lunes, 27 de julio de 2020

SOLO


                                                              SOLO

SOLO, aqui não se refere a solidão, mas sim fazer tudo sozinho, ir a batalha pela vida.

Sua mãe, era uma jovem bonita, de boa família, que ficou gravida com 17 anos, uma garota super protegida, que ao comunicar ao rapaz que a tinha deixado gravida, este desapareceu, sua família era extremamente estrita, os pais a colocaram na rua em seguida, tinha uma irmã um ano menor que ela, mas não a deixaram ajudar sua irmã.
Vivendo na rua, sem preparo nenhum, sem ter vivido além do conforto de sua casa, se tornou logo uma viciada.  Ao romper águas, se dirigiu ao hospital mais próximo, mas nem chegou a entrar,  caiu no jardim em frente a ele, com convulsões, ninguém sabe, como, mas quando chegaram os de urgência, a criança já tinha nascido, estava aos berros, ela morta.
Na sua mochila, encontraram o endereço da família, que se recusou a comparecer.
Estive vivendo um bom tempo numa incubadora, os médicos, enfermeiras, me adotaram em seguida.  Como eu tinha saído sozinho, debatiam mil possibilidades.   Uma delas uma enfermeira de pediatria muito engraçada, dizia que eu saí porque era apressado, quando vi a situação ficar negra cai fora.
Essa mesma mulher sabendo aonde ficava a casa da família, se plantou ali, para tentar falar com a mãe da garota, mas só conseguiu falar com sua irmã que já estava na universidade.   Minha tia então passou a ir todos os dias no berçário, ficar comigo em seus braços, enquanto tentava encontrar uma solução.   Acabou me levando para um lugar, na rua Paissandu, ali no Flamengo, aonde ia me visitar todos os dias, escapando da universidade, que era relativamente perto, eu não estava em adoção.  Guardava todo o dinheiro que conseguia, para me levar a um pediatra para saber se eu tinha problemas derivados das drogas.   Nada, mas tinha que estar sempre em observação.  Ela gastava, quase toda sua mesada comigo.
Ao mesmo tempo, tinham mais seis garotos da mesma idade, todos de mães com problemas de drogas, jovens demais para enfrentar a vida.
Fomos crescendo juntos,  o último a chegar foi o Pivete, como o chamávamos, porque ele mesmo não sabia seu nome, o tinha dado em adoção, mas abusaram dele, voltou, a partir disso ninguém queria mais adota-lo.  Os outros porque em sua ficha constava que eram filhos de gente que andava nas drogas.  Fomos ficando, o Pivete quando tinha temporais, uma coisa normal no Rio de Janeiro, corria para minha cama, ficava abraçado comigo, talvez porque eu fosse o maior, mais alto, forte, lhe dava segurança.   Descobrimos todos a punheta ao mesmo tempo, os outros queriam lhe penetrar, mas nunca deixei, por isso estava sempre do meu lado.
Quando os outros começavam a fazer gozação porque ele não crescia, bastava um olhar meu para se calarem.  Um deles o mais atrevido, sempre estava dizendo que eu abusava dele, mas não era verdade.  O queria muito, não sei devido a que problema, ele era o mais frágil em todos os sentidos.  Quando fiz 16 anos, um dia minha tia, veio, me disse, arrume suas coisas, vamos para casa.  Fiquei assustado, lhe perguntei se não podia levar também o Pivete, pois ficaria desprotegido sem mim.  Pediu desculpa, mas sabia que não iam autorizar, era uma mulher solteira, apesar de ser funcionária pública, tinha tido dificuldades para conseguir minha guarda.
Tinha feito uma coisa, com a qual se debateria a vida inteira, ao ver que seus pais jamais me iriam aceitar, chegou um momento que teve que escolher.  Como estavam velhos, conseguiu o direito de gerir os bens da família, a primeira coisa que fez, foi coloca-los numa residência de pessoas de idade, o pai começava a ter Alzheimer, a mãe era frágil, com a desculpa que tinha que trabalhar foi a solução.   Mandou reformar o apartamento inteiro, colocando todas as paredes, brancas, jogou fora todos os moveis horríveis da casa.  Quando cheguei, tudo era claro, bonito. 
Ela já tinha feito uma coisa por mim.  Um dia a professora que nos ensinava, lhe disse que eu era o mais adiantado da turma, que se pudesse me colocasse numa escola melhor.  Ela não teve dúvida, se sacrificava, era uma escola particular, o colégio Bennet ali mesmo no Flamengo, eu sempre fui o primeiro aluno da classe, depois ensinava aos meus amigos, o que eles não entendiam.
Meu problema era que parecia como filho de mãe solteira. Isso não ajudava, os garotos maiores queriam sempre me meter a mão, o jeito foi treinar a lutar com meus amigos.   Pivete o mais frágil era o mais perigoso, pois sempre conseguia uma navalha, um canivete, alguma coisa para se defender.
Quando fui viver em Copacabana com ela, como a escola era perto, segui indo ver meus amigos todos os dias.  As que cuidavam dali, não entendiam, porque quando alguém ia embora nunca mais voltava, a não ser que devolvessem.
Minha preocupação era, como eles iam fazer depois que saíssem dali, mais um ano, os colocaria na rua, pedi tanto que minha tia deixou o Pivete ficar em casa.  Compartíamos o mesmo quarto, com uma daquelas camas duplas, a de baixo de noite se puxava, essa era sua cama.
Ela conseguiu matricular os dois numa escola em Copacabana, o que ele não entendia eu o ensinava, me esforçava ao máximo, mas Matemática para ele era um bicho de sete cabeças.  Um dia conhecemos na praia um sujeito que ficava sempre sozinho, me dava pena, era um sujeito triste.  Quando descobrimos que era professor de matemática, lhe perguntei qual era a melhor maneira de ensinar uma pessoa que tinha dificuldade de entender.  Me deu várias opções, mas acabamos indo mesmo a sua casa para aprender.   Era uma quitinete, no corredor estreito, tinha livros amontoados até o teto.  Ele conseguiu que o Pivete aprendesse.  Quando Pivete fez 18 anos, minha tia, usando seus conhecidos de onde trabalhava, conseguiu dar um nome a ele,  lhe perguntamos que nome queria, rimos muito porque queria o mesmo que eu tinha.  Meu nome é Humberto Arcoverde,  então depois de muito teimar, ele que gostava da bíblia, escolheu Moises.    Mas claro todos continuaram a lhe chamar de Pivete, quando lhe perguntava como se chamava, soltava logo Pivete Arcoverde.
Eu fui o filho de minha tia desde pequeno, mas seu filho mesmo foi ele.  Ela fez tudo é muito mais por ele.  Nos obrigava ir ao médico, fazer revisões, estava sempre falando, nada de drogas, nem de bebidas, isso será a perdição de vocês.
Eu entrei com a melhor nota do Vestibular, para Economia, além de Matemática,  tinha aprendido tanto com o professor que era bom nisso, teria que coordenar o meu tempo para fazer as duas.  Ele escolheu fazer Belas Artes, seu sonho era ser pintor, a casa estava sempre cheia de desenhos, feitos por ele.
Ficou mais difícil vigia-lo, pois claro o tipo de pessoas com que passou a conviver eram diferentes.   Eu todo os dias lhe dizia que não podíamos  errar, que tínhamos que ser fortes, um dia subiu para minha cama, disse que queria fazer sexo comigo, que me amava.
Na hora fiquei confuso.   Lhe tentei explicar, que ele era como meu irmão, que não queria fazer sexo com ele.
Essa reação caiu mal, eu nem tinha tempo para pensar em fazer sexo.  Vivia preocupado com meus amigos, dois viviam nas ruas, os outros tinham conseguido empregos.  Tentava ajudar de todas as maneiras os que estavam nas ruas, mas claro logo caíram aonde não deviam vender, consumir drogas.  Eu me desesperava com isso.
Um dia um conhecido da rua me avisou que tinha visto Pivete, com esses dois, que estava fumando um baseado.  Fiquei furioso com ele, me abriu a navalha, me soltou, eu pensava que me querias, mas me negas o que mais quero de ti.   Mais uma vez tentei explicar, mas não funcionou.   Um dia cheguei em casa, não havia mais nada dele ali.  Ficamos desesperados, minha tia por um lado, pois o queria muito.  Acabei tendo que contar a ela, o porquê,  não foi fácil, mas chorei muito contei.  Ficamos procurando pelos três, falamos com a polícia, nada um dia encontrei um dos dois que vendiam drogas, me soltou que tinha encontrado seu homem, que agora era amante do chefe do tráfico de drogas da favela aonde viviam.
Desmoronei, pensei em desistir de tudo, ir atrás dele.   Fui falar com a única pessoa que podia me abrir.  O professor Décio.   Me escutou com a calma que parecia sempre estar com ele.
Me respondeu, se foi assim desde criança, apesar de estares certo, ele sempre te viu como seu protetor, seu homem.   Me lembro eu aqui ensinando, ele te olhava embelezado, como se fosses um deus para ele.   Um dia me perguntou se eu era gay?   Lhe disse que sim, mas por azar, não era bonito, ninguém queria minha inteligência, nem fuder comigo.  Eu tampouco sei lidar muito com as pessoas.
Me contou que não podia mais se aguentar, que queria fazer sexo contigo, mas que não entendias as indiretas dele, só pensavas numa coisa, chegar ao fim da universidade, para ajudar aos outros, mas ele não vê que já e tarde, que dois já estão nas drogas, os outros dois continuaram como pobres, pois tampouco tem a inteligência dele.
Antes de sair de casa veio aqui em busca de consolo, eu lhe disse que não fosse embora, que inclusive podia ficar aqui comigo uns tempos.  Ele pensou que eu queria fazer sexo com ele.
Fiquei bravo, estou te oferecendo ajuda, menino pare de só pensar nisso.  Ficou furioso, entendi que não lidava bem com a rejeição.   Nunca mais o vi.
O que eu faço professor, estou perdido, tenho os exames finais, não consigo me concentrar.  Voltei a estudar com ele, nossa amizade ficou mais forte, vivia me dizendo que as pessoas têm direito a escolher seu rumo.
Um dia o beijei, fizemos sexo, ele era muito mais velho, gostei de estar com ele, era diferente, não era bonito, mas tinha uma barba imensa, era muito peludo, mas forte.  Dormir com ele me deixou tranquilo.  Ele ao contrário ficou com medo.   Fui aprovado com louvor, ele e minha tia foram a minha graduação.
Fiz um concurso, consegui a vaga do professor da Universidade, que se aposentava.  Era o aluno mais brilhante, em seguida orientado pelo Décio, comecei a fazer uma pós graduação, estava sempre metido nos livros,  estar com ele, me equilibrava. 
Ele vivia reclamando, que eu devia viver a vida como meus outros companheiros, sair, tomar uma cerveja, eu nunca me atrevi, ir as discotecas, tentar ter um romance com um rapaz da minha idade.
Eu lhe perguntava se não me queria?
Claro é o melhor que passou na minha vida, mas veja, eu sou muito mais velho que você, não gosto da noite.   Eu não me incomodava, gostava de ficar com ele, os dois sentados no sofá, lendo juntos, comentando alguma coisa, ou ir a um cinema, discutir um filme.
Não me esqueci em momento algum do Pivete, vivia perguntando por ele, sabia que continuava com o tal chefe do tráfico de drogas.
 Os anos passaram, 6 anos pelo menos, um dia o Décio, me fez sentar tinha uma cara séria, me disse que tínhamos que falar de algo muito desagradável.   Ele a meses vinha reclamando de dores de cabeça, eu lhe dizia que tinha que ir ao médico.  Me soltou de cara, estou com câncer na cabeça, não há cura nenhuma, nem operação.   Acho que chegou a hora de ires viver tua vida.
Fiquei olhando sério para ele, soltei nem pensar, vou cuidar de ti. 
Ele não queria de jeito nenhum, eu tomei uma serie de decisões, fui falar com minha tia, que já desconfiava, ela agora depois de tantos anos, tinha um namorado, um sujeito que não me caia muito bem, mas ela gostava dele, um dos motivos que usava para ficar na casa do Décio.
Vou viver lá com ele, vou cuidar dele, como ele cuidou de mim, me ensinou muitas coisas.
Nos sentamos conversando sobre isso.  Ela muito séria, disse que tinha chegado a hora de que eu pudesse, receber minha parte na herança dos meus avôs.   Depois que ela os colocou na residência, ia uma vez por ano, nada mais.  Dizia que não os suportavam, que seguiam iguais como sempre, egoístas.   Me contou que sua mãe, lhe dizia na cara que a tinha tido, para isso cuidar deles quando fossem velhos,  que ela era uma má filha.
Lhe disse que ao contrário que ela era uma mulher maravilhosa, olha o que fizeste comigo, me deste tudo.
Bom até agora eu só podia administrar os bens deles, agora que já morreram eu sou a herdeira de tudo, não deixaram nada para tua mãe, mas resolvi que tens direito ao mesmo que eu.
Já falei com o advogado, mandei verificar todos os valores, portanto, a ti te toca um apartamento no Leme,  é grande sempre esteve alugado, mas o inquilino morreu justo quando mandei fazer esse inventário, duas lojas no Saara, uma inclusive com o prédio inteiro,  além de vários locais aqui em Copacabana, eu fico com esse apartamento, mais outros dois alugados.
Acho que é o correto, tua mãe era minha irmã mais velha. Portanto tinha mais direito do que eu, isso me basta.
Mandei arrumar o apartamento, ficava no final do Leme, era um térreo, levei o Décio para lá bem como todos seus livros, tinha uma sala na frente mandei colocar uma poltrona para ele, passava o dia lendo, tinha uma senhora que ficava com ele, enquanto eu estava na universidade. Quando piorou contratei um enfermeiro.  Quanto aos bens, resolvi fazer o seguinte, o que era só a loja, vendi por um preço bom, o outro como estava no meio de dois edifícios já sem características nenhuma, quase no Campo de Santana, resolvi demolir, reconstruir de novo.
Convenci o que usava a loja, bem como o do andar de cima, que alugassem outro lugar, se quisessem voltar, eu cederia o local outra vez por um bom preço.  Havia inclusive uma parte traseira sem usar.   O Arquiteto fez um bom projeto, simples, mas funcional, poderia ter 4 andares como os do lado.  Concordei em alugar a loja para o anterior inquilino por um bom preço,  O andar de cima ficou para uma confecção, que justo próximo ao carnaval trabalhava para fantasia de destaques, os dois últimos, foram para várias coisas.  Inclusive agora tinha elevador.   Um dos amigos cuidava agora de construções, consegui que o engenheiro o contratasse.  Gostou tanto dele que ficou fixo na empresa, me agradeceu muito.  O outro trabalhava numa lojinha de sucos, sanduiches numa esquina no Flamengo, o dono ia se aposentar, transpassava, o consegui para ele tocar o barco em frente.
Aprendi a usar o dinheiro que ganhava com tudo isso, além da lojas de Copacabana que vendi todas, aplicava o dinheiro base, quando dobrava o valor, retirava o dinheiro invertido, colocava de novo no banco.  O que ganhava, invertia novamente, assim teria sempre uma coisa segura, comecei a fazer para minha tia também, logo tinha uma carteira de clientes boa, podia trabalhar de manhã, passava o resto do dia em casa, fazendo isso.   Uma das moradoras do prédio me descobriu, pediu que lhe fizesse o mesmo.  Quando dobrei, queria investir tudo de novo, foi difícil fazer entender, que sendo num pais como o nosso, sempre era importante, ter um dinheiro para investir, outro para guardar por segurança.
Assim pude tomar conta do Décio com tranquilidade, morreu comigo lhe segurando a mão. Eu nunca tinha me preparado para isso, já era difícil ver aquela pessoa inteligente que conhecia, ir se apagando aos poucos.   Antes de perder o raciocínio, me contou de sua família.  Tinha mais um irmão.  Os pais não queriam saber dele.   Avisei o irmão que estava mal, nunca apareceram para visitar.  Quando morreu, eu avisei, das vontades dele, seria cremado, sua cinzas jogadas ali no Caminho dos Pescadores, que contornava a Pedra ao final do Leme.  Tampouco apareceu ninguém.   Avisei sua morte  ao colégio que trabalhava.    Meses depois apareceu o irmão perguntando se não tinha deixado nada para a família.   Lhe perguntei o que?
Dinheiro me respondeu.   Mostrei a quantidade de livros que tinha, lhe disse que ele investia nisso, se queria algum.  Levantou os ombros foi embora.  Pensei, a família, difícil de entender.
Reformei a parte da frente do apartamento, ali era meu escritório na parte da tarde.
Aproveitei para fazer minha primeira viagem,  era época de natal, ano novo, peguei um voo para Paris, fiquei o tempo necessário para me apaixonar pela cidade.  Tive um encontro fortuito com um alemão, ri muito, meu francês era uma merda, o dele pior. O jeito foi usar o inglês.
Voltei mais relaxado, fui ver os amigos que podia, para saber como andavam.  Falei dos dois o que fazia, com  as aplicações.  Se eles quisessem eu os ajudaria.  Era pouco dinheiro ao começo, mas em breve estavam tranquilos com o dinheiro ganho.
Um dia me falaram que estavam almoçando, tinha visto o Pivete, que demoraram para o reconhecer.  Estava muito diferente.
Diferente como?
Bom, primeiro tem tetas, silicone na bunda, parece uma mulher.  Ficamos pasmos, alias foi ele que nos reconheceu.
Eu não entendia nada.   Dias depois andando no calçadão, para fazer exercício, pois ficava muito tempo sentado, escutei alguém me chamar Humberto Arcoverde, virei para trás ali estava ele, até que de mulher ficava bonito.   Nos sentamos num bar, ele pediu uma cerveja, eu um refrigerante.
Vejo que continuas o mesmo, nada de bebida, nada de sexo, nada de nada, disse me provocando.
Te enganas, estive vivendo com o Décio, todos esses anos, cuidei dele até ele morrer, agora estou sozinho.
Os meninos me contaram que você os ajudou a se levantarem. 
Sim, pena que não pude fazer isso contigo, não aceitaste minha ajuda.
O que eu queria de ti, hoje acho que seria impossível, demorei para entender que me querias como um irmão pequeno.
Agora uma irmã pelo visto.  Porque fizeste tudo isso.
Para agradar ao homem com quem vivo.  Me trata bem, me dá tudo que pode.
Mas se amanhã acontece alguma coisa, como vais fazer?
Bom tenho um dinheiro guardado, para emergência. 
Lhe disse o que tinha feito com os outros dois, se queres posso fazer para ti.  Tens conta num banco?
Não tudo escondido.
Então faça o seguinte, abra uma conta num banco, me dê uma parte desse dinheiro, eu invisto para ti, vou depositando sempre o valor que me des para aplicação, quando o dobre, deposito de volta nessa conta, assim cada vez terás mais dinheiro seguro. O que achas.
Poderias fazer isso para o meu homem?
Não, isso seria lavagem de dinheiro, sinto muito, estou fora disso.
Ele ficou insistindo, lhe disse, vejo que não tens jeito, acho melhor cuidares da tua vida, eu da minha, vou ser honesto, não gosto de te ver assim, indefinido, nem homem nem mulher, ele estava de manga larga, agarrei sua mão levantei a manga. Estava cheia de picadas de agulha. Pior com tudo isso, melhor não nos vermos mais, guarde esse dinheiro ou para o teu enterro, ou para uma clínica.   O que eu sempre temi, está acontecendo, comecei a chorar ali mesmo, não podia parar, não tinha podido protege-lo, paguei a conta, segui andando, meio que arrastando os pés, até que cai sentado num banco.
Um policial, veio me perguntar se estava me sentindo mal?
Estou me sentindo como um fracassado.   Sem saber bem por que contei tudo a ele.
Ficou me olhando sério, é difícil eu sei, venho do mesmo que tu, sou comandante do destacamento daqui de Copacabana,  passei isso com meu irmão, fiz tudo por ele, tentei ajuda-lo de todas as maneiras, mas não houve jeito, achava porque eu era polícia tinha costas largas.
Se deu mal, acabou sendo encontrado numa sarjeta lá pros lado da central do Brasil.
Assim fizemos amizade, me disse para esperar, que ia trocar de roupa, tinha acabado o horário de serviço.  Voltou de bermudas, tênis camiseta, tinha um puto corpo, voltamos caminhando até o Leme, lhe contei o que fazia, ele se interessou.
Comecei a aplicar seu dinheiro, um dia me disse, a próxima vez que fores viajar, quero ir contigo.  Vou guardar dinheiro para isso.
Fui claro com ele, sou gay, não sei se isso vai te incomodar.  Estávamos sentados no sofá da minha casa.   Se inclinou, me beijando na boca.
Eu tinha dúvidas, mas tinha medo de avançar.  Fui casado, mas não deu certo.  Ele era uns dez anos mais velho do que eu.
Fiquei rindo, eu aqui louco para te beijar, mas claro um comandante de polícia, não podia me atrever.
Pois é as poucas aventuras que tenho, são sempre escondidas.
Nosso relacionamento já dura 10 anos, foi me trazendo mais clientes, lhe ensinei como trabalhar, para ele ir ganhando dinheiro também.   Resolvemos que devíamos ter um lugar para isso.  Resolvi usar o último andar do prédio do Saara, estava vazio, montei o negócio lá, assim arrumei clientes por lá, foi tudo propaganda boca a boca.   O Leme virou a nossa casa.
Minha tia quando o conheceu, gostou dele, estava agora casada, mas as coisas não iam bem, a ajudamos a se divorciar.    Um dia me chamou assustada, fui até lá para saber o que passava.
Não vais acreditar, estava no banco, escutei uma voz atrás de mim.  Não me era desconhecida, quando me virei, lá estava o namorado da minha irmã, claro mais velho, mas a voz era a mesma.
Perguntei, se não era ele.   Sim, claro me ligo logo com tua mãe, perguntou por ela?   Lhe contei toda a história tomando café.    Ele é casado, tem duas filhas mais jovens que tu.  Quando falei de ti, me disse que tua mãe ia abortar, por isso ficou tranquilo.  Ela o tinha enganado com a idade. Me perseguiu até que fizemos sexo, quando me disse sua idade, a chamei de louca.  Ele quer te conhecer?
Vou pensar, não sei se estou preparado para isso.
Foi um encontro brutal, esperava uma pessoa cordial, já que queria me conhecer, quando me viu com o Heraldo, lhe apresentei como meu companheiro. 
Me perguntou o que queres dizer com companheiro?
Oras vivo com ele, somos um casal gay.
Se levantou, tantos anos esperando um filho, tenho já duas mulheres em casa, não quero mais uma, não me procures seu safado, filho da puta, ainda por cima gay.
Heraldo quis lhe dar um murro, mas lhe disse, vais sujar tua mão.
Contei tudo para minha tia, foi o que eu pensei que ia acontecer, mas nunca fez falta essa é a verdade.
Não senhora, sempre a tive ao meu lado para me proteger.
A vida seguiu, um dia um dos meninos me telefonou, perguntou se eu estava no escritório, posso ir até aí, mas apareceram os dois.  Fiquei assustado.
Estavam com um jornal desses que contam os crimes, se torce os mesmo sai sangue.  Na primeira página, saia uma foto do Moises, assassinado pelo homem com quem vivia, se apaixonou por outro, o outro, lhe arrancou as próteses de silicone que tinha, o deixou morrer  dessangrando, ali aos seus pés.
Chorei tanto, mas tanto, me sentia impotente com tudo isso, menos mal que Heraldo estava ali, me consolou, contei para minha tia que chorou muito também, que lastima.
Nesse natal, fizemos uma viagem os três, fomos a Itália, passeamos, na Basílica de São Pedro, rezei por ele.  No Brasil, sem saber nunca qual era a religião dele, tinha mandado rezar missas por ele.
Quando voltamos, um dia apareceu um advogado desses de ter mais cara de bandido, que os próprios bandidos, perguntou se podia falar comigo.  Chamei o Heraldo, para ficar junto, não gostava do sujeito.
Me disse a que vinha, a pedido do traficante que queria conversar comigo, pedir perdão, mas quer muito falar consigo.
Sobre o que?  Não tenho nada para falar com ele, depois que matou um amigo que era um irmão para mim.
Sobre ele mesmo, mandou esta carta para o senhor.   Li a carta passei para o Heraldo, me olhou sério, vamos ver o que ele quer.
Fomos os dois ao presidio.
Ele quando viu o Heraldo, ficou sem graça.  Disse que não queria falar na frente dele.
Foi direto ao assunto, eu quando conheci o Moises, me apaixonei, tive que brigar com todos, porque não podia viver sem ele.  Mas claro sendo chefe do Tráfico, o tentei manter o mais longe possível de tudo isso, montei uma casa para ele.    Me falava sempre no senhor, a princípio lambia suas feridas, pois dizia que o tinha amado, mas que nunca tinha sido correspondido.
Dizia que ele tinha cuspido no prato que tinha comido, pois até um nome te deram, ele levou tempo para entender, se sentia sempre rejeitado.  Disse que os outros o tinha aceitado, porque tu o aceitaste.  Um dia descobrir, que estava se drogando, lhe dei uma surra o internei, voltou bem,  mas assim foi ano atrás ano, se injetava nos dedos do pé para que eu não prestasse atenção,  começou a loucura de querer ser mulher.  Eu lhe perguntava por que, se o amava como era.   Me roubou dinheiro para colocar silicone no peito, depois queria ter bunda, porque era muito magro.    Eu já não sabia o que fazer.  Mas o amava cegamente, um dia cheguei em casa, estava com um negro imenso na cama,  riu da minha cara, dizendo que ele o satisfazia, que tinha um tão grande como o do Humberto, inclusive o mesmo nome.  O cara quando me viu se mijou todo.  Disse que nunca tinha me amado, que não suportava mais meu contato, que ele queria o Humberto, não parava de falar o nome, chegou um momento, que eu já não entendia se era o senhor ou o negro.                   Começou a me agredir, mostrou uma serie de cicatrizes, me apunhalou em vários lugares, só depois foi que eu entendi que estava até a alma de cocaína. Chegou um momento que eu estava cego, chorava, digo isso sem vergonha nenhuma, me senti enganado por todos esses anos.   Quando me cuspiu na cara, perdi a cabeça, lhe matei, eu sei que errei, quando vi, já estava feito, lhe tirei o silicones aplicados, porque queria ficar ali abraçado ao homem que amava.      Nem pensei, a polícia vai chegar, tenho que fugir, mas para onde, se eu estava preso a ele todos esses anos.        Depois uma travesti amiga dele, me contou que não suportava estar ficando velho, que há meses se encontrava com esse negro, o Humberto.
Chorava muito, tentei lhe consolar.  Me lembrei de uma coisa de criança, talvez por isso nunca fiz sexo com ele,   Estávamos todos nos masturbando, ele quis se sentar em cima do meu, os outros riram, eu lhe disse que se comportasse pois éramos amigos.              Que aquilo era uma brincadeira entre nós.      Me disse, olhando na cara, se eu o penetrasse, depois deixava os outros fazerem o mesmo, quase o peguei, mandei ter vergonha na cara. Proibi os outros de encostarem o dedo nele.   Dias depois entendi, por quê?   Tinha descoberto que sua mãe era uma puta, não tinha ideia nem de quem ele era filho.  Foi visita-lo aonde vivíamos, era uma figura ridícula.   Vivia nas drogas, se prostituia para comprar drogas.   Nessa noite se deitou como sempre fazia ao meu lado, chovia muito, ficou ali chorando baixinho.  Foi quando me disse eu sou uma merda, nunca poderei encontra meu pai, pois sou filho de uma puta.
Depois virou minha sombra, quando eu ia a escola fora, quando chegava estava no portão me esperando, todo mundo o gozava por isso.  Quando fui embora, mas ia lá todos os dias, lá estava ele me esperando.   Mas eu não podia alimentar nada com ele, era como meu irmão.
Consegui que viesse morar conosco, minha tia lhe conseguiu dar nosso nome, durante um tempo ficou contente.        Imagino o difícil que devia ser para ele, dormir na cama ao lado da minha, sem poder me tocar.   Quando me pediu pelo amor de deus que eu o penetrasse, lhe disse que era impossível.  Primeiro porque era meu irmão, depois eu o queria como amigo, da noite para o dia desapareceu.
Quando o reencontrei, descobri depois que estava se prostituido a troco de dinheiro, eu não conseguia entender.  O Décio que tinha sido nosso professor me ajudou a me levantar, eu o amei com toda minha alma.  Me consolava dizendo que cada um tem direito a escolher seu caminho.   Acho que meu amigo tinha feridas que eu não pude ver, nem sequer curar.  Quando o vi, meio mulher, meio homem, uma caricatura de si mesmo, com o braço cheio de picadas, enlouqueci.   Estava justo tentando mais uma vez, ajuda-lo.
Mas foi graças a isso que conheci o Heraldo, mais uma vez um homem forte me ajudou, estamos juntos até hoje.
Quem tem que pedir perdão sou eu, não sabia que tentavas protege-lo, creio que ele não gostava disso, ser protegido, quando na verdade, sequer assimilava o que queria ser. Cuidaste dele muitos anos.  Obrigado.
Queria seu perdão?
Não tenho nada a perdoar, você é que tem que se perdoar, vejo que sofreste muito.
Agora uma vez por mês ia ao presidio para visita-lo.   Um dia brincou, acho que Moises tinha razão é fácil a gente se apaixonar por ti.                        Não venha mais por favor, fico esperando desesperadamente o dia que venhas, atendi seu pedido, pois o Heraldo me convenceu a fazê-lo,    Tempos depois soube que tinha sido assassinado.
Honestamente senti pena, comecei a ir a um psicólogo, para poder entender tudo isso, o Heraldo me dizia que tivesse calma.  
Fui até a um pai de santo, que me disse que ele agora estava bem, que eu segui-se com minha vida.
Fui tentando, mas claro quando se tem uma pessoa ao teu lado que te ama, fica mais fácil, o Heraldo não me deixava cair.     Por isso seguimos em frente, agora temos um casal como filhos, conseguimos adotar  duas crianças, gêmeas que queriam separar.                     Minha tia, diz que finalmente é avó.   Heraldo os coloca na linha, ela os tira da linha, fazendo todas as vontades, diz que avó é para isso, mal criar.   Como diz o Heraldo, finalmente temos uma família completa.









  


   

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