lunes, 10 de agosto de 2020

MIDNIGHT

                                                   MIDNIGHT

 

Tinha acabado de cumprir sua pena de seis anos na prisão, por uma besteira, estar no lugar errado na hora errada.   Como tinha sido um jovem problemático todo o tempo, ninguém acreditou nele.

Seu tipo sempre lhe tinha causado problemas, era filho de uma vietnamita, com um soldado negro.   Quando os Estados Unidos resolveram deixar o país à mercê dos comunistas, tudo mudou.   Seu pai era da embaixada Americana, conseguiu autorização para levar a mulher com quem tinha se casado bem como o filho.

Mas tudo nem sempre é perfeito, na corrida para chegar a embaixada, para o último voo de helicóptero, sua mãe foi atingida, seu pai correu tudo que pode, foram quase os últimos a subir no helicóptero.    Tinha dois anos, estava acostumado a uma coisa, quando seu pai o levou para ver sua família, a coisa ficou feia, tinha deixado uma noiva antes de partir, agora voltava com um filho nos braços.   Ainda por cima mestiço.  Foi um deus nos acudam.  Ele olhava assustado a tudo.  Quem lhe salvou foi a avó de seu pai, que o pegou nos braços o afastando dali.  Ela vivia numa casa ao lado, o levou com ela, a partir desse dia viveria com ela até que morreu.

A amava por cima de qualquer coisa, para alguns ele era lindo, magro, mulato, cabelos lisos negros, olhos rasgados, de uma cor estranha, nem marrons, nem negros, uma mistura, era como um verde escuro, cheio de motas amarelas.  Sua pele era azeitonada. 

O pior era, seu pai se casou com a prometida, tiveram cinco filhos, nenhum se aproximava dele, pois a mãe não permitia, o pai, estava mergulhado em seu trabalho, dar de comer a todos.  Os negros não gostavam deles, tampouco os brancos, na escola era como se ele não existisse, mas em compensação era o melhor aluno.

Com 16 anos começaram os problemas, treinava artes marciais com um chinês, que acabou lhe dando o nome de Chen, na verdade se chamava Tuan Brown,  como tinha crescido muito era para muitos desengonçado, mas se virava bem nas artes marciais, era o preferido do professor.

Esse dizia sempre, que a luta não era para sair agredindo todos na rua.   Um dia foi ao centro da cidade, se viu cercado de jovens brancos, que acharam divertido sacanealo, se defendeu como pode, acabando todo mundo no chão.  Não viu a polícia que estava ali observando, mas tampouco fizeram nada para ajudá-lo.   O pai teve que vir resgata-lo na delegacia, foi embora reclamando que ele não fazia outra coisa que dar problemas.

Com 18 anos, ia entrar para a Universidade, quando um dia saindo de um bar com uns amigos gays, foram atacados, os outros ficaram com medo, mas ele se defendeu, um deles tinha um taco de beisebol,  retirou de sua mão, quando o atacaram desceu cacetada em todo mundo. Fugiram, só um deles ficou ferido, ele mesmo chamou a polícia, ambulância, ficou ali esperando, mas claro bastou se negro, com duas passagens pela polícia, foi considerado culpado.   Nem o fato de ter avisado a polícia, ter chamado a ambulância, foram atenuantes, o advogado de ofício, não fez muita coisa.    O jovem não morreu, mesmo assim não adiantou.

Nos dois últimos anos, esse jovem vinha visita-lo na prisão.  Ninguém de sua família tinha aparecido, somente o advogado de sua bisavó que sim, para dizer que lhe tinha deixado sua casa de herança. 

Greg, esse jovem quando descobriu que ele estava na prisão por sua culpa, foi visitá-lo a primeira vez.   Ele apareceu cheio de hematomas, quando lhe perguntou o que tinha acontecido, soltou que se defendia dos abusos sexuais.  Estava se recuperando do último, um grupo o tinha atacado, ele se defendeu como pode, mas uma porrada na cabeça o deixou desacordado, seis tinha abusado dele.

O outro começou a chorar, pediu perdão por tudo.

Ele ficou olhando com uma cara séria, eres a primeira pessoa que me visita, pensei que era meu pai, para que autorizasse que vivesse na casa de sua avó.   Nunca pensei que fosse você.  Não se preocupe, se eu fosse guardar raiva por todos que me atacaram esses anos todos, os que me repudiaram, estava morto.               Apenas eu saí com uns amigos, os poucos que tinham, que se negaram a depor a meu favor, pois temiam que seus pais descobrissem que eram gais.  Tampouco nunca vieram me visitar, sinal de que não eram meus amigos.

Mas estou aproveitando para estudar, como não tenho muito o que fazer, estou fazendo a universidade a distância.

Greg, passou a lhe trazer livros, revistas dos assuntos que ele gostava, estava no momento fazendo um curso de escritura criativa por internet.

Greg estudava direito, foi ele na verdade que conseguiu adiantar sua liberdade, foi até um juiz negro, porque tinha tentado com um branco, que o mandou para casa.   Ao juiz negro contou tudo que tinha acontecido, tinha esperado seis meses para falar com o juiz.

Confessou que ele, com um grupo de amigos, não tinha o que fazer, viram um grupo saindo de uma discoteca gay, resolveram atacar, o que tinha o carro, tinha um taco de beisebol no bagageiro.    Todos correram, o único que se defendeu foi o Tuan, colocando todos para correr, mas não tinha sido ele que o tinha acertado com o taco, sim um amigo, ele estava entre o amigo e Tuan, então levou ele a cacetada, além de o mesmo tinha chamado a polícia, bem como a ambulância, ficou esperando segurando minha cabeça.

Meus pais não me permitiram depor por ser menor de idade, só agora sei de tudo, pois o visito na cadeia. 

O juiz revisou tudo, deixando Tuan em liberdade.

Quando saiu, o sol estava muito forte, tinha um pouco de dinheiro que lhe deram para ir para casa.   Ficou cego com a claridade, ali parado sem saber o que fazer.  Não tinha visto o Greg a dias.  Quando olhou, lá estava ele parado do outro lado da estrada.

Era um carro com chofer, viu que ele tinha uma faixa enrolada na cabeça. O Abraçou, me desculpa não ter vindo antes, mas dias depois que falei com o Juiz, me desmaiei, descobriram um tumor, justo aonde tive a pancada.  Tiveram que me operar as pressas.

Venha te levarei a tua casa.  Entre seus pertences, estava a chave da casa da bisavó.  Deu a direção ao motorista.

Quando chegou, o pequeno jardim que era o orgulho dela, estava totalmente abandonado.  Desceu do carro ficou olhando, era como se ela estivesse na varanda o esperando como sempre quando voltava da escola.   As lagrimas corriam pela sua cara.   Se virou agradeceu ao Greg por tudo.   Esse se despedia, pois seu pai ia dirigir uma empresa na França, te enviarei a direção, quem sabe podes vir me visitar.

Subiu o jardim, a varanda estava cheia de tabuas soltas, abrir a porta foi difícil, a casa tinha sido fechada depois da morte dela, tudo estava igual, foi abrindo as janelas, deixando o ar entrar, encontrou uma vassoura, começou a limpar tudo.  Da mesma maneira, encontrou pregos, martelo, foi prender as tabuas soltas da varanda, tirou para fora a cadeira favorita dela.  Varreu a varanda toda, foi limpando, começou a tirar o mato que estavam afogando as roseiras da Bisa como a chamava.   Trouxe uma lixeira que estava na parte detrás, aonde também precisava de uma bela limpeza.  Foi limpando tudo, sabia que os estavam olhando pelas janelas, mas nem era com ele.  Tinha os documentos na sua mochila, a casa era dele.

Teria agora que arrumar um emprego para mantê-la.  Saiu foi até o mercado da esquina para comprar algo para comer, depois voltou ao seu serviço, molhou todo o jardim, as plantas enfim poderiam respirar.   Amanhã limparei a parte detrás.  Depois de um bom banho, estava ali sentado na cadeira dela, pensando no que poderia fazer.  Teria que ir ao escritório do advogado, para irem ao banco, esse disse que tinha algo de dinheiro para ele.

Estava pensando se conseguiria fazer o curso agora na universidade, gostava de escrever, contar histórias, tinha escrito vários textos das coisas que escutava na prisão.

Nem se deu conta que seu pai estava parado na frente dele.

Era como ver um desconhecido.

Não vais me dar um abraço, perguntou.

Lhe respondeu olhando diretamente na cara, não o conheço senhor, por que deveria abraçá-lo?

Sou teu pai apesar das merdas que fizeste.

Incrível, foi necessário a vítima, da qual fui acusado de agredir, ir me visitar, me ajudar, porque um senhor que nunca cuidou de mim, que diz ser meu pai, nunca moveu um dedo.   Sinto muito, mas é imperdoável.  Passar bem, cuidado seus pés passaram pelo jardim de minha casa, estão sujando a varanda.

Essa casa era da minha avó, ninguém entendeu por que ela deixou para ti, pedi autorização para viver nela com minha família, o negaste.

Pelos mesmos motivos, porque não foste em pessoa pedir isso.  Tua querida mulher que passou o dia inteiro me olhando pela janela, não permitiu?

Ele abaixou a cabeça, sabia que tocava em seu ponto frágil.   Ele só fazia o que ela mandava.

Não se preocupe, seremos vizinhos, mas me importa uma merda tua família, incluindo tu.

Passar bem, favor não fazerem muito ruído, senão chamarei a polícia.  A Bisa, estava sempre reclamando de sua mulher que parecia falar aos gritos.

Foi o que escutou em seguida, fechou as janelas de baixo, não tinha subido ainda, seu velho quarto estava igual, bem como o da Bisa.   Amanhã se dedicaria a limpar os banheiros, a cozinha, fazer uma boa compra.   A velha geladeira, tinha estado ligada todo esse tempo com nada dentro.

Com dizia a Bisa, quando se referia que a geladeira estava vazia, era como uma boca grande sem dentes.

Chorou de saudade delas, lastima não poder ter ido ao seu enterro, ela era tudo que ele tinha.

Experimentou umas calças velhas que estava ali, mas limpas. A usaria no dia seguinte para ir falar com o advogado.

Estava tão cansado emocionalmente que caiu duro na cama, sabia que teria que lavar a roupa de cama, que cheirava a mofo, mas o cansaço era maior.

Despertou de madrugada com a mulher de seu pai, lhe gritando, como sempre fazia, olhou ao relógio, era as duas da manhã.   Desceu, viu que o telefone funcionava, denunciou o escândalo da casa vizinha.

Dez minutos depois viu o carro da polícia parado na frente da casa deles.  Ficou rindo no escuro, ela como sempre não suportava que lhe dessem ordens, começou a gritar com o policial, este disse, estamos fartos de receber reclamações da senhora, por favor nos acompanhe, creio que dormir uma noite na cadeia lhe fará bem.

Escutou aplausos da vizinhança inteira.   Ficou rindo, a vizinhança não gostava dela.

Escutou baterem na porta, mas como tinha tudo apagado, viu pelo tamanho que era seu pai, subiu rapidamente, abriu as janelas de cima, perguntou o que estava acontecendo, tinha se despertado com o barulho dele batendo na porta.  Estou cansado, tenho muito o que fazer amanhã.  Boa noite.

Viu que o pai tentava falar alguma coisa, mas fechou a janela.  Sentiu no quarto o cheiro da avó, parecia estar vendo-a se matar de rir com o que tinha acontecido.  Ela mesma as vezes chamava a polícia para parar as confusões.

No dia seguinte, tomou um bom banho, se vestiu, saiu, fechando a porta, o pai o esperava na entrada, se desculpou, assim. 

Bom dia vizinho, espero que tenha dormido bem, não posso parar, pois tenho que ir ao centro da cidade, resolver alguns problemas, passe um bom dia.

Seu pai estava de boca aberta sem poder falar.

Saiu andando como se nada, na parada de ônibus, pegou um para o centro da cidade.   O advogado chegou uns quinze minutos depois.   Eres como tua Bisavó, quando vinha, madrugava, vinha toda arrumada, com sua roupa de ir a igreja.   Uma grande mulher.

Já tomaste posse da casa não é.  Bom no banco, se depositava o dinheiro que tinha direito como funcionária pública, foi durante muitos anos bibliotecária.   Esse dinheiro foi sendo usado para pagar os impostos da casa.  Mas tem um fideicomisso, que era o dinheiro para ires a universidade, esse dinheiro como sempre era retirado do seu salário, continuou todo esse tempo.   Disse mais ou menos o valor.

O senhor acha que conseguiria vender aquela casa?

Sim por ali faltam casas, será fácil, vender, tenho um amigo que tem imobiliária ali perto, falo com ele, enquanto vamos ao banco.   Pelo caminho, foi falando com o amigo, ok.

Disse que depois passes pela imobiliária, que ele mesmo tinha já olhado a casa várias vezes, mas por fora, ninguém sabia informar nada.

No banco para sua surpresa tinha muito dinheiro, para ele que não tinha nenhum, acreditava que seria suficiente para entrar na universidade.

 Iria ao colégio aonde tinha terminado seus estudos, para conseguir seus documentos.  Foi comer num restaurante vietnamita que ia sempre com a bisa, que dizia que ele não devia perder suas raízes. 

Pensava nisso, poderia estudar filologia, aprenderia a língua da sua terra.

Sempre tinha sido um aluno excelente, ela só permitia que ele saísse para brincar nos fundos da casa sozinho, quando acabava de estudar.

Passou depois na imobiliária, foi com o homem olhar a casa.   Caramba foi o que ele disse, precisa de uma limpeza, mas esta para se viver.  Lhe disse que tinha arrumado alguma coisa, só ontem entrei na casa, estava na prisão cumprindo uma pena por uma coisa que não fiz.

Mas estou lhe contando isso, não tente passar a perna, pois irei a outras imobiliárias, saberei o valor real da casa.

Este disse que cada vez que pedia informação na casa ao lado, lhe tratavam mal, aquela mulher é uma víbora.

Vou trazer te o preço real, tenho vários candidatos para a casa, o senhor pensa em ir para aonde?

Ainda não sei quais opções que tenho de universidade, já resolverei.

Justo quando se despedia do homem no portão, chegava seu pai, com a mulher.  Ela o olhou com um ódio imenso, começou a gritar que aquela casa devia ser dela, não desse bastardo, olhou para o pai, fez um sinal de estar falando no telefone, esse tapou a boca da mulher a arrastando para dentro de casa.

Por uma semana se dedicou a limpar tudo, sabia que todo esse tempo estava sendo seguido pelas janelas, fazia uma coisa que depois se matava de rir, soltava peidos altos em direção a janela dela, tirava o pau para fora, mijando ali mesmo. Sabia que isso a ofendia.

Depois de tudo limpo, autorizou as visitas a imobiliária.   Um casal com filhos pequenos que vinham de San Francisco, se encantou pela casa.   Pensou esse lugar merece uma família decente.   Quando chegaram a um acordo, por um bom preço vendeu a casa.  Avisou a família, que no dia que assinassem os papeis ele iria embora.

Arrumou seus poucos pertences, que incluíam uma foto que estava no salão, ele de pequeno sentado no colo dela.

Já tinha os papeis da escola, conversou como uma orientadora, disse o que queria estudar, ela disse duas universidades de NYC, ou seja ali mesmo.   Ele pediu outra opção, quiça San Francisco soltou, ou mesmo Los Angeles.  Ela lhe mandou todos os papeis.

Com isso, tudo, uma mochila, uma maleta velha, saiu da casa, entregou as chaves para o homem da imobiliária.    Desceu, já estava na porta do taxi, quando seu pai chegou ofegante.

Vais embora sem se despedir de teu pai?

Pai, não vejo nenhum aqui, a única pessoa de quem fui me despedir, foi da Bisa no cemitério, deviam ter vergonha, o tumulo estava sujo, as flores ainda do enterro.  Que família tinha a coitada.  Mas se faz tanta questão, Adeus.

Porque vendeste a casa a estranhos, podia ter te comprado?

Porque ela sempre dizia que não queria tua mulher vivendo em sua casa, isso dá para um homem sem caráter, em que a mulher manda mais.  Alias cuidado, o novo vizinho é advogado, uma família simples, não custará muito chamar a polícia, eu se fosse tu a internava de vez.

Adeus.

Mas para aonde vais, o que vais fazer da tua vida.

Algo que se meu pai tivesse me defendido, já estaria fazendo a muito tempo.  Vou para a universidade estudar.

Tudo o que ele fez, foi deixar cair os ombros, pedir perdão.

Um pouco tarde, mas tudo bem perdoado, nunca gostei de homens frouxos na minha cama, talvez por ter um pai assim, imenso, mas frouxo.

Entrou no carro, disse que fosse para o aeroporto.

Tinha tido sim vontade de abraçar aquele homem imenso que era seu pai, mas o tinha ferido tanto que isso era quase impossível.  Estava de óculos escuros, mas mesmo assim as lagrimas caiam pela sua cara.

O motorista soltou, uma despedida complicada não é.

Sim é verdade, mas não importa vou começar vida nova, isso para mim é o mais importante.

Tomou o avião para San Francisco.  Tinha alugado um quarto num hotel, até arrumar um lugar para ficar.

Tinha que decidir sim aonde estudar.    No dia seguinte, foi a universidade, se apresentou, disse o que queria estudar, apresentou seus documentos.   Foi encaminhado para uma entrevista.  Por acaso era um escritor que ele tinha lido em prisão.

Apertaram as mãos, soltou logo, pois não tinha nada a esconder.   Li os teus livros durante o tempo que estive preso.

A única pergunta do outro foi porque estivera preso.   Em vez de responder, tirou uma carta do juiz, que dizia que reconheciam o fato dele ter sido julgado e condenado injustamente.

O outro, um dia desses me conta tua história.   Disse o que queria estudar, filologia, para poder aprender a língua de sua mãe, bem como aprender a escrever livros, roteiros, o que fosse.

Tens trabalho?

Não senhor, mas tenho dinheiro para sobreviver algum tempo.  Preciso só decidir aonde vou conseguir me matricular, para procurar uma casa ou pequeno apartamento para viver.

Eu vivo com minha mulher, os meus filhos já se mandaram pelo mundo, temos um apartamento atrás de casa, é pequeno, mas tem de tudo, um quarto, uma saleta, cozinha pequena, banheiro. De quando as casas se faziam com um apartamento atrás para os empregados. Podes vir a pé até aqui, bem como  tomar ônibus, mas é só uma parada.

Nisso seu celular tocou, o escutou falando,  sim estou de saída, te incomodas que leve um futuro estudante para olhar o apartamento detrás.

O professor, era um mulato alto, com as têmporas já brancas.  Lhe perguntou se tinha algum texto escrito. 

Tirou da mochila um, este escrevi na prisão das historias que escutava por lá.

Estava contente com o professor, este lhe disse vou aprovar tua admissão, amanhã te apresento ao departamento de filologia.    O homem era um bom papo.   Sem querer resumiu sua história, contando da bisavó, que o tinha criado, deixado sua casa para ele poder estudar.          Era uma mulher fantástica, sempre me protegeu.

Antes de mais nada, quero que o senhor saiba quem mete no apartamento atrás de sua casa, sou gay, fui muitas vezes abusado na prisão.              Pode ser que as vezes tenha pesadelo, desperte gritando.

O outro bateu no seu ombro, gosto da tua honestidade, outro tentaria esconder tudo de sua vida, mas depois sempre se descobre.

A mulher era uma negra alta, muito bonita, com um penteado africano na cabeça.  Disse que era professora de Yoruba na universidade.   Atualmente tenho poucos alunos.

Antes de mais nada vamos comer, pois senão a comida fica fria, depois podes ver o apartamento, nosso filho maior, o usou durante um tempo antes de ir para NYC, é editor de  um jornal por lá.

Estava uma delícia a comida, verbalizou isso, ela agradeceu.

Falou claramente com ela de aonde ele vinha.

Esse menino prima pela honestidade de não esconder nada Esther, podemos confiar nele.

Enquanto saiam para ver o apartamento, ele perguntou sobre o curso dela.  Sabe apesar de ser uma mistura, minha bisavó falava muito nas suas raízes africanas, talvez me interesse fazer esse curso.

Ficou encantado com o pequeno apartamento.  O professor mostrou como ele podia entrar tranquilo sem incomodar ninguém.   Só não gostamos de música alta.

Não se preocupe, eu adoro o silencio, música, só se for eu mesmo cantando,  tenho mania de cantarolar enquanto escrevo, nunca entendi por quê.

Combinou o preço do aluguel, terei que comprar um laptop, eu escrevia na biblioteca da prisão, mas não tenho nem celular, começou a rir, não podia parar.  Respirou fundo, disse ao professor, para que quero um celular, se não tenho ninguém para conversar.

Daqui um tempo sim, tenho certeza de que faras amizades.

Isso espero, mas estou tão acostumado a ser sozinho que talvez me dê medo ter amigos.

Esther disse aonde ele podia comprar o que precisava, a princípio os alunos, tem direito a imprimirem seus trabalhos na universidade.

No dia seguinte, Trouxe suas coisa, ligou a pequena geladeira, colocou a mesa numa posição perto de uma janela para ter claridade,  pagou o professor, foi com ele conhecer a parte de filologia.

Este o foi apresentando a uma série de pessoas, a professora de vietnamita o acolheu bem, não tenho muitos alunos, é raro os filhos de emigrantes quererem aprender, acham suficiente o que tem em casa.  Querem é serem americanos, em tudo.

Fez sua matrícula, pagou com um cartão visa, ia pedir a transferência de seu dinheiro, já tinha localizado a sucursal do banco perto da universidade.  Tinha até medo das coisas estarem se encaixando.

Pegou um horário, as aulas começavam mais ou menos dentro de 15 dias, tinha duas semanas para ir se aclimatando, foi conhecer a biblioteca, aonde sabia que passaria horas enfurnado.

Calculou que teria dinheiro por bastante tempo, mas queria um trabalho, cabeça ocupada, não pensa merdas.  Viu um cartaz na biblioteca, de que precisavam de gente.   Se apresentou, lhe disseram quanto pagavam, poderia trabalhar no horário da tarde.   Isso ele gostou, teria aulas de manhã, de tarde trabalharia, deu como referência o professor.

Quando chegou em casa, o professor lhe disse sério, temos que falar.  Vinha com as caixas das coisas que tinha comprado, foi entrando no apartamento com o professor atrás.  Tudo que podia pensar era, estou fudido, esse homem vai me mandar embora justo agora que achei o lugar perfeito para viver.

Deixou tudo em cima da mesa, virou-se para o professor, tudo bem, irei embora, entendo que o senhor não gostou que tenha lhe dado como referência na biblioteca, para conseguir um emprego.

Que bom, tinha anotado falar nisso contigo, a chefa de lá não falou comigo, pois como não tinha nada que fazer vim para casa.

Começou a rir da confusão dele.  Perdão as vezes falo assim com meus alunos para lhes meter medo, deve ter sido instintivo.   Quero lhe falar do texto que me deste para ler.

Sente-se.  Parece que vais desmaiar.   Buscou na pequena geladeira, água, lhe deu um copo. Ele afastou com o braço as caixas que tinha colocado em cima da mesa.

Olhava aflito o professor, temia que ele dissesse que era uma merda ou coisa parecida.

Gostei demais do teu texto, li duas vezes como sempre faço, as vezes me pedem para ler texto para a editora com quem trabalho.  Fiz anotações na lateral do texto, nada demais, em alguns lugares uma correção que ao meu entender pode ser benéfica para o texto, outras que devia trocar a frase de posição a colocar mais acima ou mais abaixo.  Depois te ensinarei como se faz isso ao analisar o texto.

Ele começou a respirar mais tranquilo.

O professor começou a rir, de negro, viraste branco.  Calma, não tomes tudo tão a peito.

Acercou a cadeira, sente-se direito, vamos olhar isso junto, foi repassando com ele, todo o texto principalmente aonde tinha anotações.

Quando tiver corrigido,  vamos ler outra vez juntos, gostaria muito de mandar este texto para meu editor, é muito madura tua visão, para a idade que tens.                Mas já te aviso, quando te oferecerem um contrato, mostre a um advogado, eu posso recomendar um, verás que sempre é uma arapuca, só oferecem aos escritores que precisam de dinheiro, é uma maneira de prende-los para o próximo livro.    Isso depois te acarreta o problema de muitos escritores, como são pressionados ao segundo livro, não conseguem escrever.

Ele nem se atrevia a falar.  Respirou fundo, eu escrevi isso na biblioteca da prisão, só tenho essa cópia.   Tenho mais dois escritos, são diferentes, prefiro atacar esse primeiro para revisar os outros depois.  Como só tenho a cópia em papel, terei que reescrever tudo outra vez.  Vou instalar o Laptop, comprei também uma pequena impressora, papel, por isso vinha carregado.   Acabei comprando um celular, pois o rapaz que me vendeu tudo, me disse que podia gravar ideias ou mesmo anotar para quando chegasse em casa não perder tempo.

Me colocarei mãos à obra em seguida.   Ia sair para comprar comida, mas deixo para depois.

Nada disso, um corpo sem alimento não produz.  Venha tenho uma lista de compras que me deixou minha mulher, assim vamos falando no assunto, depois tu trabalhas.

Fizeram as compras, o professor caçou dele, pois sua lista era mais séria que a dele. 

Vê, é tudo pela educação que recebi da Bisa, ela não admitia coisas que não ias comer a curto prazo.  Dizia que gastar dinheiro com coisas que poderias  comprar na outra semana era besteira.

Te deu uma boa educação, não é?

Ela foi bibliotecária da Biblioteca de NYC, tinha altos conhecimentos, adorava os livros, foi quem me ensinou a gostar disso.  A partir dos dez anos de idade, me deu uma lista de livros que eu tinha que ler cada ano.  Administrava os mesmos, me fazia pensar em cada livro, conversar com ela de noite, nada de televisão, conversas sobre livros.    Por isso detestava a casa de sua filha que vivia ao lado.  Muita gente, barulho demais.         Quando a convidavam para comer, se negava a ir, porque sabia que a esposa de meu pai não me suportava.  Então era como viver ao lado de seu pai, sem nunca conversar com ele, a outra como ela dizia o dominava.

Quando eu vinha abaixo, conversava comigo, dizendo o que minha mãe esperava de mim.

Quando minha mãe ficou para trás morta no meio da multidão como me contou meu pai, eu tinha dois anos.  Quando quis saber dela, a Bisa o vez vir a sua casa, sentar-se comigo, contar como a tinha conhecido, de que falavam, se ele gostava dela, como era seu nome, enfim me contou a história inteira.   Deve ter sido a única vez, realmente que conversei com ele.

Perdão professor, desculpe o desabafo.  O segundo livro, conto isso, mas claro romanceei tudo, criando uma personagem correspondente a ela.

O professor o ajudou a montar tudo na mesa junto a janela. Disse que ele ficava sem uma mesa para comer. 

Não se preocupe eu como em qualquer lugar.

Nada disso, venha comigo, entraram no porão da casa, acendeu as luzes, me lembro ter visto aqui a mesa de trabalho que meus filhos usaram.

Afinal a encontrou, mas em respeito a sua mulher lhe chamou para falar a respeito.  Ela concordou, mas depois fale com ela, que darás bom uso dessa mesa.               Era do seu filho preferido, meu garoto morreu na guerra, foi um bobo, querendo ser um homem se inscreveu escondido, não durou um mês lá.

Sinto muito professor.  Levaram a mesa para fora, o ajudou a subir, a limpar a mesma, depois compras uma cera, passe por ela.

Ele a limpou, tirou medida, foi no dia seguinte numa casa de molduras, pediu um vidro para colocar em cima da mesa, para proteger a mesma.

Quando Ester subiu para falar com ele, viu o que ele tinha feito. 

Para proteger o que foi do teu filho. 

Queria dizer que li o texto, gostei muito, siga os conselhos do Georg, ele é bom nisso.

Nesse dia passou o dia inteiro reescrevendo o texto, fez todas as correções do professor, bem como melhorou algumas partes ou histórias, as rebuscava em sua cabeça, o momento que a tinha escutado.

Imprimiu duas cópias, a entregou ao professor Georg. Não precisava fazer tão de pressa.

Não passa nada professor, não tinha nada pra fazer, semana que vem começo a trabalhar, vai me sobrar menos tempo para isso.

Nessa noite dormiu tranquilo sem pensar em nada, talvez por ter tocado nos nomes da Bisa bem como de sua mãe, sonhou com elas, que lhe sorriam.                      Acordou sorrindo, feliz da vida.

Era domingo, viu um movimento inusitado na casa do professor, se lembrou que Esther lhe tinha avisado que um dos seus filhos, sempre vinha comer aos domingos, só assim vejo meus netos.

Estava olhando o texto sobre sua mãe, quando sentiu abrir a porta, era um garoto, diferente, era o que se diria de um mulato sarara,  nem branco nem preto, com os cabelos claros, olhos claros.

Sorriu para ele.

Meu avô disse que eras diferente como eu, vim confirmar.

Como te chamas?

Mas o garoto já tinha escapado, com medo de que o professor o chamasse para comer, pegou um mapa de São Francisco, que orientava passeios, decidiu ir pela cidade.  Afinal tinha que conhece-la, a loja aonde tinha comprado o laptop, lhe deu de presente uma bolsa, na verdade um saco de pano, colocou um bloco, com lápis, para escrever alguma ideia que surgisse de sua cabeça.

Tomou um elétrico, desceu para a cidade.  Apesar de domingo, o movimento de turista era impressionante.      Escutou um garoto falando com o pai, se iam ao Píer 33, que ele queria fazer o passeio de barco.   Foi o que fez, comeu por ali, se meteu num barco, ficou na coberta pois fazia um dia fantástico de sol, viu a cidade de outra perspectiva, de fora.   Viu o garoto com o pai, que lhe ia explicando cada coisa, ficou mais ou menos ao lado.  O pai percebeu, começou a rir.   Pensou que ele era estrangeiro, mas lhe explicou que acabava de chegar a cidade.

Venho estudar, lhe explicou.

O homem sorriu, sou professor, me toca dois finais de semana do mês, meu filho, sou professor da universidade.

Em que área lhe perguntou?

Ensino francês, alemão no curso de Filologia.

Então vamos nos encontrar, vou fazer uma coisa mais estranha, vou estudar vietnamita, Yoruba.

Com a professora Esther verdade?    Excelente pessoa, me dou muito com seu marido. 

Comecei a viver nos fundos de sua casa.

Então nos veremos, pois vou muito a casa deles.  Uma pergunta, não me digas que es o jovem que escreve, ele falou muito bem de seu trabalho, que era uma visão diferente do mundo da prisão.  

Estive preso seis anos, por um erro, teria mais quatro, mas a vítima reconheceu que não tinha sido eu, ao contrário, o socorri.   Ele a acabou me ajudando a sair.   Agora quero recuperar a minha vida.

Quando desceram do barco, o final do dia, ele parou para olhar o por do Sol, o outro afinal se apresentou, nos vemos, me chamo André, qual o teu?

Tuan Brown, nos veremos na universidade.

Não me ofereço a te levar, porque tenho que levar o garoto com sua mãe.

Quando chegou em casa, sentou-se para registrar o que tinha anotado,  bateram na porta, era Esther, trazia um prato, estive te procurando para comer em casa, mas tinhas saído.

Sim fui conhecer um pouco essa cidade.  Acabei conhecendo um professor da universidade, que me falou super bem da senhora.

Não me chame de senhora, só de Esther.    Quem era esse sem vergonha.

Quando ele disse o nome, era riu muito.  Pobre André, agora está se recuperando da separação, a mulher o deixou por outro, ainda lhe sacaneia com o garoto.  Esse vai ser problemático.   Agora estão de novo na justiça, pois ela quer voltar para a França com seu novo companheiro, se o Juiz autoriza, ele só verá o filho nas férias.    Uma larga história.   Ele vem sempre aqui em busca de conselhos.

Foi o que me disse.  Georg esta vendo um jogo de futebol americano, não queres ver?

Não gosto muito, acho violento.   Em casa minha avó me proibia ver televisão, dizia que era melhor ler um livro.

Concordo com ela.    Bom te deixo para fazeres tuas coisas.

Esther já me matriculei em teu curso, não tenho menor ideia de nada, será como iniciar uma nova linguagem.

Voltou depois a revisão do texto sobre sua mãe,  encontrou erros de gramática, pois tinha escrito num impulso.   Resolveu reescrever tudo de novo.   Ficou até as duas da madrugada.

Agora como que o lugar lhe transmitisse paz, pois dormia sem ter pesadelos.

No dia seguinte encontrou na carteira a direção do Greg, escreveu um e mail, dizendo que estava vivendo em San Francisco, que iria a Universidade.  Tinha agora um correio, lhe passou, além do número do celular.

Foi trabalhar no horário combinado, assinou o contrato, quanto ia ganhar, não era muito, mas daria para pagar o aluguel de aonde vivia agora.

Queria administrar bem seu dinheiro, já tinha falado com o gerente do banco para fazer a transferência, este lhe aconselhou tirar uma parte para fazer aplicações, dinheiro parado desvaloriza.

Adalgisa lhe ensinou o trabalho, um dos mais chatos, seria, colocar de volta os livros no seu lugar,  lhe designou uma quantas estantes, devia verificar todos os dias quando entrasse se os livros estavam em seu lugar certo.   Outra, verificar aonde estavam os livros que faltavam, se já tinha vencido o prazo ou não, avisar a pessoa que devia devolver.

Estava fazendo isso, quando escutou uma voz em cima do balcão, venho devolver esse livro, quando levantou a cabeça deu de cara com o André.

Ah vais trabalhar aqui?

Sim, necessito trabalhar, para poder seguir em frente.  

Eu sou um cliente habitual, se compro todos os livros, um dia esses me expulsam pela janela do meu apartamento, pois é muito pequeno.  

Ele tinha terminado seu horário, guardou tudo, quando saiu o André estava esperando, vou para a casa do Georg, vais para lá.

Sim agora começo no meu outro emprego, estou corrigindo ao mesmo tempo reescrevendo um texto que fiz sobre minha mãe, a fantasia que tenho dela, pois morreu quando eu tinha dois anos.     Que tal foi o dia com teu filho?

Difícil, a mãe o põe contra mim o tempo todo, as crianças sente muito isso, lhe cria uma confusão, pois quando esta comigo, vê que não é nada do que ela pensa.    Está fazendo isso, porque quer voltar para a França.   Isso será uma merda, o pior que a juíza do caso, dá sempre parecer favorável as mães.                A família dela é rica, contratou um dos melhores advogados, fizeram uma verdadeira devassa em minha vida.   Por isso as vezes não sei o que é melhor para o garoto.   Se vivesse comigo seria também complicado, pois estou sozinho, teria que ter pelo menos duas babas.   Não tenho dinheiro para isso.

Quando viram já tinha chegado, Georg estava sentado com a  Esther na varanda da frente conversando.    Olha esses dois, já são amigos, rindo disse o Georg, já tens alguém para dar o número do teu celular,  brincando contou que ele não queria comprar um pois não tinha com quem falar.   Agora já tens três pessoas.

Venha tomar uma cerveja com a gente.

Perdão, normalmente não bebo, tanto insistiram que se sentou ali, ficou escutando a conversa deles, mas reuniu valor, disse que queria escrever um pouco.  Mesmo Esther insistindo que jantasse com eles, escapuliu.

Estava com um sanduiche pela metade, num prato ao seu lado, lendo e relendo uma frase, que não sabia realmente se seu pai tinha dito, ou ele tinha inventado.   Tampouco podia lhe chamar para perguntar.   Não sabia o número do seu celular.   Merda disse alto.

Escutou baterem na porta, era o André, venho me despedir, foi ótimo conversar contigo.   Estas com uma cara?

Pois é fiquei agora em dúvida sobre uma frase, não sei se meu pai falou esse assunto ou fui eu que inventei.  Pior não tenho como falar com ele, não sei o número do seu celular.

Vamos ver, sabes o endereço aonde vive?

Sim, mas será que vai gostar que eu lhe chame por isso?

Me dê o endereço, o código postal, o nome?

Assim fez, em seguida tinha o número, por sorte seu pai estava na rua.  Atendeu sem saber quem estava falando.  Quando se identificou, o pai começou a chorar.  Nossa despedida foi horrível meu filho, perdão.

Bom agora o senhor já tem meu número, como estas?

Bem, tu aonde andas, se sentiu bem contando aonde estava, que tinha se inscrito em dois cursos na universidade, além de fazer escrita criativa.  Não contei para o senhor, mas aquela vez que a Bisa, te obrigou a falar da minha mãe, eu escrevi tudo, depois na prisão, reescrevi tudo romanceando, mas agora esbarrei com uma frase, que não sei se o senhor me disse ou inventei.

Diga a frase.

Leu para ele,  sim eu disse isso, ela não tinha muita ideia de qual aldeia tinha saído, tinha sido vendida a um comerciante, que era aonde trabalhava.  Para se livrar dele eu a comprei, me casei com ela, para poder ser americana.  Era isso?

Sim pai, obrigado. 

Se tiveres mais dúvidas não hesite em me chamar ok.  Fique com Deus, a essa hora, sempre estou no caminho de casa.  Lá tu sabes que é difícil falar comigo.   Um beijo meu filho, te quero.

Era a primeira vez que seu pai falava isso para ele, começou a chorar baixinho, abaixou a cabeça, André o abraçou, ficou com a cabeça ali no seu ombro chorando.

Quando se acalmou, lhe disse, é a primeira vez que o escuto dizer que me quer.

Quando viu, estava frente a frente com o André, se beijaram.  Este se afastou, riu desculpe, foi uma coisa instintiva.       Qualquer coisa que necessite me procure.

Ficou sem entender, mas estava feliz, tinha criado um vínculo com seu pai.

Voltou a se sentar trabalhar o texto, mas o beijo ficou na sua cabeça, pois André tinha retribuído.   Sabia que passava por um momento difícil, tinha que respeitar.

Dois dias depois o tornou a ver na biblioteca, estava buscando um determinado livro, buscou, mas não achou, consultou o computador, constava que estava emprestado justamente a ele.

Como anda minha cabeça, o devo ter no escritório aqui da universidade, vou consultar o que procuro, depois devolvo.    Um prazer em ver-te.

Na semana seguinte, soube por Esther que a mulher tinha conseguido o que queria, mas o liberava de pagar pensão ao filho, ele disse ao Juiz que continuaria depositando numa conta para que um dia o filho soubesse que podia contar com ele para ir a universidade que quisesse.

Quando o viu de novo na biblioteca, estava arrasado, pediu uns quinze minutos a chefa, saiu com ele, desta vez quem chorou foi ele.   Não posso fazer nada, só de ver a cara do meu filho no meio dessa confusão me deu uma lastima, não queria estar no lugar dele.

Queria ter te chamado, mas não fiquei com o número do teu celular.

Vê como são as coisas, aquele dia, subi justamente para isso, lhe deu o número.   Como vai o texto?

Sigo revisando, tens que pensar que eu tinha dois anos de idade, o que sei, foi pelo meu pai, tive que reconstruir na minha cabeça todo o resto.   Andei conversando com minha professora que me ilustrou de certos hábitos dessa época em se tratando de mulheres do campo.  Os pais quando tinham muitas filhas as vendiam, principalmente as mais frágeis, ou acabavam sendo prostitutas, ou explorada por patrões, dormiam em cima de sacos.   Isso meu pai me contou também.      Estou indo por aí.

Tens uma cópia do texto que deste ao Georg.   

Sim tenho uma cópia, espera está na minha mochila.

Dois dias depois o Georg, lhe perguntou se podia ter livre a manhã de quarta-feira, vamos almoçar com o editor, mas me deixa levar a conversa se confias em mim.

Avisou Adalgisa que chegaria mais tarde, lhe contou do texto.   Uau, eu também quero ler. Conheço vários editores, se quiser, posso passar para ti.

O primeiro impacto no almoço, foi, não gostou do sujeito, tinha uma maneira de falar, que lhe lembrava os chefes de gangs da prisão, se sentiu enrolado desde o primeiro momento.  Em momento algum disse diretamente que queria editar o livro.  Mas lhe entregou uma cópia de um contrato para ele assinar.   Olhando nos olhos do sujeito disse que ia passar para seu advogado dar uma olhada.

Este estourou com Georg, tem dedo teu nisso, tenho certeza.  Orientaste esse rapaz.

Sinto muito que o senhor tenha perdido teu tempo, mas tenho outras editoras interessadas, obrigado Georg, mas tenho que ir trabalhar.

Disse até logo sem estender a mão.   Não queria trabalhar com quem não confiasse.

De noite tirou mais cópias, para passar para a Adalgisa.  De manhã quando saia, o Georg lhe esperava para ir a universidade, lhe pediu desculpas,  mas esse sujeito não me inspira confiança, sei que sua editora é a melhor, mas sou um novato, talvez seja melhor procurar outro caminho.

Adalgisa, quando viu o texto, se fechou em sua sala, começando a ler, colocou as três cópia que lhe tinha dado, num envelope, telefonou, logo estava ali, um desses rapazes que fazem entrega de correspondência.  Quis pagar, mas ela disse que não, os que vão receber, pagam.

Adorei teu texto, podíamos jantar para falar sobre ele.  Eres meu convidado.

Saíram da universidade, conversando, ela tinha nessa época pelo menos uns cinquenta anos, ficaram conversando num restaurante que ela conhecia.   Falou tudo que tinha achado do texto.

O que me impressiona, é que em algumas histórias, criaste uma distanciamento, realmente estas contando o que escutaste, noutras te vejo mais próximo, como se tivesse acontecido contigo.  Mas tu as misturas muito bem, para quem leia, não saiba que no fundo aconteceu contigo.

Como essa do abuso nos chuveiros, do rapaz que te defendeu, acabou na enfermaria, depois ele te contou as historias todas dos abusos que sofreu.   Achei muito interessante tua maneira de expor, como se fosse uma das consequências naturais dentro de um presidio.  

Claro Adalgisa, chegas eres  carne fresca no pedaço como dizem.  Por mais que tenhas proteção, estão te marcando, esperando uma oportunidade, a não ser que logo encontres um namorado.    Nesse ponto, me lasquei, pois eu era diferente dos negros, diferente dos mulatos, tampouco era branco.   Estava num limbo, num ponto tive sorte, dividia cela com um rapaz albino, ele tinha um olho azul, outro verde, muitas manchas pelo corpo, falava uma língua que eu não entendia, os outros achavam que estava lançando alguma maldição.   Mas ele tinha guarida dos policiais, não me pergunte por que, nunca descobri.   Numa das histórias falo dele.

Quando alguém tentava se aproximar, ele dizia logo, o garoto eu meu, tem um maleficio, se te aproximas muito morres.

Mas a estas alturas eu já tinha sofrido dois abusos, complicados.   Isso fica na tua cabeça, principalmente sabendo que eu podia reclamar ser a vítima, estava no lugar errado, na hora errada.   Só depois de muito tempo é que o rapaz pelo que me condenaram foi buscar saber o que tinha passado comigo, me ajudou.

Já sei qual historia falas, a chamada Estranho Maleficio, não é essa?

Sim essa.    Imagina o que nos unia era quase a mesma coisa, eu não sou negro totalmente, minha mãe era vietnamita, meu pai negro.  Dai essa minha cara diferente, eu tinha contra mim a família inteira do meu pai.   O sujeito vai para a guerra, volta casado com um filho, mas tinha uma namorada lhe esperando.   Minha mãe morreu justo no dia que íamos embarcar, tinha dois anos.  Era uma confusão generalizada, eu não entendia nada, pois só entendia a língua da minha mãe, por isso agora estou estudando a mesma, pois me esqueci com o tempo. 

Minha sorte foi que a avó do meu pai estava ali, quieta, de repente se levantou, passou a mão em mim, dizendo, a partir de hoje ele é meu.   Fui viver com ela, me criou, me deu amor, brigou  por mim com o resto da família que não me suportava.   Mesmo meu pai, nunca mais falou comigo, só nos voltamos a falar agora.   Já te contarei a história.

Esse rapaz foi a mesma coisa, imagina nascer branco no meio de uma família negra, as brigas até entenderem que ele era albino.  Nunca foi aceito nem por sua própria mãe.  Não teve a sorte que eu tive.  Podes imaginar um sujeito de 1,90 de altura, forte para caralho, desculpe o termo, músculos por todos os lados, nunca estava pra brincadeira.   Claro se meteu em milhões de confusões, tentou entrar para a polícia, mas não foi aceito pelos seus antecedentes, disse que tinha sido a única maneira que via de se livrar da merda que vivia.   Esse repudio, o levou a sem querer cometer um crime.  Se defendendo de um bando que o queria matar, deu uma patada em um que era um policial infiltrado.  Foi o seu azar, sua patada acertou o pescoço do sujeito, morreu sufocado.

Tem prisão perpetua, graças a deus me protegeu, quando viu que abusavam de mim.  O mais interessante foi que nunca me tocou.   A ele tampouco tentavam nada, tinham medo de se encostar em sua pele.    Uns o chamavam de pele de serpente.

Olha só, isso daria um livro por si só, use isso agora, mas futuramente se puderes, volte lá converse mais com ele, escreva a historia mais profundamente.

Guardou isso na cabeça.   Dias depois ela disse que tinha um encontro com um dos editores que conhecia, o problema é que não podemos sair ao mesmo tempo.  Falou a mesma coisa, não assine nada, só converse.

O homem era um senhor de uns cinquenta anos, quando o viu, ficou parado o examinando.  Agora entendo muitas coisas que escrevestes.   Gostei do livro, posso edita-lo, meu problema é a distribuição, fico preso na mão dos grandes, já sei pelo editor que recusaste trabalhar com a melhor editora da cidade.  Fica difícil, mas tentarei te dar força, vou falar com ele, vê se me deixar editar teu livro, com a distribuição dele, voltamos a nos falar.

Voltou um pouco desanimado, mas Adalgisa era toda sorrisos, olha, mal você saiu chamou um que é uma fera, vem até aqui, pois disse que tinha uma reunião na Universidade.   Ele edita os livros da universidade, principalmente teorias, mas tem um leque aberto.

Esse tinha uns 40 ou 45 anos, os cabelos levemente prateados nas têmporas, um sorriso imenso.

Jacques D’Corte, se apresentou, não vou fazer você perder seu tempo sei que estas no trabalho, li o livro o achei moderno, interessante, creio nele.  Posso edita-lo, cuidar de ti, apenas tens que confiar em mim, na minha maneira de trabalhar.                     Aguentar agenda de apresentações, entrevistas em televisão, conversar com pessoas que tem jornais sobre livros, alguns muito pedantes, mas que divulgam livros, viajar muito.   Como é teu primeiro livro, tenho que te promocionar, saber da tua vida para que não me peguem de calças curtas.  Pode pedir informação aqui na universidade ao André, ao Georg, mesmo a Esther de que estou editando um livro sobre Yoruba.   Por seu teu primeiro livro, eu fico com quarenta por cento da venda, nada de contratos idiotas.   Para o segundo livro, abaixo meu custo para 20 por cento, já tens algum em andamento. 

Ele disse que tinha um que estava reescrevendo, outro que não tinha tocado, e uma ideia que lhe tinha dado a Adalgisa.

Bom se ela te deu uma ideia, é porque é boa.  Já a convidei para trabalhar comigo, mas ela adora esse lugar.

Os outros dois não o convenceram.  Quando comentou com ela a respeito, ela foi direta, é o melhor para ti.  Eres um desconhecido, em breve não poderás nem soltar um peido que vão falar de ti.

Antes ainda conversou com o Georg, com a Esther, os dois disseram é um sujeito sério, o outro tudo bem tem uma marca conhecida.  Mas Jacques fará que falem de ti, isso é excelente.

Ainda marcou com o André, de irem jantar, conversou com ele.       O primeiro livro que editou meu, foi excelente, mas depois com toda confusão que estive metido, parei de escrever, mas ainda me chamam quando alguém necessita da minha opinião sobre o assunto.

Aproveitou ficou conversando com ele, como estava, lhe disse olhando nos olhos, não tenho maturidade no problema que estas atravessando, mas posso te escutar.

Ainda estou lambendo minhas feridas, consigo falar uma vez a cada 15 com meu filho, mas sinto que o vou perder.   A família dela  é muito rica na França, lhe compram com presentes caros.

A última vez que chamei, disse que não queria falar comigo, pois estava jogando alguma coisa eletrônica.  Vai chegar uma hora que rompera todo, qualquer vínculo comigo.   Agora só quer falar comigo em francês.   Eu o adoro, então fica difícil isso.

Sim eu vi no primeiro dia quando os encontrei na barca, que lhes dava toda a atenção, explicando numa linguagem que ele pudesse entender todas tuas dúvidas.

Um dia descobrira que o pai que tem é maravilhoso.

Porque dizes isso.  Estas apaixonado por mim?

Teria algum problema se estivesse?

Não, só creio que não saberia corresponder agora tudo isso, vamos nos vendo, tenho que me fazer uma ideia, nunca tive um romance com outro homem, mas você me atrai muito.

Se centrou na edição do livro, junto com a pessoa que lhe foi designada para acompanhar, foi se preparando para tudo.

As aulas na faculdade começaram, estava encantado, dividia bem seu horário, conversou muito com a Adalgisa, dizendo que não queria perder o emprego, mas sabia que a hora que o livro estivesse pronto devia estar preparado para tudo o que vinha junto.

Daremos um jeito, estou contente com teu trabalho, nos apanharemos. 

André veio devolver o livro finalmente, comentou que podia mandar sua secretária, mas queria vê-lo, nossa conversa de outro dia, foi boa para minha cabeça.   Espero que teu livro seja um sucesso.  Podíamos sair hoje para jantar?  Ou prefere me aguentar na cozinha, assim conhecerias meu pequeno apartamento.

Aceitou, o apartamento era pequeno, pois estava entulhado de livros dos mais vários assuntos, ficou folheando um que lhe interessou, pediu emprestado, falava sobre o Yoruba, o porque de uma língua subsistir a tanto tempo.

Estava ali foleando o livro, enquanto ele arrumava a cozinha depois do jantar, quando ele chegou por detrás, disse ao seu ouvido, creio que chegou a hora de experimentar um homem na minha vida.

Ficaram se beijando, numa pausa disse com voz rouca, no dia que te beijei na tua casa, queria mais, mas tinha medo.   Eu me interessei por ti, já no barco, não sabes a quantidade de vezes que me imaginei tirando tua roupa.   Ao mesmo tempo que tinha medo, mas vejo que tu eres forte, poderá subsistir se não der certo.

O arrastou para o quarto, mais beijos, sussurrou ao seu ouvido, me deixa recrear minha fantasia de te tirar a roupa, o deixou fazer o que quisesse.  Ele beijou seu corpo inteiro, tirou também a sua roupa. Ficaram os dois nus na cama.  Terás que me ajudar, não sei por aonde começar.

Tuan se soltou, estava a tanto tempo esperando uma coisa assim que liberou todo seu corpo a receber o do André, o levou a loucura. 

Essa tua pele, me deixa louco, o beijava, ao mesmo tempo que o penetrava.  Depois de terem um orgasmo muito sentido pelos dois, pois estremeciam de prazer.  Soltou caralho, porque esperei tanto por isso.

O que me dá medo disse depois, sei que chegara o momento que me queiras penetrar, não sei se estarei preparado.

Tuan riu, dizendo já veremos.  Começou a provoca-lo de novo, o fez de tal maneira que quando André percebeu estava dentro dele, gemendo como um possesso, mais por favor me deixas louco.  Depois dormiram agarrados.  Despertaram muito cedo, ficaram olhando um para o outro, Tuan de cozação soltou, imagina tinha medo, estavas era quase pedindo, de novo por favor.

André não ficou atrás, sussurrou, de novo por favor.  Caíram os dois numa gargalhada que não podiam controlar.

Só posso dizer que estou feliz, como se a tempestade tivesse passado, sei que posso estar contigo.

Vais ter paciência comigo, me ajudar no lançamento, sou honesto de te dizer, que tenho medo, sei que vão fazer perguntas, capciosas a respeito da minha vida.  Mas se tiveres ao meu lado, aguentarei.

Sim vou estar sempre ao teu lado.          Quase todas as  noites dormiam juntos, acharam melhor contar para Georg e Esther, antes que soubessem por outras pessoas.

Assim pelo menos seremos quatro pessoas jantando, soltou Esther.

Havia algo elétrico entre eles.  Tuan encarou a primeira entrevista, aonde esmiuçaram sua vida, porque tinha sido preso, teve que contar toda a história.  Tinham inclusive buscado entrevistar o Greg.  Que falou do que tinha passado.  Poderia ser uma pessoa vingativa, pois ficou na prisão muito tempo, até que tive coragem de encarar a verdade.

Já na segunda como ele dizia o podre sobre ele já estava no ar, falaram mais do livro, como o tinha escrito, o quanto havia de verdade, ou se ele tinha usado somente algum detalhe.

Claro que melhorei as histórias, mas veja bem, não mencionei o nome real de ninguém, a ideia não é fazer essas pessoas sofrerem, mas sim saber por que estão ali.     A sociedade, a família falhou com elas.   Claro que existem casos que não contei, nem pretendo tocar, que são pessoas que fizeram mal a si mesmas, são neuróticos incontroláveis.

Mas isso existe dentro e fora do presidio.  Vemos todos os dias nos jornais, manipulações de políticos, coisas de interesses, julgamentos que nem sempre justos. No meu primeiro julgamento não se levou em causa, que eu ajudei o Greg, chamando eu mesmo a polícia a ambulância, se eu o tivesse pegado de proposito teria fugido, não ficado ali.  Ao contrário fiquei segurando a cabeça dele que sangrava, com minha própria camisa.   Nada disso foi levado em conta, que bandido, ou assassino faz isso.

As pessoas quando não tem dinheiro, quando recebem ajuda de um advogado de ofício, não digo que todos sejam maus, mas a maioria nem tem tempo de ler um caso. Isso está errado.

Se for negro, meio asiático, então nem se fala.

Nesse dia seu pai lhe chamou pelo celular, nada mais ao acabar a entrevista.  Perguntou se ele iria a NYC, para autografar livros, ele disse que sim, bem como a data, mas irei também ao presidio, pedi licença para uma entrevista.  Depois eu conto.

Perfeito, quero te ver, quero que teus irmãos te conheçam direito, não é justo que porque sua mãe tenha mania de ti, que eles não saibam quem é seu irmão.

Já veremos, quando estiver em NYC, marcamos de nos falar.

Um mês depois foram os dois a NYC, no primeiro momento que viu seu pai, com um livro na mão, na fila para o autografo, ficou emocionado.  Se levantou o abraçou, te espero para falarmos depois.

Quando tudo acabou, apresentou o André, o homem com quem eu vivo.

Seu pai, apertou sua mão, desculpe, mas foi impossível trazer as crianças, ela me abandonou, de um lado estou contente, mas de outro, só posso ver os garotos uma vez por mês.  No divórcio, fiquei horrorizado como pude aguentar uma pessoa que tentou me manipular todo esse tempo.  Mesmo tua avô agora vê que foi uma víbora, pois a separou de sua própria mãe, que te deu abrigo.

Quero um dia conversar contigo, antes que vás embora, sobre tua mãe.  Quero que saibas tudo.

Depois do tour de entrevistas nos jornais, nas televisões, ele finalmente conseguiu um dia para ir ao Presidio.    Falou cara a cara com seu companheiro de cela, tinha mandado um livro para ele. Creio que fui o único que sabia que ias escrever um livro sobretudo daqui.

Fico contente que tenhas encontrado seu caminho.    Eu me apaixonei por ti, mas sabia que se tivesse alguma coisa contigo, estragaria tudo.

Queria saber se poderias me dar uma entrevista, queria escrever a tua história, mas me baseando no que pensas tu de ti mesmo.  Este riu, eu quando li o livro, comecei a escrever tudo que imaginava que ias me perguntar. Quando fores sair, peça um envelope que mandei deixar para ti na portaria.   O escrevi na biblioteca.    Talvez quando você consiga publicar eu já não esteja aqui.   Estou com câncer de pele, creio que eu mesmo me provoquei isso, alias podes escrever que prefiro isso a ficar eternamente aqui.   Mas não se preocupe, esse é meu desejo. Não podiam se abraçar, mas sim segurar a mão.    Meu belo garoto negro, todo mundo pensa realmente que tive algo contigo.  Honestamente não me faltou desejo, mas sei que não tinhas nada por que estar preso, já bastava o que tinha acontecido contigo referente aos abusos.  Te cuide muito.

Levou com ele o envelope, escrito a mão, na frente um bilhete, não volte aqui, já disse ao diretor que não quero te ver novamente.  Ai tens minha história.

Mais tarde pode ler o texto, ali estava toda a historia de seu amigo do presidio, vou escrever tua história.

Marcou com o pai, num lugar que poderiam conversar, este apareceu com dois dos filhos maiores.  Os apresentou formalmente.   Claro os meninos ficaram sem graça, tinham sempre escutado falar mal dele.

Os dois em seguida estavam com o celulares, jogando, o pai conversou com ele.  Contou tudo o que sabia realmente sobre sua mãe.   Quando pensas que eu a comprei para fazer sexo, te enganas, porque quando a vi ali prisioneira.  A primeira cena que me vem a cabeça, eu tinha alugado um pequeno apartamento, não gostava de viver com os outros soldados, que passavam o tempo todo de putas.  Falavam delas como se não fossem seres humanos.

Um dia fui comprar arroz, vi tua mãe, parecia uma garota subnutrida, muito magra, com umas olheiras de fazer gosto, fui lhe perguntar qual arroz me recomendava, levou um susto, deixou cair o saco de arroz que estava enchendo.  Saiu um homem de dentro da loja, começou a pega-la, eu segurei seu braço, não permitindo.    Ele me disse que era sua escrava, tinha obrigação de obedecer, que era um desastre.   Fiquei literalmente chocado, porque me lembrei de historias que a Bisa contava dos nossos antepassados escravos.

Lhe perguntei quanto custava a garota, ela ficou assustada, me olhava de cima a baixo, eu era o dobro do tamanho dela.   O homem disse um absurdo de dinheiro, fui ao banco, retirei esse dinheiro, voltei por ela.  Ela estava atirada num cercado como dos porcos, em cima do feno, de qualquer maneira ele tinha dado uma surra nela.

Lhe dei o dinheiro, bem como um soco no meio da cara.  Sai arrastando tua mãe, mas chegou um momento que desmaiou.    A levei ao hospital, pedi que a atendessem, sabiam que eu era o segurança do comandante.   Ela ficou lá uma semana, cada vez que eu ia visita-la, falava como uma louca.   O que ia ser dela agora, sem casa sem ter aonde morar.  Eu a acalmava, ficas no meu apartamento.

Comprei roupas novas, tinha raspado sua cabeça que estava cheia de piolhos,  disse que não tomava banho a muito tempo.   Depois tinha mania de banhar-se todas as horas do dia.

Quando ficou boa a levei para o apartamento, lhe disse que dormisse no quarto, eu dormiria num tatame, estava acostumado.  Meses depois, era como minha família, eu chegava tinha comida pronta, lhe deixava dinheiro para compras, confiei sempre nela.   Não sabia sua idade real, só sabia seu nome Thuy, tudo que lembrava era que em sua casa tinham muitas mulheres, que seu pai, precisava de homens para a lavoura, por isso a vendeu.   Não adiantou chorar, era a solução.   Tampouco sabia aonde era a aldeia, apontava numa direção dizendo dois dias daqui.    Era a pior zona de conflito.   Não podia manda-la de volta, com certeza a venderiam outra vez. Ela teve sorte de não ter sido vendida para algum prostibulo, a maioria morria jovem de doenças venéreas.

Me contou que o homem tinha abusado duas vezes dela, mas que sua mulher lhe dava um chá abortivo, pois não queria que ele tivesse mais filhos.

Um dia veio me buscar para sua cama, fiquei apaixonado por ela, quase um ano depois nasceste, eu fiquei louco, pois eras lindo como bebê.   Mas a guerra ia a pior, como era da Polícia militar, consegui me casar com ela, já pensando em voltar com vocês, não ia abandonar a mulher que amava, nem meu filho para trás como via muitos fazerem.  O resto tu sabes, no tumulto, já estavam os vietcongs com franco atiradores no alto dos edifícios, graças a deus não sofreu, levou um tiro na cabeça, então fugi contigo, embarcamos entre os últimos.   Tivemos que passar um tempo na Alemanha, antes de chegar aqui.    Nem me lembrava mais da namorada que tinha antes, eu era louco pela tua mãe, até hoje sonho com ela.

Mas a pressão ao voltar, era que ela já vivia na casa da minha mãe, tinha me esperado todo esse tempo.   Acabei me casado, para descobrir depois que o primeiro filho não era meu.  Mas em compensação é o mais agarrado comigo.   Quer muito te conhecer, é bom estudante, serio, acha que a mãe está louca, bate de frente com ela o tempo todo.   Agora está vivendo um tio dele, veja, está chegando.   Viu que este corria para o pai, o abraçava, beijava os irmãos.  Era completamente diferente deles.  Se aproximou, lhe estendeu a mão, mas o pai o empurrou, acabou lhe abraçando, beijando.  Passou a mão pelo seu rosto, como eres bonito, sempre te via pela janela, sempre te amei.

O pai explicou que tinha ido viver com o tio, pois a mãe tinha descoberto que ele era gay, não o aceitou.

Tuan, abriu sua mochila, lhe deu um livro, espera vou autografar para ti.  Como te chamas?

Todo mundo me chama de Chen,   mas es Cheyenne, minha mãe quando me expulsou, disse que eu não pertencia aquela família, que meu pai era um índio Cheyenne.  Não me importou muito, pois o pai, sempre me quis.

Anotou no livro seu celular, qualquer coisa me chamas ok.

Se despediu do pai, esse disse, te quero meu filho, abraçou o Cheyenne, apontou sua direção, não podia falar, estava emocionado demais.

Quando chegou a San Francisco, André lhe estava esperando, o beijou ali na frente de todo mundo, estou morto de saudade,  quase vou te buscar.

Estiveram conversando depois de fazer sexo, contou tudo para ele.

Se queres traze-lo podemos pensar em mudar para um lugar maior.  Ao lado da casa do Georg, tem uma para alugar, vou perguntar a ele, quanto custa, podemos dividir entre os dois, pois agora eres um rico escritor.

Todo dinheiro que foi recebendo do livro, foi guardando no banco, aplicando.

Foram ver a casa, ficou apaixonado,  tinha inclusive dois lugares que poderiam usar para escrever,  cada um teria seu canto sem incomodar o outro, se Chen quisesse vir viver com ele, poderia.

A alugaram, ele pensando no futuro, fez um acordo de se mais tarde se interessassem poderiam comprar.

Falou com seu pai, que se o Cheyenne quisesse vir viver com ele, tinha mudado de casa, poderia.

Este lhe chamou super contente, tenho que decidir o que quero estudar, pensava em Belas Artes, crês que posso ser admitido aí.

Mandou suas notas, ele foi a universidade, mostrou, disseram que sim.

Avisou ao pai que mandaria dinheiro para o bilhete dele.

Não se preocupe, eu pago a viagem, embora não seja meu filho o quero muito.

Dias depois ele chegava, quando viu o André, riu dizendo ao irmão, que namorado tens.

André tinha voltado a escrever, ele estava com o livro sobre sua mãe,  o estava reescrevendo todo, no final do dia, cada um mostrava para o outro o que fazia, mas ele não perdia as aulas de vietnamita, tampouco a de Yoruba.

Cheyenne, foi basicamente adotado pelo casal de vizinhos, cederam o apartamento que ele vivia antes, para ser seu studio.

Este estava feliz, tenho uma nova família,  apesar de ser mais jovem, participava das conversas na varanda da casa do Georg, como um deles.

Esther o tinha levado para conhecer arte Africana, estava alucinado, fazia aulas com ela de Yoruba, ele começou a desenhar os Orixás que ela comentava.

Ela propôs a ele que ilustrasse seu novo livro, que falava justamente disso, dos Orixás, do Ifá, coisas da Nigéria.   Era uma maneira dele ter dinheiro.

Quando ficou pronto o livro sobre sua mãe, depois do André ter lido, o mostrou para a Adalgisa, mas quem fez a revisão foi o Georg.     Estava emocionado o dia que lhe devolveu o texto, não sabes o quanto chorei lendo esse texto novo.

Acho que quando o editarem, seria melhor, que ele fosse acompanhado de uma caixa de lenços de papel.

Quando o entregou finalmente ao Jacques D’Corte, no dia seguinte ele telefonou, filho da puta, chorei como uma Madalena.   O livro é espetacular.   Sem dúvida nenhuma vou editar, mas com novas condições, agora só receberemos 20% do livro, o próximo será só 10%,  afinal já eres um escritor conhecido.    Posso mandar para um produtor de cinema?

Ok, te mando mais uma cópia.

Cheyenne quando leu, o abraçou dizendo, meu irmão, o outro adorei, mas este, é sensacional, agora vejo como minha mãe estava enganada, creio que tinha era ciúmes.  Tem um mal humor permanente, nunca soube por quê.

Mandou assim que foi impresso uma cópia para o pai, estranhou, pois voltou, telefonou para o mesmo.  Eu não recebi nada.   Estamos em pé de guerra em casa, porque ela não admite que o Cheyenne foi morar contigo.

Deu-lhe outro endereço, é do escritório que trabalho.

Dias depois telefonou as lagrimas, caramba meu filho, a cada página que leio vejo, tua mãe, eu agora sei que nunca, mas nunca deixei de ama-la.   Vou me aposentar daqui um tempo, mas quando resolva tudo, te aviso.

Logo um produtor se interessou para transformar em filme, primeiro consultou o pai, para saber o que ele achava.

Não posso dizer nada o livro é teu.

Foi dando largas ao produtor.

Fez todas as promoções, quando esteve em NYC, procurou saber junto ao presidio pelo seu amigo.   O diretor disse que estava as últimas na enfermaria do presidio.   Posso ir até ai visita-lo.   Sim pode.

Foi um choque, era uma sombra do que era, passou o dia ali com ele, entre seus momentos de consciência, segurando sua mão, voltou no dia seguinte, no terceiro dia quando chegou, soube que tinha morrido.  Seria cremado.

Isso lhe deu maior força para escrever o livro. André bem com o Cheyenne ficaram preocupados, pois só largava o texto para um banho, comer alguma coisa, dormia em cima do laptop,  Quando acabou, passou o texto para o André.  Este ficou impressionado com a força da história.

Tirou uma cópia para o Georg e Adalgisa.   Ela como sempre apareceu, para falar o que tinha sentido.  Isso é uma bofetada na cara dos preconceitos de cor.   Desta vez se te propõem fazer um filme devias aceitar.

Ele estava esgotado, precisava descansar, quando Jacques lhe chamou para falar da edição do livro, pediu ao Cheyenne que tinha ficado muito impressionado com o mesmo, que fizesse a capa, bem como desenhos para o seu interior.

Quando viu os mesmo, entendeu que seu irmão tinha entendido sua ideia.

Estava tão esgotado, que começou a chorar, não havia meio de parar, Cheyenne ficou apavorado, ficou ali ao lado do irmão, segurando sua mão.

Eram férias na universidade, André ia a França para ver o filho, os dois foram juntos, mas ficaram em outro hotel.  Estiveram passeando, foi a todos os museus com Cheyenne,  por duas vezes pararam o mesmo na rua, para fazer uma foto dos dois.

André tinha feito a tradução para o Francês do primeiro livro, tinha um encontro marcado com um editor.    Foram almoçar com o mesmo.  O homem era extremamente pedante. Tuan soltou isso na sua cara.  Se a empresa tem outro editor que eu possa falar tudo bem, consigo não vou falar nada.

Um homem que estava sentado numa mesa atrás, disse o nome do homem, mandando que se retira-se.  Se apresentou, sou o dono da Editora, me impressionou muito seus três livros, estou interessado nos três.    Podemos fazer a tradução ou o André pode fazer isso por ti.  Como é o teu primeiro livro aqui, ficamos com 50%. 

Como, nem pensar, quando lancei esse livro, o editor ficou com 30%, o segundo ficou com 15% assim seguimos hoje em dia.   Mas 50%, nem pensar.  Desculpe se fiz o senhor perder seu tempo, mas me nego a seguir negociando.

Vejo que es um jovem com caráter.  Fechamos em 25% ok. 

Um detalhe, meu irmão Cheyenne desenha a capa bem como desenhos que gostaria que estivesse no interior.   Por conta de vocês, ele cobra o seu preço como na américa.

Passaram por NYC para ver o pai, o chamaram pelo celular.  Estava muito diferente, estou vivendo sozinho, nos separamos, pois a coisa estava complicada.  Estava jogando teus irmãos contra mim, porque apoio vocês dois.

Perdi a paciência, lhe soltei que sabia que Cheyenne não era meu filho, mas o pior era que o que eu gostava mais, bem como ele de mim.  Quanto ao meu primeiro filho, graças a deus teu veneno o fez ir em frente. 

Estou vivendo num pequeno apartamento, estamos em processo de divórcio.  Eu me aposento dentro de dois meses, os juízes levaram isso em conta. 

Se o senhor quiser, venha passar um tempo conosco.   Ele agora conhecia o André com quem se dava bem.

André vinha totalmente fora do ar, pelos dias que tinha estado com seu filho.   Foi como falar com um estranho.   Me estendeu a mão educadamente, me perguntou por minha saúde, ao mesmo tempo que tirava o celular, ao qual não parou de usar.  Quando cobrei isso, me disse que não tinha nada para conversar comigo.

Foi uma bofetada na minha cara.

Eu esse tempo todo evitei uma coisa, queria me casar contigo, porque pensava que isso iria causar problemas, mas agora quero.

Não esperava a resposta do Tuan.   Não acredito muito nisso de casamento, os exemplos que tenho são uma merda.   Prefiro continuar ser teu amante, disfrutar de ti, seguir vivendo juntos até que te canses de mim.

Impossível, estavam nus na cama, tinham acabado de fazer sexo, só aceitarei isso, se me diz que me ama, dentro de mim.  Nunca nenhum homem esteve aí, mas contigo gosto muito.

Voltaram a brincar, quando o penetrou colou a boa em sua orelha, te amo muito, eres o amor de minha vida.

Cheyenne estava preparando sua primeira exposição individual,  Seu pai veio de NYC, para estar presente.   Tinha mudado muito, os primeiros fios de cabelo branco apareciam nas têmporas,  estava feliz.

Passou uma larga temporada com eles, Cheyenne dormia no studio, ele ficou com seu quarto, adorou fazer amizade como Georg, Esther, Adalgisa.    Com estas conversava muito, a convidou para sair, começaram a namorar.     Dois meses depois avisou aos filhos que ficava, ia viver com ela, aproveitar o resto dos seus dias junto a uma pessoa fantástica.

Quando lançou seu quarto livro, pensou que depois iria ter a famosa crise do escritor, em não saber o que escrever.

Usou como texto do quinto livro, uma conversa que tinha escutado, eram de dois convictos contando seus casos, bem como o detetive que os caçou.

Este seria o seu segundo roteiro para o cinema.

Acabou comprando a casa, viviam bem, trabalhavam muito, pois agora ele estava pesquisando em Yoruba, para escrever seu sexto livro, queria falar das historias que tinha escutado de sua avó.

Ficou feliz quando soube que iriam editar seu livro em vietnamita. 

Ele, André, seu pai, Adalgisa foram até lá. Seu pai era o cicerone, embora dissesse que muita coisa tinha mudado.   Era interessante, ele as vezes parava, ficava olhado alguma coisa, depois soltava, era como se estivesse vendo eu mesmo, passeando com tua mãe, por esta rua.

Das largas conversas que tinha com o pai, escreveu um livro, contando a historia de um soldado que se apaixona por uma vietnamita.  Se baseou em toda história dele.

Choveram propostas para levar ao cinema, acabaram contratante seu pai, para descrever o que tinha visto.

Mesmo estando feliz com a Adalgisa, se ressentia dos filhos nunca se interessarem por ele. Na nova exposição do Cheyenne, se surpreendeu com um retrato seu, vestindo o uniforme de polícia militar, cercado da imagens da mãe do Tuan, bem como eles dois como os filhos que o amavam.   Se emocionou muito.

Eles agora eram uma família a parte, quando tinham comemorações, dividiam entre sua casa algumas festas, outras na casa da Adalgisa.

Quando estreou o filme, foi requisitado para entrevistas, pois a historia estava baseada nele. Foi muito cauteloso falando dos filhos.   Mas nem isso fez com que o procurassem.

Seguiram suas vidas em frente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

        

 

 

 

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