lunes, 29 de agosto de 2022

SAM ROOKE

 

                                      

 

Me chamo Sam Rooke, algumas vezes sentado diante do espelho do meu camarim, fico pensando quando começou minha vida louca, mas sempre sou interrompido, pois me chamam para mais uma atuação.

Trabalho a muitos anos, num cabaré decadente, na parte de Castro, San Francisco, não preciso dizer que é o bairro gay por excelência.

Me apresentam como Sammy ou Tammy, porque as vezes me faço passar por Debbie Reynolds cantando a música do mesmo nome.

Nota, o cabaré é meu, mas claro é hora de pensar em talvez vende-lo, pois tem uma imobiliária me pressionando, quer construir um desses magníficos edifícios sem personalidade, claro também me pesa a idade, mas tenho muitas meninas como eu que passaram por aqui, ou ainda estão comigo.   Do outro lado esta Tom, ele continua comigo a trancas e barrancas.

Descobri muitas coisas da vida através dele.

O dia que ele chegou lá em casa, para mim foi uma festa, minha mãe dizia que eu falava sem parar com ele, que me olhava espantado.

Primeiro, Tom é surdo/mudo, era sobrinho do meu pai, que nunca entendeu por que um belo dia seu irmão mais velho, um bala perdida, apareceu depois de anos, deixou o Tom na varanda com um bilhete, explicando que ia para mais uma aventura, que não podia levar um garoto como ele junto.  Ali estava também uma certidão de nascimento, bem como uma carta dando poder ao meu pai para cria-lo.

Enquanto eu falava sem parar, meu pai, que normalmente as coisas passavam por ele sem dizer nem MU, estava furioso.  Seu irmão nunca aprenderia nada, tinha sido mal estudante, tinha escapado de casa com sua namorada, tiveram um filho, ela desapareceu no mundo, ele ficou com o garoto, nunca parava em emprego nenhum, a anos que não sabia dele.

Tom era um ano mais velho do que eu.    O problema era que nas casas vizinhas só tinham garotas, que queriam que eu brincasse com elas, de tomar chá com suas tacinhas de brinquedo, ou brincar com bonecas.   Odiava isso.

Tom coitado estava espantado, mas eu não queria saber, o primeiro que fiz, foi dar um grande abraço nele, beija-lo, foi o primeiro de muitos beijos ao longo desta vasta vida.

Minha mãe era uma mulher pratica, no dia seguinte conseguiu uma professora para nos ensinar a língua dos signos, o Tom se virava como podia, o ensinou também, chegou um momento que eu falava com ele, mais rápido que ele se matava de rir comigo.

Dizia que eu era um cômico.

Quando chegou a época de ir à escola, não tive dúvida, se ele ia a uma escola especial eu iria também, meu mundo girava em torno dele.

Meu pai só dizia abaixando o jornal, esses meninos têm futuro.

Meus pais trabalhavam no armazém que ele tinha no bairro, um desse de secos e molhados, que vendem de tudo.  O jeito foi tentarmos que Tom acompanhasse as classes numa escola normal, ele se divertia, pois sentávamos na última fila, eu ia ensinando tudo para ele, mas por signos, mas na verdade acabamos numa escola especial, pois ali ele não aprendia.   Eu ao contrario adorava essa escola especial, pois falava como um louco pelos signos, segundo uma professora pela minha cara, esse menino vai acabar num palco, sem dúvida nenhuma, não estava de todo errada.

Uma coisa que eu adorava, era chegar em casa, me sentar na frente do espelho de minha mãe, me pintar como ela, Tom ficava olhando divertido, sei que nunca me denunciaria.

Nosso primeiro grande beijo foi com uns dez anos, lhe perguntei se queria experimentar beijar alguém com Baton nos lábios.  Primeiro foi divertido, mas em seguida, estávamos nos beijando de verdade.

No final ele me disse, gostei, quero sempre mais.

Juntos descobrimos o sexo, no porão de casa, construímos um lugar para brincar, um dia jogávamos de Tarzan, ficamos os dois de cuecas, tínhamos uns doze anos, sabia que o piru dele era maior que o meu, quando vi, o estava chupando, ficamos nos masturbando juntos.

Isso virou um hábito de todo dia.    Nunca nos descobriram, mas meu pai quase pega a gente no flagra uma vez.   

Meu pai, adorava jogar basquete no fundo da casa, ali tinha colocado um aro, nos seus momentos livres estávamos com ele.    Tinha sido capitão de sua equipe na escola, aonde estudávamos tinha futebol, mais nada, uma bola que alguém escondia quando vinha algum professor.  Um dia me perguntou muito sério se eu não me incomodava de ir à mesma escola que ia o Tom.    

Como explicar a ele, que pelo Tom eu iria até o inferno.   Lhe disse simplesmente que era como ir a outra qualquer, ele não entendeu, pois nunca aprendeu a linguagem dos signos, dizia que estava velho demais para isso.

Minha mãe achava um absurdo, quando tínhamos 16 anos, ele 17, meu pai teve um enfarto no armazém da loja, caiu duro.

Os dois deixamos a escola para ir trabalhar com ela, havia dividas para pagar, tínhamos que viver de alguma coisa.   Meu pai falava do irmão, mas era imprevidente, não tinha seguro de vida, seus livros de contabilidade era um caos.   Tom que era bom de matemática, passou a administra tudo. Os dois cuidávamos do armazém também, era muito para minha mãe, isso nos fez ficar fortes, pois tínhamos que mover sacos, nessa época muitos garotos se metiam conosco, mas tínhamos punhos para nos defender.

Claro existia um problema, os dois erámos garotos bonitos, altos loiros, de cabelos compridos, eu adorava mexer nos seus cabelos, ele que eu fizesse isso.   Minha mãe reclamava, se estávamos vendo televisão, eu mexendo nos seus cabelos, me dizia deixa seu irmão em paz.

Ele fazia sinal para continuar.

Íamos ao cinema juntos, as pessoas reclamavam que não parava de fazer sinais para ele, explicando alguma coisa que tinha passado por cima.   Tivemos a melhor juventude que podíamos ter.  Eu via algumas fotos de algum travesti, mostrava para o Tom.  Numas férias fomos para San Francisco, nesse época já fazíamos sexo um com o outro, eu me metia todas as noites na sua cama, quando sabia que minha mãe me chamaria, corria para a minha.

Fomos assistir um show num cabaré, fiquei como louco, ele se matava de rir, lhe disse esse era meu sonho, me olhou sério soltou, se é teu sonho vamos por ele.   Seu sonho ao contrário era estar sempre comigo.

Já tínhamos 18 anos, minha mãe, abriu uma conta no banco para cada um, aonde ele como fazia contabilidade, depositava nosso salário.  Guardávamos tudo, para nosso sonho, na verdade o meu.

Quando minha mãe, descobriu que tinha câncer, tínhamos já uns 24 ou 25 anos, foi uma tragedia, os dois a queríamos com loucura.   Sua irmã veio ficar conosco, disse que nunca tinha visto uma casa tão silenciosa, pois claro os três falávamos o tempo todo pela linguagem dos signos.

Ela ao contrário, percebeu alguma coisa, pois dizia esses meninos assim nunca vão arrumar uma noiva.   Minha mãe um dia se aborreceu, soltou na cara dela que ficou vermelha como um pimentão, não entendes que um vive para o outro, eles se amam.

Ficamos os dois de boca aberta, depois ela comentou conosco, nunca vou criticar vocês, sei desde o primeiro dia, quando meu filho ficou louco quanto te viu Tom.  A partir desse momento entendi que iria te amar para sempre.

Era uma verdade, estar sem ele, era estar sem ar.

Nessa época, nunca soubemos como, apareceu sua mãe verdadeira, ele nem se lembrava dela, estava muito bem casada, com um homem rico, queria saber se ele queria viver com ela.

Me olhou, eu estava sentindo o chão desaparecer embaixo de mim.

Pior que não sabia falar com ele, falava rápido demais.  Minha mãe, salvou a situação, não achas que depois de tanto tempo, não vais conseguir te comunicar com ele. Eu sou sua mãe, sempre viveu comigo, o cuidei como meu.  Não vou permitir que você venha com esse carro fantástico, queira levar meu menino.   Só por cima do meu cadáver.

Fora daqui sua lambisgoia.  A empurrou para fora de casa.  Ainda lhe soltou uma ladainha, aonde estava quando ele precisava de ti, quando tinha dores, quando não sabia expressar o que sentia.  Somos a família dele, desapareça.

Tom se matava de rir, porque minha mãe falava tudo isso, ao mesmo tempo fazendo a linguagem dos signos, quem visse, pareceria uma louca.

Morreu um ano depois, depois de tanto tratamento, colocamos uma peruca na sua cabeça, para estar arrumada no caixão, entre os dois a lavamos, lhe colocamos o melhor vestido, o padre fez uma missa bonita, apesar de nunca irmos à igreja, os clientes foram todos, estava lotado. Nesse mesmo dia, um chinês se aproximou, perguntou se queríamos vender a loja, bem como o armazém com tudo que tinha dentro.  Ele teve que negociar com o Tom que era duro na queda.

Nessa noite conversamos, agora dormíamos juntos como um casal, adorava sentir seu cheiro tão particular, dormimos a vida inteira agarrados um ao outro.

Quando o advogado disse que no testamento de minha mãe, tudo era para os dois, resolvemos ir à luta, vendemos o negócio, mas deixamos a casa como um seguro, falamos muito nisso.

Me preparei para ir à luta, ele só não me permitiu, raspar as pernas, disse que adorava passar a mão pelas minhas pernas peludas.

Comecei a me apresentar pelas espeluncas do bairro gay, até que tive a firmeza de me apresentar no cabaré que hoje é meu.  O homem que levava o mesmo, dizia que eu devia fazer um show, falando, contando histórias, ensaiamos muito com ele, eu levava mais da metade do show, interferia nos show dos outros, fazia sempre um personagem, que se sentava na plateia, começava a questionar quem estava no palco, dizia que tinham desafinado, um deles fazia o papel do irritado, com voz horrorosa, como posso ter desafinado se era um playback.  A plateia vinha abaixo.

Ele soube que era o Tom que administrava tudo que tínhamos, o contratou, ele fazia toda a contabilidade, pagava os artistas, alguns eram atrevidos com ele, eu botava logo a banca, eu vi primeiro.

Ninguém poderia acreditar, que nunca estivemos com outra pessoa que não fosse o outro.

Um idiota uma vez perguntou quem dava para quem, bom o Tom deu uma aula, especial para o dito cujo, na linguagem dos signos.

Mas na verdade acabava o show, eu limpava a cara, íamos para casa, de braços dados, mas vestidos de homens.

Erámos muito parecidos, uma vez bolei um ato, em que entravamos os dois, ele de costa para mim, a parte dele vestida de homem, eu de mulher, era difícil de fazer, isso ficou no show anos, pois o pessoal alucinava, pensava que era só uma pessoa.

No final, como as roupas estavam presas com velcro, nos separávamos para agradecer, mas quem cantava o tempo todo era eu.

Aprendi a cantar, modular minha voz, não fazia playback, o pessoa gostava, não se sentia enganado.   Depois do show, sempre levava uma cantada, eu dizia que fazia bem ao meu ego, mas pedia desculpas, mas tinha compromisso.

Um dia um despeitado, disse que era horrível o que fazíamos, erámos irmãos, que isso era um incesto.

Até explicar para o sujeito que queria chamar a polícia, que éramos primos, foi um custo.

Gerard que era dono local, acabou chamando a polícia, sempre tinha um na entrada, para controlar as confusões.  Botou o sujeito para correr.   Era um tipo bonito, dizia que queria ir com os dois para cama.

Um dia estávamos fazendo sexo, Tom começou a rir, perguntei o que passava, ele contou, estou imaginando esse policial aqui, o levaríamos a loucura, ele pensando em comer a gente, a gente fazendo ao contrário.

Perguntei se ele queria fazer isso, mas já com mau humor.

Me olhou sério, sempre tive a ti, nunca precisei de mais ninguém, isso estragaria tudo, vamos imaginar que ele se apaixona pelos dois, nunca íamos tira-lo de cima de nós.

Um dia estávamos jantando, num domingo, comendo pizza, o policial, apareceu a paisana, era realmente um tipo.  Tinha intimidade para se sentar com a gente.

No final foi claro, fico alucinado pensando em fazer sexo com vocês.

Rimos muito, lhe contei o que o Tom tinha falado, ele parou para pensar, lhe contei desde quando nos amávamos, era um tipo fantástico, disse, tens razão, eu não quero estragar a vida de ninguém.    Tempos depois, apareceu com um outro polícia, nos contou que estava tentando ter uma relacionamento.   Iam sempre lá em casa nos dias que não trabalhava, se por acaso eles estavam livres.   Nos contavam tudo, como iam as coisas, os problemas que podiam suplantar.

Não se davam conta, mas eram muito parecidos um com o outro.

Stan, que era o nome do nosso amigo, ficou arrasado, quando o outro morreu num tiroteio.

Passou mais de dois meses lá em casa, não conseguia ir para a sua, chorava, dizia que tinha perdido uma parte dele.   Mas o controlávamos para que não se metesse em drogas, em bebida nada disso, sempre foi nosso melhor amigo.

Quando Gerard disse que queria vender o local, vendemos a casa que estava alugada, com nossas economias compramos o local.   Fizemos algumas reformas, melhoramos os camarins, que todo mundo reclamava.  Tom administrava tudo com mãos de ferro.

Stan vinha todos os dias depois do trabalho, tinha alugado um apartamento ao lado do nosso, erámos como uma família, quando alguém se aproximava dele, perguntava se devia ou não ir.

Quando se começou a falar da Aids, lhe dizíamos para tomar cuidado, ele obedecia, por isso foi um dos que se salvou.

Vimos morrer um monte de gente, íamos mais a enterro que festas, ajudamos a muita gente, fizemos show para arrecadar dinheiro, íamos aos hospitais, para animar o pessoal, embora saíssemos arrasados.   Stan dizia que agora tinha medo de fazer sexo.

Um dia chegou um policial, que vinha transferido de aonde o judas perdeu a bota, era inspetor, foi ficando amigo do grupo, vinha a casa do Stan.   Um dia me chamou de lado, não tem jeito, vim para cá, para sair do armário, me apaixono logo por esse idiota que convive com vocês, mas me olha com medo.

Contei o que tinha passado com Stan, ele entendeu, foi devagar, finalmente conseguiu, mas eu lhe avisei se fizesse mal a ele, lhe cortava as bolas.

Se casaram antes da gente, logo Paul adotou dois garotos, irmãos, que tinham perdido a família, iriam para adoção, mas claro queriam separar os dois, ele conseguiu convencer ao juiz, que era sério para ter uma família.

Um dia veio um homem do serviço de tutela, sem querer bateu na porta errada, eu o reconheci como um cliente, que ia ao cabaré, mas que fazia tudo escondido.

Bati na outra porta, aonde o estavam esperando, soltei ao Paul, um velho cliente do Cabaré.

Ele entendeu que éramos fora dali, pessoas normais.

Mexeu os papeis rápido, os dois meninos conseguiram uns pais fantásticos.

Agora somos uma família, acabamos comprando o prédio em que vivemos aos poucos, inclusive a loja que está embaixo, quem leva ali um restaurante é um outro amigo nosso.

Aos poucos, o prédio virou um reduto de amigos, todos nos conhecemos, fazemos os aniversário de todos, passamos Ação de Graça, Natal, todos juntos, estamos sempre nos apoiando uns aos outros.

Quando me surgiu a oferta de vender o local do cabaré.  Fizemos uma reunião, já tínhamos discutidos isso antes, mas quem sabe escutávamos alguma coisa, sobre a luz no final do túnel.

Na verdade estava cansado, eram muitos anos andando por esta estrada, sentia que Tom queria uma vida mais simples.

Agora era a vez dele, pensei.   Stan sempre dizia que eu tinha sorte, a maioria dos proprietários de casas assim, perdiam dinheiro, pois não sabiam administrar o local, Tom ao contrário, tinha aprendido com o Gerard, levava as contas justas.

O pessoal que trabalhava, confiava nele, nunca errava nada. Inclusive quando tinham problemas, ele ajudava.   O que era interessante, dizia para a pessoa, que a ideia era minha.

Eu as vezes levava um susto, vinham me agradecer de alguma coisa, não sabia do que estavam falando, mas deduzia que tinha sido ele.

O que me fez tomar a decisão, foi quando ele teve um princípio de enfarte.

Hoje é o último show, estão todos emocionados, hoje de manhã, assinamos os papeis de venda, eu me matei de rir, quando o que queria comprar, começou a falar comigo.   Pedi desculpas, mas essas coisas ele tinha que negociar com o Tom.

Ele sorriu, pensou o cara é surdo/mudo, é fácil de engambelar, foi ao contrário, saiu o tiro pela culatra.  Tom colocou um preço muito acima do valor real, sabia que estavam desesperados, pois já tinham comprado os apartamentos de cima do cabaré.

Cada vez que tentava me colocar na conversa, eu dizia que não, era a ele que tinham que convencer.

Saímos ganhando, Tom fez uma coisa que me pareceu fantástico, esse dinheiro a mais, fez como uma indenização de todos que trabalhavam conosco.  Na verdade só duas pessoas eram fixas, os garotos que levavam o bar.  O pessoal do show, ele contabilizou os anos que trabalhavam conosco, preparou os papeis, entregou um envelope com o dinheiro.

Uma das mais antigas, me disse na cara, se não é porque tenho medo de ti, roubava esse homem para mim.   Ficamos rindo.

O show, foi com a casa cheia, como já tínhamos liquidado tudo, o dinheiro do dia, foi para uma organização LGBT. Assim fechamos com chave de ouro tudo.

Me desfiz de todas as roupas, perucas, com as meninas, elas riam como pode alguém que calça 46 subir nesses sapatos altos, 44.   Técnica dizia eu.

Os últimos meses, levamos debatendo o que faríamos primeiro.

Tom soltou pela primeira vez que tinha um sonho.

Qual é meu amado?

Queria ir conhecer Paris, assistir os shows famosos ao vivo. Mas o melhor foi que Stan e Paul vieram juntos com os garotos, na verdade os shows foram bons, mas nunca tinha visto o Tom se divertir, como quando fomos a Paris Disney.     Ele ria como um louco com os garotos, entraram em todos as coisas, comprava as coisas que eles gostavam.  Quando Stan reclamava, lhe dizia, os avôs são para isso, estragar os netos.   Era uma verdade, tínhamos idade para sermos avós desses garotos.

Foram 15 dias de farra.  Quando voltamos para casa, recebemos a visita de um advogado, sua mãe tinha morrido, deixava sua herança para ele.

Quando ele viu os números, fez uma coisa.

Stan, bem como o Paul que viviam dos seus salários, Tom fez um fideicomisso, para os garotos irem à universidade.  Quando quiseram reclamar, ele soltou que nós dois não pudemos ir porque tínhamos que trabalhar, essa mãe, para ele não significava nada. Portanto o dinheiro era para gastar.

Com uma parte, compramos uma casa numa praia, entre San Francisco e Carmel, Tom pareceu rejuvenescer, ia a praia com os garotos, quando começaram a aprender surf, ele se apontou também, Stan não entendia o que se passava, mas eu lhe expliquei, ele tinha sacrificado a vida inteira por mim, querendo que eu fosse feliz.   Agora é seu momento, quero que ele seja feliz, eu o amei desde o momento que vi, portanto ele merece isso é muito mais.

O mais interessante era ver como os jovens vinha falar com ele, como se o fato de ser surdo/mudo, ele não pudesse contar o que escutava, mas era divertido, vê-lo dando broncas nesses jovens, os meninos que tinha aprendido linguagem dos signos se matavam de rir.

Um dia veio reclamar, esses garotos pensam que porque sou surdo/mudo, sou um idiota, se enganam.  Nessa noite o amei mais que tudo na vida, esse era meu garoto.

A varanda da casa sempre estava cheia de jovens, vinham conversar com esses dois velhos.

Agora passávamos mais tempo nessa casa que em San Francisco, a casa tinha uma lareira fantástica para as noites de inverno.

Desfrutávamos muito, conversando, relembrando coisas da nossa infância, juventude, quando estavam Stan, Paul com os garotos mais.   Eles reclamava que estavam ficando velhos, pois em breve os garotos iam a universidade.  Quando se aposentaram, ficavam cada vez mais.

Tom morreu dormindo, simplesmente tinha um sorriso na cara.

Deixou tudo que tinha para os garotos, no testamento, dizia quero que eles tenham tudo que nós não tivemos.  Porque eles me alegraram muito minha vida, já tinha 75 anos.

Uma carta para mim, que era uma declaração de amor, dizia que quando seu pai o levou para a casa dos meus pais, era consciente que o ia abandonar, porque nunca mais apareceu. Tinha medo, mas nunca esperou que eu o recebesse como fiz.  Me deste amor desde o primeiro momento, fui feliz cada segundo ao teu lado.   Aproveite com nossos amigos os anos que te restem.

No enterro, quem estavam arrasados eram os garotos, porque o adoravam, um deles virou-se para mim, soltou, quem agora vai nos fazer entender a vida.

Nunca tinha desconfiado disso, ele era o confidente dos garotos.

Lhes respondi, que poderia tentar ajuda-los, podiam confiar em mim, nunca imaginei que me metia em camisa de onze varas, mas que no fundo me ajudou a superar muitas coisas.

Além e claro do Stan, que se confessava comigo.  Eu escutava a todos, sem jamais comentar qualquer coisa, me coloquei na pele do Tom.

Só espero não viver muito mais, pois sinto imensa falta dele.

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 22 de agosto de 2022

DESAGRADÁVEL

 

                                                   DESAGRADÁVEL

 

Me chamo Rodrigo Sánchez, como muitos latinos, minha mãe era descendente de Mexicanos, meu pai, ah esse era um filho da puta de muito cuidado.  Pertencia a uma gang, das muitas que existe por NYC, principalmente no Bronx.  Quando nasci ele estava já na prisão, tinha uma sentença inteira para cumprir, 23 anos.

Eu tinha acabado de fazer 22, estava terminando a universidade, sempre com a notas altíssima, tinha estudado graças a bolsas de estudo, por ser um aluno brilhante, nunca precisei ser um atleta, embora, tivesse 1,80 de altura.

Ela deu um duro desgraçado para irmos em frente, passou a viver na casa de sua irmã em Long Island, esta era casada com um italiano, muito boa gente, que tinha uma oficina mecânica.

Minha paixão diga-se de passagem.

Como não era casada com ele, se casou com o homem que era seu chefe, ele me adotou, já que eu só levava o nome dela.  Depois de alguns anos indo visita-lo em prisão, resolveu que isso atrapalhava o futuro dela.

Os dois tinham morrido, justamente nas primeiras férias que tiravam fora do pais, puseram um mapa, fecharam os olhos acabaram escolhendo uma praia na Tailândia, mas claro nunca nada é perfeito, justamente estavam na praia quando ocorreu um famoso Tsunami, desapareceram do mapa, levaram tempo para encontrar seus corpos, a muito custo, o governo americano os trouxe para casa, em caixões lacrados, os enterramos, mas segui vivendo na casa que vivíamos, pois me tocou como herança.

Levei muito tempo para me recuperar, mas tinha apoio de minha tia, de sua família, além é claro do meu namorado, um sujeito espetacular, que tinha se formado um ano antes de mim, em direito.

Eu fazia engenharia mecânica, afinal era louco por motores, desde criança meus momentos livres eram na oficina mecânica do meu tio.

Justamente estava ali com ele examinando um motor de um Cadillac antigo, que estávamos recuperando juntos.

Nisso parou um carro justo na frente, com uns tipos muito estranhos.    A cara de meu tio foi ótima, entendi no momento o que era.

Saiu um homem mais baixo do que eu, se daqui alguns anos eu continuasse vivo teria essa cara, mas não tantos tatuagens como ele.

Saiu do carro gingando como os da sua laia, veio na minha direção, olhou na minha cara, me perguntou se era assim que eu recebia o meu pai.

Sinto, mas meu pai morreu a pouco mais de dois anos, tanto ele como minha mãe, o outro um idiota que se achava o rei do mundo, morreu no dia que entrou na prisão.

Virei, continuei mexendo no carro, não queria nada com ele.  Não o conhecia para nada.

Ficou uma fera, como podia desrespeitar ao seu próprio pai.

Meu tio, que era mais calmo, como espera que te receba como seu pai, se nunca te viu na vida, foi criado de outra maneira, longe do Bronx, longe de tudo isso.

Pois eu saí da prisão ontem, tudo que sonhava era ver meu filho.

Virei me para ele, sabia que tinha filhos com outra mulher, por um acaso já viste teus outros filhos, fui enumerando, dois morreram traficando drogas, um está na prisão, a garota coitada, se prostitui, vens procurar a mim que nunca te vi na vida.  Tenha paciência, eu tenho uma vida, não penso sequer conversar contigo.

Contigo não, deves dizer com o senhor, mas respeito.

Perdi a paciência, era mais alto que ele, podia ser mais forte do que eu, mas eu também sabia brigar, tinha lutado muito, para não ser vítima de abusos.

Me coloquei na frente dele, o olhei diretamente nos olhos, alguma vez te preocupaste se precisávamos de dinheiro, eu de um pai que me aconselha-se, que estivesse presente nos meus bons e maus momentos.   Não, estava preso, por tráfico de drogas, por vender essa merda aos jovens.   Olhe teus outros filhos, seguiram teus passos, aonde foram parar.   Nem pensar, sinto muito, mas não quero nada contigo.

Vi que seus homens, tinha a mão na cintura, sinal de que estavam armados.

Voltei ao carro, segui trabalhando como se não estivesse ali, creio que se deu conta que não valia a pena insistir, ainda tentou argumentar com meu tio, que tinha o direito de me conhecer.

Escutei que meu tio falava baixo com ele, é como tu, cabeça dura, tens que entender que ele não tem nada a ver com o teu mundo.  No final do ano, será um engenheiro mecânico, tudo porque estudou, lutou para chegar lá, sem ajuda de ninguém.

Depois só escutei o ruido do carro indo embora.

Sabia que não ficaria livre dele por muito tempo. Mas fiz tudo para me concentrar, segui mexendo no carro.

Quando chegamos na casa do meu tio, minha tia já sabia da história.   Estava nervosa, como ia ser agora.

A deixei tranquila, não queria nada com ele, isso ela podia ter certeza.

Durante a semana, eu fazia aulas de manhã, depois trabalhava num restaurante, cuidando do caixa, atendendo clientes.

Um dia ele apareceu, com um traje passado de moda, que cheirava a naftalina, queria uma mesa, sem tirar os olhos da cara dele, perguntei se tinha reserva?

Aqui só atendemos clientes com reserva, sinto muito.  Quis forçar a barra, mas justo nesse momento parou um carro da polícia atrás do seu.

Foi embora.

Contei tudo ao Brando, avisei que tivesse cuidado, nessa noite estava eufórico, tinha sido convidado para trabalhar com um fiscal que tinha muito nome.

Fui claro para ele, meu pai não vai me deixar em paz, creio que isso pode ser um problema para ti, eu te quero, tanto que não quero estragar tua vida.   Acho melhor passares um tempo na casa dos teus pais.

Uma semana depois, cheguei em casa morto de cansado, tinha uma prova final no dia seguinte, vi seu carro parado diante do edifício.   Já estava chateado porque o Brando pensou bem, resolveu aceitar meu argumento, seguíamos nos vendo, mas já não ficava na minha casa.

Não o vi por ali, mas estava dentro do meu apartamento.

Que bem vives, me soltou, não me disse boa noite, nada.

Fui até ele, soltei, tenho que estudar, por favor vá embora, pois senão eu chamarei a policia o denunciarei como invasão de domicilio.

Não vão fazer nada, essa é a casa do meu filho.

Como vais provar isso, fazendo uma exame de ADN urgente, se sequer levo teu nome, me deixa em paz, por favor, tenho uma prova importante, prometo que quando esteja terminado o curso, falo contigo, mas agora não.

Se levantou, escreveu num papel o número de seu celular, foi embora, passou raspado por mim, espero que me chames.

Foi difícil me concentrar nos livros essa noite, falei com meu tio, terei que enfrentar essa fera, mas não quero nada com ele.

Acabei os exames, tive sorte, em saber me concentrar, passei com a nota máxima, receberia um diploma cum laude.

Lhe chamei, disse que podia vir essa noite na minha casa, mas que viesse sozinho, sem esse carro horroroso, nada que chamasse atenção.

Ficou puto quando chegou, se deu conta que eu tinha trocado toda fechadura, agora eram várias de máxima segurança.

Estava vestido simplesmente com uma calças jeans, uma camiseta.

Lhe disse na cara, que assim estava melhor, fui até ele, retirei dois cordões imensos dourados que tinha em volta do pescoço, coloquei na sua mão, com isso pareces um idiota.

Como foi teus exames, já acabaram?

Sim, acabaram, me vou diplomar em uma semana, depois irei embora daqui, estarei fora do pais algum tempo, vou trabalhar para uma fábrica de aviões em outro lugar.

Ficou me olhando, sem saber se eu falava sério ou não.

O senhor não me conhece, sou uma pessoa franca, apesar que meu outro pai, minha mãe me ajudaram, eu sempre trabalhei, consegui estudar com bolsas de estudo, fiz a faculdade porque tinha notas excelentes, tudo por meu esforço próprio, não quero nada teu.

Quem era o rapaz que vivia aqui contigo?

Vejo que andaste fisgando minha vida.  Bom esse rapaz, é ou era meu namorado, como vai trabalhar com um fiscal, lhe pedi que se afastasse de mim, pois minha companhia, a partir que tenho um pai, que acaba de cumprir pena de 23 anos, isso podia prejudicar sua carreira, não queria mas aceitou o que lhe pedi.   Sim sou gay.

Ele ficou olhando, começou a chorar, tinha um companheiro que dizia que tudo que fazemos aqui, aqui se paga.

Eu quando entrei para a prisão, fui carne fresca, abusaram de mim, depois abusei de todos os novos que chegaram, depois tinha um garoto, que era meu, fazia o papel de minha mulher, agora descubro que meu filho é gay.   Ironia do destino.

Tens vergonha de mim?

Na verdade não, porque nunca te considerei meu pai, só emprestaste teu esperma, para que eu nascesse, mas o pai que me criou, foi outro, o amava, levei muito tempo para me repor a morte dos dois.

Como morreram?

Contei para ele, trabalhavam duro, a primeira oportunidade que tinham de fazer uma férias, escolheram ir para uma praia em outro pais.  Fizeram um jogo, em cima de um mapa, foram para a Tailândia, foram tragados por uma onda imensa, num tsunami.

Tive que explicar para ele o que era.

Ficou me olhando com a boca aberta, impressionado.

Perdi os dois ao mesmo tempo, mas tinham me educado bem, apesar que o apartamento agora é meu, trabalho, o senhor viu, comecei como garçom, mas hoje dirijo o restaurante.

Acabei meu curso, fui escolhido por essa empresa, para trabalhar para eles, ao mesmo tempo fazer práticas, sobre motores de avião.

Senti que estava orgulhoso de mim.

Me perguntou se eu usava drogas?

Jamais, sequer bebo, nesta casa nunca se permitiu isso, nem eu tive tempo para perder na vida com nada disso.

Fazes bem, olha aonde eu vim parar.   Mas sou honesto, outro dia fiquei ofendido, nunca tive outros filhos além de ti.   Esses meninos, eram filhos do meu irmão, ele morreu na prisão.  Entramos juntos, mas ele morreu dois anos depois.

Eu era um idiota renomado, agora tenho que escapar disso tudo, mal sai da prisão, foram me buscar, acham que tenho mais vivência, por ter convivido com outro marginais.

Tenho sim vivência em me proteger, para conseguir sair vivo de lá.     Na verdade venho me despedir, sairei de tua casa, vou desaparecer por algum tempo, não quero que tenhas vergonha de mim.

Espero que sim, tens dinheiro?

Não, mas sei trabalhar, durante o tempo que estive na prisão, trabalhei na oficina mecânica, entendo de carros.  Não se preocupe por mim.

Por um tempo não terei celular, mas chamarei ao teu com um desses que se usam agora, que ninguém sabe de aonde vem.

Na hora de ir embora, se levantou, sorriu, fico orgulhoso de ti, espero que daqui algum tempo não tenhas vergonha de mim.   Posso te dar um abraço?

Lhe disse que sim, me abraçou, me beijou dos dois lados da cara, disse que estava orgulhos.

Seja feliz.

Uma semana depois embarquei para Londres, de lá para a cidade aonde ia trabalhar.

Me despedi do Brando, sabia que ele já estava com outra pessoa, mais conveniente para ele.

Um ano depois, recebi uma chamada dele, disse que agora tinha outro nome, passava a se chamar Antônio Vargas, que tinha um emprego, que estava tentando borrar todo o passado.

Me chamou de novo na véspera de Natal, me perguntou como ia comemorar?

Lhe respondi que como estava cansando, tinha uma semana de folga, ia passar uma semana em Paris, sozinho.

Já encontraras uma pessoa que te queira.  Feliz Natal meu filho.

Fiquei com pena dele, imaginava como seria os natais na prisão.  Mas minha mãe sempre dizia que cada um escolhe seu destino, tem que aguentar com isso.

Deveria ter escolhido ir para NYC, passar com meus tios, mas estes tinham resolvido se mudar, para Miami, pois minha tia nunca tinha suportado o inverno, os meninos, iriam dentro de breve a uma universidade lá.

Falei com eles, fui para Paris, foi ótimo, apesar de que passar essa noite sozinho foi pesado, mas me distrai do meu trabalho.

Quando voltei, fui procurado por uma pessoa que vinha acompanhando meus progresso, recebi um convite para ir trabalhar em Everret, no estado de Washington, na fábrica da Boeing, era uma coisa boa para mim, além de um bom salário, podia seguir em frente.

Quando meu pai me chamou em janeiro, lhe disse aonde estava.

Ele perguntou se podia me visitar?

Lhe disse que sim, assim que tivesse um apartamento ou casa, lhe avisaria.

Ele veio quando lhe disse, estava diferente, já não usava os cabelos como antigamente, vi que tinha borrado as tatuagens mais chamativas, me disse que trabalhava numa oficina mecânica em Toronto.

Passou um final de semana comigo.  Foi me contando como tinha sido sua vida na prisão, foi claro comigo, estou vivendo com o menino que foi meu companheiro nos últimos anos, quando fui embora, ele tinha saído, o levei comigo.  Estamos tentando que dê certo, de certa maneira ele gosta de mim.   Mas está difícil, sempre usou drogas, estou tentando lhe ajudar, mas fica complicado, se ele não se ajuda.

Quando voltou, me telefonou avisando que tinha que mudar de cidade, pois o rapaz tinha desaparecido, com certeza por culpa das drogas.  Já me daria notícias.

Soube depois que estava em Vancouver, me disse que o desagradável de tudo, foi ter que ver seu companheiro morto por overdose, era muito jovem, uma pena.  Tens razão, fui inconsciente na minha juventude, agora pago por isso.

Tinha feito algumas amizades no trabalho, o sujeito que me ajudava, Rick Nelson, era a gozação, sempre estavam pedindo para cantar, por causa do nome.  Num primeiro momento ficou chateado, pois ele esperava o meu lugar, com o tempo ficamos, amigos, era muito mais velho do que eu, queria esse projeto novo como um filho.

Mas ao me ver jogar no trabalho, ficou meu amigo, nos entendíamos bem, as vezes olhava para ele, estava tão concentrado como eu no trabalho.

Me chamou um dia, dizendo, todas as semanas nos reunimos na minha casa, um grupo de amigos para jogar cartas, tomar uma cerveja, falar da vida.

Pensei o típico encontro de heterossexuais, não vou gostar disso.

Primeiro perguntou se eu tinha alguma coisa contra os gays?

Não, por quê?

Porque todos somos gays, alguns trabalham aqui, mas em outros setores.

Fiquei de ir.    Um dia voltando do trabalho, fazia sempre o mesmo caminho, descia do ônibus, não tinha carro nesse momento, vinha caminhando, a semanas cruzava alguns dias com um rapaz bonito, que me atraia, nessa noite resolvi dizer boa noite.

Parou de repente, me soltou, já não era sem tempo, nos olhamos, mas sequer dizemos olá, ou boa noite.

Me estendeu a mão, se apresetou, Bill.

Eu o convidei para comer alguma coisa, estava morto de fome, ele me levou a um bar desses que ficam abertos a noite inteira, que tinha uns sanduiches fantásticos, me disse para comer o de pastrami, que era muito bom.  Com efeito era.

Me contou que era médico, trabalha em urgências, trabalhava 24 horas, tinha as outras 24 livre.

Fomos para minha casa, pois me disse que morava com seu pai.

Foi fantástico, nunca tinha me sentindo assim com ninguém, nem com o Brando, que conhecia desde jovem.  Foi como entrar numa explosão, sem dizer nada, ficou para dormir, de manhã me disse que fazia tempo que procurava alguém que o fizesse se sentir assim.

Tomamos juntos o café da manhã, lhe expliquei que tinha que ir para a fábrica, me deu seu numero de celular, perguntou se podíamos nos ver essa noite.

A partir desse momento, foram muitas noites impressionantes. Na semana seguinte Rich Nelson, me lembrou do jogo de cartas de sua casa, como tinha prometido ir, fui, sabia que Bill, iria trabalhar até uma determinada hora.

Fazia tempo que não me sentia tão à vontade com um grupo de pessoas, eu não conhecia nenhum deles, eram todos gays, mas nenhum deles era afetados, eu odiava isso.  Dois que estavam ali, formavam um casal, contavam que tinham se casado a meio ano, que estavam agora na fila de uma adoção, os dois queremos ser uma família.

A conversa durante um tempo, derivou nisso, um deles virou-se para o Rick, dizendo, tu pelo menos tem teu filho.

Ele mais ou menos me contou a história, fui casado, foi antes de servir o exército, na unidade de veículos blindados, era o mecânico de todos eles.   Mas claro, tive aventuras com outros homens, me descobri, quando voltei, claro o menino tinha nascido, mas ela estava com outro homem, foi uma disputa incrível, fizemos teste de ADN, era realmente meu, ela bebia muito, acabei conseguindo a guarda do meu filho.

Nos damos muito bem, é um senhor tipo.

Eu estava sentado de costa para a porta, escutei uma voz dizendo, estás outra vez contando a história da ninha vida?

Venha conhecer meu chefe, quando virei era o Bill, ele riu, já nos conhecemos, veio até mim me deu um beijo na boca.

Então é dele que não paras de falar?

Sim pai, é dele, mas não vai contar nada, verdade?

Eu estava completamente sem graça, devia estar vermelho.

Rick, bateu no meu ombro, não passa nada, fica tudo em família.

A partir de então, estávamos sempre juntos.

Um dia perguntei ao Rick por que não tinha ninguém?

Eu me dediquei a cuidar do meu filho, quando era pequeno era difícil escapar para noitadas, não tinha família.  Depois nunca encontrei uma pessoa para me apaixonar.

Eu estava feliz, era isso que valia, um dia meu pai, chegou com um carro, tinha vindo desde Vancouver conduzindo, me trazia esse que tinha recuperado de presente.  Me disse, assim não tens que ir de ônibus ao trabalho.

Como tinha chegado cansado, logo foi dormir, no quarto que tinha montado para quando ele viesse.  Nem tive tempo de falar do Bill.

Este veio tarde da noite, lhe disse que meu pai estava ali, já tinha contado minha história para ele, isso não pareceu lhe incomodar.

Estivemos muito tempo deitados, abraçados um ao outro, falando aos sussurros.

No dia seguinte de manhã, meu pai abriu a porta para dizer que o café estava pronto, nos pegou dormindo nus, abraçados.

Nisso o Bill despertou, ele como se nada estivesse acontecendo, se sentou ao meu lado na cama, riu, peguei meu filho no flagra, riu, me despertei, o vi ali sentado.  Só me disse, não me contaste nada.  Vou preparar mais café, assim tomamos todos juntos.

Bill pensou que ele ia fazer um escândalo.

Ao despedirmos, nos abraçou a cada um, nos deu um beijo, disse ao ouvido do Bill, faça feliz meu garoto, que ele merece.

Nessa noite tínhamos jogo, perguntei se queria ir?

Vou limpar esses bunda moles dos teus amigos.

Lhe disse que ia ser divertido, pois jogávamos por cêntimos.

Mas foi, passei por casa para tomar um banho, não contei que Rick era pai do Bill.

Rick quando viu meu pai, o olhava muito, tinha que avisa-lo, mas deixei passar.

Eles todos bebiam, menos eu, sempre tinha latas de coca cola para mim.

Quando Bill chegou, cansado, da porta soltou, vou tomar um banho, já me reúno com vocês, fui junto com ele.

Rick então comentou, finalmente meu filho encontrou alguém que possa amar, construir uma família.

Meu pai, soltou, eu os peguei essa manhã na cama, pensei que Rodrigo estava sozinho, mas teu filho me parece fantástico.

Quando voltamos estavam conversando como velhos amigos.  Ao levantar para ir embora, para minha surpresa Rick soltou, porque não ficas para conversarmos mais.

Fiquei preocupado, Rick era uma pessoa excelente.

Estava falando com Bill sobre isso, quando escutei meu pai voltando.

No dia seguinte, me disse, antes que o Rick fizesse ou quisesse qualquer coisa, contei meu passado para ele, não quero que tenhas ilusão de encontrar um homem perfeito, ficamos de jantar hoje.   Prefiro assim, ele me atrai, mas tem que saber aonde pisa.

Lhe dei um abraço, assim se faz.

Fui trabalhar, quando voltei de noite, não estava, apareceu eufórico no outro dia, que homem fantástico me soltou.  Me disse que não se importava em absoluto meu passado, que todos tínhamos alguma coisa negra atrás da gente.

Agora éramos quatro, Rick, arrumou um emprego para ele, numa oficina de um amigo dele, passaram a viver juntos.

Eu por desconfiança nunca deixava de observar meu pai. Agora era um homem mais relaxado, sorria mais, estava feliz.

Um dia chegou em casa apavorado, me disse que tinha se cruzado com dois traficantes da época dele, não me reconheceram, mas por pouco, um deles ficou me olhando desconfiado, claro agora não tenho tatuagens, nem a que sinalizava os da gang.   Mas meu medo é por causa do Rick.

Fico, enfrento isso, ou vou embora como sempre?

Fale com ele, vocês agora são felizes, acho que tens que lutar pelo que tens.

Conversaram muito pelo visto.

Mas a coisa ficou feia, queria que ele distribuísse drogas ali na cidade, ele se negou, lhe deram um castigo exemplar, primeiro porque descobriram que era gay, lhe deram uma surra, foi parar em urgência, completamente desacordado, esteve em coma vários dias, Rick, não saiu do seu lado.  Mas por azar, ficou uma figura horrível, tinham lhe cortado a cara toda, como num jogo, as cicatrizes era horríveis, pernas quebradas, bem como um braço, sua recuperação foi lenta, mas tinha Rick, além de nós ao seu lado.

Quando estivemos sozinhos, me disse que pensou que tinha morrido, que estava pagando por todas as merdas que tinha feito quando jovem.  Eu quando fui para a prisão não sabia que tua mãe estava gravida, talvez, tivesse tentado mudar de vida, mas meu irmão mais velho estava metido até o gasganete nessa merda.

Quando soube que ia ser pai, fiquei contente, mas de repente tua mãe deixou de ir, entendi que tinha direito a ter uma nova vida.   Tinha vergonha de terem abusado tantas vezes de mim, inclusive cheguei a gostar das maldades que me faziam, pois assim parecia que estava pagando o preço do que tinha feito de errado.

Nunca me esquecerei, justo dias antes de ser preso, um dos jovens a quem tinha vendido drogas, foi encontrado morto, a primeira pessoa que o viu fui eu.   Era meu companheiro na escola, fiquei horrorizado, disse ao meu irmão que me largava, me deu uma porrada em plena cara, dizendo, quando entras, já não podes sair, seu idiota.

Mas resultou que foi ele quem tinha matado o rapaz, por uma droga de má qualidade, depois quando ficou na prisão, viu que não podia me proteger, que abusavam de mim, uma e outra vez, pensei que ia me defender, olhou lentamente na minha cara, me disse que eu não passava disso de um viado de muito cuidado, basta olhar sempre tuas maneiras, te coloquei na gang para ver se viravas homem, mas errei.  

Deixou de falar comigo, até incentivava que me abusassem. Um dia fui parar no hospital, alguém entrou de madrugada, tentou me matar, era ele, aproximou sua boca ao meu ouvido, dizendo que tinha vergonha de mim, que era melhor que eu morresse.  Por sorte um guarda o pegou, eu já não conseguia respirar, não podia me defender, pois tinha os braços presos por correia.

Quando falaste dos filhos dele, pensando que eram meus, pensei, Deus já o castigou.

Mas essas revanches, com sabor de vingança, na verdade nos deixa com a boca amarga, quando finalmente me aceitaste, eu quase morri de felicidade, mas nunca quis te atrapalhar, tenho orgulho do que eres.

Mas agora terei que ir embora, pois voltaram uma e outra vez, cada vez farão pior, tenho medo por causa do Rick, finalmente alguém me ama, eu também o quero muito, por isso não sou capaz de ficar aqui.

Entre todos tentamos convence-lo, mas eu entendia, era como eu, quando colocava uma coisa na cabeça era difícil de tirar.

O jeito foi convence-lo de primeiro fazer uma cirurgia, Bill tinha falado com um cirurgião de estética, que lhe operou a cara inteira.   Rick, alugou uma casa no campo, para ficar com ele lá até sua recuperação.

Pior, resolveram que iriam embora os dois juntos.  Rick estava loucamente apaixonado por ele.

Por momento, me chamaram para dar aulas no MIT, dentro do processo de motores elétricos, que desenvolvia junto com Rick, concordei se ele fosse.  Foi a solução, Bill conseguiu um emprego lá, fomos os quatros, agora vivíamos todos juntos, num campo fora da cidade, ele com o Rick, montaram num celeiro uma garagem, agora tinha medo de ir à cidade, que o vissem, embora depois da cirurgia tenha ficado completamente diferente.  Lhe dava medo.

Um dia sentados os dois na varanda, me contou que tinha medo pela primeira vez na sua vida. Não só por ele, mas por nós.   Não sei aonde conseguiu uma arma, estava sempre de sobreaviso.

Um dia desapareceu, ficamos alucinados, só deixou um bilhete, não posso viver com esse medo, tenho que deixar de ser a caça para ser o caçador.

Não tínhamos ideia de aonde poderia ter ido.  Na verdade voltou a cidade aonde vivíamos antes, matou os dois que tinham feito com ele essa maldade, entregou para a policia toda a quadrilha, depois de tudo feito, se suicidou, pois sabia que viriam mais por ele.

Para mim que tinha aprendido a ama-lo, foi uma porrada na cara.

Mas estávamos preocupado pelo Rick, este ainda tinha esperanças que ele voltasse.

Me disse um dia, o amei no momento que entraste com ele pela porta, tinha nele alguma coisa escura do seu passado.   Mas antes sequer de me dar um beijo, me contou toda sua vida, que tentava te recuperar, depois de todos os erros de sua juventude.

Aos poucos deixava de ter pesadelos, que eram horrorosos, me avisou deles, proviam dos abusos que tinha sofrido ao entrar na prisão.

Me contou do seu irmão, aqui no campo a princípio parecia feliz, mas os pesadelos tinham voltado piores.

Agora toca levar adiante essa vida.

Convenci Rick de continuar comigo no projeto, mas claro ver o sofrimento do pai, afetou muitíssimo ao Bill, maldisse uma vez o fato de eu ter apresentado meu pai, ao seu.

Foi se afastando de mim, um dia recebeu um convite para ir trabalhar num hospital em NYC, foi embora, apenas me disse adeus, arrastou seu pai com ele.

Fiquei sozinho, de repente tinha um vazio imenso, tinha perdido o pai que tinha recuperado, o homem da minha vida, além de um grande amigo.

O projeto ficou desinteressante, mas as duras penas terminei de fazer.

Recebi um convite para ir trabalhar em Osaka no Japão.  Nem pensei duas vezes, o contrato era bom, tinha economizado todos esses anos, para uma aventura assim.

Aceitei, aproveitei meu projeto, fiz pequenos arranjos nos mesmo, para patinetes, vespas modernas movidas a energia limpa.  A vida me ia bem, mas tinha me tornado totalmente fechado em mim mesmo.

No edifício que morava, tinha como vizinho, um sujeito que pensei que era da Yakuza, sempre me dizia bom dia, boa noite, já falava bem o japonês, um dia me ajudou a subir com as compras, na hora que abriu sua porta, saiu um garoto, me apresentou seu filho, era um garoto com síndrome de Dow, o garoto sempre que me via, vinha me abraçar.

Um dia passeando pelas ruas, fazendo compras, vi que ele era na verdade um tatuador, me explicou que tinha tatuagens para chamar a atenção, fomos ficando amigos.

Um dia me pediu se podia ficar com seu filho, pois tinha que atender um cliente justamente da Yakuza, a babá não tinha aparecido, ele já estava atrasado.

Fiquei no seu apartamento, não podia ser mais japonês, o garoto não podia ser mais inteligente, aparentemente tinha a cara de um garoto com síndrome, mas conversava direito, gostava de jogos, ganhava sempre ele, se matava de rir.

Quando ele chegou, estávamos nos divertindo muito, colocou o garoto para dormir, com muito carinho, fiquei observando.  Depois me convidou para uma cerveja, lhe disse que não bebia, ele tinha pensado que sim, tinha comprado como uma forma de me agradecer.

No que foi abrir a porta, nossas mão se chocaram, dai foi um passo para acabamos na cama, ou melhor dizendo no tatame.

Depois, ria muito, disse que não tinha muita prática, como os americanos, me explicou que na verdade o garoto era seu sobrinho, dizia que era seu filho, para não complicar muito a coisa, meu irmão o ia abandonar, leva-lo a um campo, o deixar perdido, não pude consentir.

Nos tornamos inseparáveis, estávamos sempre com Bobby, eu passei a chama-lo assim, ele gostava.

Comecei a construir coisas que serviam para uma criança, o Bobby era meu cobaia, se ele gostava, sabia que ia dar certo.

Kim, estava todo o seu tempo livre comigo, resolvemos tentar viver juntos, foi o máximo, tínhamos uma ligação forte.   O que mais gostava, era ele me provocar ao máximo, esperar que eu tivesse o orgasmo, para ter isso junto.

Meu contrato chegava ao final, não haviam muitas escolas para crianças assim por ali, perguntei por que não voltava comigo para os Estados Unidos, podíamos nos casar, eu vinha ensinando inglês ao Bobby, ele falava perfeitamente.   Para ele sempre haveria campo de trabalho, pois suas tatuagens eram perfeitas.

Fomos viver numa cidade pequena, mas que tinha escola para o Bobby, tínhamos o mar, que ele adorava, vivíamos quase na frente de uma pequena praia, perto de San Francisco.

No verão Kim não dava abasto de tanto trabalho, eu também, porque abri uma pequena oficina, um dos meus primos veio viver conosco, trouxe sua mulher, seus dois filhos, estes eram pequenos, adoravam o Bobby que inventava milhões de jogos com eles.

Eu as vezes tenho medo de tanto coisa boa, quando o Bobby ficou doente, quase morri, tinha me apegado tanto a ele, que não podia imaginar minha vida sem meu filho adotivo.

Ele quase morreu, mas um médico conseguiu salva-lo, quando fui lhe agradecer, levei um susto era o Bill.   Estava muito diferente, a cara fechada, dura, me olhou de cima a baixo, me disse na cara, vejo que continuas a sobreviver.

Na hora não entendi, depois me contou, Rick tinha se suicidado, não conseguia imaginar a vida sem meu pai.  Então entendia a raiva dele.

Tentei argumentar, mas não houve jeito, quando conheceu o Kim, vi que lhe interessava, começou fazendo uma tatuagem, Kim que era muito tímido, me disse depois que durante a tatuagem tinha tentado fazer sexo com ele.  Quando me neguei se colocou furioso, acredito que teu amigo, toma drogas.

Não podia acreditar, quando falei com ele a respeito, me disse que sim, que eu o tinha abandonado.

Mas o caso era ao contrário.  Lhe disse que deixasse o Kim em paz, pois era um homem simples, não entendia o que ele estava fazendo.

Um dia apareceu em casa, nunca o tinha visto assim, vinha armado, disse que eu tinha destroçado a vida dele.   Não sei se de ver em filmes, Bobby chamou a polícia, que apareceu em seguida.

Falei com o Kim de irmos embora dali, ele disse que nem pensar, lembra-se que me contaste de teu pai, quanto mais fugia, mais complicada ficava sua vida.

Não colocamos denuncia nenhuma, mas Bill, foi obrigado a fazer um tratamento.  Se não fosse porque era um excelente médico perdia o emprego.

Tentou se aproximar de novo, mas lhe disse que respeitava além de amar meu marido, ao meu filho também.

Tempos depois soube que tinha conseguido uma transferência para outro hospital em Miami.

Meu primo me disse um dia, que se lembrava de mim de criança, que as coisas sempre aconteciam comigo, mas que de alguma maneira, eu continuava sobrevivendo.

Era verdade, minha vida estrava cheia de coisas desagradáveis, mas eu sempre me suplantava.

Quando surgiu a ocasião do Bobby ir para a faculdade, deixamos que ele escolhesse o que queria fazer.

Queria ser engenheiro mecânico, pois estava sempre me ajudando com os carros, os meninos do meu primo não se interessavam, mas ele era ao contrário, nem precisávamos dizer o que tinha que fazer, íamos pedir alguma ferramenta, lá estava ele, com ela na mão.

As vezes nos dizia de aonde vinha o ruido.

Quando Kim morreu de um câncer, foi um tratamento longo, muito duro, mas aguentei firme ao lado dele.  Bobby disse um dia, que quando era criança pensava pelos filmes que via, que se alguma coisa se estragasse nas pessoas, era só trocar, como um motor.

Kim morreu segurando a mão dos dois, nenhum tratamento resolveu nada, no final disse que queria ir para casa, morrer olhando o mar.   A estas alturas, já tínhamos 60 tacos, a dor, além da falta dele, quase me fizeram morrer, mas Bobby chegou um dia, me disse que sempre tinha confiado em mim, que não o deixasse sozinho no mundo.

Seguimos vivendo, agora tínhamos um barco, com meu primo, saímos para pescar, o filho da puta sempre pegava o peixe maior.  Era um concurso que ele fazia com os filhos do meu primo que o adoravam.    Depois sempre íamos a uma enseada pequena para nadarmos.

Ele ensinou os garotos, como eu o tinha ensinado a nadar.

Agora com quase setenta anos, sigo com ele ao meu lado.  Quando lhe pergunto se não tem uma namorada, ele ri.  Apesar de ser inteligente, elas olham para mim, não sou um surfista, nem um atleta, tampouco sou bonito, sou mas bem invisível para elas.

Mas a grande surpresa foi que um dia o Bill apareceu, estava muito melhor, disse que tinha feito um tratamento intenso para botar para fora tudo que sentia.  Lastimava a morte do Kim, mas ficou pouco tempo, o que queria era ir para a cama comigo, me neguei, isso não daria certo.

Voltou trazendo um jovem que se sentia como o Billy, tinha síndrome de Dow, mas era médico, os dois se entenderam de maravilha.  Eu dizia que era um complô do Bill para me deixar sozinho.

Mas se era isso o tiro saiu pela culatra, o Jean, arrumou um emprego num hospital lá perto, atende em casa também quem não pode pagar.  Os dois vivem um para o outro, Bobby diz que vive como vivíamos eu e seu pai.  Nunca lhe dissemos que não era seu filho.

Agora os dois entre eles me cuidam.

Pelos menos, me sinto entre dois anjos, pois os dois são fantásticos a sensação que na minha vida acontecem coisas desagradáveis, nunca terminara, mas tenho esperanças.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

miércoles, 17 de agosto de 2022

RIDDLE

 

                                         

 

Despertou com o ruido de alguém chamando, primeiro pensou que era o celular, mas ao mesmo tempo chamavam na porta.

Desceu vestindo a cueca, tinham feito sexo até as quatro da manhã, seu companheiro de noitada, estava num sono profundo.

Quando abriu a porta deu de cara com dois policiais, levou um susto, o primeiro que perguntou se tinha acontecido alguma coisa com seu irmão.

Perguntaram se podiam entrar, disse que sim, vestiu uma bermuda que estava jogada no sofá, aonde tinham começado a primeira parte, com ele dizia a perfumaria do sexo.

Se viram outra bermuda, bem como a cueca jogada no chão, não demonstraram.

Primeiro perguntaram seu nome, Ralph Bronson, concordou com a cabeça, ao mesmo tempo fazendo um exercício de respiração, sabia que as notícias não podiam ser boas.

Um dos homens perguntou se tinha estado em Washington por esses dias?

Não, nunca vou até lá, sempre passo sim pelo menos uma semana em NYC, na casa da minha avó, com meu irmão, ele nunca sai de casa, uma larga história que vocês já devem saber.

Bom as notícias são de Washington, ontem à noite depois de uma festa na casa dos teus pais, os dois foram assassinados.

Abriu a boca, mas não saia nenhum ruido.    Seu pai era juiz do supremo tribunal, sua mãe apesar de ser uma mulher de meia idade, era lindíssima, tinha sido a flor da sociedade em sua época dourada.   Nunca entenderia por que mantinha esse casamento de fachada, sendo que nem ele, tampouco seu irmão viviam lá.   Poderia estar vivendo com sua avô, como seu irmão, ele mesmo na época da faculdade tinha vivido lá.

Não se falava com seu pai, desde que tinham editado seu segundo livro, em que falava da fachada de um juiz do supremo, que não correspondia com a realidade.   Tinha se sentido ofendido, pois achava que o retratava, mas na verdade tinha juntado todos os juízes que conhecia, num personagem só.

A muito pediam que escrevesse a história de seu irmão, mas se negava rotundamente, inclusive nunca falava no assunto com ninguém, era um tabu a família.

Respondeu a todas as perguntas, como tinha colocado som no celular, este chamou, era sua avó, comentou que já sabia da história, que pegaria o primeiro avião para NYC, preocupado com seu irmão.    Ela comentou que tinha chamado seu psiquiatra, que este lhe tinha dado um relaxante que agora estava dormindo, mas antes só queria saber de ti.

Os homens se retiraram, lhe desejaram uma boa viagem, infelizmente nos toca de vez em quando dar más notícias.

Despertou Jules, pois tinha que ir para NYC, teve que explicar tudo a ele, se arrumou de mal humor como sempre, foi para sua casa.   Ele jogou algo de roupa numa bolsa, pegou seu laptop, pelo menos poderia seguir trabalhando, no roteiro do filme que estava escrevendo.

Saiu de casa, entrou imediatamente num Uber que tinha chamado, assim que acabou de comprar o bilhete de avião em primeira classe, telefonou para sua avô, ela mandaria o chofer ir busca-lo no aeroporto.

Não dormiu de imediato, ficou pensando que sua família, era sempre pasto de tragedias, tudo na verdade por culpa de seu pai.   Não tinha conseguido descobrir muita coisa sobre o crime, mas claro para ele estava ligado ao trabalho do velho, como o chamava.

Seu pai, era pelo menos 10 anos mais velho que sua mãe, daqui dois anos se aposentava do Supremo.   Era um homem complicado, feito a si mesmo, tinha feito a universidade com bolsa de estudos, pois vinha de uma família pobre.

Foi subindo na hierarquia, foi fiscal, depois juiz, finalmente juiz do Supremo Tribunal, era conhecido pelas suas sentenças, sempre muito duras.

Inimigos, ele tinha aos montes, não só os homens quem tinha condenado, mas também políticos que tinha fuçado a vida.

Seu irmão tinha sido o primeiro a pagar por isso, ele tinha 14 para 15 anos, quando seu irmão foi sequestrado, era cinco anos mais velho, adorava seu irmão menor.   Estava na escola, quando esse foi sequestrado.   Quem ia buscar seu irmão na escola, era sua baba, uma mulher que tinha trabalhado a vida inteira para sua avó, agora estava de novo lá cuidando dele, era a única pessoa que ele permitia chegar perto dele, era o centro da atenção dele.   Também era a única que o fazia entrar em razão quando teimava com alguma coisa.

Estavam saindo da escola, quando um furgão se aproximou, lhe deram uma apunhalada no peito, a jogando no chão, levaram meu irmão.

Foi um escândalo, minha mãe, mandou o chofer, me buscar na escola, mas não me disseram nada até chegar em casa, saber que Baba Esther, estava no hospital muito mal, me transtornou, afinal tinha cuidado de mim desde bebê.

Ela era judia, como a família de minha mãe, então a comida em casa sempre era Kasher, meu pai odiava.

Quando cheguei, minha mãe me contou que tinha sequestrado o meu irmão, foi como se tivessem aberto um buraco no chão, estavam ali no salão com meu pai, minha mãe, me perguntaram se eu tinha notado alguma coisa diferente.

Lhe perguntei o que ele queria dizer com diferente?

Alguém vigiando a casa?

Não, vigiado estamos sempre, pois meu pai, sempre tinha seus guarda-costas, mesmo que na casa tivesse vigilância através de vídeo.

Realmente não tinha visto nada, além de que, normalmente iam me buscar na escola, todos os dias, se tinha algum jogo, algum desses homens ficava me esperando para levar para casa, nunca pude sair com os amigos, isso não estava permitido.

Em casa seguíamos todos os ritos judaicos, por vontade de minha mãe, meu pai não tinha religião, a única que tinha era sua verdade em tudo.

Quando chamaram pedindo o resgate, ele disse na cara do sequestrador, que nunca pagava nada, senti um aperto no peito horrível, isso seria a condenação do meu irmão.  Devo ter ficado furioso, pois quando ele colocou o telefone no gancho, lhe dei um murro na cara, gritando é meu irmão.

Quando chamaram a segunda vez, disseram que estavam mandando a prova de vida do meu irmão, ele não estava, minha mãe disse que pagaria o resgate.

Ela, bem como minha avó que tinha vindo urgente de NYC, juntaram dinheiro para pagar o resgate, eu estava furioso, pois meu pai tinha ido trabalhar como se nada estivesse acontecendo.

Uma semana depois devolveram meu irmão, era um trapo, tinha abusado dele sexualmente, vinha com um bilhete, o mesmo tinha acontecido com o sequestrador na prisão, por culpa do meu pai.

Ele ficou furioso com minha mãe por pagar o sequestro.  Nunca descobriram quem tinha sido, analisaram todas as hipóteses, mas meu irmão levou dois anos para falar de novo, isso porque Esther cuidava dele, só falava com ela, comigo.   Passou a dormir no meu quarto, mijava todas as noites na cama, tinha pesadelos horríveis.   De dia estava agarrado a Esther, quando eu voltava da escola, comigo.

Raramente saia do quarto, não podia ver meu pai, que começava a chorar.  A solução foi o levar para NYC, tiveram que droga-lo para colocar na ambulância, fomos eu e Esther com ele, caso despertasse.

Sua nova vida o deixou mas tranquilo, mas seguiu sem sair de casa, era necessário que o psiquiatra que o conquistou aos poucos, viesse para falar com ele.

De NYC, quando soube que o corpo de minha mãe estava liberado, fui até lá para busca-lo, quando perguntaram sobre o do meu pai, lhe disse que o supremo que o enterrasse como quisesse.

O de minha mãe, seguimos o rito judaico, rezei um Kadish ao pé do túmulo, foi enterrada junto ao resto da família.   Depois fomos ao advogado para ver a leitura do testamento, minha mãe me deixava responsável pelo meu irmão, por Esther, bem como minha avó, a herança era boa, o apartamento estava em nome de minha avó.

Logo em seguida, recebi, um envelope, com fotografias, eram estranhas à primeira vista, se via meu pai, no seu quarto, minha mãe no dela.  Depois ela continuava sozinha, com um martini na mão, tinha começado a beber muito depois do sequestro do meu irmão.

As fotos seguinte, eram de meu pai, no quarto com um rapaz, a cara do mesmo estava borrada de proposito, primeiro ele fazendo uma felação no velho, depois ele no rapaz.

Recebi um telefonema, me pedindo dinheiro, para não divulgarem as fotos, eu comecei a rir, devo ter desconcertado a pessoa.  Acho que erraste de lugar para pedir dinheiro, eu não daria um tostão para manter a memória desse filho da puta.  Se quiserem fazer chantagem  façam com o supremo, a mim não me importa um caralho se saem publicadas.

Chamei o FBI, entreguei o envelope, com as fotos dentro, contei o que tinha dito, ficaram de falar com o supremo.  Ninguém mexeu um dedo, soube depois que no seu enterro, não tinha ninguém.

As fotos foram publicadas num jornal sensacionalista, não pude sair de casa uns quantos dias, pelo assedio dos jornais, da televisão.

Não me importei, pois estava trabalhando em casa.  Falava com meu namorado, que me contou que o FBI tinha feito um interrogatório, minucioso, se eu estava realmente em Los Angeles.

Tinham falado com todo mundo com quem eu trabalhava.  Não me importei, pois não tinha nada a esconder.

Um dia vi meu irmão gritando, corri, ele estava na janela para baixo, sinalizando, dizia que era o homem que tinha abusado nele, mas eu só conseguia ver uns sapatos aonde ele sinalizava, a pessoa devia ter-se escondido, chamei a polícia bem como o FBI, nesse momento dei graças a Deus, ele se negar a sair do quarto.   Quando uma voz de homem, chamou querendo falar com ele, fiz um verdadeiro escândalo.

Talvez ele tenha escutado atrás da porta.   Não conseguiam localizar a chamada.  Esta passou a ser diária, o FBI criou um desvio da mesmas, ou seja em casa ninguém atendia.

Meu irmão estava muito nervoso, era uma pessoa frágil, parecia não ter passado nem um dia do seu sequestro, não tinha crescido, para alimenta-lo era difícil, necessário uma verdadeira paciência, dar a comida na boca, que o conseguia melhor era a Esther.

Um dia ela me chamou atenção, como estava minha avó, foi uma batalha para a levar ao médico, para fazer um check-up, pior foram os resultados.  Estava com problemas sérios de coração, segundo o médico, era como uma folha de papel.

Agora eu tampouco saia muito de casa, precisava ir para Los Angeles, acabei mandando o roteiro do filme para a produtora, por internet.

O meu namorado, telefonou, dizendo que estava sendo seguido, que iria passar um tempo fora, me desculpe, mas teus problemas estão afetando minha vida. 

Tive que concordar, não era fácil para mim, imagine para outra pessoa que não tinha nada a ver com o assunto.

Meu irmão agora vivia pegado a janela, corria para aonde eu estava, me mostrava alguém na rua, mas a policia estava por, ali, eu descrevia a pessoa que ele dizia, mas não tinha nada a ver.

Um dia despertei, não o vi na sua cama, quando vi a janela de seu quarto estava aberta, vivíamos num 10 andar, quando olhei para baixo, ele estava jogado na calçada, sai como estava de pijama, a polícia já tinha chegado.

Foi uma porrada bem dada na minha cabeça, fiquei ali parado chorando, como isso podia ter acontecido, no dia anterior, ele estava tranquilo.

Minha avó, coitada, foi parar no hospital, muito mal, tiveram que entubar, desta vez, foram dois os enterrados, rezei Kadish pelos dois.  Esther ao meu lado, rezava muito, tinha vivido a vida inteira com a família. Estava destroçada, meu irmão era como seu filho.

Agora eu herdava também a parte de minha avó.

Quando Esther me disse que ia visitar uns parentes seus em Israel, fui com ela, não sabia o que fazer da minha vida, comprei dois bilhetes de avião, agora usava sobrenome judeu, deixei de ser Bronson, para ser Kleinstock, fomos de primeira classe.

Meus documentos eram novos, bem como da Esther, nos hospedamos num apartamento que consegui, fomos a procura de seus parentes.   Ela só encontrou uma prima distante, que a recebeu em sua casa, mas como sempre, um parente vindo da América, pensavam que ela era milionária.   Aluguei um carro, visitamos tudo que pudemos, voltamos para casa.

Tínhamos aproveitado para conversar, ela tinha umas amigas da sinagoga, que viviam agora em Miami, numa residência para pessoas de idade, como pequenas casas, fui com ela até lá, para olhar.

Ela tinha me dito que eu devia seguir com minha vida, que bastava de tantas desgraças, mas ainda voltou comigo para NYC, para desfazermos do apartamento de minha avó.

Eu guardei fotos do meu irmão, algumas da minha mãe quando jovem, da minha avó com Esther, o resto me desfiz de tudo.

Coloquei o apartamento a venda, o rendimento dele, pagaria o lugar que Esther ia viver.

A levei de volta até lá.

Fui para Los Angeles, alguém tinha entrado no meu apartamento, chamei a polícia, mas não descobriram nada.  Como tinham destruído tudo, mandei vender o mesmo, fui para um apart-hotel, perto da produtora, me distrai acompanhando a filmagem do meu roteiro.

Um dia recebi, uma cópia de um livro, na hora não entendi, eu não era um editor, mas tinha um bilhete na frente, dizendo leia, que entenderas tudo.

Tirei uma cópia, com luvas, para não tocar o papel.  Comecei a ler minha cópia.

Fui entendendo tudo, meu pai quando era juiz, tinha condenado um rapaz, sem culpa nenhuma, a primeira parte do livro, era justamente o calvário que esse rapaz tinha sofrido, tinha sido condenado a 20 anos de reclusão, tinha 17 anos, o julgaram como um adulto, seu advogado era desses de oficio, não fez nada por ele.

Já no seu primeiro dia da prisão, abusaram dele, foi parar várias vezes na enfermaria, mas sobreviveu, descobriu que a solução era se tornar amante de um dos homens poderosos entre os presos.   Segundo ele contava, tinha virado a puta do mesmo.

Os dois saíram ao mesmo tempo, em condicional, montaram todo um esquema de vingança, a primeira parte foi justamente o sequestro do meu irmão, contava com detalhes como o tinham prisioneiro, numa casinha de cachorro, com coleira, corrente, tinha que beber e comer como um animal, tinha mandado o vídeo para o meu pai diretamente.

Ele nunca falou nisso com ninguém.  Depois os dois abusaram dele diariamente, até o entregar.

Eu chorava como um condenado, lendo toda essa descrição, falavam ainda que depois de cada abuso, meu irmão desmaiava.  Que ao final não opunha mais nenhuma resistência.

Quando minha mãe, junto com minha avó pagaram o resgate, tiravam seu brinquedo, ainda pensaram em seguir com meu irmão, mata-lo.   Mas claro tinham descoberto de alguma maneira que ao meu pai, isso não importava.   Que não faria nada para recuperar seu filho.

Tinha vigiado a partir daí a vida dele.  Pois viram que eu ia a escola com dois seguranças armados, que minha mãe pouco saia, sabiam das duas tentativas de suicídio, do meu irmão, uma aos 15 anos, outra aos 16, como eu não tinha ideia era como sabiam detalhes.

Comentava que tinha colocado dispositivos no apartamento de minha avó, que sabiam tudo que acontecia na casa.

Inclusive comentava dos meus livros, que o primeiro era interessante, mas o que tinha escrito sobre o juiz, me chamava de covarde, por não ter escrito realmente o que pensava do meu pai.

O texto era terrível.

Me desafiava a publicar esse texto, inclusive publicar fotos minhas com meus namorados.

Não pensei duas vezes, chamei o homem do FBI, com quem tinha travado certa amizade, eles começaram analisar todos os que tinha ido para a cadeia por causa do meu pai.

No texto, encontraram uma impressão de um dedo, finalmente conseguiram dar com os dois, quando foram presos, o mais jovem confesso ter matado meu pai.   O outro matou minha mãe, só porque tinha entrado no quarto, por causa dos gritos.

Tinham um verdadeiro arquivo sobre meu pai, todos seus movimentos, fotos, vídeos, um registro diário de sua vida, com quem se via, o que fazia.

O mais jovem depois de ser condenado, pediu para falar comigo.

Me desculpa da morte de teu irmão, mas me apaixonei por ele, estava sempre na janela, eu aluguei um apartamento em frente só para observar como ele ia.

Ah uma coisa que deves saber, teu pai não fez nada, porque pensava que não era filho dele, mal sabia que na verdade quem não era filho, eras tu.

Tua mãe quando casou, estava gravida de um companheiro da universidade, disse inclusive o nome do mesmo.   Mas ele foi para o exército, por isso não se casou.

A solução dela foi casar-se com o que pensavas que era teu pai, para não manchar o nome da família.

Isso tudo era de uma morbidez incrível, se não fosse pelo vidro que nos separava o tinha matado ali com minhas mãos.

Me disse que me entregariam uma chave, aonde estava guardadas as fotos, bem como os vídeos de meu irmão.   Quando teu pai recebeu o vídeo, não fez nenhum movimento, para liberar o mesmo, foi quando cheguei a conclusão que era um monstro.

Por isso, esperamos o tempo necessário para mata-lo.

Nessa noite ele tinha pedido um jovem para fazer sexo, eu fui no lugar do mesmo, ele sempre levava jovens para dentro da própria casa. Sou eu que apareço nas fotos, por isso a cara estava borrada.   Foi quando aproveitei para mata-lo, quando ele menos esperava.

A policia não contou que ele foi encontrado com um consolador de metal no cu, esconderam tudo isso.

Sai da prisão arrasado, minhas pernas tremiam, o mais interessante, ele só me pediu desculpas pela morte do meu irmão, o resto fazia parte de sua vingança.

O FBI, ainda tinha amostras de sangue do meu pai, consegui, para fazer teste de ADN, realmente não era filho dele.   Comecei a analisar tudo que me lembrava a respeito de como me tratava.   Nunca chegava perto de meu irmão, ou de mim.  Só aparecia com as mãos nos ombros dos dois em fotos oficiais.  Caso contrário nunca.

Nunca nos tinha colocado na cama, ou conversado como fazia um pai, sempre estava cansado do trabalho, das festas que era obrigado a ir.   Quem fazia tudo isso, era minha mãe.

Agora entendia, as desculpas que ela pedia na carta que me deixou.

Fui consultar o psiquiatra que tinha cuidado do meu irmão, conversamos muito, lhe dei o texto do livro para ler.

Eu lhe disse que queria fazer algo diferente, na primeira hora da manhã, nos sentávamos num parque perto do seu consultório, falávamos tomando café, durante uma hora, fui colocando para fora tudo o que tinha, até me sentir vazio, durante esse tempo, não consegui me sentar para ler, nem escrever.

Fui passar um tempo com a Esther, mas nunca falei nada a respeito, a não ser da descoberta que não era filho desse homem que odiava com todo coração.

Ela sabia da verdade, mas nunca tinha falado, por respeito a família.

Confirmou o nome do meu pai verdadeiro.   Pesquisei sobre o mesmo, agora trabalhava no pentágono, sabia que era solteiro.

Telefonei, perguntei se podia falar com ele.    Quando me identifiquei, dizendo de quem era filho, se fez um silencio, mas quando pedi para falar com ele, concordou.

Me disse que estaria em NYC no dia seguinte.

Quando o vi, no saguão do hotel, foi como me olhar num espelho, realmente eu, bem como meu irmão éramos diferentes um do outro.  Agora entendia.

Me apertou a mão, contei tudo que sabia, se ele não se importasse, gostaria de fazer um teste de ADN, para saber quem realmente sou.

Ele concordou, fizemos, passamos os dias conversando, ele me contou o outro lado da história, tinha realmente conhecido minha mãe na universidade, tinham feito sexo umas duas vezes, mas quando ela o apresentou a família, meu avô, não aprovou, pois ele era descendente de Irlandeses, pobres.

No fundo eu nem sabia o que era, era um jovem confuso, por isso entrei para o exército, era mais fácil fazer uma carreira, me especializei em computação, por isso trabalho no Pentágono, dirigia um departamento especializado, era coronel.

No dia que saiu o resultado, fomos buscar juntos, olhamos um para o outro, nos abraçamos, eu agora recuperava uma família.

Ele me contou que era gay, que vivia com outro militar, que estava ao par do assunto.

Passamos várias férias juntos, até ele se aposentar do seu trabalho, a partir desse momento, passei a viver com eles, tinha essa necessidade de uma família.   A minha tinha sido totalmente destruída.

Tinha medo inclusive de ter um relacionamento, que pudesse acontecer alguma coisa.

Mas aos pouco fui entrando em razão, seguia escrevendo, agora pequenas historias que ia alinhavando para fazer como coisas paralelas que se cruzavam, para um filme.

Na filmagem conheci um ator, era o tipo de galã, que até agora fazia papel de mochinho, tinha aceitado nesse filme fazer um papel de gay, era o personagem mais dramático.

Um dia conversando com ele, falávamos sobre o personagem, me perguntou se tinha muita coisa minha no personagem.  De uma certa maneira sim, se interessou, contei minha história.

Ao final, me convidou para jantar na sua casa, dai para o resto foi um pulo, fui ficando, de meu só o laptop para escrever.   Quando dei por mim, faziam cinco anos que estávamos juntos, ele nunca se escondeu, vivíamos uma vida normal, inclusive escrevi uma peça de teatro para ele.

Fez muito sucesso, depois foi para o cinema, mas ele queria mesmo o trabalho diário do palco.

Quando fizemos oito anos juntos, me disse que queria casar-se comigo, foi toda uma surpresa, pois sabia que não estava atrás do dinheiro que eu poderia ter, pois tinha tanto quanto eu.

Falei com meu pai, esse riu, pois tinha se casado com seu companheiro fazia já algum tempo.

Arrisca, senão não saberás.    Faltando um mês para o casamento, ele ficou doente, pensei que ia perder o homem da minha vida, mas uma operação resolveu tudo.

Nos casamos, numa cerimonia simples, nenhum dos dois queria publicidade tonta.  Vivemos juntos já fazem 15 anos.   Ele me entende, é carinhoso comigo, mas sabe que nunca poderei esquecer meu irmão.  Uma vez falamos em filhos, só de tocar no assunto, chorei muito.

Ele entendeu, nunca mais falou.

Tinha medo de ter um filho, de perde-lo, como tinha perdido o irmão que eu adorava.

A vida segue em frente, mas tem coisas do nosso passado que nos assustam, nos fazem pensar sempre, são como uma ferida que nunca pode cicatrizar.