lunes, 1 de noviembre de 2021

NADA

 

                                        NADA

 

Andava lentamente em direção ao gabinete do diretor da escola, sem saber por que o tinham chamado, só esperava que não fosse nada relativo aos seus pais.  Esses eram seu eterno problema.

Ele não encaixava muito na vida deles, seu pai não parava em emprego algum, tampouco sua mãe era um modelo a seguir.   Trocavam de religião, como quem trocam de roupas.  Nunca estava conforme com nada.   Tinha uma ordem deles, sair da escola ir para casa, nada de jogos com os companheiros, nem frequentar a biblioteca, livros demais faz mal a cabeça dizia seu pai.

Ele infelizmente tinha um QI altíssimo, roçando a genialidade.   Só servia para uma coisa atualmente, causar problemas, tinha que fingir que nunca sabia de nada, não fazia perguntas em classe, tampouco se fazia de inteligente.  Mas sua única vantagem era saber enganar seus pais.   Fazia tudo para ficar mais tempo possível na escola, sabia que se chegasse em casa com um livro, ou uma tarefa da escola, seu pai criaria problemas.   Estava unicamente na escola, porque um dia tinha aparecido uma assistente social, obrigado aos seus pais o deixarem a ir à escola.  

Ele tinha se alfabetizado sozinho, sem ajuda de ninguém, sabia ler, escrever.   Um dia por um acaso, descobriu quando os dois não estavam em casa, documentos com outro nome, eles não eram quem diziam ser.

Ficou analisando a situação, buscou primeiro no nome dele, alguma coisa na internet da escola, para isso usava muito a biblioteca.  O único que descobriu era que tinha estado metido nas revoltas da época do Vietnam.   Ela ao contrário, pertencia a uma família rica, se dizia que tinha desaparecido, acreditavam num sequestro, quando estava na universidade.

Ele percebia em sua mãe um certo desequilíbrio cada vez maior, procurou saber quem era seu avô, pois só constava ele como vivo.   Tinha sido senador, mas quando a mulher morreu, a filha desapareceu, deixou a política, se dedicava a cuidar de suas terras no Texas.   Vivia em Houston.   Cada vez que podia, olhava a cara dele, tinha os cabelos brancos, uns olhos azuis que pareciam contas de cristal, como ele mesmo.    Agora entendia por que quando ficava olhando sua mãe, ela as vezes lhe dava um tapa na cara, soltando maldito, mil vezes maldito.

Atualmente tinha metido na cabeça que tinha que ser mulçumana, isso era motivo de discussão entre os dois, que podia durar uma noite inteira.   As vezes com reclamações dos vizinhos, só paravam quando aparecia a polícia.    Ele tinha um truque que só podia fazer no verão, pois quando nevava ou chovia era impossível.

Pegava uma manta, ia dormir no telhado, saindo pela janela de seu quarto.  Apesar de escutar, colocava um fone de ouvido, que tinha roubado numa loja, assim sem nada, música ou coisa parecida ficava sem escutar.

Bateu na porta, escutou entre. Quando deu os primeiros passos, ficou gelado, ali sentado na frente do diretor, estava seu avô, acompanhado de um homem com um traje negro.

Esse homem se levantou, puxou uma cadeira para ele.

O diretor estava nos contando, sobre sua inteligência, bem como fazes para passar desapercebido.   Mas tua curiosidade nos trouxe até aqui, como vinhas consultando com frequência tudo relativo à família da tua mãe, acabamos descobrindo de onde vinham essas consultas. 

Meu nome é Jack, Jack Simmons, esse é teu avô o senhor Paul Braun.

Sim eu sei. Viu que ele o examinava, como ele fazia igual.

Escutaste falar em mim alguma vez em casa?

Não, nem sabia que tinha um nome de mentira, Boris Vian, creio que tiraram esse nome de um francês.

Como descobriste?

Um dia que não estavam em casa, a porta do armário que sempre esta fechado, pois ele alega que tem um revolver lá.   Encontrei o mesmo aberto, numa caixa vi uma série de documentos falsos, anotei todos, para procurar qual era o verdadeiro.

Quando vi a foto do senhor, descobrir o quanto somos parecidos. Principalmente por causa dos olhos.  As vezes me dá uma bofetada, me chama de maldito.

Ele sorriu, sempre me chamou assim, pois era muito rebelde, procurava mantê-la na linha, pois tinha um desordem dissociativo, era inteligente, mas se perturbava com muitas coisas.

Quando foi para a universidade, se uniu ao teu pai, primeiro pensamos que ele a tinha sequestrado, mas seguindo as pistas, vimos que na verdade ela é quem maneja tudo, verdade?

Sim agora resolveu ser mulçumana para protestar contra o governo.   Mas quando bebe muito, perde as estribeiras.   Já nem sei que cidade é esta na conta de todas que moramos desde que era um garoto.    As vezes tenho que roubar comida no lixo dos vizinhos se quero comer, porque em casa não tem.

Viu a cara de horror do velho.

Por isso eres tão pequeno, para tua idade.

Aqui na escola me dão de comer.  Me escondo na biblioteca, aonde uso a internet.

Segundo o diretor, você aprendeu a ler, escrever sozinho?

Sim, algumas casas que vivemos, tinham televisão, ou quando me deixavam na casa de alguma vizinha.

Bom agora terá que vir conosco, saiu andando na frente deles, não queria de maneira nenhuma estar no meio dos dois.   A culpa era sua, sabia que no momento que acessasse muito, os site de noticias podia acontecer isso.   Mas o fazia de propósito como um pedido de socorro para sair da encrenca que tinha pela frente.

Na delegacia, o escândalo era tremendo, quando o viu entrar acompanhado de seu avô, avançou contra ele, eu sempre disse que tinhas sangue desse maldito, lhe arranhou a cara toda.

Foram necessários dois policiais para a segurar.  Gritava, vou te matar bastardo.

Ele ficou em choque, embora observasse toda a cena, como em câmera lenta.

Rapidamente uma policial, lhe limpava a cara, colocando medicamento.

Seu pai, estava completamente apático, só soltou, se acabou ficar fugindo.  Tinha encontrado no armário realmente duas armas, uma delas, ele tinha matando a muitos anos atrás um policial, por isso era procurado.

Ele ao contrário dela, confessou tudo, minha vida tem sido um desastre, pois acompanha-la foi uma loucura.  Olhou para mim, me desculpe, nunca soube ser um pai.

Ela ao contrário, inventava mil histórias, uma inclusive, disse que o tinha raptado, que ele era filho realmente de seu pai, com uma amante.

O velho riu, como podia ter uma amante, se estava cuidando de tua mãe com câncer, por isso concordei com tua ida para a universidade, a deixava louca.  Morreu triste, por nunca ter-te intendido.

Ele foi dormir num pequeno hotel, com o avô, achou interessante, imaginou que ele tentaria se aproximar dele, fazer um afago ou coisa parecida.   Mas nada, perguntou se tinha fome, se tinha roupas em casa que ele mandava buscar.  Disse aonde estavam.

Tomou um banho, pediu ao homem que vigiava a porta, um sanduiche, o comeu tranquilamente, depois apagou a luz.   Agora a incógnita em seguida seria saber aonde o situariam.

No dia seguinte, tomou outro banho quente, que para ele era toda uma novidade, pois em casa, fosse verão ou inverno, a água era fria.

Se vestiu, ficou esperando que abrissem a porta.  Trouxeram uma bandeja, com café para ele.

Continuou esperando, podia ter acendido a televisão para saber das notícias.  Mas não precisava, desconfiava de uma coisa, porque era tão parecido com ele.   Porque não se aproximava.

Na seção com o Juiz, ficou sentado na última fila, escutando tudo, ao seu lado estava uma policial, a mesma que tinha lhe feito curativos.

A porta estava fechada, não tinha deixado entrar mais ninguém.

O primeiro foi seu pai.  Um fiscal, perguntou se ele era realmente meu pai.  Disse que não, quando a tinha conhecido já estava gravida.   Nunca lhe perguntou quem era.

Sempre dizia, um dos malditos.

Depois foi a sua vez, apesar de terem lhe dado calmantes, estava inclusive algemada, sua violência era tanta, que atirou um policial no chão.

Quando o juiz perguntou quem era meu pai, caiu numa gargalhada, um idiota, que para fugir da vergonha de ter feito sexo com sua irmã, se alistou, indo morrer na guerra do Vietnam.

Ou seja meu pai, era seu irmão.

Depois foi a vez do velho, tinha perdido a pose, estava com os ombros curvados, se via que tinha dormido mal a noite.

Sim senhor juiz, os meus dois filhos, embora de casamento distintos, eram muito apegados um ao outro.  Eu tentei evitar, mas ela não o deixava em paz.  Descobrimos, que faziam sexo a muito tempo, desde adolescentes, ele para fugir, se alistou, morreu logo ao chegar ali.  Dizem que estava completamente drogado, no meio de uma batalha.

Ela foi para a universidade, em um mês, já estava metida nas protestas, se juntou a esse homem, ela com sua loucura, conduzia tudo, nunca souberam se quem matou o policial, foi ele ou ela.  Infelizmente essa é a verdade.

Ela o olhava com ódio puro.  Nunca entendeste nada, não é verdade?

Sim demorei para entender, muito creio.  Olho esse garoto agora vejo teu irmão, mas ele tem uma coisa, é mais inteligente que vocês dois juntos.

Fizeram um teste de QI, sem que ele soubesse, é dos níveis mais alto.

A retiraram da sala, o juiz queria falar com ele.

Sentou-se muito senhor de si, numa mesa a parte.

Então sabia que procurando tanto as notícias, chamaria a atenção?

Sim, já que falam de mim, gostaria de ter voz ativa na situação.   Sei que provoquei tudo isso, queriam saber realmente quem sou.  Fui a escola, porque uma agente social descobriu que nunca tinha ido.  Contra a vontade dela, logo foram fazendo provas, até me situar, no último curso.  Creio, porque não tenho certeza, que tenho 16 anos, posso ir para a universidade.

Depois de tudo que escutaste aqui, consegues analisar friamente a situação.

Sim, sabia que não era filho dele, nunca se aproximou de mim, as vezes chamava a atenção dela, por não me fazer comida.   Algumas vezes roubei por aí alguma coisa para comer, ou quando ia para casa, passava pelos restaurantes para ver o lixo se tinha alguma coisa, tinha que me defender.

Porque quando discutiam, nunca estavas em casa?

Sim estava, mas escondido no telhado, só não podia fazer isso quando chovia, ou fazia frio.

O que gostaria de fazer?

Quero ir à universidade, embora pensassem que eu não sabia do teste de QI, eu sabia, pois já o tinha feito por internet.  Me chateio muito nas aulas, tenho que mandar minha cabeça prestar a atenção, ou se o professor estar errado, quais as possibilidades que ele tem realmente de ensinar.

Queres viver com teu avô?

Não senhor, basta observar que ele tem horror a mim, pois para ele sou uma aberração, ontem fiquei pensando nisso.   Um avô qualquer, se aproximaria, me abraçaria, talvez até me beijasse, mas ele não fez nenhum movimento.   Eu sei que o senhor é avô de um companheiro de classe, que vive contando para os outros que o senhor cuida dele com carinho.  Que de noite, apesar de ele ser grande, antes contavas contos, agora conversa com ele sobre seu futuro.

Este senhor até agora não se aproximou de mim, nem para apertar minha mão.  Então claro que não quero.

Acho que tenho possibilidades de ter uma bolsa de estudos, pelas minhas notas para qualquer universidade.   Se ele quiser, me dar uma mesada, para poder pagar um studio pequeno para poder estudar, eu agradeço.    O senhor veja bem, poderia dizer, exijo, mas ao contrário creio que ele não tem obrigação nenhuma.   Se consigo um emprego, poderei me virar sozinho.

A cara do juiz era ótima. 

Bom a escola teria sim que modificar todos meus documentos, pois o aluno que tem, é outro, com tudo atualizado, poderei consultar se consigo uma bolsa.

O que gostaria de estudar?

Ele sorriu, o que o senhor acha, de um lado psicologia, de outro filosofia, literatura. Coisas assim, mas que fosse longe daqui, deles, sinalizou o homem que pensava que era seu pai, seu avô.

Sei que sou como ela me chamava um bastardo, mas isso não me importa.  Quero somente ser alguém.

Muito bem, vamos ver como podemos negociar tudo isso.

Escutaram do lado de fora uma grande discussão, depois um tiro.

Tinha sido ela, que numa distração do policial que estava ao seu lado, pegou seu arma, o matando, mas logo foi controlada.

O que era seu marido, abaixou a cabeça, mais um, começou a se balançar, para frente e para trás, já o tinha visto fazer isso antes.   Ficava dizendo mais um, mais um.  Isso acontecia, quando voltavam de algum lugar com dinheiro.

Não disse nada, mas entendeu que assaltava pessoas, matavam.

O juiz estava de boca aberta, ele soltou, agora o senhor entende que o mais longe possível.

Virou-se para seu avô, perguntou como se chamava seu pai?

Vernon Braun, somos descendentes de Braun, o alemão que ajudou com ao bomba atômica.

Muito bem, obrigado.

Senhor Juiz, se possível, quero ter esse nome, se ele me ajudar bem, senão, que meus documentos sejam nesse nome, para ir a Universidade.

Mesmo contra a vontade, teve que seguir com seu avô para Houston, vivia numa grande mansão com sua nova mulher, uma senhora até simpática, além de esperta.  Pelo visto já sabia de tudo.

O levou para uma parte da casa, era como um apartamento, segundo ela a parte de convidados.

Ele para provocar, isso está bem, convidados significa que ficam pouco tempo.

Vou te ajudar no que puder.   Assim fez, olhou com ele as universidades, quando chegou os documentos novos.  Ele escolheu justamente NYC, por ser mais longe possível.

Ela lhe disse, seu avô pagara os cursos todos que queria fazer, bem como irei contigo, compraremos um apartamento para ti.

Foi com ela, num jato do seu avô.   Ele pensou, vivi na miséria até agora, mas ando de jato particular.

Desde que tinham chegado, o tinha visto somente numa reunião, com alguns amigos íntimos da família, quando o apresentaram.  Quando se sentaram para jantar, ele pediu desculpas, mas creio que gostariam de falar ao meu respeito, pedirei que me subam a comida, uma boa noite para todos.

Escutou seu avô dizendo, esse menino é extremamente bem educado, coisa que sua mãe nunca foi.  Não sei aonde ele aprendeu isso.  

Sua defensora respondeu, não sejas tonto, com sua inteligência, ele descobriu que sendo educado podia conseguir as coisas para sobreviver.   O que era uma verdade.

Poderia ter ficado atrás da porta para escutar, mas não queria saber de nada.   Estava ansioso para ir embora.

Conseguiram a matricula, no que queria ele. Ela abriu uma conta no banco, disse que todos os meses depositariam esse mesmo valor para ele.  Olhou dizendo, analisando a situação, não senhora, é muito, tampouco quero que me compre um apartamento, um alugado está bom.

Olharam vários, ele escolheu o mais simples de todos, um segundo andar, sem elevador, tinha um quarto, sala, cozinha americana, um banheiro recém reformado, tinha tirado a banheira, o que ele achou ótimo.   Ela insistiu, conseguiu convence-lo, comprando para ele, teu avô tem muito dinheiro, poderias ter ficado lá, mamando na teta dele, alias o leite deve ser azedo. Ficaram os dois rindo.  

Disse para ela, podias ser uma megera, por que fazes isso?

Primeiro por saber da tua história, depois eu nunca tive filhos, nem netos. Gosto de pensar, que um dia, poderemos sentar, conversar como amigos.

Foi com ele fazer compras para o apartamento, o deixou escolher tudo que queria, nada de luxo, não queria nem televisão, comprou uma estante para livros, roupas para o inverno que chegava, coisa para a cama, enfim um básico.

Antes de ir embora, foram comer num restaurante muito simples.  Ela contou que tinha sido a secretária de seu avô durante muitos anos, o adorava, mas sabia dos seus problemas, quando ficou viúvo, sabia que agora era difícil ser político, todos sabiam de sua vida.  Se retirou, me convidou para vir com ele. Afinal nos casamos por comodidade.

Nós apoiamos na solidão, embora seja difícil as vezes aguentar quando está azedo.

No dia seguinte ele se mudou para seu apartamento.

Antes de começarem as aulas, fez um verdadeiro curso sobre a cidade, vagabundeou por ela, tudo que tinha visto em vídeo na biblioteca.

Em momento algum pergunto o que tinha sido de sua mãe, nem do seu pai falso.  Sempre o chamaria de pai.   Tinha agora uma foto de criança do seu pai verdadeiro, eram iguais.

Ficou imaginando quanto isso incomodaria seu avô.  Se estivesse vivendo com ele, seria sempre como ter uma ferida aberta o tempo todo.

Helen a cada 15 dias telefonava para saber como iam as coisas.

Ele perguntava pelo velho azedo.

As aulas começaram, claro que ele destoava de todos, era mais jovem que a maioria.  Mas seguiu como sempre tinha sido, levando sua vida.  Criou rotinas, de trabalho, de maneira de viver, entendia pelo que estudava de psicologia, que era sua arma de defesa.

Gostava mesmo das aulas de literatura, filosofia, mas um dia andando na rua, escutou numa loja de instrumentos musicais, alguém tocando um violoncelo, foi amor a primeira vista.  Entrou, escutou tudo.   Era uma senhora tocando.

Disse que estava escolhendo um para um aluno seu.

A senhora é professora?

Sim.

Podia me dar aulas, nunca escutei muita música, mas acabo de me apaixonar por este instrumento.

Disse para ele se sentar na banqueta que estava, lhe disse como se posicionar.  Ele enquanto escutava, tinha memorizado, como ela colocava os dedos, como movia o arco, tudo.

Quando lhe disse, experimente, conseguiu tocar o pedaço que tinha escutado.

Ela ficou com a boca aberta.  

Lhe deu seu endereço, vivia perto do seu apartamento, o ajudou a escolher um, que fosse bom, mas simples.

Tudo mudou para ele, comprou um aparelho para escutar CDS, bastava escutar uma ou duas vezes, para aprender a música.  O levou para fazer um teste na Juilliard School, aonde foi admitido, avisou a Helen que trocava de cursos, só seguiria com filosofia.

Que tinha sido admitido na escola de música.  Aprendeu tudo que podia lhe ensinar, a professora, ria muito, queria ter mais alunos como tu.

Marie Floret, o acompanhava aos concertos, depois iam jantar, ou tomar um vinho, discutindo o que ele tinha sentido.   Alguns ele dizia, tocou com técnica, mas faltou alma.

Gostava de escutar a música, saber do que se tratava.

No final do ano, participou da festa de encerramento, primeiro tocou uma peça que era a que ela tocava na loja, antes disse o nome dela, a primeira música que me apaixonei, uma música de Antonin Dvorak, os aplausos foram tremendos, depois do intervalo tocou com a orquestra um concerto de Vivaldi “Boccherini”,  no dia seguinte lhe entregaram um vídeo da apresentação, mas sua surpresa, foi ver Helen depois do espetáculo.  Veio falar com ele, não perderia isso por nada do mundo.

O abraçou afetuosamente. 

Como vai o velho azedo?

Não está muito bem, tem uma bateria de exames pela frente.  Não sei se sabes mas teu pai tocava violoncelo.  Mas nunca tocou em público. 

Ele mandou para o velho o vídeo, assim saberá que não gasto seu dinheiro em besteiras.

A professora tinha conseguido para ele, participar num concurso de violoncelo em Berlin.

Ensaiaram vários concertos, a cada um lhe explicava o que queriam dizer para que ele entendesse a música particularmente.

Claro no que esperavam, escutou o de Dvorak sendo tocado, mas optou então por um de Mahler o Adagieto, quando terminou, escutou silencio, a cara dos jurados era séria, podes tocar outra coisa, escutamos essa música três vezes hoje.  Ele sem partitura começou a tocar Vivaldi, passou para Mozart, esta última agora escutei hoje de manhã, no carro, creio que é uma adaptação, sequer conheço de quem é.  Tocava numa programa de uma rádio.  Começou a tocar Adios Nonino, de Piazzolla.  A música tinha tocado muito a ele, pensava como gostaria de ter conhecido seu pai, o quanto ele devia ser um jovem atormentado.

Quando saiu a Marie, estava nervosa, te fizeram tocar tudo isso, essa última sei que escutamos no carro.

Ele ganhou o concurso, bem como um contrato, que o fazia atuar em meio mundo, mas ganhando dinheiro.

Marie o aconselhou a ficar em Paris, que dali seria mais fácil ele se mover.

Avisou a Helen, a viu preocupada.   Perguntou o que era, ele esta muito frágil, a Marie mandou o teu último concerto, agora ele escuta o dia inteiro, diz que teu pai amava essa música. A do Vivaldi.   Ele ficou contente em saber que ganhaste o concurso.

Estava tocando em Tokyo, quando lhe avisaram de uma chamada telefônica, que ele chamasse a Helen.   Mesmo antes de chamar, ele já sabia o que era.

Tem como esperar para que eu chegue?

Sim farei todo o possível, o senhor que agora era seu agente, conseguiu uma passagem para ele, que ia para Los Angeles, de lá foi para Houston.

No dia seguinte seria a cerimônia, pediu desculpas a Helen, a abraçou muito, será que posso tocar amanhã na cerimônia?   Tocarei esse concerto que dizes que ele gostava.

A igreja estava cheia, Helen falou dos anos que tinha trabalhado, vivido junto a ele, agora seu neto, invés de falar, tocara uma música que ele adorava, pois era a preferida de seu filho. As pessoas sempre falariam, que ele era mais baixo que seu avô, pois os anos de desnutrição tinha feito isso.

Tocou o concerto, quando terminou, viu que tinham pessoas com lagrimas nos olhos. Depois do enterro, conversou com a Helen sobre o que ela gostaria de fazer.

Essa mansão, é um horror, odeio essa coisa monstruosa.  Gostaria de transformar num lugar para jovens com problemas.

Na leitura do testamento, o velho tinha deixado a mansão para ela, bem como um bom dinheiro, para ele uma verdadeira fortuna.  Fez um cheque no valor da mesma, entregou a ela, para tua fundação, eu tenho o meu trabalho, não preciso de mais.

Dali voou para tocar em Moscou, dentro do roteiro do festival.  Ao cabo de três anos estava consagrado, mas também, farto, repetir as mesmas músicas, perguntas idiotas nas entrevistas, ele era conhecido por seu mau humor.

Acabou sabendo sem querer por uma jornalista que lhe fez uma pergunta, que lhe parecia a prisão perpetua de sua mãe, agora que tinha matado outro policial.  Ficou de boca aberta, não sabia de nada, embora a culpa fosse sua por não se interessar, ignorou a pergunta, o que fez que todos perguntassem sobre assunto.

Se levantou, de minha vida particular, não comento jamais.

No concerto, apesar dos avisos, estouravam os flash, de celulares. Se levantou, foi anunciado outra vez a proibição de gravar ou fazer fotografia.  Mas já não pode seguir tocando, tinha combinado com seu agente três meses de férias, pois todos os novos contratos, era para tocar as músicas que já estava farto.

Avisou Marie Floret, passou por NYC para conversar com ela, sobre isso, queria novas composições para tocar.   Esta lhe disse que com orquestra, caiam sempre no mesmo, que o que deveria fazer era seguir um caminho alternativo.

Avisou a Helen que estava de férias, se podia recebe-lo.  Comentou o assunto, tinha ainda um concerto, solista, avisou aos organizadores, que não tocaria nada que já tivesse feito antes, sim tocaria, uma música de Barber, uma de Ennio Morricone, uma de Quens.  Lhe perguntaram se era algum compositor novo.   Quando foi a uma entrevista num programa de televisão, embora tivesse falado que não comentaria nada sobre sua vida particular. Quando lhe perguntaram de sua mãe, se negou a responder, ficou mudo, olhando a cara do apresentador, este tornou a perguntar.   Sem querer soltou, a tua como vai em sua vida de puta.  A cara do apresentador foi ótima.  Ainda soltou um “vá tomar no cu”.  No que se levantou para ir embora, uma mulher saiu correndo da plateia, com uma arma branca, gritando, tua mãe me mandou para matar-te.

Ficou gelado, menos mal que um segurança a pegou.  Foi um escândalo total.

No concerto, cada pessoa que entrava era avisada nada de celulares, ou seriam retirados, umas quantas voltaram da porta, queria ver na verdade o filho de uma assassina.

Ignorou totalmente a plateia, tocou como queria, se levantou agradeceu, desapareceu.

Nessa mesma noite tomou um avião, o último voo para Houston.

Chegou de manhã, cansado, mas lá estava Helen o esperando.  Nunca vi uma mãe como esta, mandar uma ex-companheira de cela, matar seu próprio filho.

Tomou um banho, caiu na cama, para dormir.  Mas era impossível conciliar no sono.

Falou com seu agente, cancelasse qualquer contato, que com o tempo ele resolveria o que fazer.

Conversou muito com a Helen, estou sem ilusão nenhuma com essa carreira, veja, amo a música que nunca conheci em minha infância, nem juventude.  Agora me arrebata isso também.

Terei que encontrar outra saída para isso tudo.

Na casa da Helen imperava o Jazz. Escutou muitas coisas, foi aos poucos conhecendo, se apaixonando por essas músicas. Inclusive música country, o que ninguém esperava, como tinha tempo, fez arranjos com essas músicas, a transformando em clássicas. Tinham um ritmo rápido que ele gostava.

Helen vivia numa pequena fazenda, sua casa era o principal, criava alguns cavalos, mais para se distrair, comentou com ele, imagina, nasci, cresci no campo, odiava isso, fui para fora estudar, nunca mais voltei, agora que estou velha, é como se tivesse feito um trajeto completo, voltando ao meu ponto de partida.

Reuniu uns conhecidos, que gostavam de música country para escuta-lo, um deles gravou, passando o mesmo para um conhecido, como organizador de turnês, pelo interior, resolveu mudar sua aparência, deixou os cabelos crescerem, barba, tipo de roupa, a usar seu antigo nome Boris Vian.  Levou muito tempo para descobrirem quem era na verdade, tinha sido astuto, nunca comentava nada de sua vida particular, nas entrevistas.

Gravou dois discos, com um sucesso enorme. Seu ex-agente não gostou muito ter sido colocado a margem, soltou isso para um jornalista, que apareceu, num concerto seu, pediu uma entrevista, senão contaria tudo sobre ele.

Riu, lhe deu um murro na cara de fazer gosto, assim tens o que falar de mim.

Esse fez a reportagem, como imaginava, que ele tinha a mesma agressividade de sua mãe, etc.

A estas alturas, parou para pensar, foi se retirando devagar, fez seus últimos concertos, sem dar entrevistas, não renovou nada.

Vivia tranquilamente no campo, com Helen, que tinha sido o mais parecido com uma mãe que ele poderia ter.   Quando esta morreu, a enterrou como queria no alto de uma montanha que ficava atrás da fazenda.  Na cerimônia, comentou que ela tinha sido a mais perfeita mãe que ele podia esperar.  Tocou sua música preferida.

Ela lhe deixou de herança a fazenda, ele se retirou definitivamente da vida.  A sua vida, depois de todos falarem de sua mãe, de sua agressividade, as pessoas que se aproximavam dele, esperavam isso.

Se guardou em termos sexuais, para viver tranquilamente, era jovem, tinha a estas alturas, quase 40 anos.   Uma vez tinha lhe perguntado se não pretendia ter filhos, não respondeu, mas pensou no assunto.

Filhos para continuar a saga de malditos, nem pensar.   Um dia apareceu na fazenda, um homem procurando serviços de cowboy.  Vinha acompanhado de um garoto, se via que eram de origem índia.     O rapaz lhe disse que a muitos anos tinha saído de sua reserva, para ganhar a vida como cowboy de rodeios, mas meu filho precisa de um lugar estável.  O contratou.

Tinha por hábito, sentar-se ao por do sol, na varanda, tocando as músicas que ele gostava.

Percebeu que o garoto, se sentava no outro extremo da varanda, escutando com atenção. Perguntou qual a que gostava mais?

O menino fez uma coisa que ele não esperava, cantou todos os acordes de uma música de Barber.

Queres aprender?

Sim.

Ok, vamos falar com teu pai.  Nessa noite se sentou com Thomas, falou do seu filho, perguntou se podia ensinar música para ele.  Todos os dias o levava de carro a escola da cidade mais próxima, depois a uma escola de música, para aprender a ler partitura, comprou um pequeno violoncelo de criança, se sentavam os dois no final do dia tocando.   O garoto como ele dizia, tinha a música na alma.  Como ele, sabia tocar apenas ao escutar a música.

Foi lhe ensinado tudo que sabia, em breve ele tocava super bem.

Sentou-se com ele, com Thomas, falou, tens que tomar uma decisão. Contou sua vida para os dois, a decepção de ficar tocando a mesma música sempre.  Podes sim, aprender composição, posso pagar o curso para ti.  Terás o meu velho apartamento em NYC para viver, bem como te apresento uma professora.  Queres tentar.

Bob, ficou entusiasmado, mostrou para ele uma música que tinha na cabeça.

Isso, vês, é um outro tipo de música, está dentro de ti, podes colocar para fora.

Se sentia atraído pelo Thomas, mas nunca tinha feito nenhum movimento nessa direção, foram para NYC, se apertaram no apartamento.  

Quando Marie Floret, escutou o Bob, ficou alucinada, eras jovem quando te conheci, mas esse garoto é mais.   Mas ele queria aprender composição, não ser concertista.

Ainda ficou um tempo por lá, até ver que Bob se tornava independente.  Tinha uma mesada para ele viver, como tinha feito Helen.

Voltou para a fazenda, mas antes teve uma conversa com ele sobre drogas, sexo fácil, essas coisas.  

Meu pai, se preocupou justamente com isso.

Quando Bob, fez 18 anos, deu seu primeiro concerto.   Foi muito bom, ele estava na plateia com Thomas, que lhe apertou a mão.  Agora era ele quem lhe fazia companhia na varanda ao final do dia.

Thomas foi claro, me sinto bem contigo, mas tenho medo de perder nossa amizade.

Não se preocupe, estarei aqui, quando queiras algo, prefiro tua amizade, uma pessoa com quem posso conversar, do que um relacionamento de gratidão.

Meses depois soube que sua mãe tinha morrido na prisão, teve que pedir proteção policial, pois os jornalistas invadiam a fazenda para tentarem que ele desse uma entrevista.

Um inclusive queria falar com ele, para escrever a história dela.  Lhe respondeu, fale com ela, talvez te conte sua vida.

Meses depois ficou livre, nem a cidade próxima que era pequena podia ir, lhe paravam na rua para perguntar sobre ela.   Se sentia invadido.

Passou a subir a montanha para conversar com Helen como ele dizia.  Ficava ali cismando com sua vida.

Bob, apareceu, sabem que sou como um protegido teu, ficam me perguntando se sei alguma coisa, tu tinhas razão, é como uma invasão na nossa vida privada.

Dizia que não podia se concentrar em NYC, pois o interfone, ou mesmo se saia na rua, lhe paravam.

Aqui posso ficar compondo, vivia com seu pai numa das cabanas.

Ele agora, tocava as músicas country, mas emotivas, que pareciam estarem rasgadas pelo coração.  Thomas o achava melancólico.

Veja bem Thomas, quando era um garoto, me sentia um prisioneiro de meus pais, algo sombrio, sempre estava no ar.   Imagina não saber por que levas uma bofetada, te chamam de bastardo, nunca tens um carinho, nada.   Pensei que me livrando deles, teria uma vida melhor.  A descoberta do porquê disso, me levou a cambalear, era filho do relacionamento dela, com seu irmão por parte de pai.  Escutar tudo isso, me fez fechar para o mundo, apenas a descoberta da música me salvou.   Mas claro, estás exposto a que investiguem tua vida, viras carniça, todos querem saber os podres que te rodeiam.

Me retirei, tentei outra saída, até que me redescobriram.   Por último, até morta me causa problemas.   Se estivesse menos preparado, deveria estar mergulhado nas drogas, tentando suicídio, ou outras coisas.   Outro dia vieram trazer suas pertencias, cartas que recebia de admiradores, coisas assim, na frente do FBI, queimei tudo, queria que o fogo, apagasse essa ligação.

Volto a estar sozinho, no nada.  O que me salva ainda é a música, escutar teu filho compondo, o resto é resto.

Quando Thomas partiu com o Bob, para apresentações de suas composições, sabia que nunca mais os veria, pois cortar os laços era a única maneira de sobreviver.

Ficou só na fazenda. Um único cowboy de mais idade, era quem ia a cidade fazer compras.

Fez um testamento, deixado tudo para o Bob, mas depois pensou muito, ele já não precisa de mim.  Acabou deixando tudo para a fundação da Helen.   Embora seguisse vivo, nunca se sabia.

Por duas vezes lhe atacaram os seguidores de sua mãe, por sorte o Xerife, quando soube que uma pessoa perguntava por ele, o avisou, bem como mandou vigiar.

A sensação que nunca estaria livre dessa maldição, o fez construir uma cabana no alto da montanha, por muitos era considerado um ermitão.  Levaram um mês para descobrir que tinha morrido.  Foi enterrado ao lado da única pessoa que o tinha amado, Helen.

A fundação vendeu tudo para um fazendeiro, mas esse respeitou o túmulo dos dois no alto da montanha.

O mesmo as vezes subia, tinha sido fã dele, quando tocava country, as vezes até lá em cima, sabia da historia dele, isso é como nasces, crescer, morrer, o nada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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