Mesmo depois de
tanto tempo de tudo transcorrido, ainda tinha pesadelos sobre o que tinha
acontecido.
Tinha sido um dia
fatídico em que a soma dos dias, meses, anos anteriores tinha estalado em sua
cara como uma bola de gás, o deixando aturdido.
Assim via os dois anos que tinha estado catatônico, até ir para o lugar
que estava. Era um correcional para menores
de idade, ele não reclamava, pois em comparação com o que tinha vivido depois
dos cinco anos de idade, era como estar num paraíso, um lugar que determinado
dias o inferno surgia, mas ele tinha aprendido a aguentar. Tinha uma casca ou um casulo forte e
resistente que tinha construído ao longo desses anos. Breve teria 18 anos, o colocariam para fora,
honestamente isso o aterrava, falava disso muito com o psicólogo do lugar, bem
como quando vinha a cada 15 dias o inspetor que tinha levado seu caso, devia
muita coisa a ele. Senão, depois dos
dezoito iria para uma prisão, por muitos anos.
Seu único lugar
de paz, era a biblioteca, a senhora que cuidava da mesma, o deixava entrar,
sentar-se na mesa para ler, reler alguns livros, o tinha inclusive ensinado a
escrever na velha máquina que tinha ali.
Assim ele preenchia as folhas que faltavam.
Quando ela contou
aos professores o que ele fazia, estes passaram a lhe dar aulas particulares na
biblioteca. Claro depois tinha que
aguentar as provocações, mas tinha aprendido a se defender. O inspetor quanto tinha tempo, lhe ensinava
truques, como boxear, lutar pela sua vida.
De vez em quando um dos meninos já sem escapatória nenhuma se suicidava.
Ele tinha pensado
muito nisso quando voltou a realidade. A
primeira coisa que pensou, porque estou vivo.
Chorou muito por causa disso, queria estar morto como sua mãe e sua irmã
pequena. Mas estava vigiado 24 horas do
dia, o quarto que estava tinha uma câmera de vigilância.
Estava pele e
osso, durante esse tempo tinha sido alimentado por via intravenosa, inclusive
teve que aprender a andar de novo, a mijar, cagar, pois tudo o fazia na fralda
que usava. Justamente tinha voltado a
si, num dia que lhe limpavam.
Meses depois foi
a julgamento, durante esse tempo, vinha um advogado contratado pelo inspetor,
bem como ele, para ainda proteger alguma lacuna. Todas as lembranças lhe pareciam
distante. Amava aquele quarto branco, a
cama que estava.
Um dia perguntou
ao inspetor se não poderia ficar ali naquele quarto para sempre, porque fora
tudo lhe parecia uma grande merda.
Nesse momento, ia
fazer 14 anos, tudo tinha acontecido dois anos antes, talvez por isso o caso
não tinha mais tanto interesse.
Com doze anos
tinha matado dois filhos da puta. Mas tudo tinha começado quando tinha cinco
anos, viviam bem, sua mãe era uma mulher muito bonita, ele era filho dela com
seu chefe, um rico advogado de fusão de empresas.
Viviam num belo
apartamento, pelo que ele imaginava, um dia sua mulher, que eram quem tinha
mais dinheiro dos dois, descobriu tudo.
Os dois anos seguintes que sua mãe perdeu o emprego, a coisa foi
piorando, foram mudando de apartamento em apartamento, até que ela entrou para
a droga, a coisa se foi ao traste, o homem que era seu pai desapareceu, algumas
vezes mandava dinheiro num envelope, ela basicamente gastava tudo em drogas,
depois começou a se prostituir, a coisa foi a pior, viviam num hotel de 15
categoria. Ele ficava no corredor encolhido enquanto ela atendia algum
cliente. Ficou gravida de sua irmã, mas
não parou de tomar drogas, a menina nasceu com uma série de problemas, acabaram
vivendo num edifício que caia aos pedaços, cheio de ocupas. Foi quando descobriu que tinha câncer na
cabeça, mas claro não tinha dinheiro para se cuidar, tentou conseguir alguma coisa
com seu pai, mas esse não estava interessado, tinha medo da mulher. As vezes lhe telefonava, se encontrava com
ele, na estação do metrô, este lhe dava um envelope, lhe dizia mexendo nos seus
cabelos, coragem campeão.
Como se isso
fosse resolver tudo, com esse dinheiro. Com dez anos, aprendeu a não deixar na mão
dela, fazia compras de comida, ele mesmo preparava alguma coisa, lavava a roupa
dele para ir à escola pública ali perto, dava banho na irmã, cuidava de sua
mãe, claro já nenhum homem se interessava por aquele trapo de mulher, que no
meio do sexo, podia começar a gritar, que a dor de sua cabeça era
impressionante. Saiam correndo, subindo
as calças.
Ele sempre guardava
dinheiro para comprar seus remédios. Mas
fazia semanas que não tinha dinheiro, de tarde para a noite, limpava dois
pequenos mercados do mesmo dono, esse sempre lhe dava as frutas que tinham
alguma parte estragadas, com que ele fazia um tipo de purê para sua irmã, comia
o que sobrava. Antes de ir para casa,
revistava todas as lixeiras do caminho.
Alguns
companheiros da escola viam isso, mas quando fazia alguma brincadeira com ele,
só olhava feio.
Para sua idade,
estava forte, era alto, talvez tivesse saído nisso ao filho da puta de seu pai.
Nesses dias as
dores de sua mãe, pareciam insuportáveis, dormia quando muito, umas duas horas,
depois começava a gritar, pior, sua irmã fazia o mesmo. Se alguém tentava pegar sua irmã no colo para
a fazer calar, era pior, se tornava agressiva, para uma criança, ela tinha uma
força incrível. Sua mãe tinha consumido
seu remédio, que devia durar um mês, em uma semana. Não tinha dinheiro, telefonou desesperado
atrás do pai, atendeu uma secretária dizendo que ele estava na Europa, forçando
“com sua família”.
Telefonou para
sua casa, atendeu a mulher que ele sabia que era sua avó. Mas lhe respondeu o mesmo, frisando que devia
deixar seu filho em paz.
Tentou conseguir
dinheiro em todos os lugares possíveis, o remédio custava caro, com o pouco que
tinha, na farmácia que comprava sempre, o homem ficou surpreso do fato de sua
mãe ter consumido tudo já. Isso pode
ser um problema meu filho. Lhe deu um
outro remédio, para a dor, de graça.
Passou a mão na sua cabeça, ele ainda lhe disse que podia limpar a
farmácia, faria qualquer coisa para que sua mãe não sentisse dor.
Estava
desesperado, quando lhe deu do remédio que este tinha lhe dado grátis, sua mãe
tomou tudo de uma vez, mesmo assim, segurava a cabeça com as duas mãos,
gritando, que queria alguma coisa que tirasse o que tinha ali dentro.
Limpou sua irmã o
melhor que pode, saiu de novo, andou por todo o bairro, foi aonde costumava
buscar comida, pois faziam dois dias que não comia nada consistente. No caminho encontrou dois de uma classe mais
adiantada, que estudavam ali, mas chegavam de carro todos os dias, já tinha
sido expulsos de todas as escolas possíveis, seus pais tinham dinheiro.
Como última
tentativa, lhes pediu dinheiro emprestado.
Concordaram em
dar, se ele fosse buscar drogas para eles, foi o que fez, sabia que os dois
eram vigiados, por isso não podiam ir. Marcou com eles na frente do edifício
que vivia.
Procurou o lugar
que os mesmos tinha falado, comprou o que tinham pedido, viu que um homem o
seguia. Quando
entregou, os dois entraram no edifício, cheiraram toda a cocaína que lhes tinha
trazido, já era quase de noite, correu pelas farmácias, aonde comprava sempre
já não tinha o remédio, foi andando por todas as outras, só encontrou na
última.
Voltou correndo,
viu que o mesmo homem o seguia, pensava que era um ladrão, corria como um
condenado. Quando chegou na porta do
edifício, encontrou uma ambulância, bem como três carros da polícia. Desciam dois sacos desses negros fechados,
demorou para entender que eram sua mãe e sua irmã, queria passar, foi quando
viu a polícia saindo com os dois cheios de sangue. Escutou como se alguém falasse ao longe, que
tinham entrado aonde viviam para esconder a droga, quando sua mãe, louca de dor
os atacou, a mataram, bem como sua irmã.
Alguém tinha
chamado a polícia. Ele ali parado,
olhando os dois, sem se dar conta, tirou o revolver do policial que estava ao
seu lado, esticou o braço atirou nos dois que lhe roubavam tudo o que tinha na
vida. Acertou na cabeça de cada um,
depois abaixou o braço, não viu mais nada. Ficou ali ajoelhada, até que o homem
que o tinha perseguido chegou.
Um médico disse
que estava catatônico. Isso ficou
sabendo depois, hoje talvez tivesse agradecido aqueles dois drogados, pôr o
terem livrado de seu inferno particular.
Mas naquele
momento, lhe tiravam tudo o que tinha na vida, apesar de tudo, amava sua mãe,
sua irmã. Alguns poderiam dizer que não
tinha futuro, mas era sua irmã.
Quando voltou a
si, quase dois anos depois, esteve chorando na cama muito tempo. Pois se
despertou, no momento que sua mãe e ela lhe apareceram, não como as vias nos
últimos momentos, mas bem, ela com toda sua beleza, sua irmã como uma garota
normal.
Sua mãe lhe disse
toque sua vida para frente, mereces.
Dois dias depois
o homem que o perseguia, se apresentou, era o inspetor Mark Davies, lhe
explicou que o tinha seguido o dia inteiro, se eu soubesse naquele momento o
que fazia, teria comprado o remédio, só fui entender, depois que falei com
todos os vizinhos.
Estou aqui para
lhe ajudar. Ele tinha levantado toda a
história, tentou inclusive falar com seu pai, mas esse disse que não ia
responder nenhuma pergunta. Apesar de
o ter reconhecido como filho, chamou imediatamente um advogado, nunca fez nada
para ajuda-lo, tampouco foi vê-lo nunca no hospital. Soltou ao inspetor, que ele devia ser louco
como sua mãe.
O inspetor
reconstruiu toda a história, junto com o fiscal, que lhe tocou. No fundo ele era uma vítima de tudo.
Quando foi a
juízo, o advogado era um contratado pelo inspetor, fez o melhor possível.
Quando lhe começaram a interrogar. Fez
uma coisa que ninguém esperava. Disse ao
Juiz, porque o senhor não me faz as perguntas todas, toda essa gente falando me
confunde. Prefiro contar para o senhor
minha história, qualquer dúvida o senhor me interrompa.
No final quando o
juiz perguntou por que tinha matado os dois rapazes.
Ele olhou ao
juiz, talvez tenha sido uma coisa instintiva, me arrebataram as duas únicas
pessoas que tinha, minha mãe, minha irmã.
Esta não tinha culpa de nada, nasceu assim, sei que a culpada podia ser
minha mãe, porque durante a gravidez toda, tomou drogas, fez sexo com qualquer
pessoa, para comprar mais. Já tinha
perdido tudo mesmo, já não tinha força de lutar.
Nunca soube se as
dores da cabeça eram por causa dos tumores, ou se já estava num grau de
loucura, total.
Contou como tinha
sido esse dia, com quem tinha falado, a chamada ao escritório de seu pai, de
sua casa, o que tinha respondido a mulher que ele sabia que era sua avô.
O juiz os obrigou
a testificar. Seu pai não estava na
Europa, estava ali ao lado de sua nova secretária, amante. Essa quando descobriu a história caiu fora,
testificou também. O de sua avô foi
pior, disse diante do juiz, que não queria nenhum bastardo telefonando para sua
casa.
Ele escutou todos
os depoimentos de cabeça baixa, não queria olhar aquele homem que era seu pai,
por quem tinha agora um ódio mortal.
Quando o juiz
perguntou ao seu pai, se ia fazer alguma coisa por ele, as lagrimas começaram a
rolar pela sua cara, mas o inspetor, segurou sua mão, o fazendo voltar a
realidade. Depois o agradeceria.
O homem que era
seu pai, disse que não ia misturar seus outros filhos, com um assassino.
Lhe condenaram já
que ninguém lhe queria, a ir para o reformatório.
O inspetor, lhe
contou na sua primeira visita lá, que tinha pensado em pedir sua guarda, mas
neste momento sua vida particular, estava desmoronando também, seu filho tinha
morrido na guerra do golfo, sua mulher tinha pedido o divórcio, fiz tudo que
pude para te ajudar.
Inclusive o dono do
lugar que limpava, contou que era um menino correto, os professores disseram
que apesar de tudo, era um aluno brilhante.
Com todos os problemas era o único que trazia os deveres prontos. Como ele fazia, não sabiam. Imaginavam o mesmo, escutando os gritos das
duas, estudando ao mesmo tempo.
Quando o juiz lhe
perguntou sobre isso, ele disse, me isolava, estudar era a única coisa que me
salvava.
Já aonde estava,
basicamente leu todos os livros da biblioteca.
Os outros garotos que estavam ali, não estavam interessados nas poucas
aulas que existiam, uma coisa básica, os professores estavam no final de
carreira.
Quando a
bibliotecária falou com eles, alguns se interessaram, lhe davam aulas a parte,
ficavam surpreso com sua inteligência.
O de línguas,
quando soube que ele os livros que os outros internos tinha arrancado páginas
dos livros, ele lia, relia até encontrar, como o escritor pensava, reescrevia
esses pedaços que faltavam como ele imaginava, por isso usava a máquina de
escrever, depois inseria no livro o que faltava. A bibliotecária, depois lia o livro, dizia
que tinha logica, como ele conseguia entrar nos personagens.
O inspetor trouxe
todos os livros que seu filho tinha, ele pediu a bibliotecária, se os podia
guardar ali, pois os outros garotos, o roubariam dele, ou queimariam os mesmo,
para lhe aborrecer. A estas alturas,
ele já era seu preferido. Era educado
quando pedia as coisas.
Os maiores que
ele, ou mais forte, quando queriam abusar dele, quando depois de lutar, tentar
se defender, os deixava fazer o que queriam, sem se mover, escrevendo na sua
cabeça uma história maravilhosa, que estava andando em algum parque da cidade,
como via as outras pessoas fazendo. Se
levantavam quando eles terminavam, ia ao banheiro se lavava, voltava para sua
cama, tentava dormir, não chorava mais, não valia a pena.
Ficava quieto,
tentando pensar na sua vida depois dali, o que faria.
Não teria ideia,
estudar como, não tinha dinheiro, teria sim que conseguir algum trabalho, mas
sabia que seria difícil.
Quando comentou
com o inspetor, este lhe disse que antes de sair, uma junta o analisaria, que
os professores, a bibliotecária, o próprio diretor iam alabar o fato de ser o
mais comportado.
Quando o inspetor
sabendo o que acontecia ali, perguntou se algum dos outros tinha abusado dele?
Respondeu,
encontrei a solução, me defendo, quando vejo que é impossível, deixo que façam
o que querem, mas coloco minha cabeça em outro lugar, imagino que estou
passeando por um parque cheio de flores, que minha mãe me segura a mão de um
lado, minha irmã do outro, elas sofreram mais do que eu, então consigo
aguentar. Depois me levanto, me tomo um
banho de água fria, pois a estas horas, já não tem água quente, volto para a
cama, não choro, porque seria dar um prazer a eles, que me venceram, não me
sinto vencido.
A cara do
inspetor era impressionante o escutando falar assim, sem levantar a voz, sem
chorar, nem protestar. Era o que
chocava.
Minha única
preocupação senhor Mark, é imaginar o que vou fazer quando sair. Quem vai
querer me dar emprego, como farei para estudar.
Tudo é uma grande incógnita.
Com 18 anos, ele
seria considerado maior de idade.
Mark Davies, se
preocupava que ele caísse nas mãos de algum traficante de drogas, ou de alguém
que o explorasse sexualmente. ou que se tornasse um desses garotos que vendem o
corpo para sobreviver.
Tomou coragem,
falou com o juiz, o levaria para sua casa.
Tentaria o ajudar, ia se aposentar dentro em breve, vivia num
apartamento pequeno, mas tinha um quarto que poderia dar a ele.
Tomou coragem, se
desfez de tudo que tinha sido de seu filho, guardado em caixas nesse quarto, começou
olhando cada coisa, chorando muito.
Mas tomou uma decisão, ficar aqui chorando não resolve nada, chamou uma
instituição, pediu que viessem recolher tudo.
Ele mesmo pintou
o quarto todo de branco, comprou uma cama, uma mesa de estudos, uma velha máquina
de escrever dessas portáteis.
Sentou se com
George, fez seu oferecimento, mas antes contou que seu filho tinha morrido na
guerra, que sua mulher tinha se divorciado dele, foi tudo ao mesmo tempo que
acontecia isso contigo. Se surpreendeu
que George colocasse as mãos sobre as suas, como o consolando.
A única coisa que
falou foi, “li num livro, que muita água passa por debaixo da ponte, primeiro
como, uma enxurrada, depois tudo volta ao normal”.
Creio que
encontrarei uma maneira de sobreviver.
Só irei para sua
casa, se realmente queres, não quero mais ser um intrometido na vida de
ninguém, tampouco que sinta vergonha por mim.
Mark sabia que
falava do pai. Isso tinha calado muito
fundo nele. Perguntou se pensava um dia
se vingar.
Sabe quando li o
“Conde de Monte Cristo”, vi tudo que ele tinha feito para se vingar, por mais
que ganhasse no final, fiquei analisando muito, fez mil coisa, mas no fundo
isso não o deixou mais feliz, ou mais contente. Já tinha perdido tudo, recuperar, seu filho,
a mulher amada, no fundo saberia que eram já diferentes do que ele tinha
conhecido. Não vale a pena.
Meu pai é um
coitado, me pergunto se foi feliz depois do julgamento, quando todo mundo viu
quem ele era, mesmo sua mulher que estava ali no tribunal, como a mulher que
obrigou a me dizer que estava na Europa.
Nunca mais o respeitariam, não vale a pena, será sempre um homem
medíocre.
Se ele imaginava
que seus últimos dias ali seriam fáceis, foi tudo para a casa do caralho, um
fim de tarde um bando de quinze da mesma idade deles, alguns mais fortes, o
arrastaram para uma lateral do edifício do ginásio, um lugar estreito, que por
isso nunca tinha uma câmera de vídeo, o encheram de porrada, abusaram dele, de
uma certa maneira não viu nada, porque primeiro para o poderem arrastar, deram
em sua cabeça com uma pedra grande, não teve conhecimento do que passou. Só foram notar sua falta, na hora de dormir,
pois sua cama estava vazia.
Levaram mais de 3
horas para encontra-lo. Primeiro
pensaram que tinha fugido, mas saiu dali, como um vencido, na maca de uma
ambulância direto para um hospital, já em coma.
O inspetor,
estava furioso, mas não havia como saber quem tinha feito isso com ele. Se culpava, o devia ter retirado de lá,
quando me contou a história dos abusos.
Tinha cinco
costelas partidas, bem como um desgarro anal de fazer gosto. Além da contusão
da cabeça, lhe operaram a parte de maior emergência, para depois resolverem
fazer o que fosse possível.
O inspetor,
segurava sua mão, não saiu dali. As
vezes rezava, como o tinha feito por seu filho, outras vezes, falava com ele, pedindo
que não o deixasse sozinho, pois o queria em sua casa.
Antecipou sua
aposentadoria em um mês, ninguém reclamou, sabiam o que se passava. Levou uma maleta para lá, as enfermeiras,
levavam suas roupas para lavar, tomava banho no próprio quarto do hospital,
deixou de fumar, ficava horas inteiras ali com ele. Leu o Conde de Monte Cristo, analisava o que
ele lhe tinha falado. Chegou à conclusão
de que Alexandre Dumas, não tinha sido coerente, pois no final, era o famoso,
comeram perdizes foram felizes para sempre.
O final nunca era
esse na verdade, os escritores mentiam.
Quando saiu do
coma, quem encontrou ao seu lado foi o inspetor, tinha um bloquei em sua cabeça
que o fazia não se lembrar de nada, tudo que se lembrava, era ter abaixado para
pegar um papel que tinham jogado no chão para colocar na lixeira.
De fato, a
contusão da sua cabeça estava melhor, depois de todos os exames, os médicos
achavam que poderia ocasionar algum problema.
Falou com o juiz,
para ele poder usar seu sistema médico, era necessário adota-lo. Conversou com
ele. Primeiro ficou olhando na cara do
inspetor, imutável, perguntou se tinha certeza de que queria isso. O senhor vê como vem junto comigo uma série
de problemas. Talvez fosse melhor eu me
jogar na rua, ver o que sai. Já estou
tão insensível com todas as desgraças, que o que venha, eu como até com as
mãos.
Eu gostaria muito
que fosses viver comigo. Estou sozinho,
tenho poucos amigos, aprendi muitas coisas de ti. Me deixe pelo menos ajudar-te.
Cheio de dúvidas,
mas aceitou. Passou o seu aniversário
ainda no hospital, depois da última operação, para reconstrução do anus.
Os papeis o juiz
resolveu rapidamente, tinha pena desse rapaz, pensava o karma dele, é forte.
Mark Davies, deu
entrada, dias antes de assinar os papeis de sua aposentadoria, nos documentos
que ele tinha direito ao sistema médico como seu filho.
Falou muito com
uma psicóloga que atendia os policiais, se ela podia recomendar alguém para
ajudar seu novo filho. George Davies.
Este gostou
quando lhe propôs trocar de nome. Um dia
o Mark foi ao hospital, viu um papel cheio de seu novo nome, estive treinando
como me chamo agora, creio que escreverei uma nova página na minha vida.
Foi busca-lo no
hospital, com seu velho jeep, de toda a vida, contou ao George que tinha sido
de seu filho, nos dois reconstruímos o motor juntos.
Quando chegou na
casa do Mark, viu o quarto que tinha preparado para ele, o resto agora é por
tua conta, tem uma série de livros que acabei de ler, para que leias, depois
discutimos cada um.
Teve uma
professora, que o ajudou a se colocar nas matérias que lhe faltavam aonde
estava antes. Escreveu uma carta a cada
professor que o tinha ajudado lá, mas uma em especial a bibliotecária.
Resolveu estudar
filosofia, bem com literatura americana.
Foi se destacando, nas aulas, era um bom estudante.
Mark lhe
perguntou um dia se iria escrever sua história?
A resposta
demorou, mas acabou verbalizando o que sentia.
Creio que terei que me afastar muito de tudo isso, para daqui alguns
anos, com outra perspectiva escrever.
Um professor,
disse que havia um concurso de contos, se ele estava interessado, se dedicou de
corpo e alma a escrever. Foi o único
que apresentou um trabalho escrito a máquina, os outros entregaram pen drives.
Sem querer foi o
primeiro que o professor leu. Como o
tema era livre, cada um podia escrever sobre o que queria.
Ele escreveu
sobre uma coisa que debatia muito com o Mark, o final das histórias. Normalmente os finais era o bom vence o mal,
foram felizes para sempre, seguiram a vida mas melhores do que antes. Ele fazia uma versão, do depois, tinha
reanalisado com Mark o final de O Conde de Monte Cristo. Usou os personagens para criar o conto, como
cada um seguia ao final. Se eram felizes
ou não, era como um jornalista entrevistando cada personagem.
O filho por
exemplo, depois de anos acreditando que o pai era um, agora se via com um pai
diferente que inicialmente o tinha feito sofrer, com se sentia.
A mulher que ele
tinha amado, que pensava que estava morto, o reencontro, como ela tinha sentido
isso. Se sentia bem reconstruindo sua vida com ele.
O próprio Conde,
se depois da vingança toda, como se sentia, como pensava em levar a vida depois
disso.
Não tinha nada a
ver com que os outros alunos tinham escrito, todos falavam de futuro, de coisas
do momento. Todos eram otimistas
demais.
Cada um foi
analisado, depois teriam que se apresentar a banca, conversar sobre o que tinha
escrito. Ele se sentou comodamente,
respondeu todas as perguntas que tinham a respeito do assunto. Contou do tempo que esteve no
reformatório, dos livros que faltavam páginas, que ele tinha que imaginar o que
o autor tinha pensado a respeito. Da
conversa com o hoje seu pai, sobre sua pergunta sobre a vingança.
Eu lhe disse que
não valia a pena, pois o próprio karma da pessoa se encarregaria dela.
Analisei cada
frase, cada personagem do Dumas, mesmos os maus, que tinha alcançado seus
objetivos, se analisas profundamente, eram ricos, comiam perdizes, mas não eram
felizes.
O fato de no
livro, a amada, o aceitar sem muitas explicações, ela que sempre tinha
acreditado em mentiras, será que aceitaria a verdade dele. Bem como o filho, que ele não sabia que era
dele, a quem basicamente tinha torturado, com o aceitaria como pai. Então imaginei cada um sendo entrevistado
por uma revista dessas que hoje em dia vendem a vida dos famosos.
Por que
escreveste a máquina? Foi uma das
perguntas.
Eu escrevia a
lápis, mas meus companheiros do reformatório estavam sempre roubando os mesmos,
como queria colocar as páginas dentro do livro, pedi a bibliotecária que me
ensinasse a usar a máquina de escrever que tinha ali, que ela não usava mais.
Que sabia que
todos escreviam com um laptop, depois ou colocavam num pen drive, ou imprimiam,
ele não tinha esses recursos. A máquina
velha que tinha resolvia o mesmo.
Ele acabou
ganhando o primeiro prémio, que era ser publicado numa revista literária, bem
como foi publicado numa revista dessas de domingo de algum jornal.
Mark ficou
orgulhoso dele, tinham debatido o texto mil vezes. Inclusive, Mark tinha feito o papel de cada
personagem.
Numa entrevista,
tocaram no assunto da máquina de escrever.
Ele repetiu que estava contente de usar uma velha, não lhe
incomodava. Que ainda não tinha um
emprego para comprar um Lap top.
Por acaso um
jornalista se lembrou dele fez uma matéria do assunto. Começaram a surgir mil pedidos de entrevista,
conversou com Mark a respeito. Se negou
a dar qualquer entrevista.
Se não fosse para
falar do texto, nada.
Escreveu um
livro, sobre o que já na época pensava de sua irmã, como seu passado devia ser
pesado, para vir nessa vida daquela maneira. Não poder se expressar, com todos
os problemas que tinha, como pensaria no seu interior. Porque gritava, se era em protesto, se era de
raiva, revolta.
Quando estava
mal, pensava nisso, se fosse ela, que não falava, só gritava, como poderia
expressar o que sentia.
Mark leu cada
capitulo, disse que se sentia como uma dessas solteironas, que reclamam sem
cessar da vida, que encaram uma realidade que nunca viveram, com um lenço nas
mãos lendo essas páginas.
Pediu se o seu
professor preferido podia ler. Ele o
fez, bem como levou para um editor.
Esse se
interessou imediatamente, tinha feito parte da banca que tinha analisado o conto,
só fez uma pergunta, ele segue usando a velha máquina de escrever?
No dia seguinte,
estava em casa escrevendo, recebeu uma encomenda, primeiro pensou que tinha
sido o Mark, que não estava em casa nesse momento, um laptop, bem como uma
impressora.
Agradeceu ao
editor. Este marcou um almoço com ele,
que foi acompanhado do Mark.
Apresentou ao
editor, esse é meu pai.
Quando o mesmo
disse que tinha lido o livro, que gostaria de publicar.
Ele escutou tudo,
sem dizer uma palavra. Só disse uma
coisa, se negaria falar do seu passado, já estava fazendo através do livro, só
responderia perguntas nas entrevista sobre o mesmo.
O livro foi
publicado com sucesso, Mark ia sempre com ele as entrevistas, quando o reporte
se excedia, ele não respondia.
Quando terminou o
curso, os dois foram passar uns dias numa praia, que Mark gostava muito, contou
que tinha passado toda sua juventude ali, seus pais ainda eram vivos. Alugavam essa mesma casa. Aqui foi o lugar aonde fui feliz.
Conforme ele foi
contando as coisas que se lembrava dessa época, ele escutou tudo, depois
escrevia, construiu um personagem, que foi feliz primeiro, depois teve que
encarar a dura realidade da vida. Um
casamento, um emprego, um filho que amava, que morria muito cedo.
Mark, comentou
que quando leu os primeiros capítulos, tinha ficado arrepiado, pois tinha
conseguido captar exatamente o que ele sentia, pensava desse época.
Depois escreveu
uma história que escutou de um pescador, que nunca tinha saído dali, tinha
nascido, crescido, sempre ali, via entrar verão sair verão, as pessoas que
vinham passar essa época ali, os sentimentos que tinha, primeiro quando era
jovem, inveja, pois podiam ir embora, depois os analisava já maduros, vinham
ali, pois queriam recuperar uma época que tinha sido felizes, já velhos, porque
era a única felicidade que tinham para recordar, mas ele sempre tinha sido
feliz, principalmente quando estava no mar em comunicação com a natureza, com o
deus dos mares, que lhe dava o que comer sempre.
Em nenhum momento
deixou de escrever, montou um livro de contos sobre isso, a felicidade.
Quando mandou
para o editor, esse imediatamente o chamou.
Tiraste meu sonho, li todos os contos até o final, queria que viesses
falar comigo.
Tinha mostrado os
contos para um produtor de serie de televisão, ele se interessava em montar uma
série em que essas histórias de cruzavam no mesmo lugar, se ele era capaz de
escrever, mas de qualquer maneira ele editaria o livro.
Conversou com o
Mark a respeito, teria que fazer um curso de escritura de roteiros.
Mark tinha
alugado a casa para todo o ano. Lhe deu
a chave do apartamento.
Chegou o momento
de enfrentares o mundo sozinho.
Ele parecia levar
uma vida de ermitão, pois fazia as aulas, aprendeu a manejar os personagens,
alguns alunos se aproximaram dele, mas ele tinha medo do relacionamento.
Criou um
personagem em cima dele mesmo, que ia para o mesmo lugar aonde estavam os
outros, para aprender a se relacionar.
Mandou o primeiro
capitulo para o produtor, este pediu um entrevista com ele, junto com o diretor
que tinha selecionado.
O Mark tinha lido
tudo, foi com ele para analisar o contrato, os valores da oferta.
Negociaram, ele
teria que escrever seis capítulos, com finais diferentes.
Com o dinheiro
comprou sem o Mark saber a casa que tinham alugado. Lhe deu de presente.
A série bem com o
livro foram bem recebidos. Um dia estava
dando autografo, quando um rapaz um pouco mais velho que ele se aproximou, se
apresentou, era seu irmão mais velho, filho do seu pai verdadeiro.
O esperou
terminar, sentaram-se para conversar. Em
momento algum tocou no nome do pai, só no final soltou que a muito tempo não
sabia dele, tinha fugido pelo mundo.
Gostaria de te
conhecer, pois somos irmãos.
Ok, lhe deu o
número de seu celular, quando venha a cidade, te chamarei.
Assim fizeram
cada vez que ele tinha aulas, o chamava, conversavam. Mas quem mais falava tinha sido o irmão, aos
poucos começou a soltar, que isso dos filhos, era uma coisa que seu pai no
final tinha vários. Me fez uma imensa
confusão quando era adolescente descobrir tudo isso. Não sabia como me
posicionar, em casa, vivia nossa avó, ela chamava todos de bastardos, defendia
seu filho como ele fosse um varão escolhido por deus.
Um dia minha mãe
se fartou a colocou numa residência de maiores, espero que seu varão escolhido
por deus venha resgata-la.
Evidentemente isso nunca aconteceu, morreu amargada, culpando todos os
bastardos que tinham roubado seu filho.
Eu tinha um ódio
particular por ela, pois me dizia que eu não era suficiente bonito, nem esperto
como seu filho. Um dia a mandei tomar no
cu, foi quando minha mãe resolveu tudo.
Levei muito tempo
num psicólogo para analisar tudo, a ideia que eu tinha era uma, a que me
vendiam era outra. Meu pai se casou
com minha mãe, não porque fosse bonita, mas sim porque tinha uma bela
fortuna. Mas meu avô o obrigou a
casar-se com separação de bens, não confiava nessa bela estampa.
Minha avô dizia
que ele tinha feito um favor a ela em se casar, pois acabaria sendo uma
solteirona. Minha mãe se casou outra
vez, vive feliz com o homem que escolheu, um homem simples, mas trabalhador.
Eu fiquei no meio
disso tudo.
Embora fosse uma
realidade que não tinha vivido, escreveu a história do irmão, quando lhe
entregou para ler. Chorou, vejo que me
entendeste completamente.
Claro de fora é
mais fácil observar, escrever, que dentro da história.
Uma vez me
perguntaram se eu pensava em me vingar, eu respondi, que tinha aprendido que
não valia a pena. Que a própria vida se
encarregaria disso.
Se viam agora uma
vez por mês, pois ele só ia a cidade quanto tinha que fazer algum exame médico,
que eram periódicos. Seu irmão lhe
contou que o pai tinha-lhe procurado, pois precisava de um doador de medula
óssea. Me encheu o saco, eu a princípio
disse que não, mas por desencargo de consciência fiz o exame. Era compatível, mas depois pensei bem, lhe
disse que não, que ele se apanhasse com toda merda que tinha feito, foi de
filho em filho pedindo, fiquei sabendo que contando contigo eram onze filhos.
Nenhum outro
sequer fez o exame, quando a pessoa se nega, ele faz como a mãe, os chama de
bastardo. Talvez ainda faça contato
contigo.
Mas não fez,
talvez porque soubesse que era o que mais tinha saído prejudicado em tudo com
ele. Souberam depois que tinha morrido,
sem um tostão, que toda a pose que tinha, morreu com ele. Segundo algumas pessoas, ele acusava sua mãe
de ser como era, pois tinha sido criado achando que o mundo vivia em torno ao
seu umbigo. Ele nunca era culpado de
nada.
Pensou em
escrever um livro sobre isso, mas achou que remover a merda, não ia ser
salutar.
Mark sempre
cobrava que ele devia ter alguém em sua vida, ele dizia que não, que seus
traumas sexuais, era mais poderosos que ele mesmo.
Que gostava da
vida que levava. Sentar-se na praia conversar com ele, as noites que debatiam
algum livro que tinha lido os dois, ou algum texto que tinha escrito, os dois
falavam sobre o mesmo.
Quando Mark
morreu, com quase 85 anos, para ele foi duro, era o melhor pai, amigo que podia
querer na vida. Rendeu homenagem a ele
na cerimônia que fizeram ali na praia.
Depois de cremado, com o amigo deles o pescador, levaram suas cinzas
para alto mar. Esse era seu sonho.
Agora escrevia
mais devagar.
Quando descobriu
que tinha câncer, por causa de seu trauma na cabeça, apesar de todos os exames
que fazia, resolveu não tratar.
Foi nesse momento
que escreveu sua história, tinha tudo guardado numa caixa em sua mente, quando
a abriu, foi como abrir a caixa de Pandora, saíram as coisas más, bem como as
boas.
Principalmente o
que veio depois de tanta desgraças.
Entregou ao
editor, lamentando que desta vez, não tinha o Mark para debater tudo. Um dia
quando já não aguentava mais de dor, subiu a um pequeno barco que tinha
comprado, passou pelas ondas da pequena enseada, deixou depois que o barco, fosse
levado por alguma corrente, o encontraram meses depois, já quase Cabo de San
Lucas, na Baixa California, já México.
Como tinha todos seus documentos, o devolveram. Deixou a casa para seu irmão, o dinheiro
deixava para várias pessoas, como a bibliotecária que o tinha ajudado, o
professor que tinha lhe ensinado o que podia, para o pescador.
Seu irmão foi
morar ali, dizia que tinha encontrado a paz que necessitava.
Seu corpo, já
então totalmente mumificado pela água do mar, foi cremado, o pescador o levou
numa urna até aonde tinha deixado o do Mark.
Assim pai e filho se reuniam.
No hay comentarios:
Publicar un comentario