lunes, 13 de marzo de 2023

PUNK MACTOSH

 

                                            SEQUÊNCIA  DE OBERON MACTOSH

 

 

Voltava do enterro do meu pai, Oberon Mactosh, cantor, ator, um grande pianista de jazz, morreu como queria, em cima de um palco, tocando as músicas que amava.

O conheci no orfanato, para aonde me levaram, meus pais tinham morrido nas drogas, uma coisa comum em Los Angeles, tinham saindo sabe-se lá de donde, em busca da fama, fortuna, eu era pequeno, Oberon me adotou.

Descobriu que meus pais estavam no necrotério, os mandou enterrar, fui com ele ao enterro, segurando sua mão, estava deslumbrado com aquele homem alto, bonito, nessa época começavam a ter cabelos brancos, junto estava Donald, um grande amigo dele, bem como companheiro no restos de seus dias.

Me colocou numa escola, perto de casa, vivíamos em Venice Beach, Donald foi quem me ensinou a fazer surf, mas toda semana eles iam ao Orfanato, dar aulas, meu pai de música, ele de artes.

Os dois ainda ajudavam no que podiam o orfanato, me levavam junto, um dia Donald discutiu com ele sobre isso, porque me levava.

Foi quando ele contou sua história, se não tivesse sido adotado ao nascer, pela quem considerou toda vida sua mãe, teria acabado num orfanato como eu.  Nunca devemos esquecer de aonde saímos.

Ele tinha sido cantor desde criança, aprendeu com a mãe, na universidade estudando música, aprendeu a compor, o que fez muito mais tarde.

Me descobriu cantando, me sentei ao lado dele, com seu piano portátil, que levava sempre ao orfanato, cantava “Over de Rainbow”, uma música que minha mãe, quando não estava colocada cantava para que eu dormisse.

Eu sabia a letra inteira, seguiu sendo uma música que me acompanharia a vida inteira, pois sempre a cantava nos seus shows.

Fazia música incidental para o cinema, mas gostava mesmo era de fazer pequenos shows, em boates de jazz.

Tinha uma voz impressionante, quando cheguei aquela idade que trocamos de voz, tive que fazer um tratamento, pois tinha um problema na garganta.

Passei um bom tempo no hospital, tinha um câncer de faringe, mal podia comer, ele estava lá todos os dias comigo, não saiu do meu lado.

Donald se preocupava, pois não trabalhava, ele ria dizendo que tinha dinheiro suficiente para viver várias vidas.

Graças a Deus tinham descoberto cedo o câncer, assim o tratamento funcionou, fiquei sem cabelos um bom tempo, o mais divertido, foi que ele, bem como o Donald, raspavam a cabeça para ficar igual.

Quando meu cabelo voltou, de loiro que era quando garoto, nasceu escuro, um castanho, como o dele.

Quando voltei para casa, estava louco para fazer surf, mas agora íamos ao final do dia, quando o sol não era muito forte.

Adorava os dois, Donald era mais prático, me ensinou a ler e escrever antes do tempo, quando fui para a escola, já sabia fazer isso, gostava de desenhar, um dia sonhei com meus pais de verdade, me levantei de madrugada, os desenhei, tinha medo de esquecer como eram, no meu sonho, pareciam como jovens que eram, loucos para ganhar o mundo.

Quando Donald levantou, eu estava sentado na mesa da cozinha, terminando o desenho, ele reconheceu os dois, falou seus nomes, ficou na minha cabeça.

Oberon quando viu, chorou, disse que de sua mãe verdadeira, nem tinha ideia, tudo que sabia era que era menor de idade, que vinha fugindo de algum lugar, que tinha chocado uma caminhonete contra uma árvore, pelo visto não sabia dirigir, a tinha roubado num posto de gasolina.

Quando sua mãe lhe contava, dizia que essa caminhonete, estava cheia de engradados de galinhas, que voavam penas para todos os lados, um dia ele compôs uma música sobre isso, a fuga, fazia uma parte em bebop, um gênero de jazz, em que fazia a música sem cantar, somente com sons na boca, eu me matava de rir, pois ele imaginava as galinhas saltando, fazendo ruídos.

Eu tinha verdadeira adoração pelos dois, cada um a sua maneira me amavam.

Depois do câncer, minha voz ficou horrível, eu me chateava com isso, pois queria cantar com ele, me consolou dizendo que eu encontraria outra maneira de fazer arte, me disse tens o desenho, escreves bem.

Era uma verdade, as histórias que Donald me contava, eu transformava em desenho, as escrevia ao mesmo tempo, transformando numa coisa que adorava, história em quadrinhos.

Ele me contava sempre uma que tinha inventado, sobre Punk, o personagem de “Sonhos de uma Noite de Verão” de Shakespeare, as histórias que ele inventava, era melhores que a original, depois me mostrou nos filmes, mas para mim, o que me contava de noite eram mais impressionantes.

Mostrei para ele, quando terminei, ele levou para a escola, mostrou a professora de artes, de teatro, essa resolveu montar a história como eu tinha feito.

A de arte conhecia alguém no Pixar Studios em Emeryville, mandou uma cópia do que eu tinha feito.  Veio uma pessoa falar comigo, quando viu que era uma criança, riu muito, me incentivou a trabalhar sempre, me trouxe de presente um computador, bem como um convite para ir ao studio aonde trabalhavam.

Numa semana de férias fomos até lá, alucinei. Sonhei com isso muito tempo, mas Donald como sempre me colocava os pés no chão.   Lá dentro serás um prisioneiro, tens que fazer o que te dizem, deves sim aprender a trabalhar no computador, para conseguir ser como eles, se possível faça um estagio lá quando fores maior.

Procurou, ele sempre era assim, uma pessoa para me ensinar, conseguiu justamente um que tinha trabalhado lá, dizia que era uma jaula de ouro, te elogiavam, mas no final aparecias nos letreiros no final, a gloria sempre era de quem tinha a ideia.

Fiz um curto, a historia de meu pai Oberon, as galinhas voando, usei sua música como fundo, ele ria horrores, levei quase um ano para terminar, com uma fotografia de sua mãe, a inclui na história, ele amou, Donald conseguiu com seu amigo que subisse no Youtube, que nessa época começava, fez sucesso.   Quando me convidaram para participar de um festival de curtas metragem, riram muito quando descobriram que eu tinha na época 14 anos.

Depois não parei mais, fiz como o Donald tinha sugerido, um estagio em Pixar Studios, para saber como era, realmente não encaixava, estava acostumado a trabalhar sozinho, minhas ideias, ali eram ideias de outros, trabalho de grupo, não fiquei contente.

Seu amigo me convidou para trabalhar com ele, num longa que estava fazendo, foi genial, eu com uma cabeça diferente da dele, que tinha mais experiencia, dizia que eu era como um vampiro, o que ele me dizia, ficava, que tinha a criatividade a flor da pele.

Meu pai Oberon fez a música para o filme, que passou em vários festivais, ganhou vários prêmios com isso, cada vez se especializava mais em fazer música.

Quando fiz 19 anos, percebi coisas diferentes no Donald, se esquecia das coisas, estava no meio da rua, de repente não sabia para aonde ia, entrava no supermercado, depois não sabia sair.

O médico disse que tinha Alzheimer, foi uma porrada a toda regra, ele que era uma pessoa independente, de repente mudou, se fechou em si mesmo, pois sabia por aonde iam os tiros, nos dois o ajudávamos, mas infelizmente acabou numa residência de pessoas com o mesmo problema, eu ia quase todos os dias até lá, meu pai Oberon, tirava uma parte da manhã para estar com ele.   Reclamava que era a única hora que ele estava mais desperto, mas dizia sempre que essa doença era como uma maldição, ver uma pessoa como ele desaparecendo nas sombras.

Quando ainda tinha cabeça, um dia me pediu para contar a sua história, foi o que fiz, o meu primeiro largo metragem, em desenho, falando justamente disso, até ele desaparecer.

Seu enterro foi super concorrido, ai descobrimos uma quantidade enorme de gente que de alguma maneira ele tinha ajudado.

A mim me balançou, Oberon entendeu, eu perdia mais uma vez uma pessoa que adorava, ninguém de sua família apareceu, só um irmão que veio depois saber se tinha algum dinheiro de herança.

Mas no testamento dele, tudo que ele tinha, sua casa, o dinheiro de ex-militar, era tudo para o orfanato aonde ele ajudava.  Deixou sim uma carta para nós dois.

A minha dizia que eu tinha sido o filho que ele tinha sonhado em ter na vida.  Oberon nunca me mostrou a sua, sei sim que chorou muito.

O pior que estava tão acostumado a compartir coisas com ele, que fiquei meio perdido.

Passei a fazer isso com o amigo dele, Jackson, com quem trabalhava, esse um dia muito sério me contou como tinham se conhecido.

Jackson tinha chegado a Venice Beach, vindo do interior, precisamente de sacramento, tinha loucura pelo mar, Donald, tinha deixado o exército, com um ferimento na perna, da qual nunca se recuperou, mancava um pouco por isso.   Tiveram um breve romance, mas quando Oberon entrou em cena, viu que Donald só tinha olhos para ele.  Foi quando fui trabalhar na Pixar, quando voltei, ele me ajudou a retomar minha vida, me incentivou a seguir fazendo meus filmes, sempre falávamos, me contava que agora tinha um filho, que me amava, me mandou teus desenhos, para que eu desse uma olhada.

Ficava contente quando vinha te buscar para alguma coisa, mas realmente nunca deixei de ama-lo, Jackson tinha nos ajudado a cuidar dele.

Fizemos os dois um filme, levamos mais de dois anos, desenhando, passando pelo computador, agora entre os dois tínhamos um studio.

Meu pai sempre aparecia, pois adorava fazer a música do filme, ficou conhecido cada vez mais por isso, teve uma época que me preocupei muito, pois fazia para dois filmes diferentes, quando falei com ele, me olhou sério, isso é como um desafio, quero saber se tenho a capacidade de fazer duas coisas diferentes ao mesmo tempo.

Acabou exausto, rimos muito no final, pois as duas músicas concorriam ao Oscar, vieram entrevista-lo por isso, ele como sempre tinha aprendido com sua mãe ser educado, falou dos dois trabalhos em conjunto, como tinha ficado exausto no final.

Depois durante anos, recusou fazer qualquer trabalho nesse gênero, fazia para nós, acompanhava o nosso trabalho, percebi que Jackson tinha transferido o que sentia pelo Donald para ele.

Mas ele ria, dizendo ao Jackson, que se juntasse com sua turma, pois era muito jovem para ele.

O mais interessante, era que nossos filmes participavam de festivais, alguns realmente chegavam ao cinema, mas claro, não eram desenhos animados para crianças, eram assuntos sérios, coisas da vida.

Nunca tinha me sentido interessado nessa coisa de fazer desenhos para crianças, tinha bastado meu primeiro trabalho, o tempo que tinha estagiado na Pixar, para me tirar a ilusão disso.

Gostava do que fazia.

Como dizia meu pai, tens casa, comida, roupa lavada, que mais queres, com o tempo foi me ensinando a saber administrar o dinheiro que ganhava, como sua mãe tinha feito com ele.

Nossas conversas agora era largas, pois nunca me via com ninguém, o que era uma verdade, não me apaixonava, talvez procurasse uma pessoa como ele, Donald, que eram sérios, nada de aventuras de uma noite.

Esperava encontrar alguém para amar, realmente.

Fiquei surpreso quando num festival que fomos, o Jackson conheceu alguém, ficou como louco, pelo homem, mas percebi logo que o mesmo era um tanto excêntrico, adorava drogas, outros bichos, voltei sozinho para casa, ele ficou o esse homem.

Voltou quase um ano depois, um trapo, tinha caído na rede das drogas, foi duro ajuda-lo, mas ele tinha um instinto de conservação, esteve meses internado, fazendo terapia, desintoxicação, coisas impressionantes.  Oberon, ia comigo nas visitas, o escutávamos.

Um dia disse que devíamos fazer um filme sobre isso.

Eu sabia que não devia, de maneira nenhuma provar drogas, por causa de meus pais, ninguém sabia se na época que minha mãe tinha me gestado, consumia drogas, então era um perigo.

Quando voltou, fizemos essa história, que no fundo foi como uma catarse para ele, ganhamos inclusive prêmios, o filme passava em festivais, no Youtube bombava, pois era um ponto de referência.

Alguns diziam que era como um aviso, de como era fácil se perder nas drogas.

Num dos festivais, em Londres, um médico veio falar comigo, pensou que se baseava a história em mim, sorri, mas não disse nada.

Me contou sua história, que tinha tido uma vida tumultuada, que para se manter, conseguir acabar a universidade, tinha roubado drogas dos hospitais que fazia práticas, acabou se viciando, tinha sido um largo caminho para se livrar de tudo que tinha acontecido com ele, que no fundo na época procurava uma maneira de seguir em frente.

Acho que pensou que nos interessava a história para fazer um filme, mas Jackson, soltou, esse sujeito tem cara de embusteiro, com os seus conhecimentos, se informou a respeito do mesmo, o tipo tinha inventado a história toda, queria cinco minutos de fama.

Nem era médico coisa nenhuma, um dia vi um filme na televisão, chamei o Jackson, rapidamente, que olhasse nesse canal, aí estava a história que o sujeito tinha contando, era um filme inglês, baseado num fato real, descobrimos depois que o personagem tinha morrido de overdose, quem contava a mesma era um irmão dele.

Tinha tudo para ser alguém, mas tinha se perdido.

Sempre acontecia isso, alguém se aproximar, eu aprendi a tirar o meu da reta, como dizia o Oberon, as pessoas adoram inventar histórias.

Ele e o Jackson, riam muito comigo, pois sentia que algumas pessoas se aproximavam pelos cinco minutos de fama, eu descartava em seguida.

Em Paris, conheci um cineasta como nós dois, que era Africano, tinha vindo jovem para Paris, tinha feito um trabalho em cima das histórias que contava seu avô na sua infância.

Tivemos um papo genial, saiu comigo para conhecer a cidade, me contou sua vida, tinha tido um relacionamento que tinha arrasado com ele.

Por isso tinha medo de começar qualquer coisa, iria para a Africa em breve, não para o pais de origem, lá tinha sua entrada proibida, pois tinha contado a história de seu avô, o governo militar não gostou.

Eu e Jackson, fomos com ele, nos disse, levem muitos blocos de desenho, pois vamos necessitar.

Passamos um mês viajando em um jeep velho, um homem que tinha sido militar, nos levava a todas as aldeias bem para o interior, a mim me traduzia o que os velhos contavam.

Um deles, foi como um encontro com o passado, começou a falar dos meus pais, falou que não se tinha encontrado nada, pois os dois tinham saído de um orfanato.

Sonhavam em ser grandes cantores, falou da minha vida, com Oberon e Donald, fiquei admirado como sabia, foi aonde ficamos mais tempo, começo a me contar do Orixá que me acompanhava sempre, ele te protege, essa gente que se aproxima de ti, quando apresentas teu trabalho, desconfias sempre, pois ele te diz em tua cabeça, que esse não é o caminho.

Começou a descrever o mesmo, contar sua história, não só como Orixá, mas em sua vida terrenal, dizia que ele era justamente daquela região, falou com o guia para nos levar até uma pequena aldeia as margens de um rio, completamente poluído, pelas explorações mineiras, que faziam os chineses.

Quase nada restava da aldeia, sem saber muito por que, chorei muito, em minha cabeça se começou a formar uma história.

Quando voltamos, passamos de novo para falar e despedir do velho, ele me disse que o que tinha imaginado, daria frutos, que deixasse minha intuição me dirigir.

Quando voltamos, Jackson resolveu ficar um tempo, em Paris, com seu novo romance, iriam trabalhar junto num projeto.

Me disse que usasse sem problemas o studio.

Lhe disse que desta vez, iria trabalhar desde casa, tinha algum dinheiro, comprei o material que necessitava em termos de computadores, programas que usava.

Ainda ganhei mais, pois a empresa que os desenvolvia me contratou para ensinar jovens a usar o mesmo, fiz um programa que procurei que fosse o mais simples possível de ensinar.

Deu certo, agora me pagavam para ir pelo mundo fazendo palestra sobre isso.

Quase dei a volta ao mundo, conheci muita gente, mas no final estava era louco para voltar para casa, não gostava muito de ficar afastado de meu pai.

Oberon já estava com oitenta anos, dizia que era duro na queda, se espantei galinhas para nascer, ainda compunha músicas, que depois me mostrava, tinha medo de se repetir, tu sabes com a idade ficamos repetitivos.

Mas nada, levou uns quatro anos, fazendo um trabalho completamente diferente, uma sinfonia dedicada à sua mãe, nunca tinha esquecido o que ela tinha significado para ele.

Mas me cobrava sempre que eu iria ficar velho e sozinho.

Nessa época conheci na praia, fazendo surf um homem diferente, era muito sério, lhe faltava uma perna que tinha perdido na guerra, tinha um equilíbrio impressionante em cima de sua prancha, tínhamos a mesma idade.

A primeira vez que dormi com ele, me disse, que era melhor eu ir embora, vivia na encosta, numa casa que tinha herdado do homem que tinha amado muito.  Um coronel, que o tinha protegido desde o princípio, mas tenho pesadelos de noite.

Me despertei com ele suando horrores, gritando, cuidado, cuidado, me abracei a ele, se relaxou.

Com o tempo foi me contando sua vida, de garoto que viveu a vida inteira num orfanato, quando teve idade para sair, tinha poucas opções, ir para o exército, se prostituir, vender drogas.

Preferiu o primeiro, pelo menos pode estudar mais, adorava um livro, escrevia histórias que tinham ficado na sua cabeça.

Mostrei para ele meu trabalho, o que fazia no momento, sobre o Orixá, ele ria, dizia que sonhava as vezes com esse homem, que muitas vezes o tinha salvado de morrer.

Foi me contando tudo, eu sabia que era verdade, perguntei se podia incluir na minha história.

Agora me acompanhava durante o dia, fizemos uma rotina, íamos de manhã, fazer surf, depois íamos para a casa de Oberon, que reclamava todos os dias, que se sentia sozinho, depois se sentava conosco para escutar a parte da história que estávamos trabalhando, fui ensinando a John Brother a trabalhar, ele se matava de rir, dizia que eu tinha demorado, mas tinha encontrado alguém que ele via que me amava.

Já posso morrer em paz, soltava, as vezes chegávamos, me contava alguma história que tinha sonhado, entendo o que minha mãe dizia, que com a idade vamos nos lembrando de coisas e pessoas do passado.

Ela falava muito do tempo que vivia com sua família, que eles achavam que ela queria ser puta, por querer ser cantora de musicais.

Um dia me contou toda a história sobre o único homem que tinha amado, como ficou frustrada quando descobriu que ele tinha feito uma operação de vasectomia, que lhe impedia ter mais filhos.  Talvez me dizia por isso o filho que ela desejava, chegou por outro caminho, desde o primeiro momento me dizia, eras o filho que eu esperava.   Me ensinou a amar a música.

Seu pai não sabia, mas gravava todas as conversas que tinham.

As vezes eles chegavam estava escutando alguma música que os dois tinham gravado, me dizia, olhe como eu erro a nota tal. Podia ter feito melhor.  Escutem como ela canta, a força que tinha quando amava uma música.

Um dia chegamos, tinha morrido dormindo, já estava a beira dos noventas, estava com a mobilidade reduzida, pois tinha artrose, o que mais lhe incomodava era a artrose nos dedos, que lhe impedia de tocar piano, então ficava sentado num cadeirão, cantando baixinho as músicas que tinha cantado a vida inteira, as vezes dormia, despertava cantando outra música, dizia que tinha sonhado que estava cantando essa música no palco de algum casino em Las Vegas.

Era duro ver um homem como ele, perder primeiro a mobilidade, segundo, viver do passado.

Só nos deixava entrar em casa, porque sabia quem éramos, estranhos ele não atendia.

Um dia me disse quase num sussurro que tinha sonhado com sua mãe, que lhe apresentava a verdadeira, uma menina.      Chorou muito nesse dia, uma lastima que não a conheci, só irei vê-la do outro lado.

Seu enterro passou quase desapercebido, ele a muitos anos já não fazia shows, com a idade apareceu o medo cênico, achava que ia esquecer a letra da música, um acorde de piano, coisas do gênero, lhe disse que não necessitava de dinheiro, tinha suficiente.

Voltávamos do enterro, ele iria ficar ao lado dos seus amores, o advogado me disse que nem precisava fazer leitura de testamento, que tudo ia para mim, o que ele tinha deixado para o orfanato de aonde tinha me tirado, já tinha entregue pessoalmente.

Contou como tinha sido, fomos ao banco, ele pediu um cheque num valor altíssimo, depois o levei ao orfanato, como sempre as crianças corriam para ele, para escutar alguma música, ou que ele tocasse piano, pediu desculpa, mas suas mãos não permitiam mais, ainda fez uma brincadeira com os meninos, dizendo se algum tocasse piano, ele cantava.

Entregou o cheque a freira que comanda tudo, se despediu de criança por criança, me disse que esperava o dia que fosses ali, buscar um neto para ele.

Era estranho ele nunca tinha falado a respeito.

Voltei a frequentar o orfanato, agora dava aulas lá uma vez por semana de desenho para os meninos, não sei como John, passou ensinar os meninos a tocar piano.  Disse que tinha aprendido um básico com meu pai.

Acabamos nos casando, adotando um casal, dois irmãos que chegaram juntos, mal cuidados, num estado lastimável, iam separa-los, a freira conseguiu que pudéssemos adota-los.

Foi fantástico, John é um pai fantástico, os leva a escola todos os dias, mas ao médico, vamos os dois, três vezes por semana vem uma senhora, com uma enfermeira, para dar uma olhada neles, tem que comer comida balanceada, pois estavam muito subnutridos.

Não tinha conseguido encontrar nenhum parente dos dois, o Orixá disse que os tinha guiado até o orfanato.

Tempos depois tivemos que nos mudar para uma casa maior, adotamos mais dois irmãos, a mãe tinha morrido na rua, eu fiquei louco quando vi os meninos, um era branco outro negro, com a diferença de um ano cada um, quando os vi, estavam de mãos dadas, inclusive dormiam assim.

Dois anos depois adotamos duas meninas, a freira dizia que tínhamos madeira para ser pais.

Talvez tivéssemos realizando o sonho do Oberon de ter netos, sempre dizia que sua mãe com certeza teria me adorado como neto.

O tempo passa muito rápido, agora basicamente todos são quase adultos, estão na época de irem à universidade, cada um quer uma coisa diferente, mas querem estudar em Los Angeles mesmo, para não se afastarem um dos outros, se dão muito bem entre eles.

John os teve sempre quase num regime militar, ao mesmo tempo, é para ele que correm para contar alguma coisa, sabem que quando estou mergulhado num desenho ou criando um personagem, fico como numa casca fechada, ele ao contrário é aberto.

Fazemos no fundo um casal perfeito, pois o que falta a um o outro tem de sobra.

Talvez também por termos saído de orfanatos, entendemos os garotos.

Tenho que trabalhar mais, para ganhar dinheiro, menos mal que Oberon me ensinou a aplicar o dinheiro para render, pois mandar todos a universidade, custa muito, mas não me importo.

Nenhum deles é cantor ou desenhista, mas não me importo.

Outro dia fazendo as contas, já fazem quase trinta anos que estamos juntos, amo o John, sigo o que me dizia o Donald para manter a família unida, sinto falta dos meus pais, sempre, as vezes me pego falando com o Oberon, se posso usar música tal dele, para fazer um fundo a história que estou contando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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