lunes, 21 de noviembre de 2022

ALL LOST

 

                                       

 

Mesmo depois de tanto tempo de tudo transcorrido, ainda tinha pesadelos sobre o que tinha acontecido.

Tinha sido um dia fatídico em que a soma dos dias, meses, anos anteriores tinha estalado em sua cara como uma bola de gás, o deixando aturdido.  Assim via os dois anos que tinha estado catatônico, até ir para o lugar que estava.  Era um correcional para menores de idade, ele não reclamava, pois em comparação com o que tinha vivido depois dos cinco anos de idade, era como estar num paraíso, um lugar que determinado dias o inferno surgia, mas ele tinha aprendido a aguentar.   Tinha uma casca ou um casulo forte e resistente que tinha construído ao longo desses anos.  Breve teria 18 anos, o colocariam para fora, honestamente isso o aterrava, falava disso muito com o psicólogo do lugar, bem como quando vinha a cada 15 dias o inspetor que tinha levado seu caso, devia muita coisa a ele.   Senão, depois dos dezoito iria para uma prisão, por muitos anos.

Seu único lugar de paz, era a biblioteca, a senhora que cuidava da mesma, o deixava entrar, sentar-se na mesa para ler, reler alguns livros, o tinha inclusive ensinado a escrever na velha máquina que tinha ali.  Assim ele preenchia as folhas que faltavam.

Quando ela contou aos professores o que ele fazia, estes passaram a lhe dar aulas particulares na biblioteca.   Claro depois tinha que aguentar as provocações, mas tinha aprendido a se defender.   O inspetor quanto tinha tempo, lhe ensinava truques, como boxear, lutar pela sua vida.   De vez em quando um dos meninos já sem escapatória nenhuma se suicidava.

Ele tinha pensado muito nisso quando voltou a realidade.  A primeira coisa que pensou, porque estou vivo.  Chorou muito por causa disso, queria estar morto como sua mãe e sua irmã pequena.   Mas estava vigiado 24 horas do dia, o quarto que estava tinha uma câmera de vigilância.

Estava pele e osso, durante esse tempo tinha sido alimentado por via intravenosa, inclusive teve que aprender a andar de novo, a mijar, cagar, pois tudo o fazia na fralda que usava.  Justamente tinha voltado a si, num dia que lhe limpavam.

Meses depois foi a julgamento, durante esse tempo, vinha um advogado contratado pelo inspetor, bem como ele, para ainda proteger alguma lacuna.  Todas as lembranças lhe pareciam distante.   Amava aquele quarto branco, a cama que estava.

Um dia perguntou ao inspetor se não poderia ficar ali naquele quarto para sempre, porque fora tudo lhe parecia uma grande merda.

Nesse momento, ia fazer 14 anos, tudo tinha acontecido dois anos antes, talvez por isso o caso não tinha mais tanto interesse.

Com doze anos tinha matado dois filhos da puta. Mas tudo tinha começado quando tinha cinco anos, viviam bem, sua mãe era uma mulher muito bonita, ele era filho dela com seu chefe, um rico advogado de fusão de empresas.

Viviam num belo apartamento, pelo que ele imaginava, um dia sua mulher, que eram quem tinha mais dinheiro dos dois, descobriu tudo.  Os dois anos seguintes que sua mãe perdeu o emprego, a coisa foi piorando, foram mudando de apartamento em apartamento, até que ela entrou para a droga, a coisa se foi ao traste, o homem que era seu pai desapareceu, algumas vezes mandava dinheiro num envelope, ela basicamente gastava tudo em drogas, depois começou a se prostituir, a coisa foi a pior, viviam num hotel de 15 categoria. Ele ficava no corredor encolhido enquanto ela atendia algum cliente.  Ficou gravida de sua irmã, mas não parou de tomar drogas, a menina nasceu com uma série de problemas, acabaram vivendo num edifício que caia aos pedaços, cheio de ocupas.  Foi quando descobriu que tinha câncer na cabeça, mas claro não tinha dinheiro para se cuidar, tentou conseguir alguma coisa com seu pai, mas esse não estava interessado, tinha medo da mulher.  As vezes lhe telefonava, se encontrava com ele, na estação do metrô, este lhe dava um envelope, lhe dizia mexendo nos seus cabelos, coragem campeão.

Como se isso fosse resolver tudo, com esse dinheiro.    Com dez anos, aprendeu a não deixar na mão dela, fazia compras de comida, ele mesmo preparava alguma coisa, lavava a roupa dele para ir à escola pública ali perto, dava banho na irmã, cuidava de sua mãe, claro já nenhum homem se interessava por aquele trapo de mulher, que no meio do sexo, podia começar a gritar, que a dor de sua cabeça era impressionante.   Saiam correndo, subindo as calças.

Ele sempre guardava dinheiro para comprar seus remédios.  Mas fazia semanas que não tinha dinheiro, de tarde para a noite, limpava dois pequenos mercados do mesmo dono, esse sempre lhe dava as frutas que tinham alguma parte estragadas, com que ele fazia um tipo de purê para sua irmã, comia o que sobrava.  Antes de ir para casa, revistava todas as lixeiras do caminho.

Alguns companheiros da escola viam isso, mas quando fazia alguma brincadeira com ele, só olhava feio.

Para sua idade, estava forte, era alto, talvez tivesse saído nisso ao filho da puta de seu pai.

Nesses dias as dores de sua mãe, pareciam insuportáveis, dormia quando muito, umas duas horas, depois começava a gritar, pior, sua irmã fazia o mesmo.  Se alguém tentava pegar sua irmã no colo para a fazer calar, era pior, se tornava agressiva, para uma criança, ela tinha uma força incrível.   Sua mãe tinha consumido seu remédio, que devia durar um mês, em uma semana.  Não tinha dinheiro, telefonou desesperado atrás do pai, atendeu uma secretária dizendo que ele estava na Europa, forçando “com sua família”.

Telefonou para sua casa, atendeu a mulher que ele sabia que era sua avó.  Mas lhe respondeu o mesmo, frisando que devia deixar seu filho em paz.

Tentou conseguir dinheiro em todos os lugares possíveis, o remédio custava caro, com o pouco que tinha, na farmácia que comprava sempre, o homem ficou surpreso do fato de sua mãe ter consumido tudo já.   Isso pode ser um problema meu filho.   Lhe deu um outro remédio, para a dor, de graça.  Passou a mão na sua cabeça, ele ainda lhe disse que podia limpar a farmácia, faria qualquer coisa para que sua mãe não sentisse dor.

Estava desesperado, quando lhe deu do remédio que este tinha lhe dado grátis, sua mãe tomou tudo de uma vez, mesmo assim, segurava a cabeça com as duas mãos, gritando, que queria alguma coisa que tirasse o que tinha ali dentro.

Limpou sua irmã o melhor que pode, saiu de novo, andou por todo o bairro, foi aonde costumava buscar comida, pois faziam dois dias que não comia nada consistente.  No caminho encontrou dois de uma classe mais adiantada, que estudavam ali, mas chegavam de carro todos os dias, já tinha sido expulsos de todas as escolas possíveis, seus pais tinham dinheiro.

Como última tentativa, lhes pediu dinheiro emprestado.

Concordaram em dar, se ele fosse buscar drogas para eles, foi o que fez, sabia que os dois eram vigiados, por isso não podiam ir. Marcou com eles na frente do edifício que vivia.

Procurou o lugar que os mesmos tinha falado, comprou o que tinham pedido, viu que um homem o seguia.     Quando entregou, os dois entraram no edifício, cheiraram toda a cocaína que lhes tinha trazido, já era quase de noite, correu pelas farmácias, aonde comprava sempre já não tinha o remédio, foi andando por todas as outras, só encontrou na última.

Voltou correndo, viu que o mesmo homem o seguia, pensava que era um ladrão, corria como um condenado.  Quando chegou na porta do edifício, encontrou uma ambulância, bem como três carros da polícia.   Desciam dois sacos desses negros fechados, demorou para entender que eram sua mãe e sua irmã, queria passar, foi quando viu a polícia saindo com os dois cheios de sangue.  Escutou como se alguém falasse ao longe, que tinham entrado aonde viviam para esconder a droga, quando sua mãe, louca de dor os atacou, a mataram, bem como sua irmã.

Alguém tinha chamado a polícia.  Ele ali parado, olhando os dois, sem se dar conta, tirou o revolver do policial que estava ao seu lado, esticou o braço atirou nos dois que lhe roubavam tudo o que tinha na vida.  Acertou na cabeça de cada um, depois abaixou o braço, não viu mais nada. Ficou ali ajoelhada, até que o homem que o tinha perseguido chegou.

Um médico disse que estava catatônico.  Isso ficou sabendo depois, hoje talvez tivesse agradecido aqueles dois drogados, pôr o terem livrado de seu inferno particular.

Mas naquele momento, lhe tiravam tudo o que tinha na vida, apesar de tudo, amava sua mãe, sua irmã.  Alguns poderiam dizer que não tinha futuro, mas era sua irmã.

Quando voltou a si, quase dois anos depois, esteve chorando na cama muito tempo. Pois se despertou, no momento que sua mãe e ela lhe apareceram, não como as vias nos últimos momentos, mas bem, ela com toda sua beleza, sua irmã como uma garota normal.

Sua mãe lhe disse toque sua vida para frente, mereces.

Dois dias depois o homem que o perseguia, se apresentou, era o inspetor Mark Davies, lhe explicou que o tinha seguido o dia inteiro, se eu soubesse naquele momento o que fazia, teria comprado o remédio, só fui entender, depois que falei com todos os vizinhos.

Estou aqui para lhe ajudar.   Ele tinha levantado toda a história, tentou inclusive falar com seu pai, mas esse disse que não ia responder nenhuma pergunta.    Apesar de o ter reconhecido como filho, chamou imediatamente um advogado, nunca fez nada para ajuda-lo, tampouco foi vê-lo nunca no hospital.  Soltou ao inspetor, que ele devia ser louco como sua mãe.

O inspetor reconstruiu toda a história, junto com o fiscal, que lhe tocou.  No fundo ele era uma vítima de tudo.

Quando foi a juízo, o advogado era um contratado pelo inspetor, fez o melhor possível. Quando lhe começaram a interrogar.  Fez uma coisa que ninguém esperava.  Disse ao Juiz, porque o senhor não me faz as perguntas todas, toda essa gente falando me confunde.  Prefiro contar para o senhor minha história, qualquer dúvida o senhor me interrompa.

No final quando o juiz perguntou por que tinha matado os dois rapazes.

Ele olhou ao juiz, talvez tenha sido uma coisa instintiva, me arrebataram as duas únicas pessoas que tinha, minha mãe, minha irmã.   Esta não tinha culpa de nada, nasceu assim, sei que a culpada podia ser minha mãe, porque durante a gravidez toda, tomou drogas, fez sexo com qualquer pessoa, para comprar mais.  Já tinha perdido tudo mesmo, já não tinha força de lutar.

Nunca soube se as dores da cabeça eram por causa dos tumores, ou se já estava num grau de loucura, total.

Contou como tinha sido esse dia, com quem tinha falado, a chamada ao escritório de seu pai, de sua casa, o que tinha respondido a mulher que ele sabia que era sua avô.

O juiz os obrigou a testificar.  Seu pai não estava na Europa, estava ali ao lado de sua nova secretária, amante.   Essa quando descobriu a história caiu fora, testificou também.  O de sua avô foi pior, disse diante do juiz, que não queria nenhum bastardo telefonando para sua casa.

Ele escutou todos os depoimentos de cabeça baixa, não queria olhar aquele homem que era seu pai, por quem tinha agora um ódio mortal.

Quando o juiz perguntou ao seu pai, se ia fazer alguma coisa por ele, as lagrimas começaram a rolar pela sua cara, mas o inspetor, segurou sua mão, o fazendo voltar a realidade.  Depois o agradeceria.

O homem que era seu pai, disse que não ia misturar seus outros filhos, com um assassino.

Lhe condenaram já que ninguém lhe queria, a ir para o reformatório.

O inspetor, lhe contou na sua primeira visita lá, que tinha pensado em pedir sua guarda, mas neste momento sua vida particular, estava desmoronando também, seu filho tinha morrido na guerra do golfo, sua mulher tinha pedido o divórcio, fiz tudo que pude para te ajudar.

Inclusive o dono do lugar que limpava, contou que era um menino correto, os professores disseram que apesar de tudo, era um aluno brilhante.  Com todos os problemas era o único que trazia os deveres prontos.  Como ele fazia, não sabiam.    Imaginavam o mesmo, escutando os gritos das duas, estudando ao mesmo tempo.

Quando o juiz lhe perguntou sobre isso, ele disse, me isolava, estudar era a única coisa que me salvava.

Já aonde estava, basicamente leu todos os livros da biblioteca.  Os outros garotos que estavam ali, não estavam interessados nas poucas aulas que existiam, uma coisa básica, os professores estavam no final de carreira.

Quando a bibliotecária falou com eles, alguns se interessaram, lhe davam aulas a parte, ficavam surpreso com sua inteligência.

O de línguas, quando soube que ele os livros que os outros internos tinha arrancado páginas dos livros, ele lia, relia até encontrar, como o escritor pensava, reescrevia esses pedaços que faltavam como ele imaginava, por isso usava a máquina de escrever, depois inseria no livro o que faltava.   A bibliotecária, depois lia o livro, dizia que tinha logica, como ele conseguia entrar nos personagens.

O inspetor trouxe todos os livros que seu filho tinha, ele pediu a bibliotecária, se os podia guardar ali, pois os outros garotos, o roubariam dele, ou queimariam os mesmo, para lhe aborrecer.   A estas alturas, ele já era seu preferido.  Era educado quando pedia as coisas.

Os maiores que ele, ou mais forte, quando queriam abusar dele, quando depois de lutar, tentar se defender, os deixava fazer o que queriam, sem se mover, escrevendo na sua cabeça uma história maravilhosa, que estava andando em algum parque da cidade, como via as outras pessoas fazendo.   Se levantavam quando eles terminavam, ia ao banheiro se lavava, voltava para sua cama, tentava dormir, não chorava mais, não valia a pena.

Ficava quieto, tentando pensar na sua vida depois dali, o que faria.

Não teria ideia, estudar como, não tinha dinheiro, teria sim que conseguir algum trabalho, mas sabia que seria difícil.

Quando comentou com o inspetor, este lhe disse que antes de sair, uma junta o analisaria, que os professores, a bibliotecária, o próprio diretor iam alabar o fato de ser o mais comportado.

Quando o inspetor sabendo o que acontecia ali, perguntou se algum dos outros tinha abusado dele?

Respondeu, encontrei a solução, me defendo, quando vejo que é impossível, deixo que façam o que querem, mas coloco minha cabeça em outro lugar, imagino que estou passeando por um parque cheio de flores, que minha mãe me segura a mão de um lado, minha irmã do outro, elas sofreram mais do que eu, então consigo aguentar.  Depois me levanto, me tomo um banho de água fria, pois a estas horas, já não tem água quente, volto para a cama, não choro, porque seria dar um prazer a eles, que me venceram, não me sinto vencido.

A cara do inspetor era impressionante o escutando falar assim, sem levantar a voz, sem chorar, nem protestar.   Era o que chocava.

Minha única preocupação senhor Mark, é imaginar o que vou fazer quando sair. Quem vai querer me dar emprego, como farei para estudar.  Tudo é uma grande incógnita.

Com 18 anos, ele seria considerado maior de idade.

Mark Davies, se preocupava que ele caísse nas mãos de algum traficante de drogas, ou de alguém que o explorasse sexualmente. ou que se tornasse um desses garotos que vendem o corpo para sobreviver.

Tomou coragem, falou com o juiz, o levaria para sua casa.  Tentaria o ajudar, ia se aposentar dentro em breve, vivia num apartamento pequeno, mas tinha um quarto que poderia dar a ele.

Tomou coragem, se desfez de tudo que tinha sido de seu filho, guardado em caixas nesse quarto, começou olhando cada coisa, chorando muito.    Mas tomou uma decisão, ficar aqui chorando não resolve nada, chamou uma instituição, pediu que viessem recolher tudo.

Ele mesmo pintou o quarto todo de branco, comprou uma cama, uma mesa de estudos, uma velha máquina de escrever dessas portáteis.

Sentou se com George, fez seu oferecimento, mas antes contou que seu filho tinha morrido na guerra, que sua mulher tinha se divorciado dele, foi tudo ao mesmo tempo que acontecia isso contigo.   Se surpreendeu que George colocasse as mãos sobre as suas, como o consolando.

A única coisa que falou foi, “li num livro, que muita água passa por debaixo da ponte, primeiro como, uma enxurrada, depois tudo volta ao normal”.  

Creio que encontrarei uma maneira de sobreviver.

Só irei para sua casa, se realmente queres, não quero mais ser um intrometido na vida de ninguém, tampouco que sinta vergonha por mim.

Mark sabia que falava do pai.   Isso tinha calado muito fundo nele.   Perguntou se pensava um dia se vingar.

Sabe quando li o “Conde de Monte Cristo”, vi tudo que ele tinha feito para se vingar, por mais que ganhasse no final, fiquei analisando muito, fez mil coisa, mas no fundo isso não o deixou mais feliz, ou mais contente.   Já tinha perdido tudo, recuperar, seu filho, a mulher amada, no fundo saberia que eram já diferentes do que ele tinha conhecido.  Não vale a pena.

Meu pai é um coitado, me pergunto se foi feliz depois do julgamento, quando todo mundo viu quem ele era, mesmo sua mulher que estava ali no tribunal, como a mulher que obrigou a me dizer que estava na Europa.  Nunca mais o respeitariam, não vale a pena, será sempre um homem medíocre. 

Se ele imaginava que seus últimos dias ali seriam fáceis, foi tudo para a casa do caralho, um fim de tarde um bando de quinze da mesma idade deles, alguns mais fortes, o arrastaram para uma lateral do edifício do ginásio, um lugar estreito, que por isso nunca tinha uma câmera de vídeo, o encheram de porrada, abusaram dele, de uma certa maneira não viu nada, porque primeiro para o poderem arrastar, deram em sua cabeça com uma pedra grande, não teve conhecimento do que passou.  Só foram notar sua falta, na hora de dormir, pois sua cama estava vazia.

Levaram mais de 3 horas para encontra-lo.  Primeiro pensaram que tinha fugido, mas saiu dali, como um vencido, na maca de uma ambulância direto para um hospital, já em coma.

O inspetor, estava furioso, mas não havia como saber quem tinha feito isso com ele.  Se culpava, o devia ter retirado de lá, quando me contou a história dos abusos.

Tinha cinco costelas partidas, bem como um desgarro anal de fazer gosto. Além da contusão da cabeça, lhe operaram a parte de maior emergência, para depois resolverem fazer o que fosse possível.

O inspetor, segurava sua mão, não saiu dali.  As vezes rezava, como o tinha feito por seu filho, outras vezes, falava com ele, pedindo que não o deixasse sozinho, pois o queria em sua casa.

Antecipou sua aposentadoria em um mês, ninguém reclamou, sabiam o que se passava.  Levou uma maleta para lá, as enfermeiras, levavam suas roupas para lavar, tomava banho no próprio quarto do hospital, deixou de fumar, ficava horas inteiras ali com ele.   Leu o Conde de Monte Cristo, analisava o que ele lhe tinha falado.  Chegou à conclusão de que Alexandre Dumas, não tinha sido coerente, pois no final, era o famoso, comeram perdizes foram felizes para sempre.

O final nunca era esse na verdade, os escritores mentiam.

Quando saiu do coma, quem encontrou ao seu lado foi o inspetor, tinha um bloquei em sua cabeça que o fazia não se lembrar de nada, tudo que se lembrava, era ter abaixado para pegar um papel que tinham jogado no chão para colocar na lixeira.

De fato, a contusão da sua cabeça estava melhor, depois de todos os exames, os médicos achavam que poderia ocasionar algum problema.

Falou com o juiz, para ele poder usar seu sistema médico, era necessário adota-lo. Conversou com ele.    Primeiro ficou olhando na cara do inspetor, imutável, perguntou se tinha certeza de que queria isso.   O senhor vê como vem junto comigo uma série de problemas.   Talvez fosse melhor eu me jogar na rua, ver o que sai.   Já estou tão insensível com todas as desgraças, que o que venha, eu como até com as mãos.

Eu gostaria muito que fosses viver comigo.  Estou sozinho, tenho poucos amigos, aprendi muitas coisas de ti.  Me deixe pelo menos ajudar-te.

Cheio de dúvidas, mas aceitou.   Passou o seu aniversário ainda no hospital, depois da última operação, para reconstrução do anus.

Os papeis o juiz resolveu rapidamente, tinha pena desse rapaz, pensava o karma dele, é forte.

Mark Davies, deu entrada, dias antes de assinar os papeis de sua aposentadoria, nos documentos que ele tinha direito ao sistema médico como seu filho.

Falou muito com uma psicóloga que atendia os policiais, se ela podia recomendar alguém para ajudar seu novo filho. George Davies.

Este gostou quando lhe propôs trocar de nome.  Um dia o Mark foi ao hospital, viu um papel cheio de seu novo nome, estive treinando como me chamo agora, creio que escreverei uma nova página na minha vida.

Foi busca-lo no hospital, com seu velho jeep, de toda a vida, contou ao George que tinha sido de seu filho, nos dois reconstruímos o motor juntos.

Quando chegou na casa do Mark, viu o quarto que tinha preparado para ele, o resto agora é por tua conta, tem uma série de livros que acabei de ler, para que leias, depois discutimos cada um.

Teve uma professora, que o ajudou a se colocar nas matérias que lhe faltavam aonde estava antes.   Escreveu uma carta a cada professor que o tinha ajudado lá, mas uma em especial a bibliotecária.

Resolveu estudar filosofia, bem com literatura americana.  Foi se destacando, nas aulas, era um bom estudante.  

Mark lhe perguntou um dia se iria escrever sua história?

A resposta demorou, mas acabou verbalizando o que sentia.   Creio que terei que me afastar muito de tudo isso, para daqui alguns anos, com outra perspectiva escrever.

Um professor, disse que havia um concurso de contos, se ele estava interessado, se dedicou de corpo e alma a escrever.   Foi o único que apresentou um trabalho escrito a máquina, os outros entregaram pen drives.

Sem querer foi o primeiro que o professor leu.  Como o tema era livre, cada um podia escrever sobre o que queria.

Ele escreveu sobre uma coisa que debatia muito com o Mark, o final das histórias.   Normalmente os finais era o bom vence o mal, foram felizes para sempre, seguiram a vida mas melhores do que antes.   Ele fazia uma versão, do depois, tinha reanalisado com Mark o final de O Conde de Monte Cristo.   Usou os personagens para criar o conto, como cada um seguia ao final.  Se eram felizes ou não, era como um jornalista entrevistando cada personagem.

O filho por exemplo, depois de anos acreditando que o pai era um, agora se via com um pai diferente que inicialmente o tinha feito sofrer, com se sentia.  

A mulher que ele tinha amado, que pensava que estava morto, o reencontro, como ela tinha sentido isso. Se sentia bem reconstruindo sua vida com ele.

O próprio Conde, se depois da vingança toda, como se sentia, como pensava em levar a vida depois disso.

Não tinha nada a ver com que os outros alunos tinham escrito, todos falavam de futuro, de coisas do momento.   Todos eram otimistas demais.

Cada um foi analisado, depois teriam que se apresentar a banca, conversar sobre o que tinha escrito.   Ele se sentou comodamente, respondeu todas as perguntas que tinham a respeito do assunto.     Contou do tempo que esteve no reformatório, dos livros que faltavam páginas, que ele tinha que imaginar o que o autor tinha pensado a respeito.  Da conversa com o hoje seu pai, sobre sua pergunta sobre a vingança.

Eu lhe disse que não valia a pena, pois o próprio karma da pessoa se encarregaria dela.

Analisei cada frase, cada personagem do Dumas, mesmos os maus, que tinha alcançado seus objetivos, se analisas profundamente, eram ricos, comiam perdizes, mas não eram felizes.

O fato de no livro, a amada, o aceitar sem muitas explicações, ela que sempre tinha acreditado em mentiras, será que aceitaria a verdade dele.  Bem como o filho, que ele não sabia que era dele, a quem basicamente tinha torturado, com o aceitaria como pai.   Então imaginei cada um sendo entrevistado por uma revista dessas que hoje em dia vendem a vida dos famosos.

Por que escreveste a máquina?   Foi uma das perguntas.

Eu escrevia a lápis, mas meus companheiros do reformatório estavam sempre roubando os mesmos, como queria colocar as páginas dentro do livro, pedi a bibliotecária que me ensinasse a usar a máquina de escrever que tinha ali, que ela não usava mais.

Que sabia que todos escreviam com um laptop, depois ou colocavam num pen drive, ou imprimiam, ele não tinha esses recursos.   A máquina velha que tinha resolvia o mesmo.

Ele acabou ganhando o primeiro prémio, que era ser publicado numa revista literária, bem como foi publicado numa revista dessas de domingo de algum jornal.

Mark ficou orgulhoso dele, tinham debatido o texto mil vezes.   Inclusive, Mark tinha feito o papel de cada personagem.

Numa entrevista, tocaram no assunto da máquina de escrever.  Ele repetiu que estava contente de usar uma velha, não lhe incomodava.  Que ainda não tinha um emprego para comprar um Lap top.

Por acaso um jornalista se lembrou dele fez uma matéria do assunto.  Começaram a surgir mil pedidos de entrevista, conversou com Mark a respeito.  Se negou a dar qualquer entrevista.

Se não fosse para falar do texto, nada.

Escreveu um livro, sobre o que já na época pensava de sua irmã, como seu passado devia ser pesado, para vir nessa vida daquela maneira. Não poder se expressar, com todos os problemas que tinha, como pensaria no seu interior.  Porque gritava, se era em protesto, se era de raiva, revolta.

Quando estava mal, pensava nisso, se fosse ela, que não falava, só gritava, como poderia expressar o que sentia.

Mark leu cada capitulo, disse que se sentia como uma dessas solteironas, que reclamam sem cessar da vida, que encaram uma realidade que nunca viveram, com um lenço nas mãos lendo essas páginas.

Pediu se o seu professor preferido podia ler.   Ele o fez, bem como levou para um editor.

Esse se interessou imediatamente, tinha feito parte da banca que tinha analisado o conto, só fez uma pergunta, ele segue usando a velha máquina de escrever?

No dia seguinte, estava em casa escrevendo, recebeu uma encomenda, primeiro pensou que tinha sido o Mark, que não estava em casa nesse momento, um laptop, bem como uma impressora.

Agradeceu ao editor.  Este marcou um almoço com ele, que foi acompanhado do Mark.

Apresentou ao editor, esse é meu pai.

Quando o mesmo disse que tinha lido o livro, que gostaria de publicar. 

Ele escutou tudo, sem dizer uma palavra.    Só disse uma coisa, se negaria falar do seu passado, já estava fazendo através do livro, só responderia perguntas nas entrevista sobre o mesmo.

O livro foi publicado com sucesso, Mark ia sempre com ele as entrevistas, quando o reporte se excedia, ele não respondia.

Quando terminou o curso, os dois foram passar uns dias numa praia, que Mark gostava muito, contou que tinha passado toda sua juventude ali, seus pais ainda eram vivos.  Alugavam essa mesma casa.   Aqui foi o lugar aonde fui feliz.

Conforme ele foi contando as coisas que se lembrava dessa época, ele escutou tudo, depois escrevia, construiu um personagem, que foi feliz primeiro, depois teve que encarar a dura realidade da vida.  Um casamento, um emprego, um filho que amava, que morria muito cedo.

Mark, comentou que quando leu os primeiros capítulos, tinha ficado arrepiado, pois tinha conseguido captar exatamente o que ele sentia, pensava desse época.

Depois escreveu uma história que escutou de um pescador, que nunca tinha saído dali, tinha nascido, crescido, sempre ali, via entrar verão sair verão, as pessoas que vinham passar essa época ali, os sentimentos que tinha, primeiro quando era jovem, inveja, pois podiam ir embora, depois os analisava já maduros, vinham ali, pois queriam recuperar uma época que tinha sido felizes, já velhos, porque era a única felicidade que tinham para recordar, mas ele sempre tinha sido feliz, principalmente quando estava no mar em comunicação com a natureza, com o deus dos mares, que lhe dava o que comer sempre.

Em nenhum momento deixou de escrever, montou um livro de contos sobre isso, a felicidade.

Quando mandou para o editor, esse imediatamente o chamou.  Tiraste meu sonho, li todos os contos até o final, queria que viesses falar comigo.

Tinha mostrado os contos para um produtor de serie de televisão, ele se interessava em montar uma série em que essas histórias de cruzavam no mesmo lugar, se ele era capaz de escrever, mas de qualquer maneira ele editaria o livro.

Conversou com o Mark a respeito, teria que fazer um curso de escritura de roteiros.

Mark tinha alugado a casa para todo o ano.  Lhe deu a chave do apartamento.

Chegou o momento de enfrentares o mundo sozinho.

Ele parecia levar uma vida de ermitão, pois fazia as aulas, aprendeu a manejar os personagens, alguns alunos se aproximaram dele, mas ele tinha medo do relacionamento.

Criou um personagem em cima dele mesmo, que ia para o mesmo lugar aonde estavam os outros, para aprender a se relacionar.

Mandou o primeiro capitulo para o produtor, este pediu um entrevista com ele, junto com o diretor que tinha selecionado.

O Mark tinha lido tudo, foi com ele para analisar o contrato, os valores da oferta.

Negociaram, ele teria que escrever seis capítulos, com finais diferentes.

Com o dinheiro comprou sem o Mark saber a casa que tinham alugado. Lhe deu de presente.

A série bem com o livro foram bem recebidos.  Um dia estava dando autografo, quando um rapaz um pouco mais velho que ele se aproximou, se apresentou, era seu irmão mais velho, filho do seu pai verdadeiro.

O esperou terminar, sentaram-se para conversar.  Em momento algum tocou no nome do pai, só no final soltou que a muito tempo não sabia dele, tinha fugido pelo mundo.

Gostaria de te conhecer, pois somos irmãos.

Ok, lhe deu o número de seu celular, quando venha a cidade, te chamarei.

Assim fizeram cada vez que ele tinha aulas, o chamava, conversavam.  Mas quem mais falava tinha sido o irmão, aos poucos começou a soltar, que isso dos filhos, era uma coisa que seu pai no final tinha vários.   Me fez uma imensa confusão quando era adolescente descobrir tudo isso. Não sabia como me posicionar, em casa, vivia nossa avó, ela chamava todos de bastardos, defendia seu filho como ele fosse um varão escolhido por deus.

Um dia minha mãe se fartou a colocou numa residência de maiores, espero que seu varão escolhido por deus venha resgata-la.   Evidentemente isso nunca aconteceu, morreu amargada, culpando todos os bastardos que tinham roubado seu filho.

Eu tinha um ódio particular por ela, pois me dizia que eu não era suficiente bonito, nem esperto como seu filho.  Um dia a mandei tomar no cu, foi quando minha mãe resolveu tudo.

Levei muito tempo num psicólogo para analisar tudo, a ideia que eu tinha era uma, a que me vendiam era outra.    Meu pai se casou com minha mãe, não porque fosse bonita, mas sim porque tinha uma bela fortuna.  Mas meu avô o obrigou a casar-se com separação de bens, não confiava nessa bela estampa.

Minha avô dizia que ele tinha feito um favor a ela em se casar, pois acabaria sendo uma solteirona.   Minha mãe se casou outra vez, vive feliz com o homem que escolheu, um homem simples, mas trabalhador.

Eu fiquei no meio disso tudo.

Embora fosse uma realidade que não tinha vivido, escreveu a história do irmão, quando lhe entregou para ler.  Chorou, vejo que me entendeste completamente.

Claro de fora é mais fácil observar, escrever, que dentro da história.

Uma vez me perguntaram se eu pensava em me vingar, eu respondi, que tinha aprendido que não valia a pena.  Que a própria vida se encarregaria disso.

Se viam agora uma vez por mês, pois ele só ia a cidade quanto tinha que fazer algum exame médico, que eram periódicos.   Seu irmão lhe contou que o pai tinha-lhe procurado, pois precisava de um doador de medula óssea.  Me encheu o saco, eu a princípio disse que não, mas por desencargo de consciência fiz o exame.   Era compatível, mas depois pensei bem, lhe disse que não, que ele se apanhasse com toda merda que tinha feito, foi de filho em filho pedindo, fiquei sabendo que contando contigo eram onze filhos.

Nenhum outro sequer fez o exame, quando a pessoa se nega, ele faz como a mãe, os chama de bastardo.  Talvez ainda faça contato contigo.

Mas não fez, talvez porque soubesse que era o que mais tinha saído prejudicado em tudo com ele.   Souberam depois que tinha morrido, sem um tostão, que toda a pose que tinha, morreu com ele.  Segundo algumas pessoas, ele acusava sua mãe de ser como era, pois tinha sido criado achando que o mundo vivia em torno ao seu umbigo.   Ele nunca era culpado de nada.

Pensou em escrever um livro sobre isso, mas achou que remover a merda, não ia ser salutar.

Mark sempre cobrava que ele devia ter alguém em sua vida, ele dizia que não, que seus traumas sexuais, era mais poderosos que ele mesmo.

Que gostava da vida que levava. Sentar-se na praia conversar com ele, as noites que debatiam algum livro que tinha lido os dois, ou algum texto que tinha escrito, os dois falavam sobre o mesmo.

Quando Mark morreu, com quase 85 anos, para ele foi duro, era o melhor pai, amigo que podia querer na vida.   Rendeu homenagem a ele na cerimônia que fizeram ali na praia.  Depois de cremado, com o amigo deles o pescador, levaram suas cinzas para alto mar.   Esse era seu sonho.

Agora escrevia mais devagar.

Quando descobriu que tinha câncer, por causa de seu trauma na cabeça, apesar de todos os exames que fazia, resolveu não tratar.

Foi nesse momento que escreveu sua história, tinha tudo guardado numa caixa em sua mente, quando a abriu, foi como abrir a caixa de Pandora, saíram as coisas más, bem como as boas.

Principalmente o que veio depois de tanta desgraças.

Entregou ao editor, lamentando que desta vez, não tinha o Mark para debater tudo. Um dia quando já não aguentava mais de dor, subiu a um pequeno barco que tinha comprado, passou pelas ondas da pequena enseada, deixou depois que o barco, fosse levado por alguma corrente, o encontraram meses depois, já quase Cabo de San Lucas, na Baixa California, já México.  Como tinha todos seus documentos, o devolveram.  Deixou a casa para seu irmão, o dinheiro deixava para várias pessoas, como a bibliotecária que o tinha ajudado, o professor que tinha lhe ensinado o que podia, para o pescador.

Seu irmão foi morar ali, dizia que tinha encontrado a paz que necessitava.

Seu corpo, já então totalmente mumificado pela água do mar, foi cremado, o pescador o levou numa urna até aonde tinha deixado o do Mark.   Assim pai e filho se reuniam.

 

 

 

 

 

 

 

 

   

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