Ao final de sua vida, quando diziam que vivera o suficiente para ver muitas coisas, mudava o assunto com alguma coisa ou pergunta filosófica.
Mesmo agora distante da época mais complicada, não gostava muito de ficar preso no passado. Passado, significa que já passou, não tem concerto. Mesmo que lhe pedisse que escrevesse sobre o assunto se negava. Mal sabiam que tinha um diário dessa época que interessava tanto as pessoas. Mas nunca tinha cedido a tentação de fazer uso da mesma. A única vez que levantou a voz, foi quando pediu uma autorização para fazer um projeto, mostrou os registros, do que tinha sofrido com a guerra, estando em Berlin. O estado para não levantar um escândalo, lhe deu atenção, ajudou a realizar seus planos.
Queria levantar um edifício em cima do antigo palácio da família, o governo queria que reabilitasse no original. Como um homem do futuro se negou redondamente. O mais importante era preservar a biblioteca da família, mas que fosse de uso dos cidadãos.
Quando foi chamado para falar a respeito diante da presidenta da republica, apresentou uma cópia de seu diário. Tinha sido o único nobre da Alemanha, que não tinha nem participado, nem fugido durante a guerra. Tinha ficado para proteger o grande bem da família. Sua Biblioteca.
Quando a quis tirar da Alemanha, Hitler, todos seus cumplices não tinham permitido. Na época ele idealizou um plano. Como a biblioteca compreendia muitas salas, conseguiu que um arquiteto amigo particular, judeu, lhe ajudasse, depois conseguiu que o mesmo fugisse com sua família para a suíça.
Sem levantar muitas suspeitas, escavaram por debaixo da biblioteca central, fizeram 4 pisos. Que ao mesmo tempo serviu para esconderem muitos amigos judeus.
Já prevendo que a guerra iria chegar a Berlin um dia, se programou. Quando descobria algum interesse por algum livro ou manuscrito, o escondia nos andares de baixo. A ele se acedia usando uma estante falsa que escondia a escada para baixo.
Tinha sido uma sorte, pois com os bombardeios aliados, só sobrou mesmo, a parte central da biblioteca. Viveu como prisioneiro em seu próprio palácio, a partir do momento que resolveu nunca apoiar a Hitler.
Obrigou que sua família com a desculpa de passarem uma temporada protegidos em um palácio rural que tinham na fronteira com a suíça, escapassem para lá.
No momento de sua briga com o governo, alegou inclusive que não pedia dinheiro nenhum, que o fazia com o dinheiro da família.
O projeto foi realizado, poucas pessoas percebiam que dentro daquele edifício de aço e cristal, abrigava uma das maiores e mais completas bibliotecas da Alemanha.
Ali só entravam estudiosos, ou pessoas indicadas por universidades para fazerem pesquisas.
De sua família o único que tinha perdido a vida servindo à Hitler tinha sido seu genro. Um idiota rematado, como costumava dizer ele. Se creia de raça pura, mas não sabia que entre seus antepassados existiam vários judeus. Morreu numa das primeiras batalhas que participou no norte da Africa, quando já tinha ordem para voltar. Ele conseguiu avisar ao mesmo, que se voltasse seria sua morte. Iria para um campo de concentração.
Foi quando conseguiu que sua avó, sua mulher, filhos fossem para o palácio rural, de lá para a suíça. Entregou a sua mulher a autorização de usar uma das contas da família, avisando que controlasse os gastos, pois só existia esse dinheiro. Teriam que sobreviver com ele. Nenhum deles tinham trabalhado nenhum dia de suas vidas. Era chegada a hora de irem em frente.
Fez uma reunião com toda família, os empregados que estavam a anos na casa. Só ficariam ele e dois empregados, não necessitava de mais. O resto acompanharia a família ao exilio.
Conseguiu as devidas autorizações, assim foi feito. Jamais contou a família das outras contas que albergavam toda a fortuna da família. Se não sobrevivesse, isso estava explicito no testamento. Queria que os filhos fossem a universidade, como ele tinha feito. Por isso sabia do valor da educação, do que possuíam na biblioteca.
No dia da partida, cada um levava em suas bagagens manuscritos que deviam ser depositados num banco. Eram os mais preciosos, sabia que os loucos que acompanhavam o Führer se interessavam por eles. Eram manuscritos, que falavam do Grial, das cruzadas, da genealogia dos grandes mitos alemães. Só respirou, quando soube numa mensagem cifrada que estavam a salvo.
Com muito cuidado, ajuda dos amigos judeus, foi transferindo paulatinamente a biblioteca para o subsolo. Reservou uma parte para ter aonde esconder pessoas.
Quando descobriram que a família inteira tinha escapado para a Suíça, que seu genro tinha feito um ataque suicida, não se sabia se estava morto ou não, no deserto do Saara. Acreditavam que tinha entregue o próprio avião as forças inimigas.
Foi levado para interrogatório, mas por ordem do próprio Führer não lhe tocaram. Não entendiam porque tinha ficado.
Ele mostrou um documento que tinha conseguido de punho e letra do Führer que se comprometia em preservar a biblioteca, seu custodio, para o futuro da Alemanha.
Se acabaram as festas, ou qualquer outra comemoração naquela casa. Uma parte do palácio passou a ser usado para escritório de publicidade da Nova Alemanha. Era a parte mais visível do palácio, mas o resto foi aos poucos sendo blindados.
Fez um verdadeiro levantamento de bens, anotou cada quadro, cada objeto de arte existente na casa. Os quadros mais valiosos desapareceram por inteiro. Foram para o subsolo, só restou os que tinham aparecido em alguma fotografia para não levantar suspeitas. Uma das entradas, a mais escondida, que se saia por um túnel ligado a cozinha, servia para fazer entrar os que necessitavam de proteção. Quem iria desconfiar que justamente num lugar ocupado pelos nazistas, abrigavam judeus.
Cada vez que algum chegado ao Führer vinha para alguma consulta, levava um quadro, ou um objeto de arte, fazia com que o mesmo assinasse um documento, confirmando sua retirada. O mesmo fazia com os livros solicitados. Quando começaram a pedir manuscritos, a solução foi fazer cópias, tinha dois padres franciscanos escondidos no subsolo. Tinham falado mal de Hitler o Vaticano não tinha movido nenhuma palha para ajuda-los. Então alegava que só possuía na verdade uma cópia. Assim podiam mudar alguma coisa nos textos para enganar os gananciosos que iam atrás de riquezas da Igreja. Todos os dias acompanhava missa com esses dois padres. Afinal era católico.
Relatava exatamente o que tinha acontecido quando um bando, não tinha outro nome para mencionar, um bando de delinquentes, com títulos isso sim de universidades, que queriam saber aonde estavam os manuscritos relativos ao Santo Grial. Pois para maior gloria da Alemanha, esta devia ter a posse, a proteção do mesmo. Foi a única vez que lhe ameaçaram de tortura. Perguntou quem tinha dado tal informação a respeito. O homem que o interrogava disse que seu genro tinha se gabado com os amigos a respeito.
Meu genro não passava de um ignorante, mal sabia ler, escrever apesar de sua família possuir uma das maiores fortunas da Alemanha. Portanto devia se referir a uns livros de escritores franceses que falavam no assunto, mas dai a possuir um manuscrito a respeito, havia uma grande diferença. Seguido por esses homens, subiu nas escadas da biblioteca, buscou todos os romances, livros a respeito, que na verdade não tinham fundamento nenhum. Eram histórias nada mais, especulações.
Os manuscritos estavam eram bem guardados.
Não queria que os mesmos caíssem em mãos da igreja, nem que a mesma tivesse cópia deles. Havia que preservar o legado da família.
Os padres franciscanos um dia vieram reclamar que tinham que compartir muito espaço com os judeus, que isso não estava bem. Descobriu que um dos judeus era um grande falsário, lhe interessava tê-lo sob sua proteção. Cometeu uma única vez uma maldade em tudo isso. Não podia permitir que os padres franciscanos saíssem dali, contassem ao Vaticano o que ele possuía, nem tampouco aos nazistas, a solução foi envenena-los, esconder os corpos no jardim.
Manteve até sua morte o judeu falsificador, pois esse conseguia documentos para os outros que ele ia abrigando. O difícil era ajudar e manter essas pessoas escondidas. Havia que fazer compras de mantimentos para alimentar, isso era controlado.
Havia sim era de compartir com o que tinham. Sempre que pediam asilo, lhes dizia, que trouxessem o que pudessem de comida, pois não podia levantar suspeitas.
Muitas ficavam na verdade o tempo suficiente para o falsário conseguir documentos falsificados, em seguida partiam. Ninguém queria ficar naquela Alemanha, que já não era sua casa, nem eram benvindos.
O único que ficou até o seu final foi justamente o falsário. Foi sua grande companhia, pois costumavam se sentar pelas noites numa sala abaixo da biblioteca, mas montada com todo conforto, disfrutando de um chá, que no final era o mesmo que ia perdendo a cor, a cada vez que era reusado. Tinham largas conversas, sobre todos os assuntos. Apreendeu a confiar nesse homem, que era o único que saia, para conseguir ou mesmo roubar papeis para trabalhar.
Quando este morreu, sentiu como se tivesse perdido um familiar ou amigo querido. Nessas alturas Berlin já estava sendo bombardeado. Tentou tirar de Berlin a parte vista da biblioteca, mas foi avisado que não se atrevesse. Era uma pessoa bem informada, sabia pelo amigo falsificador, que havia duas frentes em avanço. De um lado os aliados, de outro lado os Russos, rezava cada dia, implorando que quando invadissem Berlin, sua casa ficasse no lado dos Aliados. Poderia negociar, salvar o que tinha protegido tanto tempo.
Mas para sua sorte eram americanos. O Fiel valete saiu e conseguiu voltar com um Coronel do exercito americano. Ele se identificou, lhe mostrou cartas do Embaixador Americano, que este tinha lhe deixado como salvo conduto. Falou da biblioteca, tudo que estava ali, nunca mencionou nada que pudesse comprometer sua coleção. Pediu a ajuda para as crianças que estavam ali, podiam ficar até que tudo entrasse nos eixos, mas necessitava de comida para elas. Isso ele conseguiu fácil. Mas foi levado para um interrogatório, enquanto os americanos cercavam, protegiam o que restava do antigo palácio. Já sabiam da existência dele, por seu filho que tinha se engajado no exercito aliado. Mas se ele só tem 17 anos. Ficou pasmo. Pois o filho costumava lhe dar muitos desgostos. Não queria estudar, dizia que tinham dinheiro para varias gerações. Lhe entregaram uma série de cartas de sua família. A muito tempo não sabia nada deles. Tinham inclusive procurado o advogado, mas este tinha de fontes seguras que ele continuava vivo, defendendo o legado familiar.
Depois de tanto tempo as vezes confundia a cara de alguém que tinha abrigado, mas não se lembrava da cara dos da família.
Depois de semanas, apareceram funcionários da cruz vermelha, para tentar encontrar parentes das crianças que ele abrigava.
Nenhuma deles queria sair de aonde estavam, a maioria nem sabia quem era, mas tinham apreendido a confiar nesses dois homens que as salvara das ruínas. Com ajuda de algumas pessoas, de militares, conseguiu recuperar uma outra parte do palácio, transformar em uma espécie de orfanato, a cruz vermelha ia se encarregar disso tudo. Ele dava aulas as crianças procurava através de correspondência manter contato com a família. Esta dizia tinham feito uma reunião, pensavam em emigrar para Nova York, aonde poderiam viver bem.
Quando recebeu essa notícia, a conclusão que chegou foi que pensavam em continuar vivendo como sempre. Escreveu para o seu advogado dizendo que de maneira nenhuma poderiam saber de seu testamento, nem de suas contas secretas. Sua filha viúva era quem estava a mando dessa ideia. Tinha dinheiro da família de seu marido, e foi a primeira a partir. Nesse meio tempo finalmente comentaram que a avó tinha falecido, sido enterrada no cemitério de uma pequena vila. O único que pensava em regressar era seu filho, que ainda estava no exercito inglês. Agora lhe escrevia muito, dizendo que finalmente entendia as coisas que o pai lhe cobrava. Sua mulher ao saber que não havia mais dinheiro, que o palácio tinha sido destruído, ocupado o que sobrava pela cruz vermelha, lhe pediu divórcio. Tudo isso ele soube, assinou papeis, sem ver nenhum deles, não se movia de Berlin para nada. Era seu pensamento ficar para ver reconstruírem a cidade.
Seu Fiel valete Hans, foi até o palácio rural, mas este estava totalmente destruído, incluído as plantações. Tudo teria que sair do ponto zero. Escreveu para o advogado, que no caso de divórcio tudo que poderia oferecer a mulher seria, justamente o que sobrava, esse palácio, destruído. Mas por sorte ela alegou que tinha conhecido, pensava em se casar com um rico comerciante americano, não precisava nada dele.
Todos desapareceram de sua vida num simples suspiro. Tudo isso através de cartas, nada em pessoa. Hans ainda lhe perguntou se isso não o incomodava. A resposta foi, que tinha descoberto que nada disso importava, tudo que lhe restava eram as lembranças dos momentos difíceis, das pessoas que tinham ajudado. Das crianças poucas puderam recuperar suas famílias. Sobravam 40 crianças, entre 25 garotos, 15 garotas. Quando ele via na rua o que estava acontecendo, ia recolhendo outras, abandonadas.
Conseguiu que lhe dessem dinheiro para melhorar o que sobrava do palácio, construiu uma sala aula para essas crianças.
O coronel americano, agora seu amigo, lhe trouxe um dia um jornalista para fazer uma entrevista. Ele contou por alto o que tinha feito nesse tempo de guerra. Proteger seu patrimônio, ajudar pessoas, os judeus ou qualquer outro perseguido pelo regime, agora as crianças abandonadas. Quando a reportagem saiu, alguns aos que ele tinha ajudado, mandaram dinheiro, roupas para as crianças. Sua preocupação imediata era o inverno que se aproximava, pois teriam que manter essas crianças protegidas. O exercito lhe ajudou nisso, com material militar para o frio. Estavam abastecidos de chocolate e outras coisas. Aos poucos os antigos empregados que tinham ido para a suíça retornaram. Hans os colocou para trabalharem, retiravam os restos do palácio, encontrando alguma que outra peça de valor. Conseguiu transformar uma parte do jardim num invernadeiro, plantaram legumes que cresceriam rápido para ajudar alimentar os garotos.
Mas na sua cabeça um plano se desenhava, queria construir um edifício moderno para albergar a biblioteca. Tinha conseguido dar emprego a dois antigos funcionários da biblioteca Nacional, estes agora estavam catalogando tudo que tinha sido salvo.
Dois dos garotos se interessavam por livros, foram apreendendo com eles.
Filho reapareceu, esteve algum tempo por lá. Em momento algum se falou em dinheiro. Finalmente ao filho que livros, papeis velhos lhe importavam uma merda, que pensava que os americanos passariam a mão em tudo no final. Foi claríssimo com o pai. A irmã, e sua mãe gozavam de uma boa situação nos Estados Unidos, ele iria para lá. Assinou uns papeis para o pai, sem ler. Não sabia que estava renunciando qualquer possibilidade de ter uma herança. Quando foi chegando ao fim de um inverno miserável, comprando tudo o que podia num mercado negro. Todo seu pensamento era, não posso deixar essas crianças desistirem da vida.
Hans um dia comentou que tinha apreendido a admirar, gostar do patrão. Os dois compartiam tudo. Quando começaram a comentar do plano Marshall, resolveram que deviam aproveitar, fazer alguma coisa. O Sul era mais fácil plantar. Hans partiu com alguns dos garotos maiores que se interessavam por trabalhar a terra, dois homens mais que os estava ajudando no invernadeiro. A ideia era aproveitar toda a parte possível do antigo palácio, plantar a terra, criar um grande invernadeiro para sustentar as crianças. Cada vez mais tinham algumas que estavam perdidas, com fome. Algumas as famílias tinham morrido de fome, além de doenças depois do inverno brutal.
Um dia andando na rua, viu um garoto ser apanhado, por estar roubando um troço de pão. O dono da padaria queria bater no garoto, mas ele não deixou. O levou para sua casa, lhe disse que tomasse um banho, vestisse roupas que tinham por lá, que a partir de agora poderia viver ali. Quando viu os outros garotos, viu que ficava desconfiado. O levou a biblioteca, este ficou de boca aberta. Disse que adorava os livros, que seu avô cada vez que Berlin era bombardeada, lia histórias para ele.
Porque ficastes assustado, ficaste com uma cara estranha quando viste as outras crianças.
Porque escutei falar de gente que está se aproveitando, pegando crianças nas ruas para abusar delas, o mesmo fazer com que roubem.
Aqui só tem que estudar, pensar no futuro, contou que o Hans tinha partido para criar um lugar de plantio no Sul, assim poderem alimentar todos.
Sabes dirigir?
A cara do garoto foi espetacular. Abriu os olhos, um grande sorriso. Adoro carros.
Então podes ser meu ajudante, as vezes tenho que sair de carro, para ir buscar alimentos no mercado negro. Preciso de um ajudante. Descobriu em seguida que o garoto era especial, era um sobrevivente. O fez estudar, o ajudava. Passou a ser seu parceiro nas conversas noturnas. Quando Hans avisou que a primeira colheita estava feita.
Fez com que o Max, nome que ele deu ao menino, fosse com um outro empregado buscar tudo que podiam. Deviam viajar de noite para não chamar a atenção. Conseguiu um salvo conduto para passarem pelos controles rapidamente.
Quando o coronel comentou com ele sobre as obras roubadas, passou uma lista do que tinham levado de sua casa, os livros também. Conseguiu recuperar muita coisa. O coronel agora o ajudava a aplicar dinheiro que tinha conseguido do Plano Marshall, investindo em pequenas indústrias que iriam crescer.
Se passaram cinco anos, foi quando entrei na vida dele. Meu pai, era seu filho. Tinha conhecido minha mãe logo que chegou nos Estados Unidos. Se apaixonou, me tiveram. Mas infelizmente continuava impulsivo, atraindo catástrofes. Se meteu em corridas de carros, teve um acidente. Morreu logo depois. Minha mãe lhe escreveu, ele nos convidou para ir viver com ele. Ela acabou virando uma espécie de secretaria dele, eu fui criado como todos as outras crianças que lá estavam. Comia com elas, estudava, brincava, me tornei amigo de muitas delas.
Ele continuou lutando para realizar o seu sonho. Agora as universidades, necessitavam de livros. Ele nunca cedeu nenhum, mas permitia que se a pessoa viesse indicada pela universidade, poderia ter acesso, estudar na biblioteca. Acabou se transformando numa paixão para mim, para o Max. Eu o tinha como um irmão maior.
Max foi o primeiro em ir à universidade, os garotos que não queriam estudar ele mandava para o Hans no campo. Os dois criaram uma sociedade de produção de alimentos. Tudo que sobrava era transformado em geleias, e outros produtos. O tempo passou, sentia uma adoração imensa por meu avô. Era sábio, estava sempre pensando em como ajudar alguém, incentivar que os jovens estudassem. Estava sempre disponível na biblioteca para isso. Minha mãe junto com outras mulheres que vieram trabalhar na casa, era a encarregada de vestir, calçar todos eles. Nunca foi um orfanato. Mas sim a casa de todos.
Max adorava ler um livro, sentar-se em frente à mesa, discutir com meu avô sobre o escritor, o que ele queria realmente dizer com o que escrevia. Queria ser jornalista, foi incentivado a isso.
Quando chegou a minha vez, resolvi estudar arquitetura, pois na minha cabeça desenhava milhões de formas, espaços para a biblioteca. Era a minha meta. Creio que devo ter feito mais de mil projetos sobre o mesmo tema.
Quando sentiu que sua vida começava a declinar, me mandou fazer uma viagem, visitando as principais bibliotecas do mundo. Queria que a sua fosse um marco em nome da família. Estaria aberta a todos estudiosos. Com o dinheiro entrando, tinha começado outra vez a comprar edições, livros antigos. Nunca aparecia seu nome, mas sim o meu. Quando todos os garotos tiveram suas vidas arrumadas, ele disse que tinha chegado a hora. Mas antes quis fazer uma coisa. Apesar de ser seu neto, criou um documento que me adotava e ao Max, que passava ter seu sobrenome.
O título seria meu, mas me avisou que nos dias de hoje não valia nada. O que valia era a minha cabeça.
Sentávamos os três, até altas horas da noite, discutindo o projeto, o último andar seria sua morada ou o seu palácio junto ao céu.
Quando se começou a construção, apareceram os corpos dos franciscanos, ele disse à polícia que ele mesmo tinha enterrado os dois. Os encontrei, escondido na casa do jardineiro meio desmoronada pelos bombardeios, mas nada pude fazer por eles. Achou melhor enterrar, pois sabia que nesses dias ninguém fazia nada por ninguém. Foram envoltos em lençóis velhos em forma de sudário, foi tudo. A polícia acreditou, pois não havia maneira de acreditar que fosse assassinato, justo por uma pessoa que protegia a todos, ainda por cima católico.
Mas nos seus últimos dias me contou por que tinha matado. Não podia permitir que denunciassem os judeus, contassem o que havia no subsolo.
Eu o entendi, creio que teria feito igual.
A inauguração do edifício foi muito comemorada pela imprensa, os políticos vieram fazer a sua vênia a um homem que tinha permanecido em plena guerra sem tomar nenhum partido. Seu único cometido, tinha sido proteger o legado de sua família. Uma biblioteca. Para a inauguração ele fez trazerem todos os manuscritos que estavam guardados na Suíça, bem como apresentou toda a coleção de quadros da família, expostos num pequeno museu. Alguns quadros que tinham sido levados jamais apareceram.
Não queria ser enterrado, foi cremado, suas cinzas colocadas em um nicho na parte alta do edifício. Assim seguiria vivendo em seu palácio/biblioteca.
A obrigação de perpetuar, seguir o seu caminho, recaiu sobre mim. Nunca apareceram sua filha, nem seus descendentes por aqui para reclamar nada. Creio que escreveu a cada um explicando como funcionava a coisa.
O trabalho que tinha feito o Hans, teve como seu ponto, pois o deixou para todos que ali trabalhavam. Foi transformado numa grande cooperativa agrícola que funciona até hoje.
Na missa de sua morte, me pediram para falar. Agora eu ostentava o título de Príncipe, que tinha sido seu. Eu comentei que nunca tinha visto meu avô como um príncipe. Pois era um homem simples, com um grande ideal, como gostava de sentar-se com os garotos para comer nas refeições. Estavam ali pelo menos 80 por cento das crianças que ele tinha ajudado.
Quando li seu diário, as preocupações diárias em manter, salvar seus livros, os judeus ou qualquer outra pessoa perseguida. As noites de insônia preocupado com as crianças que estavam pelas ruas, embaixo dos bombardeios, as buscas pelas ruas das mesmas. Foi como conhecer mais profundamente meu avô. Consultei com o Max, se devíamos ou não publicar tudo o que ele dizia. A resposta do Max, foi que se ele não tinha feito quando podia, porque iriamos agora publicar. Ele já tinha o que queria, seu sonho realizado. Uma biblioteca moderna aonde se pudesse estudar, pesquisar. Sentia falta dele, das largas conversas que mantínhamos. Agora tocava a mim seguir enriquecendo seu legado.
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