martes, 27 de diciembre de 2022

MESTRE CANJICA

 

 

 

 

 

 

Eu Sei Que Vou Te Amar

Tom Jobim

Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente, eu sei que vou te amar

 

E cada verso meu será

Pra te dizer que eu sei que vou te amar

Por toda minha vida

 

Eu sei que vou chorar

A cada ausência tua eu vou chorar

Mas cada volta tua há de apagar

O que está ausência tua me causou

 

Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver

A espera de viver ao lado teu

Por toda a minha vida

 

Despertou pensando nessa música, ainda pensou, meu passado me condena, as vezes acreditava piamente nisso, que o passado era como uma onda, ia, voltava, quebrava na praia, mas nunca desaparecia por causa da repetição.

Ele tinha se inventado, reinventado mil vezes, mas seguia como dizia sobrevivendo, isso sempre, as vezes dizia as pessoas, eu sou um sobrevivente de mim mesmo, mil vezes.

Era conhecido pelos íntimos como Mestre Canjica, mas seu nome verdadeiro de Adalberto Castro Mendonça, tinha nascido em Salvador, Bahia, era um soteropolitano da gema, como dizia, além de ser filho de Xangó, Iansã, com um Exu Bara, para o acompanhar a vida inteira.

Era um tipo baixo, como sua mãe, uma mulata para ninguém botar defeito, tinha somente 1,60, foi trabalhar na casa do Coronel Olímpio Mendonça, ela se chamava Doroteia Castro, era uma mulher para ninguém botar defeito.  Ajudava em tudo, principalmente a cuidar da mulher do Coronel Mendonça.   Na época os tratamentos de câncer não eram tão bons como agora, era a segunda vez que tinha a doença.  Cuidou dela até morrer, os filhos nunca aparecia, tinham suas vidas, diziam que não gostavam de ver sua mãe morrer, vieram ao enterro, para saber se depois tinham direito a alguma herança.  Nada, tudo era do Coronel.

Ele se apaixonou por Doro, ou Doroteia, sem remédio, dai nasceu Adalberto Castro Mendonça, ele fez questão de colocar o nome no garoto, para surpresa de muitos, era muito claro, olhos verde, cabelos crespos loiros, um sorriso na cara, o médico riu, dizendo que era raro isso, uma criança nascer sorrindo.

O velho se apaixonou perdidamente pelo filho.  O chamava de Canijo, pelo seu tamanho, quando foi para a escola, claro sofria bullying, mas seu pai o colocou para aprender capoeira com Mestre Surpresa, esse era famoso na época, diziam que era uma caixa de surpresa, pois sempre sabia improvisar, derrotando os que vinham lutar com ele.

O menino se revelou, tinha uma facilidade incrível para isso, não gostava muito era de estudar, tinha verdadeira paixão, vendo sua mãe cozinhar, ela era uma das Yaos, de uma famosa senhora do Candomblé.   Tinha um restaurante na Praia Vermelha, chamado Comida de Santo, tinha licença deles para reproduzir as comidas de suas oferendas.

A lista das comidas era imensa, mas se o cliente pedia para fazer uma entrega, ela a fazia dentro dos preceitos, nunca entregava no restaurante, mas sim na sua casa, que ficava por detrás do mesmo, ali, vivia com seu filho querido, que desde criança a ajudava nesses afazeres, o Coronel ria daquele garoto tão pequeno, mas que sabia de tudo, cada comida, como devia ser, como devia arrumar na oferenda.

Mas Adalberto, mestre Canjica, era apaixonado justamente por esse milho branco, a senhora do Candomblé, dizia que ele era protegido também por Oxalá-Oxalufan, dai estar de sobreaviso de tudo.   Quando a mãe fechava o restaurante, nos dias que ia ao Terreiro ele ia junto, cuidava de todas as quartinhas, colocando água nelas, mas tinha seu preferido, que era Exu Bara, aonde colocava as frutas que ele gostava.  A senhora ficava rindo, esse minino, em vez de dizer menino, nem precisa fazer a cabeça, já nasceu feito.  Saberá ir pelo mundo, como Oxalá manda, se reinventando, sobrevivendo a qualquer preço.

Mas no restaurante de sua mãe, sabia fazer todas as comidas que os clientes iam ali especialmente comer, um acarajé de entrada, alguns ia comer uma moqueca, com tudo que tinha de direito, mungunzá, sarapatel, a lista era imensa.

Ele ia fazer 17 anos quando um dia sua mãe foi chamada as pressa no terreiro, ali lhe explicaram que o Coronel tinha seus dias contados, que ia haver uma grande confusão, com os herdeiros, era melhor mandar Mestre Canjica, se mandar pelo mundo, que aliás era sua obrigação.

Ela chorou muito, resolveu contar para o Coronel, a muito que ele tinha mandado os filhos a merda, tinha uma plantação imensa de cacau, no interior, os filhos queriam tudo o que ele tinha, nunca iam reconhecer o Adalberto como irmão. 

O velho, abriu uma conta no banco no nome dele, colocou lá um bom dinheiro.  Quando soube da história, sentaram-se os três, lhe explicaram a situação, teus irmãos nunca vão se contentar com todo dinheiro que possa dar para eles, vão querer tua parte também, eu fiz as contas, depositei esse valor numa conta no banco, a principio mexa o menos possível nela para não chamar a atenção.  Deves ir embora, quero que esteja vivo para sempre.

Foram ao terreiro, a Senhora fez uma larga proteção para ele, alguns chamava de fechar o corpo, mas no fundo era só uma proteção, ficou ali sete dias, ela lhe disse umas coisas em particular, que seu destino era correr o mundo.  Ajudar a quem precisasse, mas que nunca confiasse demasiado em ninguém, principalmente em se tratando de amor.   Que primeiro ama-se a si mesmo, depois já se veria.   Lhe deu a direção de um filho de santo que ela tinha preparado com esmero no Rio de Janeiro.  Mas cuidado, deixe sempre teu Exu, examinar primeiro para ver se gostas ou não como ele trabalha.

Saiu de madrugada de Salvador, num caminhão de um amigo de seu pai, que descia para o Rio de Janeiro, carregado de Cacau.

Era um senhor, muito divertido, lhe soltou numa das paradas que fizeram para comer, na beira de um rio, aonde aproveitaram para tomar um banho.  Menino, saíste na hora certa, havia um zum-zum-zum terrível lá na Baixa do Sapateiro, um dos teus irmãos estava contratando um cangaceiro para dar conta de ti.

Quando estavam chegando ao Rio, pararam para dormir, sonhou com seu pai, sabia que ele tinha desencarnado.  Quando conseguiu falar com sua mãe, ela lhe contou, os filhos tinham aparecido, levado o pai, para um enterro decente, que a proibiam de ir.

Estou recolhida aqui no terreiro, aqui eles não entram, ficarei aqui um bom tempo, mas tu cuidado, proteja tuas costas, não confie em ninguém.

Na parada seguinte, que fizeram antes de entrar no Rio, viu que o velho ficava estranho, pensou esse filho da puta vai me matar, pegou a mochila, que era a única coisa que tinha, parava nesse momento por ali, o ônibus da Viação Cometa, que fazia a linha São Paulo/Rio de Janeiro, viu que um homem descia, falou com o motorista, pagou o bilhete, quando o velho saiu, ele já não estava mais.  Não tinha comentado de maneira nenhuma com o velho, aonde iria.

Desceu na Rodoviária do Rio, se informou de um endereço, que tinha na mão, dado em segredo pela Senhora do terreiro.  Era logo ali em Santo Cristo.

Foi andando com sua mochila, impressionado com o cheiro do canal do Mangue.  Foi perguntando ali, aqui, até que encontrou a rua, que ficava numa subida, era como uma favela, mas tudo limpo.  A vizinha disse que o homem que procurava, trabalhava no cais do porto, normalmente mais tarde estaria no bar da esquina tomando uma cerveja.

Viu que ele ia, esperar, ela era também baiana, lhe ofereceu comida.  Venha garoto, fiz um sarapatel dos bons.   Foi conversando com ele, aonde ia comprar os ingredientes, na feira dos nordestinos, ali em São Cristóvão, ele comentou que sua mãe era uma cozinheira de mão cheia.

Ela estava preparando uns acarajés de encomenda para o dito cujo bar, ele cuidou para ela com cuidado, enquanto ela fazia outra coisa, preparou os recheios, a sua maneira, ela ria muito, que mãos tens garoto, provou o tempero, está de lamber os beiços.

Depois foi com ela levar até o bar, era a hora que os estivadores voltavam do porto, tomavam uma cerveja, alguns comiam ali mesmo, ela chamou o Ernesto, ele entregou a carta que tinha no bolso.  Ele leu, riu, mais um refugiado da santa Bahia, provou o acarajé, soltou tia Nuncia, a senhora mudou o recheio. 

Mudei nada, foi ele quem fez.  Logo foi contratado para trabalhar ali naquele bar, para começar estava bom.

A casa do Ernesto era pequena, mas estava super limpa, riu ao entrar, pois viu um altar para Exu, entendeu logo.   Ele dormiria no chão, em cima de um colchão que o Ernesto arrumou, mas isso não importava, não ia contar que tinha dinheiro para montar uma casa.

Ficou morando ali um tempo, até ter um salário para alugar um pequeno apartamento mais em baixo, perto do bar.  Mas nunca perdeu a amizade com o Ernesto, era bom na Capoeira também.

Nos domingos iam logo cedo a feira de São Cristóvão, ali olhava os outros tipos de comida do Nordeste, depois aprendeu tudo com tia Nuncia, no barraco dela, não tinha sala, mas sim uma imensa cozinha, com uma mesa imensa aonde se preparava tudo.

Aprendeu as outras comidas.  Ia com o patrão logo cedo, a Cobal, para comprar tudo fresco.  O Bar ficou famoso, no domingo de tarde era super concorrido.

Quando conversou com o Ernesto sobre o pai de santo que tinha falado a Senhora, ele soltou, esqueça, esse virou um engana tonto.  Faz tudo por dinheiro, mal te vê, diz que tens olho gordo em cima de ti, pede logo uma matança, que ele cobra uma fortuna, agora vive com os dedos cheios de anéis de ouro, pulseiras, se o trabalho é mais forte, logo pede uma pulseira de ouro para agradar o santo.  Tudo balela, mal sabe ele que os que fazem isso, acabam mal.

Te levarei a um que vou uma vez por mês, aqui na Mangueira, a mãe de santo é porreta.

Dito e feito, o fez lembrar-se imediatamente da Senhora da Bahia.   Como seu Exu ficou contente seguiu em frente.

Um dia parou um carro na frente do restaurante, isso era raro por ali, que todo mundo tinha carro de segunda mão.   Desceu um senhor bem-vestido, para o Adalberto, muito bonito, sempre tinha gostado de homens mais velhos.

Se sentou numa mesa num canto, ele saiu da cozinha, perguntou o que queria comer, ali não tinha garçom, era ele que saia, perguntava o que queria o cliente.

Isso fez graça ao homem, olhe bem para mim, me prepare o que quiser.   Lhe trouxe de entradas uns acarajés que tinha acabado de fazer, lhe preparou um Vatapá, pois tinha comprado tudo fresco na Cobal essa manhã, de sobremesa, lhe trouxe um bolo de mandioca, que tinha feito de madrugada, antes de sair para o mercado. 

Ernesto dizia que ele dormia pouco.   Ele ria, nada disso, eu quando saio do restaurante, só fazia o almoço, deixava a cozinha brilhando, ia para seu pequeno apartamento, caia no sono, se levantava lá pelas sete horas, preparava os doces, fazia todos esses doces que a garotada adora, bananada, cocadas, brancas, negras, olho de sogra, preparava as bandejas, no dia seguinte entregaria a duas senhoras que ficavam sentadas na porta da casa vendendo, ele as pagava bem.   Sempre era uma maneira de ganhar mais um.

Uma vez por semana, telefonava do orelhão da esquina para sua mãe, essa tinha decidido viver ali no terreiro, o homem que tinha amado, não estava mais, tinha virado a Yao preferida da Senhora.  

Voltando ao cliente, viu que ele cada coisa que comia, anotava num caderninho.  Não foi embora em seguida como faziam os clientes, esperou que ele terminasse de limpar a cozinha, fez uma entrevista com ele, lhe contou que escrevia numa coluna de culinária do O Globo, estava escrevendo artigos, sobre comidas de boteco.  Mas tinha se surpreendido com ele.

Bom a comida daqui, está sempre fresca, vamos ao Cobal de madrugada, compro tudo fresco, assim o que tiver de melhor nesse dia, é o que eu ofereço ao cliente.

O homem baixinho, lhe disse, devias abrir um restaurante, para ti, lhe entregou o cartão, que dia estas livre?

Nunca, eu trabalho de domingo a domingo.

Lhe perguntou se faria uma grande comilança, que queria oferecer aos amigos, me telefona, combinamos.

Ele comentou com tia Nuncia.

Caralho soltou ela, esse homem é famoso, olha aqui no cartão, se faz chamar de Apicius, o primeiro grande cozinheiro que se conhece.  Mas embaixo estava escrito o nome Marcus Silveira.

Logo que saiu a crônica na revista de domingo, o botequim ficou cheio, claro como todo donos, a ganancia falou mais alto.  Ele pediu um aumento, o dono miserável, lhe deu um aumento mixuruca.

Tomou coragem, incentivado por tinha Nuncia, telefonou para o Marcus Silveira, quando contou a história, ele riu, sempre é assim, os donos de restaurantes nunca reconhecem que se não fosse pelos cozinheiros não seriam nada.

Aproveitou, que o dono ia fechar por uns dias, para aumentar o mesmo, pintar, colocar mesas novas.

Combinou a tal comilança.  Só preciso seu Marcus, de um furgão, para ir ao Mercado logo cedo, depois na feira de São Cristóvão, depois sou todo seu.

No dia combinado, apareceu um furgão, ele tia Nuncia, tinham descido, para o largo, para não chamar muita atenção.  Depois foram para a casa do jornalista, que vivia numa bela casa na Gávea.

Os dois se meteram na cozinha, prepararam uma moqueca de lamber os beiços, de entrada ele fez acarajés, uma salada de feijão fradinho com polvo, regada no azeite, cheiro verde, os doces trouxe de casa, um belo manjar de coco, bolo de mandioca, o Marcus tinha contratado dois garçons.

Foi um sucesso, todos queriam receitas, mas isso nem pensar, quando saíram da cozinha, depois de se assearem, cada um com seu turbante do seu santo, receberam uns aplausos merecidos.

Marcus sentou-se com os dois, disse claramente estão perdendo tempo nesse boteco, eu abriria um lugar pequeno para não perder a essência, no centro da cidade, que fechasse aos domingos, afinal é um dia para descansar.  Um olhou para o outro, soltaram ao mesmo tempo, não conheço o centro direito para isso.

Entraram no carro com ele, vou te mostrar um lugar que herdei recentemente, não quero ser sócio, só cobrarei o aluguel.  Era ali na rua do Ouvidor no final, já quase Beco do Teles, o movimento aqui é durante a semana e no sábado.   Era um botequim antigo, precisava sim de uma reforma na cozinha e no banheiro.  Uma pessoa na barra, esse homem que levou vocês para fazer compras, trabalhou aqui, pode cuidar da barra, atender os clientes.

Ou então mantem como gostas, atendes tu, tem lugar para poucas mesas, bem como algumas na rua.

Depois de muito conversar, tia Nuncia disse que tinha umas economias, ele não tinha mexido no seu dinheiro, que só rendia.  Nem tinha tempo para gastar direito, podemos colocar uma senhora vestida de baiana, vendendo doces ali ao lado.  Assim a sobremesa vem dela.

Mas usaremos cada dia a roupa de um santo.

Fecharam negócio, mas honestamente avisaram o dono do botequim que iam se mudar, o homem não gostou nenhum pouco pois imaginava ganhar mais dinheiro em cima deles.

Tinham sido honesto, não tanto como ele, mas iniciaram as reformas, a cozinha ficou moderna, o banheiro também, reformaram o balcão, segundo Nestor, o homem que o levava de compras, era bom estar bem surtido de cerveja, caipirinha, algum que outro refrigerante.

Assim fizeram, deram nome ao lugar, como o da sua mãe, Comida de Santo.  No sábado sempre tinha feijoada, resolveram usar louças de barro, pois eram mais fácil de substituir.

Os dois na cozinha apesar de pequena se apanhavam, Nestor os apanhava de manhã, já carregavam o tabuleiro da baiana, que era uma conhecida da tia Nuncia, compravam peixes, tinham sempre na carta, uma moqueca, o prato do santo do dia, acarajé, foi um sucesso.

Nestor sabia como as pessoas gostavam de cerveja, estavam sempre super geladas, tinha na parte de cima, um congelador, que ele ia repondo, no sábado trazia seu filho para ajudar, a servir as mesas.   As vezes tinha fila de espera.  Quando saíram outra vez no Apicius, era a semana inteira, quando chegava no fim do sábado, estavam sonhando com o domingo, para dormirem até tarde.

No domingo de tarde, sempre subia para ver seu Exu, colocar agua nas quartinhas ele mesmo, embora ali tivesse uma Yao, para fazer isso.

As vezes tinha uma aventura, mas não passava disso, não tinha tempo para romances loucos, nunca tinha saído para boates, ou coisa parecida.  Primeiro não era bonito, era ajeitado como dizia tia Nuncia.

Um dia Marcus apareceu com um cozinheiro francês, esse ficou louco com ele, se meteu na cozinha para ver os dois trabalharem.

Uma vez por mês passaram a ir ao seu restaurante para fazer uma comida especial.  Viu que ele queria era aprender.

Um dia disse para tia Nuncia, esse sem vergonha, quer é roubar nossas receitas, não vamos mais.  O homem insistiu, mas alegaram que era seu dia de descansar.

O mesmo tentou fazer igual, mas claro o pulo do gato ele não sabia.

Marcus não gostou muito, em represália, aumentou o aluguel.   Mas ele era malandro velho, o obrigou a respeitar o contrato até o final.  Andou bisbilhotando por ali.

Tia Nuncia, disse que estava muito cansada, já não tinha idade para tanto movimento.

Ele tinha conhecido uma mocetona na casa de santo, a chamou para trabalhar com ele. Fechou o restaurante, na surdina foi visitar primeiro sua mãe.

Estava muito envelhecida, passou uns dias com ela, voltou a sua luta.

Pensava em abrir em Copacabana, mas viu que os alugueis eram absurdos.  Um dia conversando com um sujeito, ele disse que tinha um no Leme, bem situado, a pessoa que ocupava o local, ia se aposentar.

Foi dar uma olhada, tinha uma boa clientela, o grande problema, era que abria ao meio-dia, bem como de noite.   Bolou uma carta especial, de dia uma comida mais pesada, de noite muito peixe, saladas, tira gosto.  O homem lhe ofereceu um pequeno apartamento logo em cima, assim ele podia entre um horário e outro dormir um pouco.

Montou um esquema, diferente, ia a Cobal logo cedo, deixava tudo preparado, para o meio-dia, que ali era mais tarde, a hora que o pessoal saia da praia, depois descansava, voltava de noite, Nini, sua ajudante, começava a preparar saladas, ele entrava com sopas, ou seja tinham comida para a noite, além claro de uma serie de tira gosto.  Funcionava muito bem, nunca mais claro saíram na coluna do Apicius, tinham deixado o Marcus na mão.

Manteve o Nestor como sua mão direita, para irem ao mercado, de noite seu filho coordenava os garçom.    Os turistas adoravam, era uma comida diferente.  Finais de semana, queriam comer a famosa feijoada do Mestre Canjica.

Conheceu um americano, se apaixonou, era totalmente ao contrário dele, alto, magro, cabelos negros, barba, olhos azuis, Tim O’Brien, trabalhava numa companhia americana.

Ele adorava sacanagem, principalmente dizia que não entendia como ele sendo baixinho tinha um caralho tão grande.

Um belo dia, disse que voltava para os Estados Unidos, iria trabalhar em NYC, por que não vens comigo?

Ele ainda pensou, me engana que eu gosto, aqui eu sou o rei da cocada, mas lá, como vai ser.

Quando chegou o inverno, foi com a desculpa de tirar umas férias para ver como era o ambiente, claro quando chegou o Tim, já tinha outro namorado.

Ele sabia que esse homem não podia ficar sem uma coisa dura na mão, riu muito quando pensou nisso.    Este lhe pediu, fez uma comida boa para os amigos dele, ficaram como loucos.

Foi para ficar uma semana, ficou quinze dias, fez várias comidas, nas casas dos amigos dele, mas cobrando, que malandro que é malandro não bobeia.

Acabou gostando da cidade. Mas claro viver lá era caro, bem com montar um negócio requeria dinheiro.

Voltou para o Brasil, levou mais um ano, com o restaurante, foi a Bahia porque sua mãe tinha morrido.

Conversou com a Senhora, agora muito velha, ela disse para ele que no jogo, aparecia que ele devia se arriscar, mas primeiro faça como fizeste, trabalhe de empregado.

Pensou muito a respeito, conheceu clientes que ficavam num hotel ali perto, um era cozinheiro em Paris, lhe disse que tinha uma comida excelente, mas precisava a ter requinte.

Perguntou como se preparava uma comida para entregar ao santo.

Primeiro o levou ao terreiro, pois ele tinha curiosidade, a mãe de santo, lhe disse para oferecer uma comida para Nanã que era a santa de cabeça dele.

Ele preparou um sarapatel, além de um mungunzá. Arrumou tudo em tigelas brancas.

O Pierre lhe disse, isso é uma boa apresentação, mas imagine isso, num prato de qualidade, arrumado a perfeição, sem o exagero de comida que vocês fazem aqui.  Um prato aqui, comem mais de uma pessoa, não me admira que os pobres sejam gordos.

Pierre conversou muito com ele, claro na cama também, se sentiam atraídos um pelo outro, contou que tinha ao lado de seu restaurante um armazém, se ele quisesse abriria ali um Comida de Santo, Mestre Canjica ria muito, pois a pronuncia era ótima. Fazes uma pequena cozinha ligada à minha, para não ter problema de licença, montas como queres, eu te alugo o local, mas o dono serás tu, nada de sociedade, minha experiencia é horrível.

Pensou muito, quando Pierre estava para ir embora aceitou.  Passou para frente o seu, colocou todo seu dinheiro no Banco do Brasil, assim podia mover para lá.  Lhe deram um cartão de crédito de muito valor.

Claro sair do Rio pleno verão, pegar o inverno de lá, foi duro, conseguiu um pequeno apartamento, justo a volta da esquina.   Primeiro ficou uns meses trabalhando com o Pierre, os dois eram iguais na cozinha, falavam o estritamente necessário.

Aprendeu a ir aos mercados aonde tinham os produtos africanos, similares, evidentemente a comida dos santos vinha de África então era fácil, com o quiabo, foi montando uma carta, mais comestível, ao mesmo tempo que foi reformando o local, sem pressa nenhuma, usando o salário que Pierre lhe pagava.  O medo do Pierre era outro, que ele se apaixonasse por algum francês.

Tira isso de tua cabeça, mon cher ami, lhe dizia, não sou de aventura, se estou contigo, me basta.

Mandou fazer toalhas com tecidos africanos, um dos cozinheiros do Pierre era de Benin, sabia já fazer algumas coisas.   Tinha feito curso de doces, os apresentava os de Brasil de outra maneira, acrescentou alguns doces da cozinha mineira.

Primeiro era fazer um boca a boca, disse ao Pierre, vou fazer umas quitandas, colocar duas africanas vestidas de filhas de santo, distribuindo, pequenas porções.

Lhe apareceram duas emigrantes da Bahia, aí foi fácil, com seus turbantes, colares de contas, não queria guias, mil balangandãs, chamavam atenção.  Abririam de terça a domingo, descansariam segunda-feira.

Logo na primeira semana foi super bem, claro, agora era a propaganda boca a boca. Pierre bem relacionado, convidou críticos gastronômicos para irem almoçar, ou jantar.

A cerveja era servida como no Brasil, muito gelada, bem como uma das meninas fazia caipirinha, as apresentavam em pequenos copos, para as pessoas provarem.

Nos sábados tinham feijoada, que ele se virava para fazer, pois faltavam ingredientes, mas as pessoas não sabiam disso.  Improvisava.  Servia em pratos que tinha mandado fazer, todos de barro esmaltado.   O próprio prato estava dividido em partes, uma para o feijão, outra para o arroz, para a farofa, dai por diante.  Doces, os de sempre, mas agora como sabia fazer sorvetes, apresentava o bolo de mandioca, com um sorvete de maracujá. Era um contraste na boca do cliente.

Aos domingos, tinha um fornecedor de peixes, que lhe trazia logo de manhã, os que ele queria para fazer uma moqueca.  Ficou conhecido também como um restaurante de comida de mercado, estava sempre cheio.  Mas na segunda feira, era seu dia de descanso, além de visitar um africano Babalorixá, que tinha conhecido, fazia suas obrigações.

Esse quando foi ao restaurante, ficou encantado, nos meses de inverno, como era uma comida quente em calorias, tinham reservas imensas.

Não voltou ao Brasil nem para férias.   Muita gente aparecia, para propor franquias, mas ele sabia que isso podia lhe dar dinheiro, mas também muita dor de cabeça.

Pierre tinha se transformado, além de um grande amigo, numa pessoa que ele confiava, amava.

Quando desceram umas férias para a zona do Mediterrâneo, ele lhe disse, aqui, quero ter meu repouso de guerreiro, um restaurante pequeno como o de Paris, para os meses de verão, no inverno só abrir ao meio-dia.  Pela primeira vez, os dois iam trabalhar lado a lado, Pierre tinha aprendido a fazer tudo.  Alia inclusive podia trabalhar mais com peixes frescos.

Foi o que fizeram, venderam tudo em Paris, antes convidou todos os jornalistas que tinham lhe dado apoio nesses anos todos, para uma grande despedida, preparou, um grande banquete de comidas de Santo.   Foi uma reportagem impressionante, dando a dica de aonde estariam os dois a partir de agora.

Montaram um perto de Cassis, numa vila muito pequena, junto ao pequeno porto de pescadores, no verão aquilo fervia. No inverno desfrutavam da casa que tinham construído, um pouco mais afastado, numa pequena praia, ali ele tinha seus santos, integrados a natureza.

Quando viu tinham se passados muitos anos, um dia se olhou no espelho, tinha seus cabelos todos brancos, bem como o Pierre. Agora tinham cozinheiros, que aguentavam a carga, passavam mais tempo desfrutando um do outro.

Levou o Pierre a primeira vez a Bahia, lá ficou sabendo dos irmãos, tinham perdido toda a fortuna do velho, em imensas brigas.   Ele visitou o tumulo do pai, bem como de sua mãe, soube depois que o pessoal do terreiro, tinha conseguido enterra-la justo ao lado do dele.

A nova senhora do terreiro, o recebeu muito bem.  Conversaram muito, pois tinha conhecido sua mãe.

Voltou mais tranquilo para a França, de lá já não se moveria mais.

 

 

 

 

  

 

 

lunes, 19 de diciembre de 2022

 

                                          SCARFACE

 

Meu nome é Brian Palmer, mais conhecido pelos amigos, parentes como o Scarface, pela imensa cicatriz que vem da parte da coroinha da cabeça, até a mandíbula, do lado direito do rosto, além de ser cego desse olho, que permanece costurado, pelos médicos. Além de assustar as pessoas, com outro detalhe, do meu ombro direito sai uma armação de metal, como os antigos lutadores medievais, que vai até meus dedos, tudo isso do lado direito.

As crianças quando me veem, primeiro gritam, assustada, algumas como os filhos de meu primo Jasper, morriam de curiosidade, queriam experimentar sua armadura, como diziam eles. O maior perguntava logo, se ele era guerreiro de que saga, por causa das séries de televisão.

Sou coronel do exército americano, a dois anos atrás voltei do Afeganistão dessa maneira, primeiro pensaram que na verdade estava morto.  Vinha num carro desses militares, em uma caravana, para levar medicamentos à base, por um acaso tinham vindo no mesmo avião em que eu voltava de Washington, aonde tinha ido a uma reunião da cúpula do exército.

Fomos atacados de muitos lados, o carro que ia, voou ao passar por cima de uma bomba.

Fui jogado a metros de distância, tinha meu lado direito totalmente paralisado, mal podendo me defender, primeiro fui dado como morto, até que um soldado viu que eu tentava me levantar com o braço esquerdo.

Fui levado para a base, de lá transferido de Helicóptero para o aeroporto, de lá para Alemanha.

Por não terem tempo, grampearam toda a cicatriz, depois de limpar tudo.  Ao juntarem de qualquer maneira as duas partes, ela se cicatrizou como estava.

O mais importante eram as operações que tinham que fazer, como por exemplo, salvarem o pulmão do lado direito, tudo era no lado direito, talvez porque eu estivesse encostado na porta.

Como estava dopado todo o tempo, não tive consciência de nada.  Me despertei depois de quase um mês, pois tinha estado em coma.  Segundo o médico eu tinha morrido duas vezes na mesa de operação.   Na minha cabeça, era como se eu estivesse indo em direção a luz, mas que me puxavam para trás.   Tinha sim um ruido infernal, bombas, tiros, muitos esse ruido me atordoava.  Era como se tivessem presos na minha orelha, mas claro, era minha memória auditiva que funcionava sem parar.   Eu tentava me esconder, me encolher para que nada me acertasse, mas tudo isso era fruto da minha imaginação.

Quando despertei, que o médico falou comigo, eu imediatamente tomei consciência, lhe disse que não queria tomar nada que me pudesse viciar.  Tinha visto vídeos recentemente de justamente isso, muitos soldados viciados em drogas.

Quando tentei levantar meu braço direito, vi que não podia.  Ele o levantou para mim. Estas usando um novo tipo de prótese, curamos todo seu braço, mas ele perdeu o movimento. Esta malha, vai da tua mão até o ombro, bem como depois te mostramos, está ligada a um chips na tua cabeça do lado esquerdo, que coordena os movimentos.

Tuas pernas já estão curadas.   Mas por último, deixamos a cicatriz, pois os médicos esperam recuperar teu olho.  Por isso não mexemos em nada, não temos médicos aqui especializados.

Me mostrou a cicatriz, era horrível, como tinha juntado a carne, de qualquer maneira, parecia uma coisa mal costurada.   Atravessava toda minha cara, desde a parte detrás da minha cabeça.

Quando estive melhor, me transferiram para um hospital militar em San Francisco.

Meu primo Jasper me veio visitar, trazia minha avó com ele.  Os dois basicamente fomos criados juntos.  

Tínhamos a mesma idade, nossas avós eram irmãs, gêmeas, dai sermos tão parecidos os dois, ele também tinha dois irmãos maiores gêmeos.   Mas parecíamos crianças clonadas como dizia minha avó Britanie.  Quando estávamos todos juntos, era uma gozada, brincávamos, de trocar nossa roupa, para fazer confusão, pois quando nos chamávamos, para ir embora, as vezes dentro do carro, se davam conta, tinham que voltar para trocar as crianças novamente.

Eu me divertia, os maiores não.  Eu vivia com minha mãe, que em paz descanse, na casa da minha avó.   Ela era viúva de um piloto da aeronáutica, que tinha sido abatido no Iraque. Nunca o encontraram.   Então como ela dizia, era viúva de ninguém.

O jeito foi irmos morar com a minha avó, para que ela pudesse trabalhar, morreu no 11N, estava numa das torres, a primeira, segundo me lembrava.  Agora era filho de pais desaparecidos.

Fui criado, educado por minha avó, quando os outros diziam coitadinho, ela ficava uma fera, pois dizia que disso nada, eu era um homem, que tinha que aguentar as coisas da vida.

Isso eu tinha uns 14 anos, era um aluno exemplar.  Nessa época coloquei na cabeça que tinha que ser militar.   Não houve maneira, mas claro com os antepassados que tinha, fui para academia militar para estudar.

Jasper ao contrário, era investigador da polícia.  Era o melhor da polícia de NYC, tinha muitas medalhas, foi sendo promovido.

Quando os dois me vieram visitar, a enfermeira antes, por causa da idade de minha avó, avisou, não se assustem com sua cara, pois isso afeta dos visitantes.  A senhora se coloque do lado esquerdo da cama, por aonde ele possa a ver.

A coitada, nervosa, se colocou ao lado direito, então a primeira coisa que viu, foi o que não deveria, tiveram que colocar uma cadeira imediatamente para ela se sentar.  Ficou ali segurando minha mão, cheia de malha de metal.   Nessa época ainda não sentia nada da mão, levaria meses, ou melhor um ano para sentir os dedos.  Pedi ao meu primo, que a colocasse do outro lado, pois não podia vê-la direito.

Pareceu se relaxar.   Ficou segurando minha mão, a levava ao seu rosto, como quando contou o de minha mãe, a beijava muito.  Para mim ela estava como sempre, com seus cabelos brancos perfeitamente arrumados num coque.

Jasper se sentou ao lado dela, tinha que falar devagar, pois a cicatriz repuxava minha cara, fazendo com que a cicatriz ficasse mais feia, além de ter uma certa dificuldade para falar.

Disse a ele que não sabia quando sairia dali, teria que ir antes para um outro hospital para fazer fisioterapia, para aprender a usar meu braço, a cara ficaria por último.  Os médicos não sabiam ainda do meu olho, vinham olhavam, tornavam a costurar as pálpebras novamente.

Eu rindo disse, como não posso ver a cara deles, só sei que balançam a cabeça, mas nunca dizem nada.

Como tens tem alimentado, me perguntou ela, isso para ela sempre era importante, na sua cabeça eu sempre estava magro, mas claro tinha crescido muito rápido, na família todos éramos altos, mas meu pai tinha 1,90 de altura, nas fotos que existiam dele, eu parecia um boneco nas suas mãos.   Na verdade não me lembro dele, mesmo com as poucas fotos, para mim ele nunca existiu.   Minha mãe, era alta também para uma mulher, elegante, sempre arrumada, cheirando bem, eu adorava quando ela chegava em casa, a primeira coisa que fazia era se jogar numa poltrona, jogar para o alto, seus sapatos, pedido pelo amor de deus uns chinelos.

Eu ia correndo buscar.  Na, verdade, os deixava de uma maneira, para logo correr por eles, me jogar nos braços dela.     Me dizia, me solta os cabelos, usava um coque como da minha avô, rindo me dizia meu filho é esperto.  Como sabia aonde ela ia se jogar, deixava ali, a caixa de grampos de cabelos, bem como uma escova, pois em seguida, pedia me dando beijos, se eu podia escovar os mesmo, era largos, loiros, eu amava fazer isso, era como prestar um serviço, pago com beijos.   Minha avó entrava com uma bandeja de martinis, para as duas.

Minha mãe dizia para ela, devíamos ter um móvel bar, para não vires com isso da cozinha, ela mesma o comprou, horas antes dela chegar, colocava a garrafa de martini num balde com gelo, para ficar como ela gostava, muito gelado.   No dia que morreu, eu fiz igual, já tinha aprendido a preparar o martini como ela gostava.   Minha avó, estava sentada no sofá, com o telefone do lado, esperando alguma notícia.  Mas não tivemos nenhuma, o pai do Jasper, também tinha morrido no mesmo atentado.  A ele se pode enterrar, minha mãe não.   Ela estava justamente no andar que tinha se chocado o primeiro avião.

Nunca se encontrou nada.

Eu alimentava esperança, imaginando que no momento, ela devia estar em outro lugar, como por exemplo ter ido comprar café, ou fazer algum serviço externo.

Nas claro tudo era fruto da minha imaginação.  Apesar da minha idade, passei a me sentar com minha avó no final do dia, para tomar martini.  Substitui a mesma falando como tinha sido o dia. Foi justamente num final de tarde, que disse que tinha conseguido me inscrever na escola para ser militar.   Ela chorou muito, me perguntou se eu não tinha outras opções, ou sonhos, já perdemos muita gente nessa família.

Os dois ficaram ali, uma semana, depois chegou à família do Jasper, iriam de férias a praia.

Ela queria ficar, mas eu disse que não iria em seguida para o outro hospital.  Pedi ao Jasper que cuidasse dela.   Sua avó agora vivia com a minha, as duas estavam viúvas, se faziam companhia.

Levei quase um ano e meio, para sair do hospital, aonde além de fisioterapia, fazia terapia com um psicólogo, principalmente por causa dos ruídos.  Se uma bandeja de metal caia no chão, eu tinha ataques de pânico, o que me dava certa vergonha.

Um dia estávamos no jardim do hospital, eu com um enfermeiro que me ensinava a mover-me com um olho só, quando uma ambulância, deu a saída, houve um estampido do tubo de descarga, joguei o enfermeiro no chão, pensando que era um tiro, fiquei em cima dele, querendo proteger.

Quando fiquei calmo, riu, dizendo, se querias me montar, era só pedir, abaixava as calças rapidamente.

Ele o tempo todo cuidava de mim, talvez por isso não tinha horror a minha cara, tinha se acostumado, as vezes vinha ao meu quarto de madrugada, fazíamos sexo. 

O que me incomodava, era que se fazia carinho, só do lado bom.

O dia que reclamei disso, acabou confessando que lhe dava um certo horror, tocar nessa parte.

Pois era aí, que eu queria um carinho.

Só sai do hospital, para ir a NYC, para o enterro de minha avó.  Quando Jasper me avisou, tomei um avião, evidentemente todos olhavam para mim no aeroporto, ele foi me buscar no aeroporto.  Me abraçou muito, sabia o quanto amava minha avó.

O féretro estava na igreja que ela frequentava, me fez entrar por uma lateral, para não ter que aguentar as velhas amigas dela, sabia que todas me fariam perguntas, me sentei ao lado de sua família.  Porquê da minha a única pessoa que restava estava dentro da caixa.

Mas na saída claro, tive que aguentar, os olhares de pena, o filho mais velho do Jasper, ficou segurando minha mão, de gladiador como ele dizia.

Mas as putas velhas queriam era olhar a minha cara, fingi que não me incomodava.  Usava agora um parche em cima do olho morto.  Já sabia que não havia solução, quando fizesse a cirurgia estética, me colocariam um olho de vidro.   Usava minha cabeça de uma maneira que podia ver tudo como se tivesse dois olhos.

Dentro de meses sairia do hospital definitivamente, já tinha movimento suficiente, bem como tinha aprendido a usar meu braço biônico, isso era o Jasper que dizia.  Um dia de gozação, me disse ao ouvido, bater punheta com essa mão deve ser fantástico.  Eu lhe respondi rindo, coloque o teu para fora que faço para ti.   Quando erámos garotos, fazíamos isso, um masturbava o outro.

A única que nunca se aproximava muito era sua mulher, dizia que não podia se controlar me olhando, lhe dava medo.

Fomos os dois a leitura do testamento, minha avó me deixava sua casa, bem como seu velho carro, uma boa soma no banco.   Não me preocupava, se não quisesse seguir no exército, teria uma boa aposentadoria.

Voltei para Washington, estive falando horrores de minha avó para o psicólogo, de uma certa maneira ela tinha sido como uma mãe para mim.

Agora eu corria pelos jardins do hospital, para me manter em forma, conseguia mover o braço como se fosse normal, já não ficava pendurado.

Resolvi me aposentar, me chamariam em breve para fazer a cirurgia plástica.  Segundo o médico, não ia melhorar muito, tinha feito um escâner perfeito da minha cabeça, ficaria eternamente com essa cicatriz, mas um pouco menor.

Eu sabia que tinha um corpo bonito, tinha 1,90, ombros largos, pernas largas, gostava de correr. Quando cheguei a NYC, com minha pequena bagagem, meu uniforme, roupas normais não tinha nenhuma.  Pedi ao Jasper, precisava de roupas para meu dia a dia, bem como roupas para correr, tinha deixado no hospital a que tinha usado, pois estava velha e fedia muito.

Ele riu a bessa, me indicou ao abrir o porta malas, duas maletas, roupas que minha mulher separou para ti, tínhamos o mesmo corpo.

As de esporte, estão novas, pois sempre digo que vou começar a correr, mas nunca o faço, já basta o que corro atrás dos bandidos.   Não acreditei muito, mas concordei.

Ele de uma certa maneira me protegia.  Sabia que se entrássemos num shopping, a quantidade de gente se afastando, os olhares tudo isso, era incomodo.

Queria que eu ficasse na sua casa, era uns dois quarteirões da casa da minha avó, mas lhe pedi desculpas, pois queria ficar sozinho.  Estava acostumado a isso.

Dentro de dois meses voltaria a Washington para a cirurgia definitiva da cara, bem como colocar o olho de cristal.

Só pedi que me ajudasse numa coisa, eu tinha pesadelos, os quartos da casa, davam para as casas vizinhas, o único que não, pois ficava numa esquina, era o que minha avó usava como biblioteca, bem como aonde nos sentávamos sempre para o martini.

Assim se eu gritasse de noite, não assustava os vizinhos.  Era um bairro de Staten Island, residencial, com casas antigas, mas todas muito bem conservada.

Não sabia o que ia fazer com o carro da minha avó, lhe comentei isso, já que nunca tinha gostado de conduzir, com um olho só, não sabia ainda o que fazer.

O carro a muito tempo não está aí, tive que tirar da tua avó, era um perigo conduzindo. Depois como fazia tudo andando, não vejo por quê.

Eu fiquei rindo, sua avó tinha morrido um meses antes da minha, as duas só saiam de casa, para irem jogar bridge com suas amigas.  Depois de uns quantos martinis a mais, imaginava o perigo nas ruas tranquilas.

A despensa como a geladeira, estava cheia, quis lhe pagar, mas não aceitou, eu ia contratar a mesma senhora que vinha fazer comidas para minha avó, as deixava todas prontas, era só esquentar no micro ondas.  Agora quem vem é a filha dela, pois tens que aceitar que ela já estava velha.

Nessa noite, talvez por me sentir em casa novamente, dormir como os anjos.  Me levantei, coloquei uma roupa para correr, fazia calor, coloquei uma camiseta sem manga.  Sai correndo, mas claro, me esqueci completamente dos vizinhos, as senhoras nessa hora saiam com as crianças para levar a escola.  No primeiro quarteirão em direção a beira do rio, aonde tem uma pista, só escutei gritos das crianças, das mulheres, que levavam um susto ao me ver, uma inclusive chamou a polícia que me alcançou.   Um policial, pediu desculpas, mas acabas de assustar todo mundo, com esse braço, com a sua cara.

Eu sabia, pedi desculpa mas tinha esquecido disso. Mas continuei saindo uns dois dias mais, até que resolvi, sair de madrugada, me levantava as cinco, me preparava, tomava um café, saia, depois o fazia no final do dia.

Um detalhe, quando fui olhar as roupas que me tinha trazido o Jasper, metade ainda estava com a etiqueta.

Lhe disse que não precisava me proteger, não queria ofender, mas eu tinha que enfrentar a realidade.

Quando saia pela tarde, passava em frente a casa de um amigo de escola, perguntei a ele pelo Jasper, me contou que agora era um milionário, trabalhava na bolsa de valores, era casado com uma milionária também.  Um dia os vi, cada um chegava com um carro do último tipo, mas vi que não gostaram muito de ter que me encarar.  Deixei de procurar.

Agora saia cada vez mais cedo, pois, o era a hora que estava mais frescos, do lado do braço com a armadura, não podia colocar a malha, pois se desfiavam, então cortava a manga.

Me vesti como todos os dias, tomei um café bem forte como gostava, a essas horas a ruas estavam vazias, assim não incomodava ninguém, me cruzava quando muito com alguns que saiam para correr a essa hora.  Para ir em direção a pista ao longo do rio, tinha que passar em frente da casa dos antipáticos como eu dizia.

Estava quase chegando, quando escutei tiros, me escondi instantaneamente, vi que duas pessoas saiam com os carros, quando venci meu terror, vi que as casas vizinhas acendiam as luzes, mas ninguém saia fora.  Me aproximei, já com o celular na mão chamando o Jasper, vi o nosso conhecido estendido no chão da garagem aberta.

Jasper atendeu sonolento, lhe contei o que tinha visto, dois homens saíram, com os carros, os vi de longe, nosso conhecido está estendido no chão da garagem com um tiro na cabeça, fui falando com ele, enquanto ele se vestia, olhei pela janela do salão, o mesmo parecia ter acontecido com a mulher, lhe disse que me sentava nos degraus da casa, esperando por ele.

Mas claro antes chegaram os policiais, que me queriam colocar uma algema, tinham me feito deitar no chão.  Quando ele chegou, se apresentou, disse que podiam me soltar, pois eu tinha dado o alarme.  Contei tudo para ele, bem como para o inspetor da polícia local, falei dos carros fantásticos que tinha, saíram os dois da garagem, um virou à direita outro a esquerda, talvez para despistar.  Eu tinha boa memória, disse o tipo de carro, eram desses feitos especialmente para as pessoas, bem como a matricula.

O inspetor, me disse olhando diretamente na cara, já sei quem es, li o resume quando te denunciaram por assustar as crianças dos vizinhos, quando deviam ter render homenagens.

Filhos das puta, sempre com medo de tudo.

Agradeci o comentário, eu entendo, não sou uma figura agradável de ver, além de estar também como eles, me acostumando outra vez a viver no meio de gente pseudo normal.

Ele adorou o pseudo normal, estendeu a mão Jorge Patrick, antes que me pergunte, sou filho de um português com uma irlandesa.

Examinaram a casa toda, eu disse que passava ali todas as manhãs, por essa hora, mas que nunca tinha visto nenhum movimento na casa.

Os dois tinham olhado tudo, disseram que a casa estava toda revirada.

Eu perguntei se podia seguir com a minha rotina.  Estava já uma hora atrasado, qualquer coisa eu estaria em seguida em casa.

Fiz a minha corrida, desta vez cruzando com mais pessoas, claro quando voltei, era a hora que as crianças iam a escola.  Não me importei, os gritos eram menores.  Uma senhora me parou, era professora da escola, me perguntou se eu podia ir a mesma assim a crianças me via de perto, eu contaria o que tinha me acontecido, será melhor para o senhor, bem como para elas, sabe como essas mulheres que não trabalham são frescas. tudo as assustam.  Menos os preços das roupas que compram para irem simplesmente ao supermercado.

Era uma verdade, quando ia ao supermercado, as mulheres pareciam que estavam num desfile.

Quando Jasper soube do que andava fazendo, se matou de rir.  A mulher que ele tinha contratado para ir fazer a comida, no dia que me viu desmaiou.  Eu disse que não precisava mais ir, comecei a ver programas de televisão na cozinha, bem como encontrei o livro de receitas de minha avó, marquei as páginas que me interessavam, assim eu mesmo me ocupava fazendo a comida.

Nessa tarde o inspetor Jorge apareceu, justo quando estava fazendo um bolo, receita antiga da minha avó.    Me soltou sem mais nem menos que quando muito sabia fritar um ovo.

Acabou ficando para jantar, antes enquanto tomávamos martini, eu disse que era a bebida da casa, preparei como fazia para minha mãe, ficamos conversando, ele me perguntou o que eu sabia do casal.  Lhe disse que ele, era conhecido da escola, quando fui cumprimenta-lo, a mulher me olhou horrorizada, nunca mais parei nem para dizer bom dia.  Tudo que sei que tinham esses carros fantásticos, como ganham a vida, ou se tem dinheiro, ou inimigos, não tenho menor ideia.  Contei sem vergonha nenhuma meu instinto, quando ouvi os tiros, que tinha me escondido, fiquei tremendo um tempo até me controlar, foi quando vi os carros saindo.

Que da porta da garagem tinha visto que o homem tinha um tiro na cabeça, por isso nem entrei, depois olhei pela janela, a vi caída num charco de sangue no meio do salão.

Perguntei se eles tinham algum cofre, se guardavam dinheiro em casa, o que seria um chamariz.

Isso não sabemos, sabemos sim que ela trabalhavam com diamantes, vem de uma família de judeus ricos da cidade.

Depois ficamos conversando, enquanto jantávamos.  Me elogiou outra vez pela comida, quando foi embora, me olhou de frente me perguntou se podia voltar outro dia.

Lhe perguntei diretamente por quê?

Quero te conhecer melhor, foi a resposta.

Tive que rir, atualmente meu único amigo era o Jasper, mas claro isso desde a infância.

Lhe disse que se viesse, não estranhasse se não estava, que dentro de dias iria a Washington para me operar.  Sem mais nem porque, passou a mão afetuosamente na minha parte com a cicatriz.   Ok, quando tenha tempo, virei aqui, agora estamos atrás de quem fez isso aos teus vizinhos.

Dois dias depois me chamaram, chamei um Uber, logo de manhã, fui para Washington, fui direto para o hospital, fizeram como sempre todos os exames de rotina.

Só não podiam me colocar no scanner pois meu braço ficava preso no teto.

A operação deve ter durado horas, quando sai, tinha a cabeça toda enfaixada, parecia uma múmia.   Agora havia de esperar, dias depois tiraram a parte enfaixada, o médico disse para quem esperava problemas, não havia nenhum.   A cicatriz agora era como uma linha, pode ser com o tempo, fique parecendo uma arruga.  No dia anterior tinha aberto uma parte, me colocado a prótese do olho.   Quando me vi, finalmente uma semana depois, estava com melhor aparência.  O olho de cristal, ficava bem preso, não era necessário tirar de noite, nada disso, tampouco ele se moveria.  Seria como um olho estático.

Telefonei ao Jasper, riu muito dizendo, que fizeste com o inspetor Jorge, não para de perguntar por ti.

Nada lhe respondi, lhe ofereci um jantar.

O estás prendendo pela barriga, um bom começo.  Tenho dias livres vou te buscar no aeroporto.

Ainda tinha manchas na cara, mas a aparência era melhor.    No avião, vim pensando o que poderia fazer, pois, precisava me ocupar, fui escrevendo o que era necessária ter dois olhos, para trabalhar.

Jasper, me abraçou, dizendo apesar das manchas, tens uma cara fantástica.

As crianças estão loucas para te verem.  Fomos falando do caso, não era seu, mas Jorge o tinha consultado várias vezes, sobre a vida dos dois em Manhattan, tinha descoberto, que ele tinha feito algumas merdas, muitos clientes estavam arruinados por causa dele.   Inclusive algum capo da Máfia, para quem ele lavava dinheiro.

Almocei na casa do Jasper, com toda a família, seu filho mais velho como sempre se colocou ao meu lado.  Os outros ainda mantinham distância, este me fez uma série de perguntas, mas nada tontas.  Se podia mover o olho, como funcionava, etc.

Era muito esperto, inteligente.

Depois fui para casa.  No dia seguinte retornei a rotina de ir correr como sempre fazia.  Tinha me acostumado ao horário, resolvi mantê-lo, assim o único que fazia, era ir dormir mais cedo, pois me levantava as cinco.

Não tinha o hábito de ver televisão, por isso estava na cozinha, mas só para ver programas de cozinha.

Resolvi fazer um curso, assim me preparava melhor, descobri isso, que gostava de cozinhar, tinha facilidade, pelo menos me ocupava.

As crianças quando me viam agora prestavam atenção, vendo que tinha o outro olho.

Quando Jorge apareceu com o caso, estavam com o mesmo parado, pois não tinha encontrado contas substanciais nos bancos, nada, cofres na casa.  Não entendiam por que tinham entrado na casa.

Segundo sabia a casa tinha sido inteiramente reformada, para transforma-la numa casa moderna, vocês olharam nas tomadas, as casas modernas têm justamente aí os cofres, é fácil de olhar.   Fui até lá com ele, pedi ao policial que dirigia seu carro, que tentasse puxar a tomada para fora, não deu outra, encontramos pelo menos 8 cofres pequenos, todos cheios de saquinhos de diamantes.

Era uma coisa logica, se sua mulher trabalhava com diamantes, nada mais normal, em vez de ter contas nos bancos que pudessem ser embargadas pela justiça, trocavam por diamantes, já que esse era seu trabalho, também fácil de ser transportado. 

Examinamos as maletas todas, uma realmente pesa mais que o norma, me mostrou, examinei direito, claro tinha duas placas de metal, para impedir que se visse se tinha dinheiro ou joias.

Tudo muito pensado.  Mandaste avaliar os quadros modernos desta casas.

Jorge disse que não.

Pois só esse indiquei um, se for um original de Georgia O’Keeffe, deve valer milhões, numa outra parede da sala, isso eu tinha visto pela janela, existia um imenso do Jackson Pollock, no escritório tinha um do Jean-Michel Basquiat.  Só esses três valem uma fortuna, isso se forem originais.  Busque saber se eles não tinha nenhum espaço em algum armazém.

Jorge se matava de rir, devia te contratar para trabalhar na polícia.  Quando foi me deixar em casa, perguntou o que ia ter de jantar?

O que gostarias de comer?

Ficou me olhando sério, prefiro deixar ao teu gosto, mas isso me olhando de cima a baixo.

Fiz uma receita nova que estava aprendendo nas aulas.

Ele apareceu mais relaxado, de calças jeans, camiseta, sapatos sem meias.

O esperava com um martini. 

Comentou que outro dia, tinha se reunido com os da polícia num bar, tinha pedido um, riram de mim, dizem que isso é coisa de gente fina.

Pois eu aprendi a tomar com minha avó, minha mãe, era um ritual todos os dias, nunca fomos ricos.

Depois de jantar, caiu um temporal impressionante, lhe perguntei se ficava para dormir.

Posso te arrumar algum quarto da casa.

Riu, prefiro a tua cama, foi sensacional, ele não se incomodava com o meu braço pesado nada do gênero, passamos horas nos explorando.

Estou apaixonado por ti, desde que te conheci, mas não sabia se tinhas alguém.

De manhã como era domingo, perguntou se eu ia a missa?

Jamais, deixei de acreditar em qualquer coisa, depois da morte de minha mãe.

Me disse que ia olhar quanto cobravam os consultores da polícia, pois pelo que tinham encontrado, ele resolvia o caso.

Nada disso, falta tu descobrires aonde foram parar aqueles dois carros, valem uma verdadeira fortuna, foram feitos por encomenda, mostrei na internet um anuncio dos mesmos.

Devem ter trocado de cores, placas etc.

O Fabricante, soltou na cara dele, se nem me pagaram os malditos carros, me passou ações de empresas, que agora não valem nada.

Acabou se tornando um suspeito.  Acabou confessando que tinha mandado dois homens recuperar os mesmo, que os tinha vendido em seguida, com outra placa.

Caso resolvido.

Quando Jasper soube disso, me trouxe uma série de casos sem resolver.  Me sentei com os processos, cadernetas de anotações dos detetives, comecei a ler, alguns era impossível, ler o que escreviam.  Eram casos que estavam parados, porque não encontravam suspeito.

Um tinha descartado a noiva do sujeito, porque segundo uma anotação do detetive, tinha cara de anjo, tinha chorado muito a morte dele.

Esse foi fácil demais, pois quando a abordaram outra vez, estava ameaçando o novo namorado, com uma arma, a mesma que tinha matado o anterior.

Quando viu, tinha arrumado uma fonte de ingressos nova.

Ele agora fazia uma coisa, se sentava com os detetives, depois de ler o que tinham escrito, falavam de tudo que se lembravam do caso.  Assim era mais fácil resolver.

Quando Jorge lhe perguntou como fazia, ele respondeu tranquilamente, que esse era seu trabalho.  Eu aprendi a falar árabe, farsi, todas as línguas de aonde estávamos.

Mas ao mesmo tempo, usávamos um interprete, claro esse nunca nos traduzia a 100% o que queria se saber.   Eu fazia as perguntas, pelo movimento ou comportamento do suspeito, ou mesmo do informante, sabia quando estavam mentindo, foi um largo aprendizado.

Jorge não gostou, quando o Jasper conseguiu me contratar, para observar os interrogatórios, mesmo analisar processos que estavam abertos.

Eu saia todos os dias de casa, pela manhã mantinha o meu ritmo de corridas, queria participar de uma maratona que ia acontecer na cidade.

Depois tomava um banho frio, agora usava umas camisas com mangas mais largas, que mandei fazer para o inverno, assim podia me mover melhor como braço.

A cicatriz existia, mas era uma fina marca na minha cabeça, até o maxilar.  O olho claro não se movia, mas já não metia tanto medo, raspava minha cabeça todos os dias, pois com cabelos ela aparecia mais.

Colocava um traje, tinha comprado alguns, numa loja de um amigo do Jorge, ele mandava arrumar a manga do braço direito.

Tinha com um saleta só para mim.   Agora eram os próprios detetives, que quando estavam empacados, me traziam os papeis para analisarmos juntos.

A maioria dos casos conseguíamos resolver, ou num interrogatório, eu ficava do outro lado do espelho, dava dicas, tipo, agora pergunte isso, para provocar quem estava sendo interrogado.

Sabia quando mentiam, que as histórias não tinham fundamento.

Jorge tinha medo, que eu conseguisse um novo namorado, na cidade, mas eu voltava todos os dias para casa sozinho.

Ele acabou indo morar comigo.   Além da boa amizade que tinha com ele, Jasper nos finais de semana se juntava, para uma cerveja, ver um partido.

Um dia seu filho, me chamou a parte, me falou de um professor que tinha um comportamento estranho segundo ele, com alguns alunos.

Fui procurar pelo sujeito, era um pédofilo que era procurado em Los Angeles.

Disse ao Jasper, já tens um futuro sucessor na saga policial da família, pois tinha sido ele que tinha levantado a lebre.

Claro que os anos foram passando, as vezes tinha dificuldade para manejar meu braço, fiz exames radicais, para saber por que, a princípio trocaram o chip do mesmo, mas era alguma coisa mais.   Me doía mais, pesava.

Depois de consultar vários médicos, a noticia ao final, eram desagradáveis, teria que amputar meu braço, a altura do ombro, pois estavam surgindo tumores, ao largo da malha.

Tinha duas opções, conversei com o Jorge primeiro.  Seus argumentos foram firmes, seja o que for, te quero vivo.

Quando comentei com o Jasper, foi a mesma coisa, te falta um olho, nem por isso, tua cabeça deixou de funcionar, quantos casos resolvemos pela simples observação tua.

Teria que ser num hospital em Washington, fui para lá com os dois amigos de alma. Desta vez Jasper queria estar presente, já basta que faças tudo sozinho.

Era uma maneira pelo que percebi de se afastar um pouco, seu casamento desmoronava, não sabia o que fazer.   Nos dois conversávamos muito com ele.

Sua mulher soltou um dia, que seu problema estava aí, estar todos seus momentos livres com nos dois, se não estávamos indo para a cama os três.

A operação correu bem, o horror que eu tinha, era que continuava sentido o braço, as vezes tentava pegar alguma coisa com o braço direito, tinha me acostumado a dar a ordem a minha cabeça para isso, mas claro ele não estava mais lá.

Depois de toda cicatrização, me colocaram um braço artificial, que agora usavam para alguns retornados, não era nada novo, mas funcionava como o anterior.  Ainda fiquei quase um mês por lá aprendendo a maneja-lo.

Agora minha mão inclusive parecia a mão de um robot de última geração, só não podia sentir.

Mas segui em frente, não ia dar o braço a torcer nunca, isso não encaixava comigo.

Agora Jasper morava conosco, tinha um quarto só para ele.  Arrumamos outro em cima, quando nos finais de semana tocava os garotos ficarem lá.

O seu filho como sempre, um dia, muito sério pediu para falar comigo.

Tinha escutado sua mãe falar que ele fazia sexo com os dois.

Fui honesto para ele, algo se rompeu entre teus pais, mas nada disso é verdade, teu pai continua sendo meu melhor amigo, desde nossa infância.   Ele fica esperando os dias que pode estar com vocês, os ama.   Mesmo que ele fosse realmente gay, não mudaria nada.

Falei longamente com ele a respeito, agora já tinha 16 anos, pensavam entrar para a academia de polícia, mas sua mãe era contra.   Queria que ele fosse a universidade.

Eu lhe disse, porque realmente não fazes uma, algo que gostes, sempre te vi analisando os fatos, as pessoas muito bem, pense em fazer psicologia.

Tem mais, eres meu preferido, eu pagarei tua universidade.   Talvez seja interessante ires fazer longe daqui.  Para nunca sofreres pressão para decidir tua vida, lembre-se ela é só tua.

Eu tinha um bom dinheiro guardado, não só da herança de minha avó, que ficou sendo aplicada, bem como do que ganhava como consultor.

Falei sério com o Jasper, deixe teu filho escolher o que ele queira fazer, eu pagarei sua universidade, tu te guardes para pagar a dos outros.

Tempos depois, trouxe seu irmão menor, para falar comigo, estava trabalhando em casa, estava sem camisa, agora tudo que se via, era um braço mecânico, como uma máquina de fábrica.

Me sentei conversando com os dois, agora sua mãe via que com ele não funcionava, falava com o pequeno.

Jasper estava saindo, com uma colega, lhe disse para apresentar aos seus filhos, quando viessem num final de semana, para fazermos um churrasco, assim essa história que estamos os três fazendo sexo, morre.

Me olhou, sorriu, soltou, bem que eu queria.

Nada disso, por enquanto pense nos teus filhos.

Um ano depois Jorge morreu, num assalto idiota, uns garotos, entraram numa licoreira para roubar, tomaram reféns, quando a polícia apareceu, começaram a atirar como loucos.

Uma bala o atingiu na cabeça, morreu no ato.

Fiquei arrasado, Jasper não saiu do meu lado, nem seus garotos que tinham aprendido a apreciar o Jorge.  Sua família era de Boston, extremamente católica, um irmão veio buscar o corpo, pediu que eu não fosse ao enterro, porque, ia fazer mal aos seus pais.

Acabei concordando, sabia que eles não falavam com Jorge por isso, bem como ele tinha saído de lá para poder viver sua vida.

Para quem não tinha visto enterrar seu pai, tampouco sua mãe, pensei nisso, para mim ele seguia vivo em alguma parte.

Fui com Jasper olhar a universidade aonde seu filho queria estudar, depois ele voltaria com sua mãe, esta tinha se casado outra vez.

Os meninos passavam mais tempo lá em casa que na sua nova casa.

Jasper vendeu a casa que tinha sido de sua mãe, colocou numa aplicação num banco, para os meninos poderem ir a Universidade.

Na volta, votamos os dois, paramos para dormir num motel.  Eu todas as noites tinha que retirar o braço para dormir, ele me ajudou, pois queria saber como era.  Quando ficares velho, alguém terá que fazer isso por ti.  Quando vimos estávamos na cama.

Me disse que sempre tinha me amado, quando voltaste, eu queria fazer carinho no teu rosto, mas não ficava bem, estava casado, tinha filhos.   Agora o primeiro sai do ninho, ele me perguntou depois da morte do Jorge, se eu gostava de ti, fui honesto com ele, que sim.

Não sei por que, meus pesadelos voltaram, eu voltava a gritar durante a noite. O psicólogo achava porque sentia falta do meu braço.   Depois de analisar muito, cheguei à conclusão que era verdade.   Mas ter Jasper agarrado comigo, me tranquilizava.

Quando os dois menores voaram para fora do ninho, ficamos os dois, ele se aposentou da polícia, estava farto.   No verão alugávamos uma cabana perto de Cape Code, os garotos estavam espalhados pelos Estados Unidos, cada um montando sua família.

Só o mais velho, tinha ido para San Francisco.  Quando fomos visita-lo ele vivia com um rapaz descendente de japoneses.   Jasper a princípio não aceitou muito.  Mas falei com ele, ele te aceitou, porque não podes aceita-lo.

Com ele passávamos largas temporadas, o clima me incomodava menos que o de NYC, a solução foi vender tudo que tinha, comprar uma casa na praia, o único problema, eu não podia entrar no mar, mas adorava pescar com o Jasper.

Ele sempre tinha sido minha família.  Então agora era o melhor, já tinha netos.

Seus filhos passavam ação de graças conosco na praia, depois se dividiam entre sua mãe, e as famílias das mulheres.   Conosco ficava sempre seu filho mais velho.

Agora ele, com seu companheiro, querem adotar.  Nos dois incentivamos.

Mas o que gosto mesmo, é de no final do dia me sentar na varanda da casa, ficar olhando o mar, pois é uma das poucas maneiras que posso desfrutar.