NADA
Andava lentamente
em direção ao gabinete do diretor da escola, sem saber por que o tinham
chamado, só esperava que não fosse nada relativo aos seus pais. Esses eram seu eterno problema.
Ele não encaixava
muito na vida deles, seu pai não parava em emprego algum, tampouco sua mãe era
um modelo a seguir. Trocavam de
religião, como quem trocam de roupas.
Nunca estava conforme com nada.
Tinha uma ordem deles, sair da escola ir para casa, nada de jogos com os
companheiros, nem frequentar a biblioteca, livros demais faz mal a cabeça dizia
seu pai.
Ele infelizmente
tinha um QI altíssimo, roçando a genialidade.
Só servia para uma coisa atualmente, causar problemas, tinha que fingir
que nunca sabia de nada, não fazia perguntas em classe, tampouco se fazia de
inteligente. Mas sua única vantagem era
saber enganar seus pais. Fazia tudo
para ficar mais tempo possível na escola, sabia que se chegasse em casa com um
livro, ou uma tarefa da escola, seu pai criaria problemas. Estava unicamente na escola, porque um dia
tinha aparecido uma assistente social, obrigado aos seus pais o deixarem a ir à
escola.
Ele tinha se
alfabetizado sozinho, sem ajuda de ninguém, sabia ler, escrever. Um dia por um acaso, descobriu quando os
dois não estavam em casa, documentos com outro nome, eles não eram quem diziam
ser.
Ficou analisando
a situação, buscou primeiro no nome dele, alguma coisa na internet da escola,
para isso usava muito a biblioteca. O
único que descobriu era que tinha estado metido nas revoltas da época do
Vietnam. Ela ao contrário, pertencia a
uma família rica, se dizia que tinha desaparecido, acreditavam num sequestro,
quando estava na universidade.
Ele percebia em
sua mãe um certo desequilíbrio cada vez maior, procurou saber quem era seu avô,
pois só constava ele como vivo. Tinha
sido senador, mas quando a mulher morreu, a filha desapareceu, deixou a política,
se dedicava a cuidar de suas terras no Texas.
Vivia em Houston. Cada vez que
podia, olhava a cara dele, tinha os cabelos brancos, uns olhos azuis que
pareciam contas de cristal, como ele mesmo.
Agora entendia por que quando ficava olhando sua mãe, ela as vezes lhe
dava um tapa na cara, soltando maldito, mil vezes maldito.
Atualmente tinha
metido na cabeça que tinha que ser mulçumana, isso era motivo de discussão
entre os dois, que podia durar uma noite inteira. As vezes com reclamações dos vizinhos, só
paravam quando aparecia a polícia. Ele
tinha um truque que só podia fazer no verão, pois quando nevava ou chovia era
impossível.
Pegava uma manta,
ia dormir no telhado, saindo pela janela de seu quarto. Apesar de escutar, colocava um fone de
ouvido, que tinha roubado numa loja, assim sem nada, música ou coisa parecida
ficava sem escutar.
Bateu na porta,
escutou entre. Quando deu os primeiros passos, ficou gelado, ali sentado na
frente do diretor, estava seu avô, acompanhado de um homem com um traje negro.
Esse homem se
levantou, puxou uma cadeira para ele.
O diretor estava
nos contando, sobre sua inteligência, bem como fazes para passar
desapercebido. Mas tua curiosidade nos trouxe até aqui, como
vinhas consultando com frequência tudo relativo à família da tua mãe, acabamos
descobrindo de onde vinham essas consultas.
Meu nome é Jack,
Jack Simmons, esse é teu avô o senhor Paul Braun.
Sim eu sei. Viu
que ele o examinava, como ele fazia igual.
Escutaste falar
em mim alguma vez em casa?
Não, nem sabia
que tinha um nome de mentira, Boris Vian, creio que tiraram esse nome de um
francês.
Como descobriste?
Um dia que não
estavam em casa, a porta do armário que sempre esta fechado, pois ele alega que
tem um revolver lá. Encontrei o mesmo
aberto, numa caixa vi uma série de documentos falsos, anotei todos, para
procurar qual era o verdadeiro.
Quando vi a foto
do senhor, descobrir o quanto somos parecidos. Principalmente por causa dos
olhos. As vezes me dá uma bofetada, me
chama de maldito.
Ele sorriu,
sempre me chamou assim, pois era muito rebelde, procurava mantê-la na linha,
pois tinha um desordem dissociativo, era inteligente, mas se perturbava com
muitas coisas.
Quando foi para a
universidade, se uniu ao teu pai, primeiro pensamos que ele a tinha
sequestrado, mas seguindo as pistas, vimos que na verdade ela é quem maneja
tudo, verdade?
Sim agora
resolveu ser mulçumana para protestar contra o governo. Mas quando bebe muito, perde as
estribeiras. Já nem sei que cidade é
esta na conta de todas que moramos desde que era um garoto. As vezes tenho que roubar comida no lixo
dos vizinhos se quero comer, porque em casa não tem.
Viu a cara de
horror do velho.
Por isso eres tão
pequeno, para tua idade.
Aqui na escola me
dão de comer. Me escondo na biblioteca,
aonde uso a internet.
Segundo o
diretor, você aprendeu a ler, escrever sozinho?
Sim, algumas
casas que vivemos, tinham televisão, ou quando me deixavam na casa de alguma
vizinha.
Bom agora terá
que vir conosco, saiu andando na frente deles, não queria de maneira nenhuma
estar no meio dos dois. A culpa era
sua, sabia que no momento que acessasse muito, os site de noticias podia
acontecer isso. Mas o fazia de
propósito como um pedido de socorro para sair da encrenca que tinha pela
frente.
Na delegacia, o
escândalo era tremendo, quando o viu entrar acompanhado de seu avô, avançou
contra ele, eu sempre disse que tinhas sangue desse maldito, lhe arranhou a
cara toda.
Foram necessários
dois policiais para a segurar. Gritava,
vou te matar bastardo.
Ele ficou em
choque, embora observasse toda a cena, como em câmera lenta.
Rapidamente uma
policial, lhe limpava a cara, colocando medicamento.
Seu pai, estava
completamente apático, só soltou, se acabou ficar fugindo. Tinha encontrado no armário realmente duas
armas, uma delas, ele tinha matando a muitos anos atrás um policial, por isso
era procurado.
Ele ao contrário
dela, confessou tudo, minha vida tem sido um desastre, pois acompanha-la foi
uma loucura. Olhou para mim, me
desculpe, nunca soube ser um pai.
Ela ao contrário,
inventava mil histórias, uma inclusive, disse que o tinha raptado, que ele era
filho realmente de seu pai, com uma amante.
O velho riu, como
podia ter uma amante, se estava cuidando de tua mãe com câncer, por isso
concordei com tua ida para a universidade, a deixava louca. Morreu triste, por nunca ter-te intendido.
Ele foi dormir
num pequeno hotel, com o avô, achou interessante, imaginou que ele tentaria se
aproximar dele, fazer um afago ou coisa parecida. Mas nada, perguntou se tinha fome, se tinha
roupas em casa que ele mandava buscar.
Disse aonde estavam.
Tomou um banho,
pediu ao homem que vigiava a porta, um sanduiche, o comeu tranquilamente,
depois apagou a luz. Agora a incógnita
em seguida seria saber aonde o situariam.
No dia seguinte,
tomou outro banho quente, que para ele era toda uma novidade, pois em casa,
fosse verão ou inverno, a água era fria.
Se vestiu, ficou
esperando que abrissem a porta.
Trouxeram uma bandeja, com café para ele.
Continuou
esperando, podia ter acendido a televisão para saber das notícias. Mas não precisava, desconfiava de uma coisa,
porque era tão parecido com ele. Porque
não se aproximava.
Na seção com o
Juiz, ficou sentado na última fila, escutando tudo, ao seu lado estava uma
policial, a mesma que tinha lhe feito curativos.
A porta estava
fechada, não tinha deixado entrar mais ninguém.
O primeiro foi
seu pai. Um fiscal, perguntou se ele era
realmente meu pai. Disse que não, quando
a tinha conhecido já estava gravida.
Nunca lhe perguntou quem era.
Sempre dizia, um
dos malditos.
Depois foi a sua
vez, apesar de terem lhe dado calmantes, estava inclusive algemada, sua
violência era tanta, que atirou um policial no chão.
Quando o juiz
perguntou quem era meu pai, caiu numa gargalhada, um idiota, que para fugir da
vergonha de ter feito sexo com sua irmã, se alistou, indo morrer na guerra do
Vietnam.
Ou seja meu pai,
era seu irmão.
Depois foi a vez
do velho, tinha perdido a pose, estava com os ombros curvados, se via que tinha
dormido mal a noite.
Sim senhor juiz,
os meus dois filhos, embora de casamento distintos, eram muito apegados um ao
outro. Eu tentei evitar, mas ela não o
deixava em paz. Descobrimos, que faziam
sexo a muito tempo, desde adolescentes, ele para fugir, se alistou, morreu logo
ao chegar ali. Dizem que estava
completamente drogado, no meio de uma batalha.
Ela foi para a
universidade, em um mês, já estava metida nas protestas, se juntou a esse
homem, ela com sua loucura, conduzia tudo, nunca souberam se quem matou o
policial, foi ele ou ela. Infelizmente
essa é a verdade.
Ela o olhava com
ódio puro. Nunca entendeste nada, não é
verdade?
Sim demorei para
entender, muito creio. Olho esse garoto
agora vejo teu irmão, mas ele tem uma coisa, é mais inteligente que vocês dois
juntos.
Fizeram um teste
de QI, sem que ele soubesse, é dos níveis mais alto.
A retiraram da
sala, o juiz queria falar com ele.
Sentou-se muito
senhor de si, numa mesa a parte.
Então sabia que procurando
tanto as notícias, chamaria a atenção?
Sim, já que falam
de mim, gostaria de ter voz ativa na situação.
Sei que provoquei tudo isso, queriam saber realmente quem sou. Fui a escola, porque uma agente social
descobriu que nunca tinha ido. Contra a
vontade dela, logo foram fazendo provas, até me situar, no último curso. Creio, porque não tenho certeza, que tenho 16
anos, posso ir para a universidade.
Depois de tudo
que escutaste aqui, consegues analisar friamente a situação.
Sim, sabia que
não era filho dele, nunca se aproximou de mim, as vezes chamava a atenção dela,
por não me fazer comida. Algumas vezes
roubei por aí alguma coisa para comer, ou quando ia para casa, passava pelos
restaurantes para ver o lixo se tinha alguma coisa, tinha que me defender.
Porque quando
discutiam, nunca estavas em casa?
Sim estava, mas
escondido no telhado, só não podia fazer isso quando chovia, ou fazia frio.
O que gostaria de
fazer?
Quero ir à
universidade, embora pensassem que eu não sabia do teste de QI, eu sabia, pois
já o tinha feito por internet. Me
chateio muito nas aulas, tenho que mandar minha cabeça prestar a atenção, ou se
o professor estar errado, quais as possibilidades que ele tem realmente de
ensinar.
Queres viver com
teu avô?
Não senhor, basta
observar que ele tem horror a mim, pois para ele sou uma aberração, ontem
fiquei pensando nisso. Um avô qualquer,
se aproximaria, me abraçaria, talvez até me beijasse, mas ele não fez nenhum
movimento. Eu sei que o senhor é avô de
um companheiro de classe, que vive contando para os outros que o senhor cuida
dele com carinho. Que de noite, apesar
de ele ser grande, antes contavas contos, agora conversa com ele sobre seu
futuro.
Este senhor até
agora não se aproximou de mim, nem para apertar minha mão. Então claro que não quero.
Acho que tenho
possibilidades de ter uma bolsa de estudos, pelas minhas notas para qualquer
universidade. Se ele quiser, me dar uma
mesada, para poder pagar um studio pequeno para poder estudar, eu
agradeço. O senhor veja bem, poderia dizer, exijo, mas
ao contrário creio que ele não tem obrigação nenhuma. Se consigo um emprego, poderei me virar
sozinho.
A cara do juiz
era ótima.
Bom a escola
teria sim que modificar todos meus documentos, pois o aluno que tem, é outro,
com tudo atualizado, poderei consultar se consigo uma bolsa.
O que gostaria de
estudar?
Ele sorriu, o que
o senhor acha, de um lado psicologia, de outro filosofia, literatura. Coisas
assim, mas que fosse longe daqui, deles, sinalizou o homem que pensava que era
seu pai, seu avô.
Sei que sou como
ela me chamava um bastardo, mas isso não me importa. Quero somente ser alguém.
Muito bem, vamos
ver como podemos negociar tudo isso.
Escutaram do lado
de fora uma grande discussão, depois um tiro.
Tinha sido ela,
que numa distração do policial que estava ao seu lado, pegou seu arma, o
matando, mas logo foi controlada.
O que era seu
marido, abaixou a cabeça, mais um, começou a se balançar, para frente e para
trás, já o tinha visto fazer isso antes.
Ficava dizendo mais um, mais um.
Isso acontecia, quando voltavam de algum lugar com dinheiro.
Não disse nada,
mas entendeu que assaltava pessoas, matavam.
O juiz estava de
boca aberta, ele soltou, agora o senhor entende que o mais longe possível.
Virou-se para seu
avô, perguntou como se chamava seu pai?
Vernon Braun, somos
descendentes de Braun, o alemão que ajudou com ao bomba atômica.
Muito bem,
obrigado.
Senhor Juiz, se
possível, quero ter esse nome, se ele me ajudar bem, senão, que meus documentos
sejam nesse nome, para ir a Universidade.
Mesmo contra a
vontade, teve que seguir com seu avô para Houston, vivia numa grande mansão com
sua nova mulher, uma senhora até simpática, além de esperta. Pelo visto já sabia de tudo.
O levou para uma
parte da casa, era como um apartamento, segundo ela a parte de convidados.
Ele para
provocar, isso está bem, convidados significa que ficam pouco tempo.
Vou te ajudar no que
puder. Assim fez, olhou com ele as
universidades, quando chegou os documentos novos. Ele escolheu justamente NYC, por ser mais
longe possível.
Ela lhe disse,
seu avô pagara os cursos todos que queria fazer, bem como irei contigo,
compraremos um apartamento para ti.
Foi com ela, num
jato do seu avô. Ele pensou, vivi na
miséria até agora, mas ando de jato particular.
Desde que tinham
chegado, o tinha visto somente numa reunião, com alguns amigos íntimos da
família, quando o apresentaram. Quando
se sentaram para jantar, ele pediu desculpas, mas creio que gostariam de falar
ao meu respeito, pedirei que me subam a comida, uma boa noite para todos.
Escutou seu avô
dizendo, esse menino é extremamente bem educado, coisa que sua mãe nunca
foi. Não sei aonde ele aprendeu
isso.
Sua defensora
respondeu, não sejas tonto, com sua inteligência, ele descobriu que sendo
educado podia conseguir as coisas para sobreviver. O que era uma verdade.
Poderia ter
ficado atrás da porta para escutar, mas não queria saber de nada. Estava ansioso para ir embora.
Conseguiram a
matricula, no que queria ele. Ela abriu uma conta no banco, disse que todos os
meses depositariam esse mesmo valor para ele.
Olhou dizendo, analisando a situação, não senhora, é muito, tampouco
quero que me compre um apartamento, um alugado está bom.
Olharam vários, ele
escolheu o mais simples de todos, um segundo andar, sem elevador, tinha um
quarto, sala, cozinha americana, um banheiro recém reformado, tinha tirado a
banheira, o que ele achou ótimo. Ela
insistiu, conseguiu convence-lo, comprando para ele, teu avô tem muito
dinheiro, poderias ter ficado lá, mamando na teta dele, alias o leite deve ser
azedo. Ficaram os dois rindo.
Disse para ela,
podias ser uma megera, por que fazes isso?
Primeiro por
saber da tua história, depois eu nunca tive filhos, nem netos. Gosto de pensar,
que um dia, poderemos sentar, conversar como amigos.
Foi com ele fazer
compras para o apartamento, o deixou escolher tudo que queria, nada de luxo, não
queria nem televisão, comprou uma estante para livros, roupas para o inverno
que chegava, coisa para a cama, enfim um básico.
Antes de ir
embora, foram comer num restaurante muito simples. Ela contou que tinha sido a secretária de seu
avô durante muitos anos, o adorava, mas sabia dos seus problemas, quando ficou
viúvo, sabia que agora era difícil ser político, todos sabiam de sua vida. Se retirou, me convidou para vir com ele. Afinal
nos casamos por comodidade.
Nós apoiamos na
solidão, embora seja difícil as vezes aguentar quando está azedo.
No dia seguinte
ele se mudou para seu apartamento.
Antes de
começarem as aulas, fez um verdadeiro curso sobre a cidade, vagabundeou por
ela, tudo que tinha visto em vídeo na biblioteca.
Em momento algum
pergunto o que tinha sido de sua mãe, nem do seu pai falso. Sempre o chamaria de pai. Tinha agora uma foto de criança do seu pai
verdadeiro, eram iguais.
Ficou imaginando
quanto isso incomodaria seu avô. Se
estivesse vivendo com ele, seria sempre como ter uma ferida aberta o tempo
todo.
Helen a cada 15
dias telefonava para saber como iam as coisas.
Ele perguntava
pelo velho azedo.
As aulas
começaram, claro que ele destoava de todos, era mais jovem que a maioria. Mas seguiu como sempre tinha sido, levando
sua vida. Criou rotinas, de trabalho, de
maneira de viver, entendia pelo que estudava de psicologia, que era sua arma de
defesa.
Gostava mesmo das
aulas de literatura, filosofia, mas um dia andando na rua, escutou numa loja de
instrumentos musicais, alguém tocando um violoncelo, foi amor a primeira
vista. Entrou, escutou tudo. Era uma senhora tocando.
Disse que estava
escolhendo um para um aluno seu.
A senhora é
professora?
Sim.
Podia me dar
aulas, nunca escutei muita música, mas acabo de me apaixonar por este
instrumento.
Disse para ele se
sentar na banqueta que estava, lhe disse como se posicionar. Ele enquanto escutava, tinha memorizado, como
ela colocava os dedos, como movia o arco, tudo.
Quando lhe disse,
experimente, conseguiu tocar o pedaço que tinha escutado.
Ela ficou com a
boca aberta.
Lhe deu seu
endereço, vivia perto do seu apartamento, o ajudou a escolher um, que fosse
bom, mas simples.
Tudo mudou para
ele, comprou um aparelho para escutar CDS, bastava escutar uma ou duas vezes,
para aprender a música. O levou para
fazer um teste na Juilliard School, aonde foi admitido, avisou a Helen que
trocava de cursos, só seguiria com filosofia.
Que tinha sido
admitido na escola de música. Aprendeu
tudo que podia lhe ensinar, a professora, ria muito, queria ter mais alunos
como tu.
Marie Floret, o
acompanhava aos concertos, depois iam jantar, ou tomar um vinho, discutindo o
que ele tinha sentido. Alguns ele
dizia, tocou com técnica, mas faltou alma.
Gostava de
escutar a música, saber do que se tratava.
No final do ano,
participou da festa de encerramento, primeiro tocou uma peça que era a que ela
tocava na loja, antes disse o nome dela, a primeira música que me apaixonei, uma
música de Antonin Dvorak, os aplausos foram tremendos, depois do intervalo
tocou com a orquestra um concerto de Vivaldi “Boccherini”, no dia seguinte lhe entregaram um vídeo da
apresentação, mas sua surpresa, foi ver Helen depois do espetáculo. Veio falar com ele, não perderia isso por
nada do mundo.
O abraçou
afetuosamente.
Como vai o velho
azedo?
Não está muito
bem, tem uma bateria de exames pela frente.
Não sei se sabes mas teu pai tocava violoncelo. Mas nunca tocou em público.
Ele mandou para o
velho o vídeo, assim saberá que não gasto seu dinheiro em besteiras.
A professora
tinha conseguido para ele, participar num concurso de violoncelo em Berlin.
Ensaiaram vários
concertos, a cada um lhe explicava o que queriam dizer para que ele entendesse
a música particularmente.
Claro no que
esperavam, escutou o de Dvorak sendo tocado, mas optou então por um de Mahler o
Adagieto, quando terminou, escutou silencio, a cara dos jurados era séria,
podes tocar outra coisa, escutamos essa música três vezes hoje. Ele sem partitura começou a tocar Vivaldi,
passou para Mozart, esta última agora escutei hoje de manhã, no carro, creio
que é uma adaptação, sequer conheço de quem é.
Tocava numa programa de uma rádio.
Começou a tocar Adios Nonino, de Piazzolla. A música tinha tocado muito a ele, pensava
como gostaria de ter conhecido seu pai, o quanto ele devia ser um jovem atormentado.
Quando saiu a
Marie, estava nervosa, te fizeram tocar tudo isso, essa última sei que
escutamos no carro.
Ele ganhou o
concurso, bem como um contrato, que o fazia atuar em meio mundo, mas ganhando
dinheiro.
Marie o
aconselhou a ficar em Paris, que dali seria mais fácil ele se mover.
Avisou a Helen, a
viu preocupada. Perguntou o que era,
ele esta muito frágil, a Marie mandou o teu último concerto, agora ele escuta o
dia inteiro, diz que teu pai amava essa música. A do Vivaldi. Ele ficou contente em saber que ganhaste o
concurso.
Estava tocando em
Tokyo, quando lhe avisaram de uma chamada telefônica, que ele chamasse a
Helen. Mesmo antes de chamar, ele já
sabia o que era.
Tem como esperar
para que eu chegue?
Sim farei todo o
possível, o senhor que agora era seu agente, conseguiu uma passagem para ele,
que ia para Los Angeles, de lá foi para Houston.
No dia seguinte
seria a cerimônia, pediu desculpas a Helen, a abraçou muito, será que posso
tocar amanhã na cerimônia? Tocarei esse
concerto que dizes que ele gostava.
A igreja estava
cheia, Helen falou dos anos que tinha trabalhado, vivido junto a ele, agora seu
neto, invés de falar, tocara uma música que ele adorava, pois era a preferida
de seu filho. As pessoas sempre falariam, que ele era mais baixo que seu avô,
pois os anos de desnutrição tinha feito isso.
Tocou o concerto,
quando terminou, viu que tinham pessoas com lagrimas nos olhos. Depois do
enterro, conversou com a Helen sobre o que ela gostaria de fazer.
Essa mansão, é um
horror, odeio essa coisa monstruosa.
Gostaria de transformar num lugar para jovens com problemas.
Na leitura do testamento, o velho tinha deixado a mansão para ela,
bem como um bom dinheiro, para ele uma verdadeira fortuna. Fez um cheque no valor da mesma, entregou a
ela, para tua fundação, eu tenho o meu trabalho, não preciso de mais.
Dali voou para tocar em Moscou, dentro do roteiro do festival. Ao cabo de três anos estava consagrado, mas
também, farto, repetir as mesmas músicas, perguntas idiotas nas entrevistas,
ele era conhecido por seu mau humor.
Acabou sabendo
sem querer por uma jornalista que lhe fez uma pergunta, que lhe parecia a
prisão perpetua de sua mãe, agora que tinha matado outro policial. Ficou de boca aberta, não sabia de nada,
embora a culpa fosse sua por não se interessar, ignorou a pergunta, o que fez
que todos perguntassem sobre assunto.
Se levantou, de
minha vida particular, não comento jamais.
No concerto,
apesar dos avisos, estouravam os flash, de celulares. Se levantou, foi
anunciado outra vez a proibição de gravar ou fazer fotografia. Mas já não pode seguir tocando, tinha combinado
com seu agente três meses de férias, pois todos os novos contratos, era para
tocar as músicas que já estava farto.
Avisou Marie
Floret, passou por NYC para conversar com ela, sobre isso, queria novas
composições para tocar. Esta lhe disse que com orquestra, caiam sempre
no mesmo, que o que deveria fazer era seguir um caminho alternativo.
Avisou a Helen
que estava de férias, se podia recebe-lo.
Comentou o assunto, tinha ainda um concerto, solista, avisou aos
organizadores, que não tocaria nada que já tivesse feito antes, sim tocaria,
uma música de Barber, uma de Ennio Morricone, uma de Quens. Lhe perguntaram se era algum compositor
novo. Quando foi a uma entrevista num
programa de televisão, embora tivesse falado que não comentaria nada sobre sua
vida particular. Quando lhe perguntaram de sua mãe, se negou a responder, ficou
mudo, olhando a cara do apresentador, este tornou a perguntar. Sem querer soltou, a tua como vai em sua
vida de puta. A cara do apresentador foi
ótima. Ainda soltou um “vá tomar no
cu”. No que se levantou para ir embora,
uma mulher saiu correndo da plateia, com uma arma branca, gritando, tua mãe me
mandou para matar-te.
Ficou gelado,
menos mal que um segurança a pegou. Foi
um escândalo total.
No concerto, cada
pessoa que entrava era avisada nada de celulares, ou seriam retirados, umas
quantas voltaram da porta, queria ver na verdade o filho de uma assassina.
Ignorou
totalmente a plateia, tocou como queria, se levantou agradeceu, desapareceu.
Nessa mesma noite
tomou um avião, o último voo para Houston.
Chegou de manhã,
cansado, mas lá estava Helen o esperando.
Nunca vi uma mãe como esta, mandar uma ex-companheira de cela, matar seu
próprio filho.
Tomou um banho,
caiu na cama, para dormir. Mas era
impossível conciliar no sono.
Falou com seu
agente, cancelasse qualquer contato, que com o tempo ele resolveria o que
fazer.
Conversou muito
com a Helen, estou sem ilusão nenhuma com essa carreira, veja, amo a música que
nunca conheci em minha infância, nem juventude.
Agora me arrebata isso também.
Terei que
encontrar outra saída para isso tudo.
Na casa da Helen
imperava o Jazz. Escutou muitas coisas, foi aos poucos conhecendo, se
apaixonando por essas músicas. Inclusive música country, o que ninguém
esperava, como tinha tempo, fez arranjos com essas músicas, a transformando em
clássicas. Tinham um ritmo rápido que ele gostava.
Helen vivia numa
pequena fazenda, sua casa era o principal, criava alguns cavalos, mais para se
distrair, comentou com ele, imagina, nasci, cresci no campo, odiava isso, fui
para fora estudar, nunca mais voltei, agora que estou velha, é como se tivesse
feito um trajeto completo, voltando ao meu ponto de partida.
Reuniu uns
conhecidos, que gostavam de música country para escuta-lo, um deles gravou,
passando o mesmo para um conhecido, como organizador de turnês, pelo interior,
resolveu mudar sua aparência, deixou os cabelos crescerem, barba, tipo de
roupa, a usar seu antigo nome Boris Vian.
Levou muito tempo para descobrirem quem era na verdade, tinha sido
astuto, nunca comentava nada de sua vida particular, nas entrevistas.
Gravou dois
discos, com um sucesso enorme. Seu ex-agente não gostou muito ter sido colocado
a margem, soltou isso para um jornalista, que apareceu, num concerto seu, pediu
uma entrevista, senão contaria tudo sobre ele.
Riu, lhe deu um
murro na cara de fazer gosto, assim tens o que falar de mim.
Esse fez a
reportagem, como imaginava, que ele tinha a mesma agressividade de sua mãe,
etc.
A estas alturas, parou
para pensar, foi se retirando devagar, fez seus últimos concertos, sem dar
entrevistas, não renovou nada.
Vivia
tranquilamente no campo, com Helen, que tinha sido o mais parecido com uma mãe
que ele poderia ter. Quando esta
morreu, a enterrou como queria no alto de uma montanha que ficava atrás da fazenda. Na cerimônia, comentou que ela tinha sido a
mais perfeita mãe que ele podia esperar.
Tocou sua música preferida.
Ela lhe deixou de
herança a fazenda, ele se retirou definitivamente da vida. A sua vida, depois de todos falarem de sua
mãe, de sua agressividade, as pessoas que se aproximavam dele, esperavam isso.
Se guardou em
termos sexuais, para viver tranquilamente, era jovem, tinha a estas alturas,
quase 40 anos. Uma vez tinha lhe perguntado se não pretendia
ter filhos, não respondeu, mas pensou no assunto.
Filhos para
continuar a saga de malditos, nem pensar.
Um dia apareceu na fazenda, um homem procurando serviços de cowboy. Vinha acompanhado de um garoto, se via que
eram de origem índia. O rapaz lhe
disse que a muitos anos tinha saído de sua reserva, para ganhar a vida como
cowboy de rodeios, mas meu filho precisa de um lugar estável. O contratou.
Tinha por hábito,
sentar-se ao por do sol, na varanda, tocando as músicas que ele gostava.
Percebeu que o
garoto, se sentava no outro extremo da varanda, escutando com atenção.
Perguntou qual a que gostava mais?
O menino fez uma
coisa que ele não esperava, cantou todos os acordes de uma música de Barber.
Queres aprender?
Sim.
Ok, vamos falar
com teu pai. Nessa noite se sentou com
Thomas, falou do seu filho, perguntou se podia ensinar música para ele. Todos os dias o levava de carro a escola da
cidade mais próxima, depois a uma escola de música, para aprender a ler
partitura, comprou um pequeno violoncelo de criança, se sentavam os dois no
final do dia tocando. O garoto como ele
dizia, tinha a música na alma. Como ele,
sabia tocar apenas ao escutar a música.
Foi lhe ensinado
tudo que sabia, em breve ele tocava super bem.
Sentou-se com
ele, com Thomas, falou, tens que tomar uma decisão. Contou sua vida para os
dois, a decepção de ficar tocando a mesma música sempre. Podes sim, aprender composição, posso pagar o
curso para ti. Terás o meu velho
apartamento em NYC para viver, bem como te apresento uma professora. Queres tentar.
Bob, ficou
entusiasmado, mostrou para ele uma música que tinha na cabeça.
Isso, vês, é um
outro tipo de música, está dentro de ti, podes colocar para fora.
Se sentia atraído
pelo Thomas, mas nunca tinha feito nenhum movimento nessa direção, foram para
NYC, se apertaram no apartamento.
Quando Marie
Floret, escutou o Bob, ficou alucinada, eras jovem quando te conheci, mas esse
garoto é mais. Mas ele queria aprender
composição, não ser concertista.
Ainda ficou um
tempo por lá, até ver que Bob se tornava independente. Tinha uma mesada para ele viver, como tinha
feito Helen.
Voltou para a fazenda,
mas antes teve uma conversa com ele sobre drogas, sexo fácil, essas
coisas.
Meu pai, se
preocupou justamente com isso.
Quando Bob, fez
18 anos, deu seu primeiro concerto. Foi
muito bom, ele estava na plateia com Thomas, que lhe apertou a mão. Agora era ele quem lhe fazia companhia na
varanda ao final do dia.
Thomas foi claro,
me sinto bem contigo, mas tenho medo de perder nossa amizade.
Não se preocupe,
estarei aqui, quando queiras algo, prefiro tua amizade, uma pessoa com quem
posso conversar, do que um relacionamento de gratidão.
Meses depois
soube que sua mãe tinha morrido na prisão, teve que pedir proteção policial,
pois os jornalistas invadiam a fazenda para tentarem que ele desse uma
entrevista.
Um inclusive
queria falar com ele, para escrever a história dela. Lhe respondeu, fale com ela, talvez te conte
sua vida.
Meses depois
ficou livre, nem a cidade próxima que era pequena podia ir, lhe paravam na rua
para perguntar sobre ela. Se sentia
invadido.
Passou a subir a
montanha para conversar com Helen como ele dizia. Ficava ali cismando com sua vida.
Bob, apareceu,
sabem que sou como um protegido teu, ficam me perguntando se sei alguma coisa,
tu tinhas razão, é como uma invasão na nossa vida privada.
Dizia que não
podia se concentrar em NYC, pois o interfone, ou mesmo se saia na rua, lhe
paravam.
Aqui posso ficar
compondo, vivia com seu pai numa das cabanas.
Ele agora, tocava
as músicas country, mas emotivas, que pareciam estarem rasgadas pelo
coração. Thomas o achava melancólico.
Veja bem Thomas,
quando era um garoto, me sentia um prisioneiro de meus pais, algo sombrio, sempre
estava no ar. Imagina não saber por que
levas uma bofetada, te chamam de bastardo, nunca tens um carinho, nada. Pensei que me livrando deles, teria uma vida
melhor. A descoberta do porquê disso, me
levou a cambalear, era filho do relacionamento dela, com seu irmão por parte de
pai. Escutar tudo isso, me fez fechar
para o mundo, apenas a descoberta da música me salvou. Mas claro, estás exposto a que investiguem
tua vida, viras carniça, todos querem saber os podres que te rodeiam.
Me retirei,
tentei outra saída, até que me redescobriram.
Por último, até morta me causa problemas. Se estivesse menos preparado, deveria estar
mergulhado nas drogas, tentando suicídio, ou outras coisas. Outro dia vieram trazer suas pertencias,
cartas que recebia de admiradores, coisas assim, na frente do FBI, queimei
tudo, queria que o fogo, apagasse essa ligação.
Volto a estar
sozinho, no nada. O que me salva ainda é
a música, escutar teu filho compondo, o resto é resto.
Quando Thomas
partiu com o Bob, para apresentações de suas composições, sabia que nunca mais
os veria, pois cortar os laços era a única maneira de sobreviver.
Ficou só na
fazenda. Um único cowboy de mais idade, era quem ia a cidade fazer compras.
Fez um
testamento, deixado tudo para o Bob, mas depois pensou muito, ele já não
precisa de mim. Acabou deixando tudo
para a fundação da Helen. Embora
seguisse vivo, nunca se sabia.
Por duas vezes
lhe atacaram os seguidores de sua mãe, por sorte o Xerife, quando soube que uma
pessoa perguntava por ele, o avisou, bem como mandou vigiar.
A sensação que
nunca estaria livre dessa maldição, o fez construir uma cabana no alto da
montanha, por muitos era considerado um ermitão. Levaram um mês para descobrir que tinha
morrido. Foi enterrado ao lado da única
pessoa que o tinha amado, Helen.
A fundação vendeu
tudo para um fazendeiro, mas esse respeitou o túmulo dos dois no alto da
montanha.
O mesmo as vezes
subia, tinha sido fã dele, quando tocava country, as vezes até lá em cima,
sabia da historia dele, isso é como nasces, crescer, morrer, o nada.
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