com um pano em volta do pescoço.

Levei um tiro, estou me recuperando.

Ficamos andando pela praia, nos sentamos numa pedra.  Quando te vi, pensei que más noticias me traz.  Porque sempre que te via, era para alguma coisa chata.

Sinto muito, era uma verdade.  Eu sempre ia assistir teus jogos, te admirava por ter suplantado tudo isso.  Sei que Sammy era teu melhor amigo.   Isso deve ter sido duro.

O pior soltei, foi que todo mundo sempre pensou que ele era meu macho, pois quando mudou de time, contou para todo mundo que sou gay.   Mas entre nós dois nunca ouve nada, me chamava de eunuco, porque sequer tinha aventuras, nem me atrevia por causa do ambiente.

Segues sozinho?

Sim, estou fazendo terapia, para quem teve tantas merdas na vida, achei melhor me afastar, faz mais de ano que estou aqui numa cabana que comprei.

Assim me deixam em paz, alguma coisa farei, mas não sei o que ainda, compro todos os livros que vejo.  Talvez faça algum curso para melhorar, eu fiz jornalismo, mas nunca exerci.

Já estou um pouco velho para começar, na verdade se fosse procurar um emprego, tenho certeza de que me contrataria, para falar de esportes.

Não quero nada disso, durante anos, me escondi atrás disso.  Fomos andando, sem querer lhe soltei que era apaixonado por ele, desde que te vi a primeira vez.  Embora o momento fosse trágico, me apaixonei.   Quando lhe contei que a única experiencia que tinha tido com uma garota, tive que imaginar que estava com ele, para chegar ao final.

Ele ficou rindo, chegamos a minha cabana o convidei para comer, tinha alguma coisa no congelador.   Ele parou na pequena sala, riu, não podia esperar outra coisa de ti, por aonde se olhasse tinha livros, pilhas dele, em volta de uma poltrona que ficava perto de uma janela, que dava para ver o mar.

Se aproximou, segurou minha cara, ele era mais baixo que meus dois metros de altura, me beijou, foi como eu imaginei.

O arrastei para a cama, nos demos conta no dia seguinte quando acordamos famintos, que não tínhamos comida nada.  Estávamos famintos.   A comida que tinha tirado do congelador, cheirava mal.

Me levou para comer num restaurante.

Me contou toda sua vida, com tinha se escondido no armário, desde o exército, depois na polícia.   Que eu sempre lhe atrai, mas achava que eu não era gay, depois imaginou que eu tinha alguma coisa com o Sammy pois estávamos sempre juntos.    Como chorei quando soube que tinha morrido.

Lhe contei o que seu novo companheiro de jogo me tinha falado, que no final ele me odiava, por isso contou para todo mundo que eu era gay.   Que eu tinha ido pela vida, o arrastando atrás de mim. 

Na verdade ele era bom, me fazia melhor, era um grande jogador.

Mas tu, destacava mais que ele, eras brilhante.

Talvez por meu desespero, não tinha outra coisa em que me apoiar, o basquete me salvou a vida inteira.

Fui lhe mostrando o livro que estava escrevendo, falando do basquete, desde o momento que descobri o mesmo com meu irmão mais velho.  O que fazia para suplantar as surras que me dava meu pai, mesmo com dor, não me permitia errar a canastra.

Fomos ficando, quando chegou o momento dele voltar a trabalhar, pela primeira vez fui claro com ele.  Se vais voltar a trabalhar, eu nunca vou superar, um dia que chegue alguém para me dizer que te mataram, não vou poder aguentar.

Por isso, prefiro guardar esse tempo que estivemos juntos, como os melhores dias da minha vida, mas não voltarei a te ver.

Ficou me olhando, soltou, como tu amaste o basquete, eu amo minha profissão, volto no final de semana.

Pela primeira vez na minha vida, tomei uma decisão, manter minha palavra, ele foi para NYC, eu também, arrumei uma pequena bagagem, já iria comprando o que fosse necessário pelo caminho, fui visitar as cidades da Europa, que tinha jogado, mas não conhecia, a não ser através do vidro de um ônibus, nem ao meu advogado avisei.   Desliguei meu celular. Fui embora, era como fugir de tudo.

Fiquei um ano viajando, pensava que interessante, deixas de ser famoso, deixas de existir.  Continuei sim escrevendo minha história toda, entrando em detalhes, de tudo que tinha sentido.

Cheguei por Amsterdam, aluguei uma Motorhome, fui viajando pelos lugares, a parte escrevia comparando o que tinha visto através de um cristal do ônibus, com o que via agora, andando pelas cidades.

Quando voltei, fui direto para a cabana, embaixo da porta tinha uma quantidade imensa de bilhetes do C. Jackson.

Mas não me atrevi a chamar.  Continuava achando o mesmo, se ele morresse eu morria junto. Tinha sido um eunuco toda a viagem, as vezes sentia dor no corpo, por o imaginar ao meu lado.

Mas não era fácil, me negava outra vez a enfrentar outra desgraça, sentia que meu equilíbrio era mínimo.

Dei o livro para a psicóloga ler, dois dias depois me devolveu.  Me disse que eu realmente tinha colocado a carne na assador, mais do que tinha feito com ela.

Mas não podes te esconder para sempre, isso do que tanto foges, faz parte da vida, nascer, crescer, morrer. 

Mandei para um editor, que a muito tempo tinha me perguntado se não queria escrever sobre basquete.

Me chamou, disse que editaria sem pensar duas vezes.  Quando o livro foi lançado, estava dando uma tarde de autógrafos, senti uma sombra na minha frente, senti seu cheiro, fiquei excitado, não podia me levantar, tudo que fiz, foi abaixar a cabeça, começar a chorar.

Quando me controlei, me levantei, ele estava ali, o abracei.  Sou um marmanjo que chora muito. Morri de saudades do teu cheiro.

Sai dali de mãos dadas com ele.

Sentamos numa praça, me disse, que depois tinha entendido o que eu tinha falado no nosso último dia juntos.   Que ao afastar, descobriu que me amava, embora ele fosse muitos anos mais velhos do que eu.

Aonde vives agora?

Disse que depois que o eunuco viajasse por todos os lugares que tinha ido antes, mas que não conhecia a cidade, voltei para a cabana, é o único lugar que fui feliz.  Nunca mudo o travesseiro que usaste para poder sentir seu cheiro.

No final de semana, apareceu, com uma maleta, pedi demissão da polícia, quero viver contigo.

Nisso estamos até hoje, vamos a cidade, para alguma coisa de médico, mas vivemos ali como se não houvesse outro lugar no mundo.  Fizemos amigos que vivem ali o ano inteiro, no verão levo uma livraria, tinha que me livrar de tudo que tinha, uma parte são livros de segunda mão, aviso que estão cheios de anotações do que eu sentia ou pensava.

Escrevi um outro livro, sobre todos os anos que comparti com o Sammy, com se com isso me livrasse da culpa de o ter arrastado atrás de mim.   Pedi uma entrevista para o rapaz que me contou tudo.     Ele tinha estado com o Sammy no último dia.   Podes imaginar que me soltou na cara, estive todos esses anos ao lado dele, ele nunca viu que eu o amava com toda minha alma, que queria ser teu.

Fiquei alucinado, pois o Sammy tinha fama de mulherengo.  Mas agora sei que me amava.

As vezes ainda desperto chorando porque sonhei com ele.  C. Jackson tem ciúmes de um fantasma, pois sabe que tem coisas que eu contaria ao Sammy, mas a ele não.

Um dia nos encontraremos no outro mundo, eu tornarei a dizer a ele, que não sei o que faria se tivesse descoberto isso antes.   Seria seu amante, chego à conclusão que nada disso mudaria o que aconteceu.

Nunca mais toquei numa bola de basquete, tampouco via os jogos.  C.Jackson que gostava, ia ver num bar, pois em casa não tinha televisão.

Se ele esta ficando velho, não aparece, mas eu sim, depois de todos esses anos correndo de um lado para o outro numa pista, estou pagando agora a mudança radical que me impus, sinto dores nas articulações, fui a um médico, me disse que tenho artrose precoce.

Me deu remédio para as dores, mas me nego a tomar, tenho medo, mas escondo através de andar na praia, me obrigo mesmo com dor, como quando fazia, meu pai me dava uma surra, com todas as dores, jogava a bola no aro, uma e outra vez.  Agora ando tudo o que posso.

C. Jackson desconfia, mas sorrio, o meu melhor sorriso, como quando o Sammy pergunta se estava sentido alguma coisa.   Lhe dizia que jamais daria o braço a torcer, que não ia me render.

Estou cometendo os mesmo erros de não colocar para fora o que sempre senti, não sei lidar com a dor.  Mas pelo menos agora sou consciente.

Vai chegar o momento, que terei que andar numa cadeira de rodas, mas tenho esperança de que como o C. Jackson, já tem 80 anos, morra antes de mim.

Ele terá que aceitar meus erros outra vez. Sei que sabe do que acontece, pois as vezes ao me levantar, meu corpo inteiro sente uma dor insuportável, respiro fundo, o obrigo a me obedecer.

Vou levando a vida com ele, com grandes momentos felizes.

O livro sobre o Sammy fez sucesso, mas destinei todos os lucros a escola aonde nos conhecemos.  Descobri a anos, que ela vive das ajudas da igreja batista, então me toca ajudar.

Graças a Deus já não choro muito, esta noite, sonhei com Sammy, com Dawson, me avisando que chega meu momento.   Me esperem já vou.

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

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