Agora que o tempo e espaço tinha criado um hiato no antes e o agora, podia pensar em muitas coisas. Não só o espaço físico tinha acontecido, mas a vida tinha corrido como um rio em direção ao mar.
Estava sentado na beira da praia, sobre umas pedras analisando o vai e vem das ondas, como tinha sonhado com isso, como era possível que soubesse já o cheiro desse mar.
Olhando para trás, para sua infância, ou a partir do momento que sentia que tinha uso da razão, não podia acreditar na sorte que tivera a partir do momento que aquela mulher bateu na porta de sua casa.
Ali, não havia livros, as folhas de jornal velho, era usadas para ajudar a acender a lenha, tanto no fogão, como na lareira, quando o frio já não era mais suportável. Havia que aguentar o máximo. Isso sem querer, pensando agora, o tinha ajudado a sobreviver.
Aquela mulher, entrou na casa como um furacão, balançou o dedo em riste em direção ao seu pai e sua mãe. Não se comportou como uma dama que era, mas sim como uma deusa do Olimpo, saberia ele mais tarde o que era isso.
Como era possível que tivessem em casa uma criança, analfabeta, com a escola somente a um quilometro da casa.
Cada vez que sua mãe tentava argumentar, ela avançava mais, como se tivesse uma espada em punho. Seu argumento mais forte, era que para o que ele tinha que fazer no futuro, não precisava nem ler ou escrever.
Pode me explicar o que ele tem que fazer no futuro?
Cuidar de mim, do meu marido, que é muito mais velho do que eu. Nada mais, essa é sua obrigação, foi concebido justamente para isso.
A deusa colocou as mãos na cabeça, pensou, mas não guardou para si. Sua idiota, ninguém tem obrigação de cuidar de ninguém. Não podes parir uma criança, para que ela faça isso para ti, é vergonhoso. Aviso, se esse garoto amanhã não está na escola, eu virei aqui com o xerife, retirarei a guarda de vocês, ai quero ver como vai ser.
Nessa tarde/noite, levou uma surra de fazer gosto da sua mãe. Como ele se atrevia a contar a alguém que não sabia ler, nem escrever. Quando seu pai, quis argumentar, sobrou para ele, lhe deu um bela bofetada na cara.
Cale-se velho idiota, quando essa megera apareceu aqui, não abriste a boca, portanto agora, quieto, não diga nada mais.
Nem sabia direito o nome dela, nem dele, porque sempre tinham sido pai, mãe, faça isso, faça aquilo. Ordens, tudo que ele tinha diante de si era isso ordens.
No dia seguinte, o fez levantar-se as seis da manhã, passou um pano molhado pela sua cara, ouvido, nariz, limpou suas mãos, mandou vestir a roupa de ir a vila mais próxima, uns sapatos que não entravam em seus pés.
Diga que depois comprarei um sapato para ti. Ele fosse verão ou inverno, sempre andava descalço.
Desceu com ele o caminho, lhe perguntou aonde ficava a escola?
Ele balançou a cabeça, dizendo que sim.
Claro que sabia, a deusa o tinha descoberto por isso, porque tinha ficado olhando pela janela, ela dando aulas a um grupo imenso de crianças de todas as idades. Saiu, lhe perguntou se queria entrar. Estava encantado com o que ela falava, era como escutar uma língua diferente.
Em sua casa, quase não se falava, seu pai estava sempre metido num mutismo impressionante, sua mãe, só abria a boca para dar ordens, nada mais.
A sala estava dividida em partes, os pequenos, os de mais idade, os adolescentes. Cada um estuda pelo visto uma coisa diferente. Tinha uma parede verde dividida igualmente em três partes, cada uma algo escrito que eles deveriam entender.
Estava realmente com a boca aberta, porque como num truque de mágica, tudo aquilo parecia dançar na sua frente. Se levantou depois de um tempo para ir embora, mais tempo significaria que sua mãe lhe daria uma surra.
A deusa o acompanhou até a porta, perguntou se sabia ler, escrever, porque estava descalço se o inverno começava, outras perguntas, mas ele voou como um raio, disse que se não chegasse em casa iam lhe pegar.
Ela devia ter descoberto quem ele era, por algumas das outras crianças que estavam ali.
Parou na porta, com o papel na mão, pela primeira vez tinha visto sua mãe, pegar um lápis, um papel sujo, escrever. Ficou com a boca aberta, não tinha ideia que ela soubesse isso. A pergunta porque não o tinha ensinado.
No papel constava o nome dele, Franz Schumaker, que em breve lhe compraria um sapato, ele guardou aquele papel no bolso depois que ela o apresentou a turma.
O fez sentar-se com os menores, embora ele destoasse ali, pois era mais velho do que eles, em dias tinha aprendido tudo que ela ensinava a eles, já conseguia ler o quadro completo, não só referente aos menores, como aos dois outros.
Conseguia assimilar tudo que ela dizia aos alunos de todas as idades. Quando ela percebeu isso, o colocou sentado de tal maneira, que ele pudesse acompanhar tudo. Meses depois, fez um exame com todos, o obrigou a fazer dos três grupos, queria ver como ele se saia. Do primeiro grupo ele fez em segundos, do segundo, levou dez minutos para responder tudo, no terceiro teve uma pequena dúvida, parou para pensar, mas em seguida respondeu.
Como prêmio por ter tirado a melhor nota, lhe deu de presente um livro, As viagens de Gulliver, escondeu o livro embaixo da casa, em seu esconderijo secreto. Sempre que podia escapava para ler uma página. Lia devagar, não porque não pudesse ler rápido, mas sim para não acabar o livro.
Quando ela lhe perguntou sobre isso, lhe respondeu a verdade, que lia devagar para não acabar o livro, não sabia que podia trocar por outro.
Mostrou uma estante cheia de livros ali da sala.
Quando acabares este, trás de volta, lhe dou outro, ou tu escolhes outro, ok.
Agora já não necessitava, que sua mãe lhe limpasse pela manhã, já estava pronto, limpo vestido, embora fosse sempre a mesma roupa, levava seus sapatos novos na mão até perto da escola, não queria gasta-los.
Quando chegou o inverno, a deusa lhe deu um casaco de lã, de algum garoto, para quem tinha ficado pequeno. Além de uma calças compridas. Encontrou um esconderijo, na estrada, quando chegava ali, colocava o sapato, as calças o casaco.
Com os maiores agora ela falava de dinheiro, como administrar esse dinheiro, nas aulas de matemática. Ele nunca tinha tido dinheiro. Isso sim sabia que sua mãe tinha. Tudo o que ganhavam com o que vendia, ela juntava, fazia um rolo, colocava elástico, que ele não sabia de onde saiam, guardava numa lata. Depois de um tempo essa lata desaparecia, era substituída por outra. Passou a observa o que ela fazia quando a lata ficava cheia. No momento que seu pai estava dormindo, ela se levantava da cama, ia até a parte alta do armário, onde ficava a lata, a colocava junto ao seu corpo, saia de casa, com as mãos, levantava algum vaso de planta, escavava, guardava a lata ali, voltando a colocar a planta em cima. Era como se nada tivesse acontecido. Pois no outro dia tinha outra lata no lugar, com ela reclamando, que gastavam muito, pois nunca tinha suficiente para abrir uma conta num banco.
Ele nem sabia o que era isso, um banco?
Perguntou em classe, todos riram dele.
A deusa, chamou a atenção de todos, deu uma tarefa aos menores, em seguida, começou a contar o que era um banco, como funcionava, para que servia, como tinha sido inventado.
Fizeste uma bela pergunta Franz.
Como nunca levava nada para comer, enquanto os outros faziam seu lanche, ele olhava, as vezes com água na boca. Passou a encontrar embaixo de sua carteira, sempre um embrulho, a primeira ver pensou que alguém tinha esquecido. Ela piscou o olho para ele, lhe fazendo sinal para comer. Mas mesmo assim, sempre se sentava a parte.
Quando acabou o curso, ele teve as melhores notas da escola. Em um ano tinha cursado todas as etapas.
Ela apareceu de novo na casa, discutiu novamente com sua mãe, agora era mais agressiva, pois entendia que essa mulher que dominava essa casa, só funcionava assim, com alguém sendo mais agressivo do que ela. Mas não funcionou, voltou no dia seguinte no carro com o xerife, que depois ele descobriu que era seu marido.
Este não falou com minha mãe, mas sim com meu pai. Exigia que seu filho Franz seguisse na escola, que havia do outro lado do bosque para crianças maiores. Meu pai só balançava a cabeça. Só argumentou quem ia me levar, pois era mais longe?
O Xerife disse que ele, pois tinha que levar seus filhos também.
Quem vai comprar os livros?
Deusa, disse que não se preocupasse que ela conseguia todos. Realmente antes que começasse o curso, lhe deu uma caixa cheia de livros. Embora tivesse que dar duro na plantação junto com seus pais, sempre encontrava uma maneira de ler os livros que tinha deixado, matemática, ciências, história, filosofia, que a princípio não sabia o que era, mas junto tinha vindo um dicionário, foi lá buscar. Esse foi o livro que mais gostou, o dicionário. Devorou todos eles, os absorvendo como uma espoja, mas era o dicionário o seu preferido. Como os religiosos têm sua bíblia, corão, ou qualquer livro sagrado, o seu passou a ser o dicionário. Fazia como uma ladainha, repetia palavra por palavra, o que significava, primeiro, pronunciava cada letra, depois a lia inteira, em seguida o que significava. Cada dia, decorava 10 palavras, gostava quando a explicação era mais longa, as possibilidades que tinha com essa palavra.
Quando tinha 16 anos, acabava o curso, foi o mais brilhante da escola nos exames, uma outra aluna, que já tinha dezoito, iria para uma universidade. Era a única que tinha esse desejo, os outros iriam trabalhar em indústria, ou no campo. Ganhou um dicionário da nova deusa, era como ele chamava as professoras.
Esta perguntou se ele podia, escrever um texto, dizendo por que queria estudar, o que mais gostava, que falasse de seus sonhos.
Ele escreveu 10 páginas falando de tudo, como amava o dicionário, seu livro sagrado, os sonhos que tinha de seguir estudando até o final de seus dias.
As aulas já tinham terminado, ele estava voltado do campo, puxando uma carreta carregada de milho, não tinham animais para isso. Quando escutou um discussão muito grande, desta vez, eram sua antiga deusa, a nova, acompanhadas do xerife. Um outro homem estava ali, mas não entendia quem era. Era muito parecido com seu pai.
Ela foi até o quarto, voltou com uma espingarda que seu pai usava para caçar, disse que todos saíssem, ninguém ia obrigar a ela deixar seu filho ir embora.
O homem misterioso, disse que ele tinha direito a isso, afinal era seu neto.
Não quero nada seu, fora da minha propriedade.
Precisou o xerife colocar ordem. Dizendo que iam conseguir uma ordem de um juiz.
Foi a primeira vez que ele fugiu de casa, sabia a sequência das latas, pegou a primeira que ela tinha plantado, saiu por detrás da casa, andou pelas montanhas, até descobri uma gruta pequena, bem escondida ali.
Abriu a lata, contou quantos rolos de dinheiro tinham ali, depois viu que estavam separados por tipos de nota, contou quanto tinha de cada, fez as contas. Era um bom dinheiro, se perguntou por que na casa só havia o necessário.
Ficou dois dias na gruta, como a vida na vila só ia numa direção o estiveram buscando por lá, não tinha pensado, porque na hora que escapara tinha raiva, o pouco que levou de comida acabou, mas mesmo assim, aguentou um dia mais.
Deu um volta imensa, voltando pelo outro lado da montanha, não queria que soubesse de seu esconderijo. Tinha escondido a lata, num lugar seguro.
A mãe ameaçou lhe bater, mas agora ele era mais alto do que ela, é mais forte, por seu trabalho no campo. Quando lhe levantou a mão, por instinto a segurou, foi como ver quem tinha mais força. Quando perguntou quem era o velho, não quis responder. Quem falou foi seu pai, é o teu avô, meu pai. Olhou seu próprio pai, parecia mais velho que seu avô. Não entendia como. Seu pai viu a confusão. Bom quando jovem, tive meus anos bárbaros, muitas bebidas, drogas, andei perdido, até que encontrei tua mãe. Ela passou a cuidar de mim. Foi tudo o que disse, o que parecia uma enxurrada de informações, pois seu pai era capaz de passar dias e dias sem falar.
O que eles queriam?
Que você fosse para a Universidade, mas isso não passa de besteira.
Foi agradecer as professoras, estas lhe entregaram cartas de todas as universidades que queriam aceita-lo. Eram muitas.
Lhe entregaram os papeis como se fossem documentos dele, o xerife lhe deu um cartão de identidade, porque um dia vais precisar disso.
Não levou nada para casa, guardou tudo no seu esconderijo, na montanha. Voltou para casa, sem dizer nada, se colocou a trabalhar. Assim que acabasse a colheita, iria embora, mas eles não precisavam saber.
Fez uma coisa, retirou um rolo da lata, com este dinheiro, foi o mais longe possível, indo a cidade mais próxima, que só tinha ido uma vez, num grupo da escola. Comprou umas calças novas, cuecas, meias que nunca tinha usado, camisetas, o melhor, um saco como esses do exército, uma mochila. Guardou tudo isso dentro. Agora já fazia um tempo que tinha descoberto uma pequena cascata perto da gruta, ali tomava banho.
Trabalhou com afinco, quando acabou a colheita, vieram buscar o milho, tudo o que tinham plantado, viu que sua mãe, contava tudo, fazia rolos outras vez, colocava numa lata nova, sinal que havia mais alguma enterrada.
Ela disse que ele deveria ir trabalhar na colheita dos vizinhos para ganhar dinheiro, ele disse que sim, que o faria. Como ela o tinha visto conversar com o homem que veio buscar o milho, disse que este ia arranjar emprego para ele no dia seguinte.
Sabia que sua mãe, normalmente dissolvia uns comprimidos no chá de seu pai, nesse dia disse que como já era adulto, faria ele esse serviço, fez a mesma coisa no dela.
Esperou que começassem a dormir, na casa todos dormiam num imenso salão, não havia quartos nem banheiros, somente esse salão onde estava a lareira. Nadas de sofás, poltronas, nada disso, para estarem sentados, usavam a cozinha.
Tinha conseguido a muito tempo na escola, um mapa da região, já tinha planejado para aonde iria. Faria um zig-zag no caminho escolhido, mudando de rumo muitas vezes.
Quando olhava o mapa, se lembrava a primeira vez que descobriu aonde vivia, em Montana, aonde ficava no mapa, todo o resto de território americano. As aulas de geografia para ele era um sonho, podia imaginar cada lugar. Mas claro, só imaginar. Em casa mal havia eletricidade, nada de televisão ou mesmo rádio. Só nos livros encontrava descrição dos lugares, se o autor fosse bom, como ele gostava, dando detalhes dos lugares, lia, relia essa parte. Tinha a sensação de estar observando a ação.
Se levantou sem sapatos, os atou pelo cordão, saiu fora, era noite de lua, por isso tinha escolhido esse dia. Tirou debaixo da escada a mochila, foi esvaziando cada lata, não deixou nada. Era sua forma de vingar de tudo que tinha sido privado todo esse tempo. Sem se preocupar por o tempo, saiu caminhando em direção a gruta. Guardou tudo na mochila, o dinheiro que estava ali junto com o outro. Só tirou um rolo de 20 dólares, outro de 50 dólares, isso daria para os primeiros dias. Antes que o dia amanhecesse foi até a cascata, tomou um banho com o sabão que tinha comprado, não era um sabonete, como viria descobrir depois, mas estava limpo, se vestiu, calçou os sapatos, seu roteiro, era não fazer nada que fosse pelo lado aonde tinha vivido, foi para a cidade mais perto do outro lado da montanha, caminhou uns 10 quilômetros, sabia que por ali passava um ônibus em direção a Billings, a cidade mais populosa do estado.
Teria que trocar de ônibus duas vezes, como lhe explicou o homem, lhe disse que não tinha pressa. Na primeira, enquanto esperava, resolveu que tinha que mudar de aparência se o procuravam, como levava uma mochila do exército, pediu um corte militar, numa das lojas perto, conseguiu uma jaqueta militar de segunda mão. Olhando no espelho, era outra pessoa, comprou também um boné, seus colegas de classe tinham, ele não. Pois agora tinha um, ainda lhe deu tempo de comer. Pela primeira vez comeu uma comida diferente da sua casa, ali sempre era a mesma coisa, comidas de lata. Sua mãe não sabia cozinhar, nem se incomodava, sopas de lata, tudo era latas. Havia um monte delas no fundo da casa.
Quando finalmente chegou a Billings, estava morto de cansado, entrou numa motel, pediu um quarto, o homem perguntou se ia para o exército, disse que sim, que iria se apresentar na capital. Dormiu toda a noite, despertou com a barriga roncando. Tomou seu primeiro banho de chuveiro, demorou para saber como era. Pela primeira vez, viu um sabonete cheiroso, se esfregou umas duas vezes.
Se vestiu, se mandou para a estação de ônibus, seu próxima parada Boise no Idaho, não tinha sequer noção de Billings, quando a deixou, pensou um dia volto para ver como é.
Mais um trajeto longo, mas agora comia nas paradas, procurando comer o que via os outros comendo, carne, batatas, batatas fritas, tinha que se controlar, para não repetir o prato.
Tomou sua primeira coca cola, arrotando em seguida, todo mundo em volta riu.
Em Boise, resolveu ficar dois dias num motel, lhe perguntaram a mesma coisa, ele respondeu que tinha vindo se apresentar, mas que tinha que ser daqui dois dias.
Andou pela cidade, achou interessante, mas no dia que segundo ele se apresentava, foi para a estação, pegou um ônibus para Portland. Estava exausto de tanta viagem, primeiro ficou num motel, depois andando na rua viu um anúncio de aluguel de um pequeno apartamento, se apresentou, dizendo que vinha estudar na universidade. Era um apartamento que tinha sido recentemente separado da casa de baixo. A proprietária tinha feito uma reforma, instalando um banheiro, além de uma pequena cozinha, para isso mesmo alugar para um estudante.
Pagou três meses adiantado, se lembrou da aula sobre banco, procurou um, abriu uma conta, com a mesma história, que iria estudar na universidade. Foi até lá, andou olhando, pegou um listado de cursos. Eram épocas de férias, achou que era uma oportunidade de saber o que queria, se inscreveu em vários cursos livres, de história moderna, de matemática avançada, ficou curioso sobre um curso de desenho, como era de tarde não atrapalhava.
Havia uma mescla de alunos, de distintas raças, gente jovem, viu que precisava se vestir igual a eles, não queria ser diferente, ao mesmo tempo argumentou consigo mesmo, porque tenho que ser igual a eles, para não chamar atenção, ou para perder minha personalidade. Se lembrou uma discussão que tinham tido na escola, sobre isso, a busca da própria personalidade. Tenho que fazer o que gosto, vestir com o que goste, não igual a todo mundo.
Sentia falta de seus cabelos compridos, mas primeiro fez uma experiencia, raspou a cabeça, ficou surpreso, pois seu cabelo nasceu mais escuro que eram antes.
Lhe dava uma cara diferente. As classes, caramba, como gostava de estudar, como uma esponja foi absorvendo tudo, nos primeiros dias escutava, não dava opiniões, viu na mesa do professor de história moderna uma série de livros, os comprou, leu todos de cabo a rabo, matemática fez a mesma coisa, leu o livro, como que lê um romance, mas fazendo todos os exercícios expostos ali.
Começou nas aulas de história moderna, discutir, assuntos, que nunca tinha escutado antes, as vezes fazendo comparações que gostavam ao professor, com coisas que tinha lido antes nos livros de história, velhas como dizia ele. Um dia soltou que o ser humano não apreendia, tinha feito uma comparação com o grande império romano, com um império como Inglaterra. Seu auge e sua queda. Inclusive comentando, que a Itália, no fundo era pequena como Inglaterra, mas que tinham dominado boa parte do mundo. Como tinham perdido isso tudo.
O professor um dia pediu que ficasse depois da aula. Lhe perguntou se pensava em estudar história, ou o que tinha em mente?
Ainda não sei, fiquei tanto tempo sem saber das coisas que quero absorver tudo.
Lhe disse que deveria estudar línguas também, quem sabe línguas antigas, teve que lhe explicar quais eram, ele nem tinha ideia. Um grande livro de história antiga é a Bíblia, leia como se fosse um livro de história, preocupe-se com a descrição dos lugares. Foi o que fez.
Agora tinha dado pelo professor, uma série de livros, se associou a biblioteca, para ler lá. Assim tinha uma parte do dia ocupada. Sabia que havia uma quantidade de dinheiro no banco, mas que acabaria, se ele não se movimentasse.
Arrumou um emprego, primeiro de garçom, mas viu que não tinha jeito para isso, tinha sempre a cabeça no mundo da lua. Arrumou depois outro de repartidor de correspondência num jornal, foi como o despertar de uma paixão, começou a ler jornais, não só o que trabalhava, mas todos os outros que apareciam. De noite fazia um curso de francês, por curiosidade, tinha visto um filme em versão original, tinha se apaixonado pelo som das palavras. As atrizes, o beicinho que faziam. Conseguiu aprender rápido.
Quando se deu conta, já estava quase a seis meses na cidade. Um dia comprou um livro de um autor novo que tinha escutado falar, leu o mesmo. Nesse dia o editor estava falando, com vários reportes se podia fazer a entrevista por telefone com o autor. Ninguém se pronunciou, ele pegou o papel com o número do telefone. Se sentou numa sala vazia, telefonou, foi perguntando coisas sobre o livro. Fazendo perguntas sobre o que tinha lido. Num dado momento o escritor lhe disse que era a primeira vez que alguém lhe fazia uma entrevista, tendo realmente lido o livro, sabendo de que se tratava o personagem. Que tinha entendido claramente a ideia do mesmo.
Escreveu tudo o que o escritor tinha respondido, datilografou, coisa que tinha aprendido sozinho, levou o papel para o escritório do editor, que como estava acostumado com ele, distribuindo papeis, lhe disse para deixar aonde deixava sempre, mas ele contrariando o outro, colocou na frente dele.
Ninguém quis escrever sobre o livro, me atrevi, liguei para o escritor, conversamos. O outro ficou olhando para ele muito sério, sem saber se lia ou não.
Leu a entrevista, creio que imaginaste essa conversa?
Porque não ligas para o escritor, já que tens o número do telefone, lhe pergunta. Olhando diretamente aos olhos dele, fez a ligação, se identificou. Ficou espantado, com o outro dizendo que tinha sido a melhor entrevista que tinha tido em sua vida. Pela primeira vez um repórter, sabe o que quero dizer, me fez as perguntas perfeitamente. O senhor está de parabéns em ter um reporte nesse calibre.
Ria ao desligar, as surpresas sempre são boas. Como queres assinar a entrevista?
Como James Maker, tinha descoberto um novo nome para si, bem como uma carreira.
O diretor querendo testa-lo, lhe deu duas outras matérias para escrever, uma para uma revista, outra sobre futebol. Esta última ele disse que não sabia nada, mas que poderia escrever como uma pessoa que nunca tinha visto futebol americano.
O diretor chamou um reporte de esporte, disse que levasse esse aprendiz com ele, que nunca tinha visto um jogo.
A da revista era sobre a cidade, o que uma pessoa de fora deveria ver na cidade, ele como tinha batido pernas pela cidade para conhece-la, falou disso, os lugares por descobrir, aonde comer bem, um passeio pelo campus da Universidade, as boas livrarias da cidade.
Quando foi ver o jogo, o reporte lhe perguntou se em sua casa não tinha televisão, foi honesto em dizer que não, tampouco rádio, por isso nunca tinha visto um jogo, tampouco escutado, que depois quando chegara tinha estado estudando.
Escutou todas as conversas, foi memorizando as jogadas que o outro verbalizava alto, não escrevia nada, ia guardado tudo na cabeça. A senhora dona do apartamento lhe emprestou uma velha máquina de escrever do seu marido. Nessa noite, escreveu sobre isso, como tinha sido ver um jogo, ao qual ele a principio não entendia nada, mas que depois fora captando o funcionamento, que não tinha torcido para time nenhum, como tinha visto os outros fazerem, mas sim observado os erros que cometiam cada equipe, inclusive falou da banda que tinha tocado no intervalo, elogiando a mesma, que tinha feito o público vibrar.
Tinha olhado a explicação no seu novo dicionário, que lhe acompanharia o resto de sua vida, que lhe servia para tirar dúvidas, de como escrever corretamente, bem como entender realmente a palavra.
O diretor leu as duas reportagens, com um sorriso na cara, tinha acabado de descobrir um novo repórter. Perguntou se queria assinar um contrato.
Agradeceu o oferecimento, mas que lhe faltava base sobre como ser um jornalista.
Já tinha na mão a faculdade que gostaria de fazer, Jornalismo.
Perguntou ao diretor aonde achava que ele poderia estudar uma boa faculdade.
Sem dúvida nenhuma a de The Jornalism School, da Universidade de Columbia, em New York.
Disse que isso lhe assustava um pouco, pois era muito longe, não sabia se o dinheiro que tinha daria.
Podemos fazer o seguinte, segues escrevendo para mim, artigos que te encomendo, como ao mesmo tempo te recomendarei a um amigo do NY Times, que te parece.
Levou uns dois dias pensando, os outros do jornal, gozavam dele, pois ainda não tinham lido o que tinha escrito. Somente a reportagem sobre o escritor. Quando saíram as duas outras, a da revista, a maioria nem sabia dos lugares que ele tinha mencionando, ou viviam muitos anos na cidade, ou tinham nascido nela, mas não conheciam os lugares que ele mencionava, inclusive dava o endereço para as pessoas. Quanto a de futebol, foi interessante, pois muita gente escreveu dizendo, que finalmente entendiam realmente o que os jornalistas de futebol falavam, o que significava cada termo técnico para um aficionado.
A chegada a New York, foi tremenda, era como cair dentro de um imenso formigueiro, as pessoas corriam, quando alguém andava devagar, já sabia que era um turista. Tudo lhe chamava a atenção. Tinha um endereço, dado pelo diretor do Jornal, aonde tinha vivido quando estudante. Achou melhor ir de taxi, pois ainda teria que apreender a andar de metro pela cidade. Era uma senhora loira oxigenada, com cintura de vespa. Disse que se chamava Maria, mas a conheciam com Marylin, entendeu o jogo.
Tens sorte, pois ontem foi embora um estudante que não pagava a meses, deixou tudo, inclusive uma máquina de escrever. Creio que deixou, porque ninguém por aqui usa mais isso.
O quarto era excelente, num quarto andar, tinha uma pequena varanda que dava para a rua, se podia apreciar a parte de cima dos edifícios. Ficou com ele, tinha um pequeno banheiro, ao qual ele teria que se apertar para tomar banho, mas tinha vivido em situações piores, podia se acostumar.
Pagou 3 meses adiantados, só pediu que trocasse a roupa de cama.
Ela riu descaradamente, dizendo a não ser que ele preferisse dormir em outra cama.
Ele não entendeu, lhe faltava malicia para isso.
Ela tomou isso como uma negativa, sorriu, eres jovem, queres carne fresca, eu entendo.
Seguiu sem entender o jogo de palavras, pediu desculpas, mas precisava conhecer a cidade.
Ficava literalmente perto da universidade. Saiu andando pela Amsterdam Avenue, de repente se deu conta que mudava de nome, passava para Broadway Avenue, resolveu se internar, viu que as ruas passavam a ter números, sabia disso, mas lhe parecia ilógico. Foi dar no Central Park. Agora sabia aonde podia refrescar sua cabeça. Sentou-se num banco, ficou vendo as pessoas passarem. Todos os tipos de pessoas, brancas, negras, chineses, muitos turistas, indianos, ficou prestando atenção nas línguas, sua sonoridade.
Um dia escreveria sobre isso, a torre de Babel das línguas. Mas lhe encantava a sonoridade de cada uma, algumas que usavam um estalo de língua para dar a entonação.
Comeu num restaurante italiano, mas percebeu que os garçom eram mexicanos, riu com isso, mas claro eram duas línguas latinas.
Procurou uma cabine, ligou para o NY Times, para falar com o editor, indicado pelo de Portland, quando conseguiu falar com ele, este disse que seu amigo tinha chamado várias vezes, o melhor é que estivesse lá pela manhã as oito horas.
Tinha pensado em ir a Universidade, para tratar de sua matrícula para o próximo semestre que iria começar no mês seguinte, mas tudo bem.
Quando chegou viu que basicamente todos usavam ternos, com gravatas, óculos, talvez tivessem problemas, ou seria para terem a cara mais séria. Havia uma variedade de idades impressionante.
Perguntou pelo homem a uma secretária, esta o olhou de cima a baixo, como dizendo o que quer esse garoto com o chefe.
Este quando o viu, começou a rir, lhe perguntou sua idade, ele respondeu claramente, 22 anos, não tenho muita certeza.
Como é possível isso?
Só fui registrado no momento que fui a escola, não tinha ideia da idade que tinha, minha mãe tampouco sabia, se guiava pelo ciclo de plantações do milho. Foi como calculou.
Não tinha vergonha de falar essas coisas, era uma realidade.
Já me cai bem tua maneira, eres realista, não adianta ter vergonha, sempre é mais fácil encarar a realidade.
Li teus artigos, gostei demais, uma linguagem fresca, sem vícios dos velhos jornalistas, tome nota disso, procure sempre palavras novas para se referir a alguma coisa. Alguns jornalistas, quando leio o que escrevem, parece tudo deja vu, entendes?
Sim, deja vu, do francês, eu já vi isso.
Pois é, não sei se os leitores veem isso, mas gostaria de tentar.
Aos domingos temos uma revista, gostaria que escrevesses um artigo sobre isso, uma pessoa nova na cidade, como se sente vindo de outro lugar do país.
Entendo, o choque com esse formigueiro.
Gostei da observação.
Chamou a mesma secretária, pediu que chamasse uma pessoa chamada Stuart.
Entrou um dos senhores, com a barba por fazer, mas um sorriso na cara. Foi logo dizendo, o rapaz chamou a atenção de todo mundo. Vai ser o office boy que estou esperando?
Nada mais longe, lembras das reportagens que te dei para ler, as palavras que te referiste a elas foi linguagem fresca. Esse jovem é o autor das mesmas.
Olhou demoradamente para ele, bom serve.
Bom senhores, antes de mais nada, vou começar a estudar jornalismo, espero que isso não me atrapalhe de estudar, pois tenho sede de apreender.
Como disse o Stuart, caralho, nunca escutei um jovem falando assim, sede de apreender, chegam aqui pensando que tem o rei na barriga, este chega dizendo que quer apreender.
Venha comigo, vais trabalhar ao meu lado.
Mas primeiro Stuart, mandem lhe fazer um contrato de seis horas, ai vez com ele o horário que pode trabalhar.
Estás em boas mãos, Stuart é um mestre de primeira.
Saiu da sala, com os braços do Stuart sobre seus ombros.
Comentou com ele a encomenda do editor.
Pois bem, sente-se e escreva essa primeira impressão que tiveste da cidade, como te sentes.
Não havia nenhuma máquina de escrever em cima da mesa, sim um computador, ele foi honesto, ainda não aprendi a usar isso. Stuart, ria, vejo que ainda tens muita coisa que apreender, eu mesmo uso a velha máquina de escrever. Tirou debaixo de sua mesa, uma pequena antiga.
Isso chamou a atenção de todos em sua volta, mas Stuart disse que deveria aprender a usar o computador.
Tinha um poder de abstração, talvez devido a sua infância, em breve não escutava nenhum ruído da sala, mas sim deixava sua cabeça voar, fez o que fazia sempre, escrevia tudo como uma enxurrada de palavras, de ideias, depois iria rever, revisar gramática. Todos olhavam com interesse esse jovem vestido de maneira diferente da deles, sentado, com a cabeça voltada para a máquina, parecia que nem respirava, a velocidade com que escrevia era imensa.
Num determinado momento, riram quando ele tirou da mochila, um dicionário, procurou alguma coisa, seguiu martelando as teclas. Stuart, tinha chamado alguém do departamento pessoal, que estava ali em pé esperando.
Depois de 10 páginas escritas, parou, respirou fundo.
Stuart, pegou os papeis, ele reclamou que agora ia começar a revisar, pois sabia que tinha que enxugar tudo.
Este fez sinal de silencio, estou lendo.
Atenda essa jovem que está esperando para te levar ao departamento pessoal, depois volte para cá.
Fez tudo que tinha que fazer, só disse que assinaria os textos com outro nome, James Maker.
Quando voltou, Stuart estava falando com os outros jornalistas por perto. Como pode isso, nem um erro de gramática, vi vocês rirem dele, porque consultava um dicionário, deviam fazer o mesmo, estou farto de arrumar o textos de vocês.
James, venha comigo, antes apresentou aos outros este é James Maker, vai trabalhar comigo, se escutar algum comentário a respeito, estão fodidos comigo.
Venha, vamos sentar numa sala vazia. Vamos enxugar um pouco isso. Tens que ser objetivo, direto, ao que interessa. Lhe fez duas ou três correções, nada mais. Não se preocupe, a ideia está genial, mas com as letras pequenas, se reduzira a quantidade de texto. Preferes fotografias ou ilustração para a reportagem.
Creio que ilustração seria interessante, as fotografias, todo mundo está cansado de ver.
Stuart, passou a mão no telefone em cima da mesa, chamou alguém, estou um rapaz de uns trinta anos, loiro, mais ou menos vestido igual a ele. Então não sou o único.
Este é Roger ilustrador.
Os dois apertaram as mãos, Roger tinha os dedos finos e larguíssimos, era muito magro.
Está conosco a pouco tempo, os jornalistas não gostam de perder tempo com ilustrações, preferem a fotografia, que nem sempre funciona no texto. Disse que senta-se, lhe entregou o texto.
O Roger tinha um sorriso na cara, desde o primeiro momento. Quando acabou levantou a cabeça disse que tinha sentido exatamente isso, que algumas vezes ainda sentia isso, quando entrava ou saia do metro. Ainda não sei se sou mais uma das formigas, ou serei expulsado do formigueiro.
Numa máquina de xerox, tirou uma cópia, dizendo, vou me colocar a trabalhar imediatamente.
Stuart disse que tirasse mais duas cópias, uma entregou a ele, dizendo, arruma o texto, a outra era para ele, o original levou para o chefe dar uma olhada.
Voltou um tempo depois com um sorriso na cara, aprovado, disse quais mudanças ia fazer, ele disse que será matéria nesse domingo.
Vou sair para comer alguma coisa, queres vir comigo, podemos ir a Universidade, conheço uma pessoa que pode te ajudar.
Pela primeira vez andou de metro, confessou isso ao Stuart, realmente é uma barafunda.
Na universidade, foram direto a secretaria de alunos.
Uma mulher linda, apesar de ter uma certa idade, com cabelos brancos, misturados com negros, saiu de sua mesa, abriu a porta, se jogou nos braços do Stuart. Este se virou, é minha mulher, as vezes que tenho tempo venho comer com ela. Apresentou o James, que disse seu nome verdadeiro.
Espera vou buscar minha bolsa, comemos no mesmo lugar de sempre?
Sim, para variar da tua comida horrorosa. Ela não se deu por aludida.
Enquanto isso contou ao James, eu a conheci aqui, quando estudei, ela também começava, temos dois filhos que já não vivem em casa, se chama Anita.
No restaurante, passou para ela o texto que ele tinha escrito, dizendo é uma senhora que entende de textos, os analisa muito bem.
Leu o texto inteiro, posou a mão sobre eles, dizendo nasce um escritor para o mundo.
Ele achou forte isso, um escritor para o mundo?
Sim, porque acabaras como escritor, narras de uma maneira surpreendente, com verdade.
Me conta essa da dona da casa aonde estas.
Contou a história, como tinha escutado originalmente.
Ela riu muito, não tens malicia, a senhora te ofereceu a cama dela para esquentares agora no inverno.
Ah, então era isso, disse que eu era jovem demais, que devia gostar de carne fresca. Deve se sentir sozinha.
Anita como boa descendente de italianos, ria alto, menino, espero que nunca percas esta frescura. Além do curso, devias fazer um curso de escritura criativa, embora creia que já tens bagagem.
Voltaram a universidade, ela fez sua matrícula, encaixando no horário que ele teria no jornal.
Quando voltaram, Stuart, lhe deu duas matérias para corrigir, vinham de jornalistas que estavam no estrangeiro. Uma era de Paris, outra do Vietnam, afinal estavam em plena guerra.
Leu inteira as duas, a de Paris, falava sobre os 10 anos depois da revolução dos estudantes de 1968, o que tinha melhorado, o que seguia igual, uma analise se tinha valido a pena. Entrevistas com pessoas que tinham participado. Leu atentamente, pois não sabia muito a respeito, foi aos arquivos do Jornal, para ler tudo a respeito. Depois de duas horas, voltou, fez alguns comentários ao lado.
Quanto a guerra do Vietnam, era um artigo sobre prisioneiros de guerra, muito emotiva, falava de um grupo recentemente resgatado. As fotos eram atrozes, havia inclusive uma comparação dos mesmos com os prisioneiros dos campos de concentração de Alemanha.
Voltou de novo aos arquivos, consultou tudo sobre o final da guerra, 1975, os retornados, um paragrafo do arquivo, tinha lhe chamado mais atenção. Na verdade, eram duas frases, será que estavam aptos para retornar a vida normal, ou necessitariam de um longo processo de reabilitação. Procurou pelo assunto, deu com uma reportagem do Washington Post, sobre a quantidade de soldados, vivendo nas ruas das grandes cidade. O assunto era difícil de abordar, porque o governo sempre se fechava em aspas a respeito. Havia poucos artigos entrevistando pessoas que tinham retornado. Haveria ou não normalidade.
Anotou todos esses dados ao texto, esclarecendo que concordava com o jornalista, de como seria o retorno dessas pessoas, dramas familiares, etc.
Entregou ao Stuart o que tinha revisado, não sabia se tinha sido para ver erros gramaticais, ou se para o que tinha feito.
Ele leu, perguntou aonde tinha ido buscar essas referências, ele disse que tinha ido aos arquivos do próprio jornal a procura do assunto, visto que se tratava de coisas anteriores, não só do que acontecia no momento, mas quantos anos o jornal tinha feito reportagens sobre essa guerra, ou sobre essa revolução de estudantes que pretendia revolucionar o sistema de estudos não só da França mas do mundo. Tinha estudado sobre isso no curso de história.
Stuart, disse que falaria com os dois jornalistas. Estes reescreveram a história, o que escrevia sobre a do Vietnam, fez uma anotação a parte dizendo ao Stuart, se esse rapaz é tão inteligente, mande que o mesmo faça uma reportagem sobre os homeless, que foram soldados.
Stuart comentou o caso com o diretor do jornal, esse achou que James estava cru demais para isso. Stuart achava que seria interessante ver como se saia.
Um dos problemas, era que James, conhecia muito pouco a cidade. Descobriu rapidamente que não podia se aproximar de algum grupo, com a cara que tinha de garoto, tampouco com as roupas que usava. Deixou a barba crescer, de tomar banho, conseguiu roupas velhas no lixo da cidade. A primeira vez a dona do lugar mal o reconheceu, lhe explicou do que se tratava. Ela lhe contou de seu irmão. Esse vivia na rua a muitos anos, não tinha conseguido se recuperar, o meu marido morreu na guerra, Mostrou as cartas, eram todas censuradas. Quando erámos jovens, nos escrevíamos em código, porque minha mãe tinha mania de ler nossas cartas, tinha uma censura dentro de casa. Lhe disse que as cartas chegavam censuradas, voltamos a escrever em código. Foi ao seu quarto, voltou com uma caixa, cada uma tinha preso atrás um papel, preso com um clip. O que ele escreveu de banalidade, a verdade nessa outra página, que eu traduzi do nosso código.
Não era uma mulher superficial como ele imaginava. Nessa noite leu todas as cartas que o homem tinha escrito e a parte descodificada. No dia seguinte de manhã o esperava para um café, vou te levar aonde vive meu irmão, sempre levo coisas para ele, nos encontramos um pouco afastado, pois ele tem medo que os amigos me ataquem, pela minha aparência.
Era um café muito longe dali o homem o olhou desconfiado, ele foi honesto, quero fazer uma matéria realmente realista, quero escutar as pessoas, saber o que sente, nada mais.
Apesar de usares roupa velha, estão limpas, foram a um parque em que a grama tinha desaparecido a muito tempo, o ajudou a se sujar, na minha barraca, meu companheiro morreu a poucos dias, podes ficar comigo. Mas te aviso nunca cite nomes reais, pois quando fazem isso, logo aparece a polícia militar atrás da pessoa.
Ficou 15 dias ali, noite e dia escutando tudo, só observando, como se comportavam, o que diziam, dentro da barraca escrevia num pequeno bloco, todo sujo que Jamie, o irmão da senhora lhe tinha dado. Nas primeiras páginas, coisas escritas pelo mesmo, as deixou ali, conversou com ele, viu seus ataques de pânico, ao escutar o barulho de um tubo de escape, os pesadelos que tinha de noite. Falaram sobre isso. Basicamente todos tem. O apresentou a um que tinha estado nos tuneis baixo terra, uma história real para muitos. Esse vivia num túnel do metro que estava desativado, foram até lá, tinha como uma casa, nada de lâmpadas, apenas algumas velas. O aspecto do homem era de um velho, mas nem por isso, tinha quanto muito 45 anos. Dizia que não conseguia dormir nas barracas, da última vez quase matei um companheiro, porque acordei no meio de um pesadelo, pensei que era um vietnamita.
Quando achou que tinha muito material, se despediu do Jamie, perguntou se podia usar o que ele tinha escrito no princípio do bloco.
Disse que sim, mas que não mencionasse os nomes verdadeiros.
Quando voltou, no primeiro dia ainda com barba, todo mundo estranhou, passou três dias martelando a máquina de escrever. Quando apresentou o texto final ao Stuart, este foi ler, em solitário numa sala. Saiu dali, para a sala do diretor. O resto do dia, passaram em reuniões, era um entra e sai de gente da sala de reuniões, que ele ainda pensou que merda fiz.
Quando o chamaram, foi para dizer que algumas coisas ia ter que cortar, pois tinha se reunido com os advogados, esses aconselhavam.
Ficou olhando seriamente o Stuart, depois o diretor, primeiro pediu o texto, olhou o que tinham cortado. Se levantou, disse que sentia muito, mas se demitia, não ia permitir que cortassem uma verdade. Deveriam ter vergonha, esses homens lutaram por nós, sofrem, ninguém lhe faz caso, quando se escreve algo, sempre se censura em nome de um país que os ignora. Sinto muito me enganei de profissão.
Ficaram de boca aberta, não esperavam essa maturidade dele, qualquer outro ia reclamar dizendo que tinha ficado dias sem tomar banho, ou toda uma serie de inconvenientes, mas ele não, porque tudo que estava no texto suava a verdade. Havia uma parte do texto, que era do Jamie, relatando o inferno que tinha sido, tomando drogas para aguentar a pressão, droga fornecida pelos próprios comandantes, depois o vício, a impossibilidade de manter o mesmo, os pesadelos, os ataques de ira. Tudo muito cru.
Quem falou foi o diretor, sabe que se publicamos vai aparecer aqui o FBI a CIA, vão querer saber quem escreveu. Qualquer colega teu pode te denunciar, por inveja, já que não foi ele que teve a coragem de escrever isso.
Bom quem escreveu foi o James Maker, ninguém sabe que sou eu. Aguentarei as consequências. E mais escreverei sobre essa experiência.
Conversou com o jornalista de Washington, este disse o mesmo, passei um inferno durante meses, fui seguido, me interrogaram, me chamaram de comunista, etc. O próprio jornal foi pressionado a me demitir, mas aguentei.
Saiu numa primeira página, depois como um caderno especial no meio. Tinha aproveitado uma parte, para publicar com correções o texto do Jamie.
Não deu outra, no dia seguinte o FBI, apareceu, procurando por James Maker, primeiro foi a secretária dizendo que não conhecia ninguém por esse nome, consultou o departamento pessoal, mas ele nessas alturas estava por um acaso na rua, buscando uma notícia para o Stuart.
Quando chegou, viu as pessoas de casaco do FBI, entrou calmamente, quando lhe perguntaram seu nome, disse o verdadeiro. Stuart ria, que confusão. Querem o James Maker. Teve uma ideia, chamou os fotógrafos do jornal, avisou dois ou três concorrentes, esses deviam avisar quando estivessem a postos.
Havia dois agentes na sala do diretor, esperando que ele apresentasse o James Maker, quando estava tudo preparado, ele bateu na porta, o senhor está me procurando chefe. Os do FBI, olharam aquele rapaz com cara de garoto, pensaram que era algum ajudante ou coisa assim.
Quando ele se apresentou como James Maker, um olhou para o outro esperando uma gozação.
Foi o senhor que escreveu o artigo que saiu publicado?
Sim fui eu.
Queremos que nos leve até o local que o senhor menciona.
Não existe um local, existem vários, não só nesta cidade, como na capital do pais, nos grandes centros, foram os que estão escondidos só deus sabe donde.
Ficaram olhando para ele.
Então levaremos o senhor preso.
Podem fazer, mas creio que sabem que tenho advogados, todos os jornais publicaram o fato.
O agarraram pelo braço, quando saíram o flash estouraram, não um, mas muitos, inclusive canal de televisão. Uma jornalista dizia, como num país democrático, um jornalista era preso por publicar a verdade, tudo isso ao vivo, ele nem chegou ao carro, receberam ordens de deixar a coisa correr.
No dia seguinte, ele publicou um artigo, com o título “ como me senti sendo James Maker”, para o jornal a reportagem também foi excelente.
Não podia procurar o Jamie, nem tampouco voltar para casa, pois a dona seria ligada ao irmão, o jeito foi aceitar, ficar na casa do Stuart.
De noite, Anita, depois de um bom jantar, reafirmou, tens madeira de novelistas, escreva sobre isso.
Em dois anos tirou o curso de jornalismo, mal ia a aula, mas sim absorvia a material, conseguia fazer várias provas ao mesmo tempo, ser aprovado por louvor.
Seu contrato melhorou, pode arrumar um pequeno apartamento para ele. Recebeu oferta para outros jornais.
Quando foi mandado escrever o que acontecia num país depois de uma guerra, como podia lamber suas próprias feridas. Conseguiu um visado muito especial, o que significava estar acompanhado o tempo todo por um agente. Teve sorte, o homem simpatizou com ele, andou por Hanói, outras cidades do Vietnam, conversando com as pessoas, nunca fazia fotografia.
Tinha feito um curso de desenho, anotava as características do momento. Não escrevia nada, apenas desenhava.
Se acostumou a fazer uma coisa, alguma coisa escrevia, desenhando por cima.
Conseguiu aprender o código da irmã do Jamie, ensinar o mesmo para o desenhista, mandava para ele os desenhos, junto com um texto, em código. Assim podia ir publicando, o mesmo aprimorava o desenho. Quando voltou, ganhou várias páginas da revista de domingo, publicou um relato, frio, duro, uma guerra que não tinha ajudado em nada a ninguém, muito menos o povo. Esse continuava na pobreza, trabalhando como sempre tinha feito, sem poder reclamar. Os desenhos que tinha mandado agora com os dois juntos, eram mais realistas, pois ele conseguia relatar como tinha visto a cena.
Ganhou um prêmio por isso. Agradeceu o prêmio, inclusive era muito dinheiro, doou a totalidade para um hospital que ajudava os soldados. Tinha conseguido convencer o Jamie a se internar, para tratamento. Agora se encontravam sempre.
Foi um dia ao hospital, sentou-se com vários soldados que estavam internados, muitos ainda eram jovens, com a vida totalmente destroçadas. Escutou todos falando, mas alguns tinham uma vida de novela. Os entrevistou a parte, escutou suas histórias, as escreveu com detalhes, mostrou primeiro a Anita, sabia que ela tinha um senso de observação impressionante. Detalhou que ele nada mais tinha feito que escrever o que lhe contavam, fazia como uma terapia, pedia detalhes dos acontecimentos, antes, durante e depois. O soldado contava por que tinha se alistado, alguns era para fugir de algum maltrato, inclusive eram menores de idade. Ninguém ia confrontar para saber se era maior de idade, o governo nesse ponto como necessitava de bucha de canhão, tirava o corpo fora. O durante era todos os detalhes da vida que tinham tido lá, batalhas, perdas de companheiros. O depois o retorno, com todas as sequelas inerentes.
Ela leu, depois passou ao Stuart. Tudo que disse, ele fez um grande trabalho.
Ela perguntou se ele queria que ela fosse sua agente, estava farta de trabalhar na universidade, levou o texto a várias editoras, procurando encontrar alguma que tivesse coragem de publicar o livro. Finalmente encontrou, uma independente, que dizia que não tinha nada a perder, mas acreditavam que o livro ou seria um sucesso ou fracasso total, pois as pessoas estavam fartas do assunto.
Quando começaram as entrevistas de televisão, foi franco com cada entrevistador, quando queriam lhe montar alguma armadilha, sorria, mas não respondia.
Depois de uma entrevista, recebeu de uma assistente, um papel com um nome e número de telefone.
Era de sua primeira professora.
Telefonou para ela.
Eu sabia, eu sabia que ias triunfar um dia, que serias grande.
Perguntou por todos, aqui tudo igual. Teu pai, tua mãe, seguem sendo dois estranhos no ninho por aqui. Quando falei que tinhas aparecido num programa de televisão, ela me perguntou se tinham encontrado seu corpo. Dizia sempre para todo mundo que tinhas sido raptado, com certeza assassinado.
Mas não venha aqui por isso, aqui não tem nada para ti.
Mandou o livro para ela, bem como todos suas publicações.
Seguiu em frente, agora ia a encontros internacionais, se sentava quieto, escutando as perguntas idiotas que faziam muitos jornalistas, anotava o que pensava. Quando lhe davam uma oportunidade, fazia a pergunta realmente clave, o porquê?
Os entrevistados sempre agradeciam, acabava a maioria aceitando dar uma entrevista exclusiva para ele. Estava sempre preparado para o assunto. Embora a política não fosse uma coisa que gostasse, sempre via desde seu ponto de vista, um sinal de malicia, um fundo de meia verdade no que falavam. Mas sempre no final de cada texto, colocava exatamente o que tinha pensado a respeito.
O livro foi um sucesso, todo o dinheiro foi dado ao hospital. As pessoas não entendiam por que era dinheiro o que dava um livro, doava o valor ao hospital? Respondia que tinha um bom salário, esses homens mereciam.
Leu um artigo no jornal sobre um rapaz que tinha sido adotado na Africa, estava estudando na Inglaterra, tinha sido garoto soldado, em Uganda. Conseguiu contactar com o jornalista, este fez as chamadas pertinentes, conseguiu uma entrevista. Resultava que o garoto, hoje quase um homem já tinha contado milhões de vezes a mesma história. Mas lhe deu um contato com as missões que cuidavam desses garotos. Seguindo seu impulso, foi até Africa, andando por Uganda, Ruanda, Sudan. Fazia entrevistas, conversava com os garotos e garotas, alguns tinham facilidades de contar o que tinham passado, outros estava sobre cuidados de psicólogos, jamais esqueceriam. Elas sempre eram violadas, serviam de mulheres para uso dos rebeldes, eles eram para carregar, matar o que fosse necessário.
Mas um caso o emocionou, de um casal de garotos, que conseguiram fugir, eram da mesma aldeia, estavam prometidos em casamento desde sua infância. Hoje ela cuidava dele, do seu desequilíbrio emocional. Dizia que sem ele por perto não teria conseguido superar tudo que tinha acontecido, tampouco fugir dos horrores. Ele só comia, se ela lhe desse a comida, procurava sempre segurar sua mão. Questionou com o psicólogo, que os atendia, se isso era amor.
Creio mais em gratidão, pois ele a salvou sempre, algumas vezes fracassou, mas nunca desistiu, pode ser uma forma de amor. Escutou a história dele, com saltos de tempo, alguma confusão de detalhes, momentos que se transformava, contando os horrores pelos quais tinha passado.
Ela a mesma coisa, os abusos, violação, abortos com pouca idade, tinha um problema para andar, mas mesmo assim conseguiram escapar.
Conversava muito com os cuidadores, alguns inclusive tinham que fazer acompanhamento com psicólogos, pois a carga emocional era muito grande. Alguns chegavam famélicos, pele e osso, viu as fotos, cicatrizes pelo corpo inteiro dos maus tratos.
No Sudan, alguns era vendidos como escravos para os árabes, nunca retornavam. Visitou um mercado de escravos, era impressionante. Num deles, vendiam a mulher, esta tinha um bebê mais claro nos braços, o iam matar, pois só queriam a ela. Por instinto, conseguiu que o homem que o acompanhava, comprasse a criança, inventando que sua mulher não tinha filhos. Lhe deu dinheiro para comprar a criança. Levou depois quase 15 dias subornando policiais, militares, empregados públicos, para conseguir um documento, dizendo que ele era o pai.
Quando chegou nos Estados Unidos, teve que usar de todos seus contatos, para poder entrar com a criança, registrar como sua.
Escreveu um livro contando a história do casal, esteve meses em casa escrevendo, Anita tinha encontrado uma mulher que lhe ajudava cuidar da criança. Ela, Stuart eram padrinhos do garoto, lhe deu o nome de Messiah.
Não deixava de escrever artigos para revistas, com o qual ganhava muito dinheiro. Anita dizia que ele era o único escritor que não ficava rico com seus livros.
Quando estava chegando ao final da história, soube que aonde estavam os garotos, tinha sido atacado, não tinha sobrado nenhum, um massacre.
Ficou profundamente abalado. Como podiam fazer isso, sabia que muitas vezes, eram outros garotos soldados que acabavam praticando o massacre, para satisfazer os chefes, provar que eram homens. Como antigamente iam a caça, para provar a maturidade.
No lançamento do livro, além de muitas perguntas idiotas, uma repórter, perguntou por que nunca em seus livros falava de amor. Nunca havia romance.
Olhou para ela, respondeu a pergunta com uma simples negativa de cabeça.
Afinal que era amor? Ele tinha amor ao próximo, nunca tinha esquecido dos homens que tinha visto nos hospitais, sempre que podia visitava os que ainda estavam por lá. Nunca tinha se esquecido do Jamie, nem de sua irmã, sempre encontrava um jeito de ajudar.
Achava que as pessoas confundiam amor, com sexo. É isso o que me perguntas, por que no que escrevo não existem cenas de sexo?
Ela concordou com a cabeça.
Lamentável sua pergunta, se vê que não conhece o mundo, nem a dureza dos que vivem na miséria, dos que se perderam na vida por culpa de outras pessoas. Creio que a definição de amor, felicidade, são utopias que necessita a sociedade.
A idiota, se atreveu perguntar por sua vida pessoal.
Uma pergunta senhorita, leste o livro? Seja honesta?
Não, estou mais interessada na sua pessoa.
Senhores, se acabou a entrevista, quando aprenderem a entrevistar alguém como deve ser, pode ser que conceda novamente entrevistas.
Na televisão se falou muito sobre tudo isso, do rompante que tinha tido. Mas uma pessoa que saiu em sua defesa foi justamente o escritor que dizia ter sido o melhor reporte de sua vida.
Ele sabe respeitar o escritor ou entrevistado, lê os livros, pergunta sobre os personagens, desperta interesse em quem gosta de ler. A vida pessoal, pertence somente a pessoa.
Em casa encontrava paz, Messiah, estava sempre sorrindo quando ele chegava, era uma criança adorável.
Recebeu uma chamada da professora, que passou o xerife, que lhe contou o que tinha acontecido. Como não viam sua mãe a muito tempo, já fazia tempo que seu pai já não saia, um comprador de milho foi até lá. A terra estava abandonada, quando chegou a casa por curiosidade, encontrou os dois sentados no salão mortos já algum tempo. Por isso o estavam avisando. Os corpos estavam na cidade mais próxima, pela autopsia, acreditavam que ela tinha envenenado a ele, como a si mesma.
Queríamos saber como queres proceder.
Comprarei um bilhete de avião, chegarei assim que puder. Não queria deixar Messiah para trás, Anita e Stuart se ofereceram para ir juntos. Eram os únicos que realmente sabiam de sua história. De como tinha fugido para ver o mundo.
Descobriram que na cidade mais próxima havia um aeródromo, alugou um avião. Alugou um carro na cidade, depois de muito perguntar, lhe ensinaram como chegar a pequena vila.
Podiam ter alugado um carro moderno, mas imaginou que chamaria muita atenção, era justo o que ele não queria. Foram num carro comum, mas confortável. Stuart que estava aposentado, ia conduzindo, ele ao lado com Messiah no colo. Anita sempre dizia que tinha alma de pai.
Pararam na frente da delegacia, desceram, nisso saia o xerife com sua mulher, era a hora do almoço. Ela quando o viu, saiu correndo para abraça-lo. Não parava de dizer, que era um homem impressionante.
Apresentou Stuart, Anita, Messiah, passava de braço em braços dos curiosos. Algumas mulheres não lhe eram estranhas, se tocou que eram suas companheiras de classe.
Vocês ficam lá em casa, disse o xerife, só vivemos nos dois, os garotos foram embora a muito tempo.
Sentaram-se todos a mesa para comer, a típica comida da região, muitas coisas feitas com milho.
O xerife, perguntou se os queria ver? Ficou em dúvida, na verdade nem se lembrava da cara dos pais. Com os anos tinha visto tanta gente morta, que lhe dava igual. Insensibilidade, não sabia dizer. Foi com ele, Stuart, até a cidade vizinha, viu os pais, tinham pelo menos a cara serena. Perguntou ao xerife se eles tinham algum advogado?
Sim, daqui ele sabe que estas na cidade, virá falar contigo, depois que resolvamos as coisas aqui. Algumas famílias enterram os seus, no seu próprio campo.
Eu não sei muito a história da minha família, creio que os dois, por algum motivo que não sei, se refugiaram aqui. Tudo que sei, é que ela administrava sedantes todos os dias para ele. Não tenho ideia do porquê. Um pequeno detalhe que me lembro, foi que um dia apareceu um senhor que se dizia meu avô, era pai dele. Mas ela não permitiu sequer que entrasse em casa.
Encomendou, caixão para os dois, já iria resolver aonde enterra-los.
Foram falar com o advogado, este tinha um testamento, em que ela deixava a fazenda para ele, sabia que estava vivo, porque a professora, a tinha obrigado a lhe ver na televisão, sabia que ele era escritor.
Havia uma carta dela para ele, bem como um envelope fechado de um outro advogado, de Baltimore, apenas disse que fosse entregue a ti.
Mais tarde, sentou-se para ler a carta com Messiah ao seu lado, este gostava de ficar sentado ao lado dele, ficava quieto, olhando o que lia.
Ela começava a carta, com um simples Alô, como se estivesse falando por telefone. Observou que havia erros gramaticais, palavras mal escritas.
Hoje posso entender, que errei desde um princípio. Quando estas fugindo de uma realidade, tudo que te resta é pensar em se isolar. Nesse pedaço de terra, afastado de tudo, encontramos a paz. Na verdade, ele encontrou a paz. Apesar dele ser mais velho do que eu, quando o conheci, tinha saído da prisão. Não era um idiota qualquer, tinha sido professor na universidade, por culpa dele, num distúrbio da universidade, foram feridos muitos alunos, uma bomba que ele fabricou, matou mais alguns. Passou o tempo todo em prisão horrorizado com o que tinha feito. Não suportava o contato com outras pessoas, não gostava de falar, mas me apaixonei por ele. Sua família tem muito dinheiro, era filho único. Mas seu pai, ainda tentou se reconciliar com ele, veio até aqui, mas ele se negou em receber. Eras pequeno, não sei se te lembras disso. Depois tentou te levar, mas não permiti. Coloquei na minha cabeça, que como eu, tu tinhas de cuidar da gente quando ficássemos velhos. Foi o que aconteceu comigo, meus pais eram velhos, cuidei deles até morrerem, foi quando o conheci. Alugamos um carro, saímos pelo interior, buscando um lugar que a ele lhe parecesse um paraíso, por isso só arávamos uma quantidade de terra para nosso sustento, o resto sempre ficou floresta. Aqui ele tinha paz.
Na primeira vez que tu escapaste, senti que tinha que me preparar pois um dia irias embora de qualquer maneira. Queria te proteger do mundo, por isso não queria que fosses a escola. Mas estava errada, pelo que me contam eres um ser humano muito bom.
Terei que tomar providencias, pois a demência está tomando conta totalmente dele, não saberei viver sem ele. Durante anos administrei tranquilizantes, quando sentia que ele perdia o norte, mas, minha preocupação, era se eu morrer antes dele como será. Por isso tomei uma decisão, teríamos que ir juntos, lhe administraria uma dose mortal, tomaria outra em seguida. Essa era a solução certa. Nas latas encontraras mais dinheiro, nunca precisamos de muito para viver, eu continuei plantando minhas latas, afinal sempre tivemos muitas para usar.
O envelope fechado, é do advogado do teu avô, não sei, nem quero saber do que se trata.
Cuide-se bem, seja feliz.
Estava assinado Esther Schumaker.
Ele não sabia o nome dela, o mais interessante ela sabia que ele tinha levado dinheiro das latas.
Abriu o envelope do outro advogado, era sobre a herança de seu avô. Lhe deixava a casa familiar, bem como dinheiro em bancos. Mandava seu contato.
Junto havia uma cópia do testamento, na verdade não deixava nada para seus pais, mas sim para ele diretamente. Não devia saber quem ele era.
No dia seguinte foram até a fazenda, a casa estava caindo aos pedaços. Mostrou ao Stuart e Anita, a quantidade de latas, que formavam uma montanha. Ela nunca cozinhava, sempre eram comidas de latas. Só vim comer uma comida verdadeira quando fui embora daqui.
Iria buscar saber a história de seu pai, para encontrar seu próprio passado.
Ficou sabendo, que toda a floresta aonde ele se escondia, na verdade pertenciam a ele, tudo era seu. Foi olhar, o jardim, como devia ter chovido muito, se via várias latas aparecendo, como sempre todas tinha dinheiro. Se lembrou da localização das primeiras, estava cheias de envelopes, mandados pelo seu avô, em seu nome, com dinheiro dentro. Então a maioria do dinheiro quem mandava era seu avô. O melhor que fazia era arrasar a casa, mandar retirar tudo, deixar que a floresta tomasse conta de tudo, ou construir uma casa nova para um dia quem sabe voltar. Uma parte do dinheiro deu para construírem uma nova escola, além de dinheiro para pagarem mais professores. Porque a escola o tinha salvado de uma vida que não queria.
Resolveu que o que tinha pensado, deixar que a floresta recuperasse seu lugar. Um dia quem sabe voltaria. Fez o caminho até a gruta, para se lembrar de seu caminho. Resolveu que ali era um bom lugar para enterra-los, pois se tivessem descoberto esse lugar, com certeza teriam vivido ali.
Voltaram para New York, se deu conta que era um bicho de cidade, gostava de andar por aí, ser uma formiga da cidade.
Deixou Messiah, com Anita, foi a Baltimore, falar com o advogado. Este leu o testamento, foi lhe mostrar a casa, uma mansão muito antiga. Bem conservada, teu avô não sabia quando viria alguém por isso uma parte era para manutenção da casa familiar.
Viu em cima de um piano, fotos de seu pai quando jovem. Uma foto de casamento, mas não com sua mãe.
Perguntou ao advogado se ele era casado?
Sim foi, mas quando foi para a cadeia, a mulher pediu divórcio. Não tiveram filhos, pois justo depois do casamento, ele foi para a guerra. Voltou diferente, com ideias complicadas, ninguém sabe como, mas foi um dos incentivadores das protestas. Fabricou as bombas, ele mesmo fez tudo explodir. Ninguém sabia que tinha voltado da guerra da Coreia com problemas psicológicos. Quando saiu da prisão, se negou a viver na mansão. Lhe deram liberdade, justamente por seus problemas psicológicos, foi quando conheceu tua mãe, era trabalhava num café que ele frequentava.
Seu avô levou anos procurando por eles, até que encontrou. Quando te viu, tentou convencer tua mãe, de deixar trazer-te para estudar, mas foi teu pai que não permitiu. Queria que fosses um homem forte de caráter, segundo uma carta que escreveu ao teu avô.
Verdade seja dita, teu avô, era um homem que gostava de manipular as pessoas. Não era de fácil convivência.
Ele jamais iria viver ali, procurou dentro da casa o quarto que seria de seu pai, mas se espantou, todos os quartos eram iguais, não havia identidade de ninguém. Mesmos os livros da biblioteca, era 80 por cento daqueles que são só a lombada. Ninguém sabia de aonde tinha saído seu avô, acreditavam que tinha chegado depois da primeira guerra, ninguém sabe de onde.
Se deu conta que não tinha o mesmo sobrenome, o seu era somente o de sua mãe. Na sua certidão de nascimento que foi feita quando foi a escola, era como se os dois tivessem o mesmo sobrenome. Ele tinha adotado o dela, para escapar do velho.
Mandou o advogado vender tudo, quando o dinheiro foi depositado em sua conta, separou uma parte, para que um dia Messiah pudesse ir a Universidade. Seguia ajudando os hospitais de veteranos, entendia agora que por instinto, tinha visto nesses homens o comportamento de seu pai.
Escreveu um livro sobre isso, desta vez não usava a história dos outros, contou sua própria a partir da de seus pais. Foi como uma catarse, saber finalmente de aonde tinha saído e o porquê.
Quando viu que tinha muito dinheiro, resolveu junto com psicólogos, fazer da fazenda um lugar para que essas pessoas pudessem se recuperar. A princípio houve uma resistência do pessoal da vila, mas acabaram concordando. Fizeram um projeto de uma casa central, depois uma série de cabanas. Os homens que vinham do campo, voltavam a suas raízes.
Sentiu que finalmente isso tinha sentido do paraíso que eles tinham buscado, um lugar para lamber as feridas, seguir em frente.
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