lunes, 30 de mayo de 2022

BELLA

 

                                                  BELLA

 

Retornávamos do enterro de tia Bella, tinha sido um ato muito emotivo, eu bem como minha irmã estávamos como uma pinha com nossos avôs, afinal eles nos tinham criado, bem como especialmente por Bella que foi como uma verdadeira mãe para nós.

Eu sempre achei que seu nome não condizia com ela, era feia, quando verbalizei isso com minha avô, me mostrou fotos dela quando criança, se podia dizer que era super bonita, mas algo se passou, se transformou numa mulher feia, alta, desengonçada, mas em contrapartida de tudo isso, era amável, generosa, graciosa, mas sobretudo uma mulher moderna.

Para duas crianças saídas de uma tragédia familiar, ela foi um poço de amor.

Meu pai, era o típico galã latino, filhos de italianos, com uma estampa de fazer gosto, ao contrario de Bella, quando criança, era gordo e feio, logo se transformou num dos homens mais bonitos de Hollywood, nossa mãe ao contrário, era uma mulher loira, vazia, tonta, da alta sociedade de NYC.  Tinha se casado com ele, porque era famoso, bonito, bom de cama, mas era uma mulher desequilibrada.

Nascemos os dois com uma diferença muito pequena, cinco minutos bem assim dizer, somos gêmeos, só que eu nasci moreno como ele, ela loira como nossa mãe.

Tudo que me lembro dos meus primeiros anos, eram gritos, escândalos, coisas do gênero, em casa nunca parava nenhuma babá, pois se eram jovens, ela dizia que ele ficava atrás, como era insegura, fazia logo um escândalo se ele falasse muito com a moça, mas na verdade sempre estava perguntando como estávamos.

Era um pai, fantástico, apesar de tudo, sempre encontrava tempo para brincar conosco, as fotos o dizem, alguns comentavam que essas fotos eram para revistas, mas não era verdade, ele podia ficar horas jogado no chão, com ela azucrinando sua cabeça, não sabia o que ele via nessas crianças chatas.

Nas festas ela era incontrolável, bebia demais, fumava porros demais, cheirava, ou seja tudo o que ele não fazia.   Quando dava festas monumentais, na mansão que viviam, no dia seguinte era um desastre.

Fazia isso, justamente quando ele estava fora filmando, tudo começou, um dia que ele chegou de uma filmagem que tinha sido noturna, a encontrou atirada numa cadeira da piscina, totalmente bêbada.    Eu e minha irmã tínhamos escapado da baby sitter, estávamos ali parados olhando, ela tinha vomitado ali no chão, ele logo nos levou com ele.

Mandou a mesma arrumar nossas maletas, ia nos levar para a casa de seus pais em NYC, já que ela nunca cuidava de nós.

Quando ela o pegou na saída, ficou como louca, ele lhe entregou um papel com o pedido do divórcio, se acabaram as festas, me arruinaste a vida, não só porque não sabes te comportar, como não cuida dos teus filhos, além de gastar nosso dinheiro como se fosse papel higiênico.

Eu ali parado imaginava um rolo de papel higiênico, em forma de notas de cinquenta dólares.

Ela já estava desequilibrada pela bebida, drogas, outras coisas que imagino, começou a quebrar tudo, ficou com um pedaço de um prato imenso de cristal, que era da decoração, avançou para ele, que queria nos proteger, veio com tal velocidade, que cravou no peito dele esse pedaço de cristal.   Ele caiu morto ali mesmo.  Ela as gargalhadas, dizia, quem vai me proibir de fazer o que quero agora.

A Babá nos levou dali, até uma casa vizinha, chamou a polícia, a encontraram dormindo ao lado dele, curando sua bebedeira.

Foi um escândalo a toda regra, com jornalistas, televisão, afinal ele era um ator famoso.

Os sanitários da ambulância, não puderam fazer nada, ela foi presa, nem se dava conta do que tinha acontecido.

Vieram nossos avôs maternos, bem como paternos. 

Os maternos, disseram rapidamente ao juiz, que não gostavam de crianças, que nos internariam num colégio.  Os paternos, disseram ao juiz, que nos criariam com todo gosto, mas simplesmente, nada de boa vida.

Ela fui julgada internada num psiquiátrico do qual nunca sairia, pois foi indo a pior.  Seus pais anos depois encontrei numa exposição de minha irmã, estavam velhos, já não eram convidados para festas, pois seus amigos de sua idade tinham morrido, estavam tentando se aproximar de Rosa, porque era famosa, se parecia fisicamente a sua filha.  Mas ela os ignorou, era uma mulher independente, tivemos uma educação excelente.

Quando me viram, vieram falar comigo, sabia que eu era um escritor, já com certa fama. Me estenderam a mão, mas as ignorei. Disse boa noite, me afastei.

Na verdade depois do enterro de meu pai, meu avô como passava a ser nosso tutor, vendeu a mansão, tudo o mais que meu pai possuía, colocou como investimento, ele era bom nisso, para nosso futuro, nunca tocou nesse dinheiro.

Nos levou para NYC, viviam em Little Italy, mas num apartamento imenso, Bella que não tinha ido, porque já nessa época cuidava do restaurante dos velhos.  Nos abraçou, beijou, nos levou aos nossos quartos, podia ser feia, mas sua voz era cálida, virou nosso anjo de guarda.

Foi ela que fez tudo por nós, escolheu uma boa escola, nos levava, ia nos buscar, aproveitava para passear conosco, ir ao parque, para que brincássemos, ou se eram inverno, a alguma confeitaria, para tomar chocolate quente.   Ao contrário das outras famílias italianas, não eram católicos, mas sim judeus, nos levava a sinagoga, todos os domingos, com nossa avô.

Nossa sorte em termos, era que levávamos o nome original de nosso pai, Stein, ele usava outro nome como ator, porque quando foi descoberto, Antonio Stein, não combinava com o seu aspecto de italiano.  Virou Tony Francis.

Eu ao contrário bem como minha irmã, sempre fomos Stein.

Nosso prazer depois da sinagoga, era que nesse dia, íamos comer no restaurante, era uma festa, todos vinham nos beijar, tinha uma velha, que descobri anos depois que tinha sido madrinha do meu pai, que me agarrava pela bochecha.  Doía, eu quando a via, me metia embaixo da mesa, era ria, dizendo que meu pai fazia igual.

Nesse dia, quem dirigia tudo era o meu avô, Antonio Stein.  Mas os outros dias da semana, pelo menos duas vezes, ia a sinagoga, nos dois logo aprendemos a falar também na língua usada em casa, italiano, bem como depois aprendemos a língua de Israel.

Talvez por isso sempre tivemos as melhores notas em francês, tínhamos facilidade de aprender línguas.

Nesses domingos, o que eu gostava mesmo era das conversas dos homens que se lembravam da velha Itália, cada um falava de sua cidade original, meus avôs, eram os dois de Roma, quando viram como ia ficar a coisa, se mandaram para a América.

Minha avó tinha um tio que já estava a muitos anos em NYC, tinha esse restaurante, eles chegaram foram postos para trabalhar, meu pai nasceu na Itália, mas Bella era americana.

Vê-la atender os clientes, era uma aula de boa educação.    Se dirigia a todos com respeito, perguntava da família.

Nunca se casou, se apaixonou quando jovem por um colega da escola, que foi muito mal, disse na sua cara, como ia se apaixonar por ela, se era tão feia, ainda tinha continuado que para fazer sexo com ela teria que tapar sua cara.

Eu segui todos os procedimentos judaicos, ia sempre a sinagoga com meu avô, num dia especial, um dia já que gostava tanto de ler, me perguntou se eu queria ser rabino, o olhei horrorizado, nem pensar avô, eu repito tudo o que dizem, mas não acredito em nada disso.

Tinha horror a ficar doente, pois tinha pesadelo, com a morte de meu pai, minha mãe, as gargalhadas.

Um verão, tínhamos dezesseis anos, pela primeira vez fecharam o restaurante que precisava de uma reforma, meu avô, finalmente tinha conseguido recuperar sua antiga casa em Roma, fomos os cinco, para lá.

Ele ria muito, dizendo, saímos fugidos, com um pouco de dinheiro, algo de roupas, num navio velho.  Agora voltamos de avião, que modernidade.

Fomos recebidos no aeroporto pelo o advogado.  Pensava em ficar na casa que tinha sido deles, mas acabamos num hotel.  Quando viu sua casa, era uma merda total, ficava na Via del Viminale perto da Opera, estava cheio de hotéis, que tinha aproveitado edifícios ali perto.  Recuperou todos seus bens, imóveis, vendeu dois apartamentos, mas queria recuperar aonde tinham vivido, que era a casa familiar a gerações.  Deixou Bella que era muito prática ao mando, esta mandou tirar tudo que achava feio, mandou pintar o apartamento inteiro, recuperou o chão, tirou tabiques que tinham colocado ali, recuperou tudo.  Depois com dinheiro dólares, numa Itália sempre falida, comprou moveis em antiquários, decorou a casa toda, como ficamos com ela, logo nos colocou na escola, tentou convencer seus pais de voltarem, mas eles tinham seus amigos sua vida em Little Italy, nos ao contrário fomos ficando, ela adorava, lá ela era considerada uma mulher feia, mas com um corpo de vertigem, sabia se vestir, se comportar, teve seus amantes, ria contando suas aventura para dois adolescentes.

Nos incentivava a estudarmos o que queríamos, meu avô queria que eu fosse advogado, os que ganham dinheiro, agora vinham duas vezes por ano, a ladainha era sempre a mesma, já minha irmã reclamava com Bella que devia estar numa escola de senhoritas, mas foi tudo ao contrário, eu fui estudar literatura na universidade de Roma, Rosa, fazer Belas Artes.

Nas férias íamos a NYC, os velhos do restaurantes, adoravam, pois chegávamos falando italiano como se fosse a coisa mais natural do mundo.   Mas eu tinha deixado de ir a sinagoga, a religião não era o meu ponto forte, gostava sim de estudar todos os escritores famosos, desde a antiguidade, meus professores, adoravam, pois as vezes sobre alguns deles, eu era o único interessado.

As vezes alguma velha americana me parava na rua, dizendo que tinham tido um ator italiano, que eu era muito parecido com ele.   Meu pai.

Eu educadamente, pedia desculpas, mas só conhecia os atores italianos.

Ao contrário de Rosa que sentia uma atração pelo cinema, eu detestava, claro ligava logo ao que tinha acontecido.    Mas ao contrário adorava a Opera, ia sempre com Tia Bella, para a temporada ela comprava logo uns vestidos especiais, no dia que tínhamos assento, ia ao cabelereiro, fazia um belo penteado, as unhas, se maquilava bem, até chegava a ser bonita, claro o que destoava nela era sua altura, era inclusive mais alta que meu pai, tinha 1,80 de altura.

Mas os homens sempre paravam para admirar seu corpo, isso ela gostava, dizia que os americanos não sabiam apreciar um belo traseiro, uma tetas perfeitas.

Ela conseguiu um emprego, na embaixada Americana, por falar várias línguas, era secretária, ganhava um bom salário, quando fizemos 21 anos, fomos a NYC, nosso avô nos entregou então nossa herança, era muito dinheiro, imaginem muito dinheiro aplicado ao longo de muitos anos, minha irmã, para desgosto de Bella, resolveu ficar em NYC, para seguir seus estudos de Belas Artes, comprou um apartamento, que usava para viver, bem como Studio.

Eu sim voltei com ela.  Amava viver em Roma, era como estar longe de toda a tragédia que tinha sido minha primeira infância.

Bella se preocupava porque não tinha namoradas, um dia me fez sentar ao seu lado, me disse diretamente se te interessam os homens, vá por eles, mas tome cuidado para não sofrer.

Os homens são muito volúveis.   

Isso eu já sabia, era apaixonado por um professor, este sabia, me chamava ao se gabinete, me dava um beijo, logo se ajoelhava para minhas partes baixas.   Mas nunca falou de sair, conversar nada.  Depois descobri que era casado.

Nunca mais fui falar com ele.

Comecei a sair com meus amigos da faculdade, todos queriam escrever, ser famosos, se diziam intelectuais, mas na verdade, eu ia junto, tomava quando muito uma coca cola, quando ficavam pesados, eu desaparecia.

Nos dias se chuva, pegava o caminho mais largo, com minha gabardina, um chapéu que combinava, ia pelas ruelas mais escuras, sempre encontrava alguém pelo menos disposto a chupar meu caralho, mas me negava a pagar.

Tive uns quantos namorados assim chulos, aos quais fazia sexo em qualquer umbral, ou se alguma porta estivesse aberta, gostava dessa parte escura de minha vida.

Com o dinheiro do meu primeiro livro que foi um sucesso, que falava da solidão de um professor, velho, que amava a juventude, mas que não era capaz de se aventurar a ter um relacionamento.  Até que um chulo se apaixona por ele, o ensina a ler, escrever, o forma, quando o crê preparado para o mundo, espera que esse saia de sua vida, mas a coisa não acontece, pois o homem aprendeu a ama-lo, foi um sucesso, ao mesmo tempo um escândalo, na época, logo foi traduzido em várias línguas, o queriam levar ao cinema, um diretor italiano, chegou a ter o elenco pronto, outro americano, igual, mas os direitos eram meus.

Conversei com os dois, para ver como pretendiam enfocar, optei posteriormente por um diretor francês, que fez um belo filme. Ganhou prêmios, bem como quem escreveu o roteiro, foi igual.

Comprei um pequeno apartamento, que mandei reformar, ficava justo numa ruela, era muito escuro quando o comprei, o coloquei todo de branco, cheio de estantes para meus livros, levei meses levando bolsas de livros para lá.  As vezes dormia em casa de tia Bella, mas o resto do tempo era no meu canto.    Um dia me senti seguido, achei estranho, parei no umbral do meu apartamento, se aproximou um homem, tampouco era jovem como os outros que ele levava a cama.    

Ele parou ficou me olhando, então é verdade?

O que é verdade, senão a mentira disfarçada.

Se apresentou, era um jornalista, que estava a dias atrás de mim, tinha uma voz sensual, mas no momento não queria dar entrevistas.

Disse que subisse comigo, ele foi adiante, eu admirando sua bunda, ele parou se virou, vai ficar olhando muito, pois não, passei a mão por ela.

Entramos no apartamento, tirando a roupa um do outro, só depois de um verdadeiro exercício de circo, porque fazer sexo com ele era assim, foi que falamos.

Joseph Arnau, tinha vindo de Paris, só para me entrevistar, para saber se estava escrevendo alguma outra coisa.

Mas só falamos disso no dia seguinte tomando café, o que era uma coisa rara naquele apartamento, os homens logo de manhã, escapavam. Nunca mais os via.

Tínhamos dormido agarrados, despertei com ele me olhando fixamente, passou a mão pela minha cara, me encheu de beijos, fizemos aquele sexo com gosto de ontem.

Nunca mais saiu da minha vida, me apaixonei como um garoto, ele era quase 10 anos mais velhos do que eu.

Tia Bella o adorava, era educado, refinado, podia conversar horas com ela, sobre qualquer assunto.

Cada vez menos sabia noticias de minha irmã, que tinha feito duas exposições, que ia todos os dias ver os avôs, isso eu sabia, mas dela em particular nada.

Quando tia Bella, nada mais se aposentar, descobriu que tinha um tumor, disse que queria ir morrer nos Estados Unidos, afinal era americana.

Entre os dois a levamos, morreu com todos em volta dela.

Meus avôs finalmente cederam em vender o restaurante, já não havia condições de continuar cuidado dele.

Olhei minhas contas, nunca tinha mexido no meu dinheiro, podia seguir em frente.  Já minha irmã, gastava muito, falei com ela, me dizia que não sabia controlar o dinheiro que ganhava, tinha uma vida sexual movimentada, porque saia de noitadas com os amigos artistas, fiquei desconfiado que estava usando drogas, Joseph concordava comigo.  Quando a encostei na parede, se tornou agressiva.   Era sua vida, que eu me metesse na minha.

Voltamos para a Itália, resolvemos passar um verão inteiro na Sicília, foi muito producente, eu escrevi dois livros, um era sobre a filha de um mafioso, que era muito feia, ninguém queria se casar com ela, o pai, queria um neto, então a casou com um homem cego, que tinha verdadeira loucura com ela, ele vai fazer uma operação para recuperar a vista, ela ao mesmo tempo faz um cirurgia estética, para ficar bonita, mas ele a repudia, essa não é a mulher com quem me casei. Minha mulher é feia, mas como um doce de mel.

A outra sobre um casal gay que descobre a vida com outros homens.  Esse escrevi para provocar o Joseph, pois olhava muitos os homens de lá.

Eu ficava com ciúmes, nunca tinha tido, ele dizia que era a parte minha latina.

Quando voltamos para Roma, recebi uma proposta para fazer o roteiro do livro de Bella.

Era uma comédia, quem acabou fazendo o filme foi o diretor francês outra vez, ele me entendia, era duma comédia trágica, nada de final feliz.

Justo nessa época Joseph ficou doente, ninguém descobria o que tinha, fomos a França, para fazer mais exames, nunca soube o que aconteceu, pois ele morreu numa das provas que fazia.

Tiveram que fazer uma autopsia, para entender o que tinha acontecido.

Fiquei arrasado, o único que ficou ao meu lado nessa hora, foi Manfred o cineasta francês, me ajudou com tudo lá. 

Voltei para Roma, passei a viver novamente no meu velho apartamento, não precisava do grande de Tia Bella.  Nessa mesma época, minha irmã, me telefonou, só deu um grito, “socorro” fui imediatamente para lá.   Ela não suportava o fato dos nossos avôs dependerem dela, para tudo, mesmo com uma senhora cuidado deles, era difícil.  Não gostava de encarar a decadência humana, ela mesma era um trapo, parecia muitos anos mais velha do que eu.

Quando me apresentava alguém, logo perguntavam se eu era o irmão mais novo, isso a enfurecia, acho que era um dado da herança genética, pois nossa mãe se comportava assim.

Fiquei com os velhos, tempos depois morreram um depois do outro, os enterrei ao lado de seus filhos, nesse momento Rosa estava internada fazendo uma desintoxicação, uma das muitas que se seguiriam.

Cada vez estava mais agressiva, falei com seu médico, se isso era alguma coisa genética, por causa da minha mãe.    Ele ao contrário dizia que eram as drogas.

Quando saia da clínica, tinha um período produtivo imenso, mas em seguida recaia outra vez.

Volta e meia me chamava, porque tinha aprontado alguma.   Até o inevitável, um dia um vizinho escutou um tiro, tinha se metido com alguém, ninguém sabia, que a matou.

Fiquei paralisado, sem movimentos, assustado.

No fundo descobrir que era uma bela desconhecida para mim.   Depois de seu enterro, entreguei suas obras para o dono da galeria, que ela sempre expunha.

Esvaziei seu apartamento, ali encontrei um diário, fiquei aterrado, nunca tinha se livrado do que tinha acontecido entre meus pais.

Ao ler o mesmo, ficava aterrado, inclusive me acusava de como podia ter passado tudo por alto, ela não sabia que tinha escrito um livro que nunca publiquei a respeito.

Ao fazer isso, sem querer, coloquei para fora o que sentia, o desequilíbrio que ficou no nosso final de infância, juventude.  Eu ia ao psicólogo, ela se negava a ir, eu me agarrei a leitura, ela ao pintura, mas se frustrava em não conseguir colocar para fora o que sentia.

Procurei o psicólogo da clínica que fazia reabilitação, para saber se ela falava disso no seu tratamento.  Fiquei surpreso, pois o que a tratava, dizia que nunca tinha mencionado nada.

Ela tinha guardado isso, em caixas no porão da sua mente, quando perdia o controle, essas caixas se abriam, a fazendo recordar uma e outra vez, a tragedia da morte do nosso pai.

Ele era um deus para ela, eu sempre dizia que ela tinha sido sua preferida, então entendia que era mais difícil.

Sem querer fui escrevendo sobre isso, não sobre ela diretamente, mas como uma tragédia do passado, podia afetar todo o futuro de uma pessoa.

Justo quando terminava, minha avó materna me procurou, para dizer que minha mãe tinha morrido, que tinha resolvido enterra-la no próprio hospital, para que ninguém ficasse sabendo. Eu fui o único da família que foi ao enterro.

Não a vi, porque o féretro já estava fechado.  Sem querer soltei a um dos médicos, que estava ficando craque em ver, conversar com a morte.

Minha vida não era ali, vendi tudo, transferi o dinheiro para minha conta em Roma.

Voltei lentamente a minha vida, nos dias de chuva, fazia o mesmo, me atraiam muito.

Um dia, um garoto, se aproximou, me disse que tinha que fazer sexo com alguém, porque senão o homem que o explorava o mataria.

O escondi em minha casa, procurei um advogado, bem como uma assistente social.

O homem explorava uma série de garotos que encontrava abandonados na rua.

Sergio, era um deles.   Me contou de aonde era, que tinha sido expulso de sua casa, porque o pai o pegou fazendo sexo com outro garoto.

Agora o fazia por dinheiro, para o homem que lhe dava um lugar para dormir.

Tinha a idade para ser meu filho.  Se fosse um dia que estivesse mal, até aceitaria que me chupasse o caralho.

O coloquei numa escola, para acabar seu curso, acabei o adotado, um belo dia deixou um bilhete dizendo que sentia falta da aventura de viver pelas ruas.

O procurei, mas nunca encontrei, a policia tampouco, meses depois o encontraram morto abandonado numas construções abandonadas, alguém o tinha matado.

Depois do primeiro momento de choque, o enterrei, afinal eu o tinha adotado.

Por sorte um agente social, veio conversar comigo, porque a maioria voltava a vida dura que tinham antes.

Ficamos amigos, agora saímos para conversar, escrevi um livro, sobre isso, me coloquei na pele do Sergio, ele lia o que eu escrevia.

Um diretor de cinema, se interessou, mas tinha uma visão deturpada do eu queria dizer, ele queria fazer uma crítica política sobre o assunto.

Mandei o texto para o Manfred, esse em seguida apareceu. Adorou o texto, escrevemos juntos o roteiro do filme.  Fomos pesquisar se o mesmo acontecia em Paris, fizemos o filme lá, era atemporal, podia se um problema em qualquer cidade da Europa.

Foi um sucesso.  Ele tinha acabado de se separar de sua mulher uma atriz famosa da cidade.

Fiquei pela primeira vez no seu apartamento.

Me perguntou se eu tinha superado a perda do Joseph?

Lhe disse que sim, que tinha sido um amor bonito, me completava.

Mas não tanto quanto eu, soltou rindo, pois eu entendo o que escreves. Quando vimos estávamos no meio de um turbilhão de sexo, amor, sei lá o que.

Seguimos em frente, vendi o apartamento de Tia Bella, pois os apartamentos em Paris eram muito caros.  Comprei um, pois ele tinha dois filhos adolescente que passavam finais de semana com ele.

Um dia se encheu o saco, contou aos meninos que vivíamos juntos, eles riram, pois já sabiam.

Os dois tínhamos exatamente a mesma idade.

Fizemos mais dois filmes juntos, ele agora era famoso de vez, eu preferia como sempre ficar na sombra, um dia fui a sua casa, ele estava na cama com outro.  Fiquei parado na porta, ele me chamava para entrar na dança. Sai, de fininho, deixei a chaves em cima de um aparador, fui embora, mandei trocar as chaves do meu.

Quando ele finalmente conseguiu falar comigo, soltou uma dessas coisas pré pensadas para usar como desculpas, que eu tinha liberado nele essa parte da homossexualidade.

O mandei a merda, fechei meu apartamento, voltei para Roma.

Parei para pensar, já não era um jovem, tinha já quase 60 anos, para que ficar atrás de um romance, se eles nunca acabavam bem.

Meu pequeno apartamento, estava cada vez mais abarrotado de livros.

Um apartamento ao lado do meu, entrou em obras, o novo proprietário se apresentou, pediu desculpas pelo ruido, acabo de me aposentar, fui professor durante anos nas províncias, esse apartamento era de minha mãe, que morreu a anos, revolvi voltar a Roma, porque nunca fiquei muitos anos num lugar para construir uma vida.

Quando se mudou, um dia o convidei para um café, quando viu tantos livros, riu, eres como eu, por alguma coisa temos que começar a conversar, começamos a trocar livros, a falar dos mesmos, nos divertíamos, lhe perguntei se tinha sido casado.

Não, nunca, sempre gostei de homens como tu, bonitos, mas nunca nada deu certo, pois quando pensava que ia em frente, me transferiam para outra cidade.

Aos pouco além de amigos, as vezes dormíamos juntos, éramos iguais na cama, gostávamos de tudo.  Mas nunca verbalizamos, eu te amo, essas coisas.   Um dia um que ele dizia que tinha sido seu grande amor, apareceu, era um belo tipo de homem.

Reataram, poderia dizer que comeram perdizes, foram felizes para sempre.

Mas não o dito cujo morria de ciúmes de mim, aos poucos fui perdendo um bom amigo.

Mas em minha cabeça a vida era dele.

Comecei outra vez a ir a uma sinagoga em que iam as pessoas, gays, as que não gostavam de um ritual fechado.   Ia para conversar com o rabino que tinha minha idade, tinha perdido a fé a muito tempo, mas conversando com ele, timidamente fui outra vez, me aproximando.

Ele me convidou um dia para um encontro que tinham padres católicos, rabinos, um mulçumanos, inclusive um pastor de uma igreja anglicana, sempre era para discutir sobre os jovens.

O outro rabino que ia, tinha um humor muito especial, vinha de Tel Aviv, aonde cuidava de jovens.   Conversar com ele, era relaxante.   Quando mencionei isso para ele, me disse que era diferente nisso, a vida é alegria, os jovens buscam estarem vivos, os mais velhos que passaram já por muitas coisas não entendem.

Me convidou para ir a Tel Aviv, de brincadeira me disse, venha na semana gay, é uma festa especial.  Conseguiu um apartamento para mim.

Depois de muitos anos, me vi conversando a língua que se falavam quase sempre na casa dos meus avôs, assisti as festas, fui as suas reuniões, fui ficando, aproveitei para ir explorando o pais.  Aqui não tinha os dias de chuvas para andar pelas ruas de noite.

Um dia numa reunião, conheci, outro homem como nós, vinha de um passado sofrido, mas ao mesmo tempo, era um homem que tinha fé, seguia em frente, aos finais de semana, sempre me oferecia para me levar a um lugar diferente.   Fomos passar uns dias no Mar Morto, quando chegamos, tínhamos reservado dois quartos, mas aquilo estava cheio, ficamos num quarto só.

Nos enrolamos, era muito bom, dois homens maduros que sabiam o que queriam, além de podemos conversar sobre tudo.   Tinha visto os filmes feito dos meus livros, eu os adorei a cada um.

Quando vi, estávamos vivendo juntos, amava e amo seu bom humor, cada dia é um dia diferente, fazemos mil coisas juntos, nos sentamos na praia, os jovens vem falar com ele, pois é um dos orientadores da sinagoga, me faz participar.

Não tenho ciúmes, porque finalmente chegamos ao ponto de um dizer ao outro, que o queria demais.    Agora no outono da vida, encontrei o companheiro perfeito. 

 

 

 

 

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