lunes, 26 de abril de 2021

ZARCO - ZARKO

 

                                               ZARCO – ZARKO

 

Quando li os diários do meu avô, entendi finalmente por que tinha mudado o nome de Zarco, por Zarko, não queria ser confundido com o nome de um judeu converso, para ele era uma blasfêmia, sem querer me obrigou a dirigir todos meus estudo para isso, o povo Safardi que tinha vivido na España da idade média, que foram obrigados a mudar de religião para sobreviver.   Eu o tinha considerado a vida inteira um homem inteligente, mas isso me fez ficar em dúvida, ao ler seus diários, entendi finalmente que era uma pessoa controversa, que tinha encontrada em minha avó uma parceira que o compreendia.

Primeiro pensei que tinham orgulho de serem judeus safardi, pois isso significava ter participado na história do povo judeu.   Os dois chegaram a Israel procedentes de países completamente diferentes.

Os pais de minha avó, emigraram para a Palestina, não existia Israel como tal, vindos da Áustria, antes da chegada de Hitler, quando perceberam os novos ares, escaparam antes.   Viveram desde logo em Tel Aviv, ele como joalheiro, embora tenha pertencido ao Haganá, lutaram os dois pela independência do País.

Meu avô ao contrário, vinha de São Paulo, aonde a colônia safardi era grande, pois tinham vindo quase em seguida ao descobrimento do Brasil.  Se fixaram juntos com os Jesuítas, se passavam por católicos, embora nunca tenham abandonado sua própria religião.

Para ele isso era confuso, foi quando entrou em atrito consigo mesmo, embora quando tenha nascido, a família tinha se misturado com árabes, pois a colônia de judeus e árabes compartiam um bairro da cidade, Belém, se dedicavam todos ao comércio de roupas.  Ele mesmo tinha uma irmã casada com um Libanês, embora como tempo, basicamente, não frequentassem religião nenhuma, os pais deixavam seus filhos escolherem.  Isso o deixaria confuso, pois misturava isso, com sua própria indefinição sexual.

Já com 20 anos se decidiu tentar ser um judeu de fato, fez a circuncisão, começou a frequentar a sinagoga.   Acompanhou toda as guerras que livrou Israel, para se tornar um país.  Um dia surpreendeu sua família, com a decisão de abandonar o curso de psicologia que fazia, para emigrar para Israel.  Evidentemente não o entendiam, a muito tinham perdido o vínculo com a religião.

A única coisa que levou consigo foi um diário do seu avô, que via a família justamente perder essa parte religiosa, nem eram católicos, nem safardis, havia uma liberdade de religião no Brasil que não se encontrava em outra parte do mundo.   Os emigrantes começavam a deixar os guetos, se misturando com as outras raças, credos.  Se tornava um pais com a miscigenação bem pronunciada.   Ele acabou deixando de batalhar para que a família se mantivesse pura como pensava.    Em sua cabeça nessa emigração, funcionava como uma recuperação da raça original.  Ignorava por exemplo que seu pai, sua mãe era um exemplo disso.  Ele judeu, ela alemã, mas sem vestígios de ser judia.

Chegou a Israel, teve que fazer serviço militar, foi aonde se conheceram, ela era uma Sabra, tinha nascido ali, para ele foi como encontrar com o protótipo de uma judia original.

Viveram juntos sem se casar a vida inteira, não pensavam em ter filhos, o seu pai nasceu eles já tinham uma certa idade.  Quando seu pai nasceu, ela foi clara, não pensava em ficar em casa para cuidar de filhos.  Quem fez o papel duplo de pai e mãe, foi meu avô, talvez por isso redescobriu suas tendências homossexuais.    Os dois eram funcionários públicos, viviam uma vida diferente, uma suposta liberdade, os dois tinham relações com outros homens ou mulheres, mas meu avô era discreto nesse sentido, pois a homossexualidade não era consentida pelo governo.

Meu pai foi educado por uma mãe extremamente fria, um pai amoroso, com ele se entendia, com ela, era como se nunca existisse, pois nunca estava realmente presente.

Eu fui fruto de uma noite de comemoração, ele finalizava o serviço militar, se cruzou com minha mãe, que também terminava, meses depois ela apareceu com uma criança que não queria, pois tinha lhe surgido a oportunidade de entrar para a Mossad.

Minha avó exigiu a prova de ADN, que levava meses nessa época, mas ao mesmo tempo, se apaixonou por mim, todo amor que não tinha dado ao filho, descarregou em mim.  Tive então dois pais ausentes, o meu trabalhava em relações internacionais, vivia pelo mundo, trabalhando em embaixadas, ela no serviço secreto, vinha sempre me ver acompanhada de uma mulher que passei a chamar de tia, mas na verdade viviam juntas.

Quando ela morreu numa ação frustrada, a que eu achava que era minha tia, continuou me visitando, as vezes passava férias com ela em algum lugar, a queria muito, só descobri quem era com uns 15 anos, mas como meus avôs achavam a coisa mais natural do mundo, eu passei a achar também.

Meus avôs já tinham muita idade para cuidar de mim, meu pai finalmente tinha chegado aonde queria, trabalhar na embaixada de Paris, o combinado era que eu viria passar sempre as férias com eles.

Tempo depois soubemos que ela tinha morrido, viemos para seu enterro, diziam as pessoas amigas que tinha morrido de tristeza, por eu ter ido embora, meu avô, disse que nem pensar, tinham um câncer do tamanho de um bebê, apenas tinha renunciado a fazer qualquer tratamento.  Os dois morreram na verdade com uma pequena diferença, não tínhamos partido ainda para Paris, estávamos hospedados num hotel, com o homem que vivia com meu pai. Nunca gostei dele, mas estava ali para lhe dar apoio moral.

Fomos chamados pelos vizinhos, pois meu avô não saia de casa.  Descobrimos que tinha se livrado de todos os moveis, roupas, tudo que existia no apartamento, em uma noite, levaram tudo como se fossem ladrões.  Quando entramos ele estava sentado na única coisa que tinha ficado para trás, sua poltrona favorita.   Estava vestido com sua melhor roupa, pela primeira vez o vi com um Kipa, no seu colo tinha duas cartas, uma para meu pai, outra para mim, além de um embrulho, com todos seus diários, para que eu o entendesse.

Os dois como explicou ao meu pai, tinha feito um pacto, pois estavam com a mesma doença, ele a ajudou a morrer, depois tomou as providencias para nos livrar dos aborrecimentos de desmontar uma casa totalmente impessoal.  Tomou depois de tudo uma capsula de cianuro.

Não havia heranças os dois eram funcionários públicos, não tinham dinheiro sobrando, tudo tinha sido invertido na minha educação.

Meu pai levou tempo para digerir tudo isso, na nossa volta a Paris, durante dias não voltou ao trabalho, estava desnorteado, se encontrou indo a uma sinagoga, aonde um rabino o ajudou, tinham mais ou menos a mesma idade, trabalhava como psicólogo, fora da comunidade, se apaixonaram, passaram a viver juntos.  Pela primeira vez na vida vi meu pai feliz.  Eu encontrei um homem com quem podia falar.

O anterior desapareceu, como tinha aparecido nas dobras da vida.

Depois de ter passado as férias sozinho, lendo todos os diários, inclusive o que ele tinha herdado de sua avô, passei a entender muitos comportamentos dos dois.  Algumas vezes ria muito, outras chorava, tinha sido uma pessoa completamente perdida, achou que tinha se encontrado, mas na verdade nunca buscou o porquê das conversões.

Eu ao contrário, mudei de curso, de estar estudando econômicas, passei a estudar história, me dedicaria posteriormente a estudar isso as conversões dos safardis, sua vida na Europa, principalmente España e Portugal.  Como funcionavam esses guetos que sustentavam os reis em sua guerras particulares, quando a dívida chegava a um valor considerável, era hora de escapar das perseguições.   A maioria se dedicava a medicina, era logo considerados pelos católicos bruxos, porque tinham a capacidade de operar.

Fui me aprofundando cada vez mais no assunto, não vivia, nem respirava se não fosse isso, recebi uma bolsa de estudos conseguido por Mikael, o companheiro do meu pai, para que pudesse me dedicar exclusivamente a isso, ao mesmo tempo sem saber direito quem eu era, o fui acompanhando a sinagoga.   Me comportava como sempre tivesse ido, até que ele descobriu que eu sequer era circuncidado.  Meu pai não tinha se preocupado, tampouco meus avôs.

Não sabia nada, absolutamente nada da religião.  De uma certa maneira foi um choque, confesso que sempre fui exagerado, quando colocava em uma ideia na cabeça, só pensava nisso.    Devo a Mikael, ter encontrado o equilíbrio nisso, pois ele não permitia.   Lia o que eu escrevia, as vezes alguma frase, ou mesmo um troço do texto, se transformava em uma conversação complicada entre os dois, até que eu entendia o porquê das coisas.  Um dia lhe disse, que ele era mais meu pai, que meu próprio pai.     Na verdade, não era culpa sua, não esperava ser pai, nem sabia o que queria sexualmente na época, só tinha em mente sua carreira, como ia ir pelo mundo arrastando uma criança se ele mesmo era imaturo.   Para isso estavam seus pais.

Um dia levei uma bofetada na cara, conheci nos estudos que fazia, numa biblioteca, um homem um pouco mais velho do que eu, me apaixonei como um louco, Thomas era cura, fazia um estudo sobre os judeus, pois seus antepassados tinha sido safardis conversos, ele mesmo era católico.  Como dois idiotas que nunca tinha feito sexo, nem maduros éramos, mais parecíamos dois adolescentes.  Quando ele teve que voltar a Roma, confuso pela descoberta de sua sexualidade, ao mesmo tempo, de suas raízes a coisa ficou feia, queria ir com ele de qualquer maneira, até que me disse que necessitava de tempo para digerir tudo isso, encontrar-se consigo mesmo.

Ele acabou indo para Israel, depois de abandonar a igreja católica, tinha descoberto nos seus estudos, tudo o que tinham feito com seus antepassados.

Justo quando ele foi para Israel, consegui, autorização para estudar nos arquivos do vaticano, o procurei, mas não o vi.   Descobri tempo depois que só teria acesso ao que eles permitiam, o que eu buscava não estava disponível.

No meu livro criei um capítulo inteiro sobre o assunto.  Depois fui para Sevilla, estudar nos arquivos da Companhia das Índias, que tinha uma vasta documentação a respeito, como esses safardis, estiveram ligados aos árabes, da mesma maneira que estavam ligados ao reis católicos.   Era como estar sempre sobrevivendo no meio de tudo contra, pois seja com católicos ou árabes, tinham que viver em guetos, os únicos que podiam sair depois do toque de queda, eram os médicos que iam atender aos nobres.

Em Sevilla fui verdadeiramente vulgar, tinha mil e umas aventuras de uma noite, não me interessavam os relacionamentos, até que me chamaram a atenção para isso, que eu estava ficando vazio de sentimentos, foi o Mikael, que veio me ver preocupado por mim.  Como sempre meu pai tirava o corpo fora.

Me deu uma bronca monumental, nem estava fazendo bem meu trabalho, pois minha atenção era pouca.   Depois disso me fechei, me dediquei de corpo e alma ao meu trabalho, fui a Córdoba e Granada, mas pouco encontrei de material,

Era como se tivessem borrado os sefarditas da face da terra.   Por uma informação do Arquivo das Índias, fui ao Marrocos, outras colônias espanholas da época.  Mesmo ao México, mas qual os que tinham ido eram os conversos, que acabavam no final sem identidade, que era o que interessava aos governos, bem como a Igreja Católica.

Quando acabei meu segundo livro, revisei o primeiro, pois algumas coisas se tinham alterado na minha linha de pensamento.

Fui chamado para palestras, a Sorbonne aonde tinha estudado se interessaram por mim, não só porque tinha escrito dois livros, mas porque ao final falava árabe, português, espanhol, o dialeto sefardita, inglês, meu trabalho consistia em aulas sobre isso, bem como ajudar estudantes de várias lugares.  Foi quando descobri que poucos eram os interessados no assunto.  Quando os livros foram lançados em Israel, só compareciam nas entrevistas, estudiosos do assunto, o público era como que restrito.

Fui entrevistado na televisão, o que queriam saber porque me tinha interessado tanto o assunto, quando comentei, entendi que as pessoas não gostavam que se ficasse rebuscando seu passado, como que agora eram um pais, não necessitavam o tempo todo alguém dizendo o quanto tinham sido perseguidos.

A preocupação do país, eram os ultra ortodoxos, que se expandiam, pois se proliferavam como coelhos.   

Numa das muitas palestras que dei, apareceu o Thomas, na hora não o reconheci, muito gordo com uma barba imensa, relaxado com sua figura, estava acompanhado de um homem moreno que me apresentou como sendo um jornalista que queria me entrevistar.

Saímos para comer alguma coisa, mas Thomas se levantou indo embora sem se despedir, achei estranho, comentei isso.

Andreu, o nome que ele usava como jornalista, que escondia que era um dos muitos Etíopes, judeus resgatados por Israel.  Se escrevo as entrevistas com meu nome, não interessa, pois com esse que uso fico parecendo um jornalista estrangeiro, meu nome é Jacob Saharin, ficamos conversando, ele foi direto ao seu objetivo.

Queria saber como eu me sentia depois de todo esse trabalho que tinha tido, publicando dois livros, mas que no fundo estava buscando minha raízes.

Lhe respondi francamente, mais perdido do que antes.  Pois a maioria das pessoas não se interessam, as que querem saber, de uma certa maneira chegam à conclusão, se isso as afetara nas sua vida nesse momento.

O mundo atual, as informações duram cinco minutos, você sabe disso, a quem vai lhe importar de aonde você veio, porque dois segundos depois serás engolido por uma nova notícia, mas absurda do que lhes possa parecer a tua.  Estas fora de jogo.

Me olhava surpreendido, com minha análise, mas concordava comigo, estou sempre em busca de algo. O que público hoje amanhã, cheira a ranço.

Pois é, está ficando difícil, pergunto sempre se as pessoas passam realmente das 10 primeiras páginas de um livro, que foi tão crucial para mim.   Armazenei tantas informações em minha cabeça, agora, apesar do tempo perdido me parecem lixo.

Mudamos de assunto, lhe perguntei se tinha tido ou tinha algum romance com Thomas.

Me disse rindo que tinha tentado, mas que ele estava tão perdido que tinha sido impossível.

Eu me considerava jovem, nessa noite depois de nossa conversa cheguei cheio de energia na casa que tinha alugado, perto de aonde tinha vivido com meus avôs. 

Comecei a escrever um romance sobre isso, como os jovens estavam perdidos, criei um personagem como eu, que quando chega ao final de uma linha, descobre que perdeu tempo recuperando o que foi o passado de sua família.   Escrevi até o amanhecer, no dia seguinte mandei o texto até aonde tinha aguentado escrever, uma cópia por e-mail para o Mikael, me despertou por volta do meio-dia.

Estava ansioso para falar contigo, li de uma só vez tudo que escreveste, achei genial a ideia, creio que é isso mesmo.

Estivemos falando mais de duas horas, no final quando desliguei, perguntei a mim mesmo, se meu pai não se incomodava com isso, que ele exercesse o papel do pai que ele não era.

Chegariam dentro de dois dias, pedia que conseguisse um apartamento para eles, mas a casa que estava era grande, eu os hospedaria.

Na noite antes voltei a me encontrar com o Jacob, ia andando pela rua, depois de um jantar, ele saia de um vernissage, fez questão que eu entrasse, me disse que o pintor era seu irmão.   Me encantei com os quadros, era de uma realidade diferente, pessoas retratadas no seu cotidiano, mas como que fazendo uma coisa distinta.

A alguns fiquei parado muito tempo diante, senti atrás de mim uma respiração forte, me voltei ali estava um homem moreno com barba, óculos de míope.

Gostas do que estas vendo, é o que vês?

Sorri para ele, pois me pareceu um homem bonito, comecei a falar o que sentia, a força das figuras.  Ele me fez girar, que eu olhasse as pessoas em volta, todas com sua taça de champagne conversando de costa para os quadros.  Acredito que só tu tenhas entendido o que quis dizer. Quando pergunto o que veem me falam das cores, das figuras fortes, mas o resto nem percebem, o pior compram para colocar em suas casas, sem sequer saber o que é.  Evidentemente eu necessito que comprem para seguir trabalhando.   Daqui a dias os ignorarei totalmente.

Ficamos ali conversando até que o dono da galeria veio chama-lo.  Jacob tinha desaparecido, eu o encontrei fora com o irmão.  Eram diferentes entre si.

Vejo que conheceste meu irmão, ele ficou impressionado contigo.

Eu também pois sua obra me cativou.  Ficamos ali conversando um tempo, quando ia me despedir, Abraham, me segurou pelo cotovelo, eu não desapareceria tão rápido.  Virou-se para Jacob, me fartei disso, vou com o Gregori até a praia, para respirar ar puro.

Ficamos sentados num muro falando sem parar, acabei indo dormir no seu studio.  Havia uma eletricidade entre a gente incrível.    Me despertei, assustado, pois meu celular não parava, era o Mikael, perguntando aonde estava, estavam no aeroporto me esperando.  Tinha me esquecido deles.  Abraham fez questão de me levar, me soltou mal sentamos no carro, se eu pensava que ia deixar que escapasse.

Fomos falando o tempo todo.   Meu pai estava furioso, se havia uma coisa que não perdoava, essa era esperar, estava acostumado a ser atendido imediatamente.

Mikael contornou a situação, como sempre, Abraham, pensou que ele era meu pai, falou com ele sobre isso, que ele devia amar ter um filho como eu.

Mikael ria, apontou meu pai que falava com um jornalista, ele é seu pai.

Eu o abracei pela cintura, Abraham, na realidade ele é o pai que sempre quis.

Fomos até o apartamento, os deixei mudarem de roupas, fomos almoçar, Mikael, conversava conosco sobre arte, dizendo que queria ver seus quadros depois.

O assunto para variar não interessava meu pai, que não parava de falar ao celular.  Achei uma falta de educação, soltei que o meu avô não iria permitir isso, acredito que te educou melhor, que não tenhas atenção com teu filho tudo bem, nunca tiveste mesmo, mas não estamos sozinhos, seja pelo menos educado, entreguei a chave do apartamento, arrastei Abraham, escutando que Mikael, perdia a paciência.

Nessa noite, escutei uma notícia que não gostei, os dois iam se separar, depois de todos esses anos Mikael estava farto.  Lhe abracei chorando, vou perder o pai que sempre quis ter.  No dia seguinte meu pai, foi se encontrar com amigos em Cesárea, levando sua bagagem.

Tudo isso me fazia sentir mais perdido, comentei com os dois sobre isso. 

Tens que entender que ele nunca se sentiu teu pai, foste criado pelos teus avôs, depois eu assumi esse papel, quando vi que tu não lhe interessavas, a vinda para cá foi por insistência minha, mas falhei.

Volto para Paris, para arrumar aonde viver, lhe dei a chave do meu apartamento, podes ficar lá, enquanto resolvo o que vou fazer.   O levamos ao aeroporto, dois dias depois meu pai chamou, perguntando por ele.  Respondi secamente que não sabia.   Iria com o Abraham, ao deserto do Néguev, soltou que precisava falar comigo, lhe respondi que sentia muito, mas ia com Abraham de qualquer maneira, que o voltaria a ver quando voltasse a Paris.

Acabamos passando um bom tempo por lá, pois Abraham tinha amigos em Beersheva, que me encantou, foi quando vi o pouco que conhecia o pais que tinha nascido.

O interessante era a quantidade de assuntos que tínhamos os dois, falávamos horas sem parar, bem como fazíamos sexo.  Vinha falando com Mikael todos os dias, tinha levado o catálogo da exposição do Abraham, ele era super bem relacionado, foi mostrando em Paris.

Meu apartamento era grande, antigo também, eu usava só uma parte, pois tudo que necessitava era um lugar para dormir, escrever, Mikael, disse que tinha arrumado um pequeno para ele, quase ao lado do meu, assim estaríamos mais perto.

Convenci Abraham de vir comigo, para tentar a sorte por lá.  Aceitou, não queria me perder, pela primeira vez estava apaixonado.  Montou seu studio numa parte do apartamento, mas estávamos os três sempre juntos.  Um dia Mikael, chegou em casa nervoso.

Teu pai está internado, quis te dar a notícia em Israel, mas não quiseste falar com ele, teve um AVC esta noite, estava com seu novo amante.  Me avisaram do hospital que está, queres ir até lá.

Fiquei na dúvida, quando chegamos, de imediato não gostei do seu acompanhante, devia ter mais ou menos a minha idade.

Meu pai sorriu quando me viu, mas estava com vergonha.

Tinha perdido a mobilidade do lado esquerdo.  O médico perguntou se tínhamos ideia do que íamos fazer.  Eu simplesmente na frente dele lhe disse, que acreditava que Israel, cuidava bem de seus funcionários antigos, com certeza teriam alguma residência para ele viver.

Mas é o teu pai, tentou argumentar, esse senhor nunca me criou, primeiro foram meus avôs, depois esse senhor, indiquei o Mikael.   Sinto muito, que seu namorado cuide dele.

Mikael ficou furioso comigo.

Se queres cuidar dele, como sempre fizeste bem, mas ele nunca me cuidou, sequer se preocupou comigo, nunca esteve em nenhuma época de minha vida.  Que se apanhe sozinho.

O namorado desapareceu nesse mesmo dia, era jovem, não ia perder seu tempo com um velho, Mikael, ainda ficou com pena, o levou até Israel, pois o apartamento que vivia, pertencia ao governo, que o queria para a pessoa que viria o substituir.

O levou até Jerusalém, voltou em seguida, tens razão, logo queria me convencer a ficar para cuidar dele, é o mesmo egoísta que foi a vida inteira, em que eu estava ao seu lado para resolver os problemas.

Vou mais é cuidar da minha, estava ajudando o Abraham a preparar sua próxima exposição.

Fui convidado, devido ao meu novo livro que fazia sucesso, para dar aulas na universidade de Tel Aviv, fiquei de pensar.

Estava tão acostumado a viver em Paris, que para mim voltar para minha cidade era difícil, mas claro já não estava sozinho.  Abraham sentia falta de lá, apesar do sucesso, gostava da vida lá. Acabei aceitando o convite.  Mikael, aceitou de repente ir viver em NYC, com um irmão, que queria que o ajudasse em seus negócios, nada mais o prendia a Paris.  Continuamos nos falando todos os dias, sentia sua falta, mas ele durante o ano, vinha pelo menos duas a três vezes para me ver.   Sempre ia ver meu pai, uma vez me convenceu de ir com ele, num primeiro momento fiquei com pena dele, mas bastou vê-lo se vangloriar que eu devia ao fato de ser um escritor com um certo renome a ele.   O desmenti na frente de todos, deixa de ser mentiroso, nunca me ajudaste em nada, nem meu pai eres.  Apresentei o Mikael, como meu verdadeiro pai.

Odiava esse comportamento dele, mas achava horrível isso.  Agora entendia finalmente o suicido dos meus avôs, sabia que seu filho não cuidaria deles.   Fiquei imaginando isso na cabeça do meu avô que o tinha criado, como pai e mãe ao mesmo tempo. O orgulho como olhava o filho, que mal lhe dava atenção.  Comentei o que pensava com o Mikael, ele me contou que meu pai quando descobriu que seu pai era homossexual, primeiro pensou que ele tinha lhe transmitido um gene defeituoso.   Depois o passou a ver com outros olhos, como as pessoas olhavam para ele, cuidando desse filho como se fosse uma mãe, passou a odiá-lo por isso.

Então porque me largou lá.

Porque tampouco queria um filho, acredito que fui eu, que me apaixonei por ti, sempre quis ter filhos, eras inteligente, atendo com tudo, sempre conversando comigo, como eu tinha sonhado fazer com meu filho, te roubei dele, que nunca prestava atenção.

O amei muito, até perceber que vinha tendo aventuras as minhas costas, quando começou a sentir-se velho, como se fazer sexo com uma pessoa mais jovem lhe fosse devolver a juventude.

Podia ser inteligente, mas egoísta.  

Nunca se interessou pelos diários que me deixou meu avô, me respondeu que isso era idiotice, que nunca trairia vantagem nenhuma na vida do país.    Eu achava engraçado isso dele falar de boca cheia do país, sendo que passou a maior parte de sua vida fora.

Meses depois teve outro enfarte, fui vê-lo, porque Abraham me convenceu, estava com a boca torta, era difícil entender o que falava.  Me pediu desculpas por tudo, mas seu olhar via que fazia isso porque tinha medo de ficar para trás.

Lhe contei que Mikael, tinha conseguido uma exposição para Abraham em NYC, aonde eu também iria lançar meu livro, quando volte venho ver o senhor, nunca o tinha chamado de pai.

Quando estávamos já quase prontos para voltar, fomos avisados que tinha falecido, se vinhamos para seu enterro.

Chegamos direto para o cemitério, achei estranho o fato de não estar sendo enterrado como os judeus.  Um senhor se apresentou, dizendo que eram suas últimas vontades, que tinha algumas coisas que precisava falar comigo.  Além de ler seu testamento.

Deixou dinheiro para mim, para o Mikael, mas o mais interessante, uma carta como outra dentro.  Leia essa carta que seu avô me deixou, quiça me entendas um pouco.

Quando fiquei sozinho, abri a carta, fiquei emocionado em ver a letra do meu avô, pedia desculpas por sair assim do mundo.   Mas tinha feito um pacto com sua mulher a muitos anos, ele a tinha ajudado a morrer, agora tocava a ele.

Explicava que na verdade ele não era seu filho, mas sim fruto de uma aventura dela, quando viu que estava gravida já era tarde para um aborto.   Mas te amei desde o momento que te tive nos meus braços.  Te criei como meu filho, embora saiba que quando descobriste como éramos na verdade te sentiste enojado, pois outras pessoas sabiam, comentavam.

Me olhavas com nojo, até quando essa mulher trouxe o filho de vocês, tua avô exigiu um teste de paternidade, pois teu comportamento era horrível.  Quando soubeste que o filho realmente era teu, levantaste o ombro dizendo, que me importa, foi somente uma noite, não sinto nada por ela, além de que minha carreira depende de estar livre.

Por isso se um dia teu filho te renegue, aguente, como eu aguentei quando, não me quisestes, apesar de todo meu amor por ti.   Amamos teu filho como nosso. Espero que seja um grande homem, que um dia possa te perdoar. 

Ah, teu pai verdadeiro, tampouco era judeu, foi um agente da CIA, que veio fazer um treinamento aqui, nem sabe que existes.

Fiquei pensando como isso podia ter influído na cabeça dele, mostrei a carta para o Mikael.

Soltou, por isso sempre que te defendia, soltava, que não sentia nada por ti, que eres filho de um erro, um engano, que já fazia muito pagando escola para ti.

Na última página, tinha escrito, a vingança dele foi cruel, mas entendi quando me rejeitaste em Paris, fizeste a mesma coisa que eu fiz com eles.

A culpa é toda minha, pois nunca o agradeci pelo amor que me deu, mesmo que eu não fosse filho dele.

Portanto, nunca entendi por que te preocupavas em ser um Zarco, se meu pai sequer era judeu.

Aí estava a vingança dele, como um tiro de misericórdia, como querendo dizer que eu tinha procurado uma coisa que não me correspondia.

Mikael, ficou furioso, se pudesse o desenterraria, pois seguiu sendo filho da puta, até depois de morto.

Não se preocupe, lhe disse, meu pai sempre foi você, amava suficientemente meu avô, para poder dizer que cumpri o sonho dele, de se encontrar com suas origens.

Não me arrependo de nada, pois fiz por ele, não pelo meu pai.

Agora tinha uma casa fora da cidade, aonde Abraham podia trabalhar a vontade, adotamos um menino Etíope como ele, depois uma garota, Mikael, dizia que finalmente era avô, ficou morando conosco, formávamos uma família diferente, mas que o mundo fosse tomar no cu, nunca me importei com isso.

Para azar de meu pai, escolhemos dar-lhes o sobrenome Zarco aos dois.

Mikael dizia que devia estar se virando na tumba de raiva.

Mas não me importava, amava minha família, bem como o homem com quem compartia minha vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

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