ARI
Meu nome é Ari
Ben Judhá, estou naquela época da vida, em que todo o passado volta a minha
cabeça, como uma maldição, tudo que pensava que tinha ficado enterrado a sete
palmos baixo terra, retornava, com as cores mais fortes, como punhos de aço,
como as vezes era conhecido.
Não sou muito
alto, 1,75 de altura, para minha raça, é muito, nunca vi um Etíope ser muito
alto, sou magro, fibroso, moreno, cabelos negros, ainda hoje, as pessoas sempre
pensaram que eu pintava os cabelos, mas nada, são lisos. Olhos amendoados, sou o que dizem os hebreus
um FALASHA, ou hoje em dia um Beta Israel, falo várias línguas, além do Inglês,
Francês, falo hebreu, Ge’es, Aramaico, inclusive um dialeto falado pelos
Navajos, pois sempre pensaram que eu era um deles.
Minha história é
larguíssima, saímos de Gondar, na Etiópia, numa noite escura, baixo de chuva,
para escapar para Israel, devíamos ir até o Sudan para embarcar lá. Eu tinha dois anos, minha mãe estava gravida
de mais um, quando saímos, meu pai me levava nos braços, pois ainda estava
começando a andar.
Quando nos
adentramos no deserto de Sudan, minha mãe começou a passar mal, eu vinha
tentando andar, mas claro minhas pernas ainda eram fracas, meu pai pediu a um
grupo que ia conosco que me levassem, avisou, dentro de sua roupa está seu
nome, se por acaso não chegamos a tempo para o embarque.
Fui passando de
braços em braços, mas claro todos queriam salvar sua pele, aquele garoto
pequeno atrapalhava, nisso surgiu um negro imenso, com um taparabos, ele me
levou da mão passou as mãos pelas minhas pernas que de tortas como todas as
crianças ficaram direitas, me foi levando pela mão, dizia Ari, já eres um
homem, deves sempre seguir em frente não importam as consequências. Nisso estou até hoje, sonho sempre com ele,
nunca souberam me explicar quem era.
Quando chegamos
ao acampamento, alguém disse que eu vinha sozinho, que meus pais tinham ficado
para trás, portanto não embarquei na primeira leva.
O homem apareceu
novamente, disse, nessa segunda tens que ir de qualquer maneira, pois não tem
volta atrás, quando subiram as pessoas no caminhão, ele distraiu um militar,
ele me colocou junto com outros garotos.
Ele subiu junto,
foi falando comigo, as pessoas olhavam para mim com espanto, pois eu estava
prestando atenção ao que o homem me dizia.
No avião foi a
mesma coisa, quando vi, estava agachado junto a um bando de garotos, maiores do
que eu, ele me dizia não tenha medo do ruido, não vai durar muito.
Quando descemos
do avião, eu não tinha família nenhuma nem estava acompanhado, todo mundo
estranhou. Escutei um militar dizendo a
outro, que tinha atacado o acampamento durante a noite, que teriam que esperar
um tempo, para colocá-lo operacional outra vez.
O homem me
perguntou em aramaico, como era meu nome, abri minha camisa, mostrei para ele o
papel.
Muito bem garoto,
vamos ver se encontramos no meio disso tudo uma família para Ari Ben Judhá,
tens um nome muito importante nesse pais, da tribo de Judá.
Acabou me levando
para uma mulher loira, que eu olhava espantado, tinha os cabelos quase brancos,
uns olhos azuis que pareciam água, a pele era branca, cheia de manchas
douradas, me parecia uma deusa. Me
levou com ela, a um lugar que estavam as crianças sem famílias.
Me deu um banho,
arrumou outras roupas para mim, mas eu queria a mesma, por causa do papel,
ainda não sabia falar direito, mas lhe mostrei o papel. Ela colocou na minha
roupa nova, só então fiquei contente.
Me deu comida quente, com um sabor especial, depois fui dormir com os
outros garotos em cima de um colchão, estava era acostumado a dormir no chão
mesmo. Me encontrou num canto do imenso salão dormindo no chão. Estava sonhando com meu pai, que estava ao lado do homem negro, que dizia, não
se desespere, ele vai a caminho.
Realmente depois
de meses, chegou, eu estava para ser dado em adoção, meu pai veio caminhando,
subiu pelo Sudan, passou pelo Egito, dormia de dia nas dunas, caminhava durante
a noite. Quando chegou, começou a me
procurar, por sorte cruzou com o militar, que se lembrava do meu nome, por
causa do Judhá.
O levaram para
tomar um banho, o registraram, queriam saber como tinha chegado, disse que
quando chegou viu o acampamento todo incendiado, me procurou entre os mortos
que eram muitos, então seguiu caminhando, acompanhado do homem negro.
Que homem negro?
Não sei seu nome,
mas disse que era da minha família, desaparecia durante o dia, me fazia seguir
caminhando durante a noite, me mostrava aonde tinha agua, que raízes comer, por
isso sobrevivi.
O olharam como se
fosse um zumbi. Depois me contaria essa história milhões de vezes, pela noite,
antes de dormir, não me deixava desistir, dizia que me esperavas.
Quando me viu me
abraçou como um louco, eu ria, gritava de prazer de encontrar meu pai. Abriu
minha camisa, para ver o papel. A
mulher loira, lhe ajudou a arrumar o primeiro emprego, que foi o de toda sua
vida. Disse a ela que era alfaiate, nos
levou no seu jeep militar, roubado dos ingleses, até um lugar que era uma porta
pequena, ali estava um velho alfaiate, costurando, apresentou meu pai. Nos arrumaram um quarto por detrás da casa,
que virou nossa casa. Tínhamos aonde
comer, dormir.
Mas nunca
esquecerei que no primeiro momento, o homem duvidou que ele soubesse costurar,
pediu educadamente licença, sentou-se na máquina, continuou cozendo o casaco
que o homem fazia. Seus clientes eram
basicamente os ultra ortodoxos, mas ao meu pai, isso lhe importava um rabano.
A senhora, dona
Bethânia, me arrumou logo um jardim de infância, aonde aprendi a me defender,
pois todos ali eram brancos azedos, eu destoava entre todos.
Os professores
ficaram impressionados, pois eu era o primeiro aprender tudo, tinha ânsia
disso, logo aprendi as primeiras letras em Hebreu, dei meu primeiro soco em um
idiota que era descendente de russos, que estava sempre me empurrando, mas era
muito burro.
Fui para a escola
antes que os outros, pois me aborrecia ali, a professora chamou a senhora Bethânia,
lhe explicou, esse menino é muito inteligente, vai superar a todos.
A escola também
foi outro aprendizado em me defender, nunca levava desaforo para casa, a
senhora me dizia quando o diretor a chamava, que isso mesmo, bastava os
desaforos que os judeus aguentaram ao longos dos séculos, eu ainda não sabia
que eram séculos, mas perguntei ao professor.
Esse tinha mania
comigo, pois eu era inteligente, ele era polonês, ali havia gente de todos os
lugares do mundo. Mas de o escutar
falando polonês com outro professor, fui aprendendo, a dizer bom dia, como vai
o senhor, coisas assim, era o único a entrar na classe dizer bom dia para ele
em polonês. Me perguntou quem tinha me
ensinado, eu disse, escutei o senhor falando, aprendi.
De ter mania
comigo, passou a ser meu orientador, eu passei a ser o aluno que mais sabia de
tudo, pois ficava depois da aula, para aprender melhor matemática, que era mais
difícil, logo sabia me defender.
Mas quando
chegava em casa, ficava com pena do meu pai, mesmo de noite, debruçado em cima
da maquina de costura. O velho estava
contente, pois tinham mais clientes, meu pai era rápido. Me sentava aos seus pés, lhe ensinava a falar
direito o hebreu que todos falavam, enquanto esperava a comida.
Logo aprendi a
cozinhar com a senhora, a ajudava, a cortar os legumes, a entender a história
da comida kasher. Fui esticando, meu
pai sempre estava aumentando as pernas das calças, de noite costurava com as
sobras um casaco para o inverno, era um verdadeiro patchwork, logo alguns
professores queriam iguais, pois achavam bonito.
O velho o deixava
fazer isso por fora, para ganhar algum dinheiro a mais.
Eu me
especializei em defender os outros alunos Falasha que foram aparecendo, logo
era o líder deles, os ensinava a se defenderem, pois sempre eram marginados, ensinava
matemática que tinha aprendido bem com o professor, que pronunciassem direito o
Hebreu.
Adorava ler,
qualquer livro que caia nas minhas mãos, só não gostava dos ensinamentos do
rabino que vinha, pois era ultra ortodoxo, eu ia por livre nisso.
Apesar de tudo,
passei por todos os procedimentos dos hebreus.
Sabia que meu pai
tinha orgulho de mim, quando cheguei a adolescência, consegui um emprego num
armazém, ajudava a descarregar caminhões, arrumar mercadorias, me chamavam para
atender alguém da minha raça, pois tinham preconceitos, viram que eu atendia
todo mundo bem.
As vezes de noite
sonhava com o negro, me dizia qual caminho a seguir na minha vida.
Só não gostou
quando tive que fazer o exército, mas me disse, não te preocupe que cuido de
ti.
Meu pai que era
contra as armas, ou qualquer coisa que significasse a guerra, que tinha ido
para Israel, pensando que ali era um remanso de paz. Eu dava quase todo dinheiro para ele, que
pudesse um dia ter sua própria alfaiataria.
Acabou que quando tinha 18 anos, o velho morreu, ele alugou da viúva o
local, contratou dois outros Falashas, les ensinou a costurar direito, limpou o
local, preparou um local de provas, logo tinha todos os professores da escola,
inclusive as mulheres, fazendo roupas com ele.
Agora sorria mais, tinha deixado de ser um subalterno, para ser o
chefe. Fez para ele mesmo, para os
outros, umas roupas ocidentais de uma revista que um professor lhe trouxe. Tinham outra aparência.
Eu fui para o exército,
ali aprendi muito, principalmente me defender com eficácia, um superior me viu
dando porradas num companheiro porque me chamou de viado negro. Me mandou fazer classes de boxes com um tenente
que tinha no quartel. Esse se
impressionava, pois eu não tinha os braços musculosos, mesmo fazendo
pesas. Tinha sim fibra pelo corpo
inteiro, segundo ele tinha um corpo de fazer inveja, magro, mas forte.
Comecei a fazer a
faculdade ao mesmo tempo, sonho do meu pai, resolvi estudar literatura, pois
amava os livros, os professores se impressionavam, pois sabia de memória,
inclusive as paginas que tinha alguma citação.
Os rabinos que
apareciam na alfaiataria, reclamava, que nem ele, nem eu íamos a sinagoga.
Ele não era uma
pessoa fatalista, mas disse, aonde estava esse deus, quando tive que enterrar
minha mulher numa duna, porque todos foram embora, me deixando para trás, fui
eu que rezei o Kadish, do qual estou farto.
Ele mesmo tinha rezado pelo velho alfaiate, que odiava no fundo os
rabinos, as pessoas que iam todos os dias na sinagoga, mas eram falsas.
A senhora, me
ensinou a falar francês, mais uma língua para meu curriculum. Ela tinha orgulho de mim, por ir a faculdade,
estava sempre falando comigo, contando sua história, me disse que seus pais não
permitira que fosse a universidade, para que seus irmão fossem, aonde estão
esses agora, todos mortos. Odiava as
guerras, tanto ou mais que meu pai.
Um dia apareceu
na alfaiataria, um homem de uma revista francesa, tinha visto um dos muitos
casacos que meu pai fazia de patchwork, queria um para sair na revista que
fazia, meu pai lhe perguntou que corte queria, de quatro botões, ou uma coisa
mais moderna, ele mostrou uma foto de um traje de Saint Laurent, me viu, faça
para ele, assim tenho um modelo para apresentar.
Meu pai fez o
traje a medida para mim, umas calças de pinças, bem como uma camisa branca
estilo Mao, que mais tarde seria uma que teria um costureiro só para isso.
Quando ficou
pronto em dois dias, o homem voltou, estava hospedado num dos hotéis mais chic
de Tel Aviv, nos fez ir até lá, fotografou meu pai, lhe fez uma entrevista, depois
me ensinou como posar.
Eu usava os
cabelos compridos, pois começava a ser moda entre os jovens depois que saiam do
exército, iam a universidade.
Depois me mandou
as fotos, para que eu fizesse um book como dizia, tiraram fotos, com o casaco,
sem o casaco, sem camisa, enfim um verdadeiro material que depois aproveitei.
Quando a revista
saiu em Tel Aviv, fui chamado de tudo, de viado para baixo, tive que dar muita
porrada, para me deixarem em paz.
Um dia saia da
universidade, tinha ficado na biblioteca até tarde da noite, quando um grupo
daqueles estudantes que passeiam pela universidade, mas não vão as aulas, eram
uns dez, me pegaram desprevenidos, me seguraram, abaixaram minhas calças, dois
deles abusaram de mim. Quando apareceu
a polícia, me levaram para um hospital, um deles, era moreno como eu, me disse
baixinho, não apresente queixa, pois podem se voltar contra ti, aqui existe um
preconceito muito forte, mas sempre podes te vingar.
Foi o que fiz,
fui pegando cada um dando uma surra, abusando deles, como tinham feito comigo,
tinha um ódio dentro de mim imenso, eles sim colocaram denúncias contra mim.
Quem me deu a
saída, foi a senhora, tens o contato com o homem da revista, lhe dei o cartão,
ela mesma telefonou para ele, comprou o bilhete, meu pai chorou muito, me disse
controla essa violência dentro de ti.
Mas eram tantos
anos sendo agredido, verbalmente, fisicamente, que as vezes era como um vulcão
quando explode.
Cheguei em Paris,
deslumbrado com a cidade, o homem Monsieur Charles D’Angle, mandou um
assistente me buscar no aeroporto. Fui
direto posar para uma revista que ele trabalhava.
Apesar de cansado,
me mandou lavar a cara, disse que o manequim contratado, tinha tido uma noite
de festas, cheirado muito, estava para jogar na sarjeta, depois me daria
conselhos, que nas festas que fosse convidado, nunca bebesse demasiado, que
tomasse água, nada de cheirar, teve que me explicar o que era, drogas jamais,
enterras teu futuro.
Me alojou, num
quarto alugado, que para mim era um palácio, acostumado ao nosso velho quarto,
tinha uma cama grande, um banheiro só para mim, as janelas davam para um jardim
muito bonito, depois descobri que eram o Jardim de Luxemburgo. Tinha uma entrada individual da casa, subia
as escadas, para fazer exercícios.
Uns dias depois,
sai dali, para tentar conseguir uma vaga na Sorbonne, para seguir meus estudos,
a moça que me atendeu, olhou minha cara, foi até sua mesa, voltou com uma
revista, era eu na capa. Ri como um
bobo. Não sei se isso ajudou ou não, mas
logo tinha mais fotos, mais trabalho, Monsieur Charles, era como meu agente.
Tudo passava pela sua mão.
Diziam que ele
era meu amante, mas nunca encostou a mão em mim. Me preparou para desfilar, ganharas bem, eres
um tipo exótico, vamos arrumar um nome para ti, pois esse é muito complicado, passei
a ser Ben Ari, mandava todas as revistas de moda para meu pai, assim sempre
tinha novidades, lhe escrevia todas as semanas, sabia que a senhora leria a
cartas para ele.
Quando fiz o
primeiro desfile, foi a gloria, todo mundo queria me fotografar, fui a minha
primeira festa, Monsieur Charles, estava, me apresentou a muita gente, me dizia
em quem podia confiar, em quem não. Ali
estava um cineasta que começava a fazer sucesso, me disse a câmera te ama,
perguntou se eu gostaria de fazer uma ponta num filme que estava finalizando a
produção, ainda nos falta um personagem, creio que encaixa contigo.
Me ofereceu
cocaína, lhe agradeci, educadamente, dizendo que minha religião não permitia,
eu só tinha molhado a boca com champagne, para saber o sabor, não gostei.
Ele disse rindo,
que todos tinha inveja dele, que estava com o homem mais bonito da festa, olhei
bem para ele, perguntei de cara, fazer o teste para o filme, não implica que
tenha que fazer sexo contigo, verdade, porque se é assim, perdes teu tempo.
Virei as costas,
fui embora. Tinha escutado alguns
comentários nos camarim do desfile, alguns se prostituiam, para conseguir um
amante com dinheiro, para levarem a boa vida.
Não era meu caso,
só gastava estritamente o necessário, o dinheiro que ia ganhando com as fotos,
abri uma conta no banco.
Mesmo assim o
homem me chamou para o teste através do M. Charles. Ele muito experto mandou um dos seus
empregados junto comigo. Tinha contado
das insinuações.
Fiz o teste na
frente de muita gente, me deu 20 minutos para decorar o texto, em dez, eu sabia
inclusive qual pagina era. Só tinha uma
palavra que para mim não encaixava no texto.
Antes de fazer a
prova comentei.
Ele me perguntou por
que eu falava isso.
Sou estudante de
filologia, a não ser que o personagem seja do submundo do crime, não
encaixa. Não tinha me dado a dica de
nada.
Sim o personagem
apesar de bonito é um assassino.
Eu só fiz um
comentário, AH.
Imaginei
rapidamente como seria o mesmo, pedi se podia fazer de duas maneiras.
Uma imaginei um
homem sem estudos, que mata porque lhe mandam fazer, a outra que fosse um homem
com certa cultura, que mata por prazer.
Fiz das duas
maneiras, ele fez questão de me mostrar, a puta câmera te ama, eu me saia bem
nas duas. O papel era meu. Deixei para o empregado de M. Charles, a
discussão do salário pelos dias de filmagens. Era um bom dinheiro, mandei uma parte para meu
pai, sabia que andava sempre curto de dinheiro, pois tinha que comprar
material, pagar salários.
Ele pela primeira
vez me telefonou, a senhora de quem alugava o pequeno apartamento me chamou,
teu pai no telefone. Corri como um
louco, pensando o pior.
Ele ria e chorava
ao escutar minha voz, estava contente comigo. Pois eu seguia em frente.
Fiz mais uns
quantos desfiles, mais dois filmes, todo dinheiro que não mandava para ele, ia
para o banco. M. Charles dizia que eu
deveria me mudar para um apartamento de mais aparência.
Lhe disse que de
maneira nenhuma, estava feliz, com o que tinha.
Um dia lhe contei
como tinha sido minha vida, que tinha dormido muito no chão, que tinha dormido
pela primeira vez na minha vida, aos 10 anos, numa cama, foi difícil, porque
tinha medo de cair.
Ele riu muito,
colocou a mão nos meus ombros, isso é bom porque sabes por aonde ir.
Veio um cineasta
americano que rodava um filme em Paris, me contratou, para fazer um papel de
gigolo, os atores eram famosos, mas eu faria o típico gigolo francês. Falei com M. Charles, não sabia como me
comportar, ele saiu comigo pela noite, me mostrando os tipos, gostei de como um
deles andava, como se vestia, um terno branco de linho, sapatos bicolores, mas
levava uma camiseta listrada como as usadas na Bretanha.
Me disse aonde
comprava a roupa, ensaiei com ele, sua maneira de falar, mastigando as
palavras, os palavrões que soltava, como se fossem virgulas, como caminhava,
ficamos amigos, me disse na cara, adoraria ir contigo para cama. Tenho que te
ensinar como se faz sexo, pois isso te falta.
Era um tipo interessante. Me levou a um hotel, me ensinou todos os
truques que devia fazer na cama com uma mulher, ele fazia o papel de mulher.
Quando fomos
filmar, a roupa que me davam não tinha nada a ver com nenhum dos que eu tinha
conhecido, falei com o figurinista, ele disse que os americanos imaginavam
assim, o levei pela noite comigo, apresentei meu amigo, ficou louco pelo tipo,
essa noite fiquei com ciúmes, mas ele me piscou o olho, o que é teu ninguém vai
ter.
No outro dia, eu
tinha o figurino como queria.
O diretor não
gostou, mas o figurinista, disse que eu tinha lhe ensinado o sub mundo para
ele.
A primeira cena,
lhe disse que não filmasse, queria que ele visse como podia me comportar, mas
filmou assim mesmo, deveria vir andando por uma rua do antigo mercado de Les
Halles, depois repeti a cena de outra maneira, espere me disse, fomos para uma
sala especial, num caminhão, aonde viu as duas cenas, me disse assim. Eu inclusive, fiz a voz, como diria esse
personagem, ele adorou. Sabia todas as
falas, o pior era que contracenava com uma atriz importante, que bebia muito,
nunca sabia suas falas, nem a posição que deveria ter.
Estava já sem
paciência, a chamei a um lado, lhe passei um sermão de fazer gosto, estamos
gastando tempo e dinheiro, eu tenho aulas, não posso estar aqui todo o tempo,
porque sejas burras, perdes o tempo de tua vida, enchendo a cara por alguém que
com certeza não te merece.
No dia seguinte
tinha as falas na ponta da língua, não errou o texto nenhuma vez, só uma
marcação que dizia que não estava à vontade, ensaiei com ela de outra maneira,
ficou ótima.
Tempo depois
quando vi o filme achei ótimo, mas cheguei à conclusão que não me gostava ver
na tela.
O filme tinha
sido indicado para um Oscar, me convidaram para ir, mas tinha a semana da
moda. Telefonei para o diretor, agradeci
o convite, lhe dizendo que tinha trabalho, que isso era importante para mim,
pois me sustentava para acabar a universidade neste ano.
Perguntou se
depois dos desfiles, queria ir a NYC, fazer um teste para um filme.
Nesses dias
seguintes, aconteceram duas coisas que me encheram o saco. Num desfile, escutei várias gozações a meu
respeito, por um manequim americano, dizia que não gostava de desfilar com
negros. Eu entrava na passarela, quando
ele saia, me deu um empurrão que quase saio da mesma, quando voltei, estava uma
fera. Soltou de novo uma piada, lhe dei
um murro em plena cara, que lhe deslocou o queixo, coloquei o pé no seu peito,
dizendo garanto que das esse rabo gordo para muito negro americano.
Depois tinha que
ir a uma festa, o dono da casa, contava para todo mundo o que tinha feito,
depois me chamou de lado, disse honestamente que queria ir comigo para a cama,
eu disse que nem pensar, me ofereceu dinheiro, comecei a falar como meu amigo
gigolo, é isso que pensas de mim. Para ir para a cama comigo, como eres um
velho, tem que colocar muitos mais zeros nesse valor que me oferece, mas falei
tudo isso alto, que todos escutaram, pequei o meu casaco, sai da festa.
M. Charles me
chamou no dia seguinte furioso, ao mesmo tempo me disse, tens uns caralho de
fazer gosto, esse homem é muito poderoso no mundo da moda.
Estou mandando
meu secretário até aí, com um bilhete, tens que estar em NYC, amanhã para uma
prova, leva junto um texto. Ah em NYC,
esta nevando, leve roupa de frio.
Arrumei minha bagagem, avisei a universidade, que voltava para as provas
finais do curso.
Lá fui eu,
cheguei ao aeroporto, logo me levaram para uma sala Vip, achei estranho, não
sabia o que era, me ofereceram bebida, eu disse que nunca bebia.
Era um bilhete de
primeira classe, com todo o requinte da época, hoje nada chega aos pés.
Quando cheguei a
NYC, uma limousine me esperava, me levou para um hotel chic.
Não gostei, não
me sentia à vontade. Tomei um banho,
tinha lido o texto mil vezes, sabia ou imaginava saber o personagem. Um garoto adotado, conflitivo, que provocava
as brigas para enfurecer a família.
Competia no papel com um ator famoso.
Me vesti, fui
para o set, aonde faziam as provas. O
diretor veio falar comigo, tens que te sair impressionante nessa prova, pois
tenho dois dos produtores aqui, para ver.
Me explica como
vai a cena. Ele me disse que duas, uma
eu devia estar diante de um espelho me arrumando, falando o primeiro texto, a
outra eu estaria com outros garotos.
Eu disse que não
sabia como se comportavam os rapazes dali, nem tinha vivência disso.
Mas fiz a
primeira cena, falando com o espelho, com uma voz maliciosa, dizendo o que ia
aprontar nessa noite. A seguinte cena
ele disse aos produtores, que eu não sabia como se comportavam os jovens americanos,
pediu para os outros personagens que fizessem a cena, antes. Prestei atenção, queriam ser malandros.
Pois bem fiz a
cena, um dos produtores aplaudiam. O
diretor me disse cuidado com esse, vai querer te levar para a cama. O secretário de M. Charles, tinha vindo de
classe turística, eu não sabia, lemos junto o contrato. Na frente do diretor,
bem como dos produtores.
Eu soltei antes
de assinar, isso não incluiu que tenho que ir para a cama com ninguém, verdade,
pois me nego a fazer isso, não sou um gigolo.
Me respeito muito para fazer sexo com qualquer um. Vi que o produtor ficava vermelho.
Mandei que
assinassem antes. Me disse na cara, quem
eu pensava que era.
Lhe respondi, Ari
Ben Judhá, senhor, um Falasha Etíope, sem eira nem beira, mas que não tem medo
de trabalhar duro, para fazer um bom papel.
Fiz o filme
aguentando firmemente o frio de lá. Só
pedi uma coisa ao diretor, que me arrumassem um hotel mais simples, odiava esse
hotel, cheio de luxos, ou um apartamento pequeno, lhe disse como gostava, ele
se matava de rir. Eres realmente
surpreendente. Os outros chegam aqui,
querem os mais caros, limousine para ir buscar, levar.
Não preciso,
venho de taxi.
Me disseram que
tinha que ter um agente americano, disse que nem pensar, que meu agente era M.
Charles, telefonei para ele, que merda é essa.
Ele mesmo me
indicou um, mostre quem é para esse filho da puta, diga que quero uma parte de
sua porcentagem. Ah, te estou mandando
o roteiro de um filme italiano, olhe bem se te gosta.
Quando fui com o
secretário de M. Charles para falar com o agente americano, lhe disse que só
fazia os filmes que os roteiros me interessassem, que não queria estar preso a
nenhum contrato, com nenhuma empresa.
Olhou na minha cara dizendo que estava no lugar errado.
Não se preocupe
então, em seguida tenho um filme na Itália, até logo.
Depois foi ele
que ficou como um louco atrás de mim, ficou mais furioso quando disse que ele
tinha que dar uma parte para M. Charles.
O filme levou
dois meses para ficar pronto, não era o papel principal, mas a atriz era
completamente descontrolada, um dia não aparecia na filmagem, outro porque
tinha tomado um porre no dia anterior.
Quando apareceu, fui ao seu camarim, foi super simpática, antes que me
diga alguma coisa, eu sei como pensas.
Lhe disse que tinha um filme em seguida, se ela não se comportasse, eu
daria uma entrevista, dizendo que era uma alcoólatra, que vivia drogada, que
estava atrasando a filmagem, isso vai acabar contigo, para mim não passas de
uma idiota.
Fiquei famoso
pelo meu comportamento, o diretor se matava de rir, no próximo filme te
contrato como guardiã do set de filmagem.
Fui franco, já
assinei contrato para um filme na Itália, que me atrase aqui, significa que terei
que pagar multas por atraso, me nego a fazer isso.
Sem querer
gravamos todas as cenas que aparecia sozinho, em grupo, por último ficaram as
suas. Tiveram que contratar outra atriz,
porque teve uma overdose. Refiz todas as
cenas de novo, embarquei para Roma. M.
Charles, me esperava, fomos imediatamente para o studio, tinha conversado com o
diretor pelo telefone, me contou como era o personagem, o filho de um mafioso,
que tem estudos, que não quer seguir a vida do pai.
Com esse ganhei
um prêmio, com o americano, a atriz foi indicada a um prêmio, mas eu nada.
Quando acabei o
filme, tirei uns 15 dias para ir a Israel, ver meu pai. Foi emocionante, ele me abraçava, me beijava
como nunca tinha feito. A senhora,
estava bem velha, me dizia sorrindo eu sabia que ias longe.
Meu pai fez nesse
meio tempo, uns quantos trajes para que eu usasse nas entrevistas. Eu odiava as mesmas. Quando voltei a Roma, tinha que fazer uma
entrevista, uma reporte me perguntou de quem era a roupa que eu usava, respondi
que tinham sido feitas pelas mãos do meu pai, tinha muito orgulho dele. Me fizeram ficar em pé, me fotografaram muito.
Fizeram perguntas
a nível pessoal, a atriz estava sentada ao meu lado. Quando perguntaram sobre
um suposto romance entre nós fiquei uma fera.
Me levantei, peguei o jornalista pelo colarinho, o arrastei até a atriz,
peça desculpas, esta senhora, é casada, tem dois filhos, tenha vergonha na
cara, se não sabe o que perguntar fique de bico calado, o soltei ali no chão,
fui me sentar. Ela me agradeceu pela
defesa, depois seu marido fez o mesmo, são um filhos da puta.
O coitado do
jornalista veio pedir desculpas, tinha obedecido ordens de sua editora, pedi
que me colocasse com ela no telefone, antes lhe perguntei como era.
Soltei a boca com
ela, que se ela era uma solteirona amargada, ninguém tinha culpa disso, que
fosse mais inteligente.
A verdade que
essa revista nunca mais me entrevistou.
Um outro diretor
americano, me chamou para fazer um filme de cowboy, eu ri muito, disse que tudo
que tinha feito na vida, era ter montando num burro quando era soldado em
Israel.
Mas que podia
aprender.
Me perguntou por
meu agente, eu disse que falasse com M. Charles que era meu agente pelo mundo,
que eu nunca teria um agente americano. Que falassem entre eles. Ah, nada de hotéis cinco estrelas, ou um
simples está bom.
Isso já me
disseram de ti, não se preocupe, estaremos filmando no deserto.
Falei com meu
pai, que ia estar fora, não sabia aonde, mas que tentaria falar com ele todas
as semanas como fazia. Me disse que
tinha ido à primeira vez ao cinema, para ver o filme francês, riram de mim,
quando apareceste, eu soltei, esse é meu filho.
Fiquei imaginando a cena.
Pois é um judeu
de Gondar chega ao mundo pai, graças a ti.
O voo foi um
horror, pegamos um temporal imenso, tinha que ir para San Francisco, via Miami,
troquei de avião várias vezes, até chegar a Las Vegas.
O diretor foi me
buscar, me disse que os outros atores, estavam hospedados cada um numa suíte,
num dos grandes cassinos, mas que no dia seguinte iriamos para o deserto, aonde
era as filmagens. Não posso ir hoje,
posso dormir numa caravana da filmagem.
Ele mandou o
carro me levar. Eu teria que começar a
treinar com os cavalos, com um homem de rodeio, que seria meu doble, era um
índio navajo. Foi como encontrar um
irmão.
Éramos realmente
muito parecidos. Me deu todas as dicas
como devia montar, como me comportar com o cavalo, quando os outros chegaram,
se dirigiram a ele, pensando que fosse eu, pois eu dava voltas num cercado com
o cavalo.
Os dois lado a
lado, parecíamos gêmeos.
O diretor disse
que o tinham contratado como extra. O
papel era de um cowboy índio que se apaixona pela estrela do rodeio, que é
loira, de olhos azuis. A atriz disse
que tinha visto meus filmes, que gostava como trabalhava.
Riram muito
quando me viram, ensaiando com Tom Naji, como ele andava, pois se te filme me
dublando, ficará perfeito. Eu só não
fiz as cenas de rodeios, porque não tinha prática. De noite o pessoal se reunia
na cantina do set, para beber, ficavam surpreso, que eu não bebia, teria que fazer
uma cena que ficava bêbado, ao perder a mocinha. Mas ensaiei tanto com ele, que a fiz
perfeitamente, comando um refrigerante parecido com o whisky.
O diretor me
disse que eu era um ator econômico, pois não pedia nada demais. Quando recebi o meu dinheiro, dei 10% para o
Tom Naji.
Ele queria saber por
quê?
Porque me
ensinaste, nunca poderei esquecer disso, contei que só tinha andando num burro,
nada mais.
Ficamos, amigos,
me levava para dormir no deserto, para ver as estrelas, eu contei que tinha
acontecido isso quando era criança, me lembrava das noites do deserto do Sudan,
lhe contei minha infância, como tinha perdido minha mãe.
Ele em seguida
iria participar num rodeio, em Mesa, fui com ele. Quando o diretor me cobrou a
parte de publicidade, lhe disse aonde estaríamos, que ele levasse os repórteres
para lá.
Foi um sucesso,
pois quando chegaram eu estava no meio dos outros índios e cowboys, me
confundiram com um deles, o que fez minha fama saltar, montava o mesmo cavalo
do filme que eram do meu amigo Tom Naji.
Alguns pensavam
que entre nós havia algo, mas não passou de uma grande amizade que existe até
hoje, embora os dois estamos velhos.
Me queriam para
um filme que estava em produção, sobre dois índios, irmão, um diferente do
outro na maneira de pensar. Disse que o
faria se Tom fizesse o outro, me deram o roteiro, tirei uma cópia para ele.
O obriguei tirar
o passaporte, fui com ele para Israel, ver meu pai, esse ria, encontraste um
irmão, era uma verdade, era o irmão que eu não tinha tido.
Meu pai, preparou
mais trajes, mas desta vez para os dois, nos fez umas camisas de cowboy,
fantásticas. O que ele não gostava era
da comida Kasher, pois dizia que lhe faltavam a carne.
Perguntei ao meu
pai, porque não vinha comigo, me disse que tinha responsabilidades, com a
senhora, bem como os outros que trabalhavam para ele.
Ele era assim,
fazer o que.
Nos avisaram que
as filmagens iam começar dentro de um mês, mas antes fizemos uma parada em
Paris, pois ele queria conhecer. Quando
entravamos os dois em qualquer lugar, com os cabelos compridos numa trança, era
um sucesso.
M. Charles, nos
contratou para um desfile de modas, os dois entravamos sempre juntos, posamos
para revistas, foi o máximo, ele ficou conhecido.
Quando voltamos,
não encaixei com o ator que fazia o irmão, sugeri fazerem um teste com o Tom,
assim ele virou ator, o filme foi um sucesso, principalmente entres os
aficionados do faroeste.
Um dia me
perguntou se eu era gay? Todo mundo fala de nós dois, a ti parece não importar.
Realmente Tom
sou, mas te quero como um irmão, você viu o que meu pai falou. Não me importo
porque jamais, falo da minha vida particular, isso de ficar dando entrevistas,
falando de romance entre os atores, para vender o filme, não vai comigo.
Depois fiz um
filme que foi filmado no Mexico, além de mais cinco seguidos, no final estava
morto de cansado. Disse ao M. Charles,
quero um descanso, embora tivesse oferta para um filme francês, outro italiano.
Telefonei para
meu pai, atendeu um dos seus empregados, disse que estava no hospital, avisei
ao Tom se queria ir comigo. Foi uma
ajuda impensável, pois dizia amigos era para essas coisas.
Meu pai quando me
viu, veio com teu irmão, sorriu, entrou em coma, depois morreu, fiquei
arrasado, perguntei aos empregados por que não tinham me avisado.
Disseram que os
tinha ameaçado de mandar para rua, que seu filho eram importante para largar
tudo e vir por um simples resfriado.
Não era, tinha um câncer de pulmão, nunca tratado.
Tom se
impressionou me vendo rezar o Kadish, disse que na sua tribo tinham uma reza
parecida.
Dei a alfaiataria
para seus empregados. Voltei para os Estados
Unidos, fui ficar um tempo nas terras que o Tom tinha comprado com o dinheiro
do filme.
O ajudei, comprei
mais cavalos, ficamos sócios no negócio.
Quando fui para a
Itália, perguntei se não queria ir junto, disse que as mulheres iam ficar
loucas com ele. Foi uma verdade, mas
ele era homem de uma só pessoa, se casou com ela, estava fazendo uma ponta num
filme no outro studio, tinha descoberto que tinha sonhado para nada, não se
saia bem nas cenas. Voltou conosco, já
como sua mulher, o casamento foi na vila de aonde tinha saído, uma
comilança. Ficaram horrorizados, comigo
que era o padrinho, que eu não comia muito.
Expliquei que ao ver essa quantidade imensa de comida, perdia o apetite.
Meses depois Estela
estava grávida, o menino se chamou Ari, claro eu era o padrinho.
Meu presente, foi
comprar quase uma manada de cavalos, que marcamos com um circulo, uma letra A
no meio. Pertenciam ao meu afilhado.
Estela era feliz
ali, como era morena, cabelos negros escorridos, podia passar por uma índia,
tirando claro que tinha os olhos verdes, nariz diferentes, o meu Ari, era um
garoto lindo, uma mistura dos dois.
Agora estava sem
raízes, com a morte de meu pai, nada me prendia a Israel, nem a nenhum lugar do
mundo. Quando não estava fazendo filme,
estava ali no rancho do Tom.
Pedi licença para
ele, construí uma cabana como sonhava, ele se matava de rir, um índio
intelectual. Um dia um rapaz, uns 10
anos mais jovem do que eu, escutou falar dos livros todos que eu tinha, o
convidei para ver. Foi meu companheiro a partir desse dia, o incentivei a
seguir estudos, na cidade mais próxima, se tornou professor.
Inclusive o
ensinei a ler, escrever em hebreu pois tinha muitos livros assim.
Nunca mais entrei
em nenhuma sinagoga. Nunca tinha sido
religioso, me lembrava sim do homem negro.
Me chamaram para
fazer um filme passado na Africa, um caçador que se enamora da mulher do homem
que o contrata, um alcoólatra. Quem
fazia esse papel, era uma das velhas glórias do cinema. Rimos muito, realmente ele bebia demais,
dizia que assim nem precisava representar.
Mas na verdade
aprendi muito com ele. Reclamava que
não o chamavam mais para fazer teatro que era o que gostava de fazer. Me viu com James, meu namorado, riu muito, os
dois na cama deve ser uma coisa estupenda, pois de certa maneira éramos
parecidos.
Mais um amigo que
fiz até a morte dele, me contou que tinha sido apaixonado por um amigo de infância,
mas acabou se casando para calar o disse me disse, tenho um filho que me odeia,
uma ex-mulher que faz tudo para me encher o saco. Por isso bebo.
Lhe disse que
devia ir procurar seu amigo de infância, a vida era curta demais para se
preocupar, além de que eres um ator renomado.
Ele era inglês, seguiu meu conselho, foi atrás do outro, que seguia
solteiro, foram viver junto, deixou de beber, mandou tudo a merda.
Volta e meia,
vinha passar um tempo na minha cabana.
Quando Tom e
Estela tiveram uma menina, eu babava em cima dela. Comprei mais terras, mas coloquei no nome dos
dois, assim tinham futuro. Tom
reclamou, mas minha desculpas era que precisávamos de terra para os cavalos.
James ria me
dizendo, sempre sais com a tua. Eu
tinha aproveitado, construído uma escola na reserva, trouxe professores índios.
Para manter a língua eu mesmo era aluno, pois queria falar com ele na sua
língua materna.
Volta e meia, nos
chamavam para fazer algum filme de cowboy, eu adorava, me sentia no meu
meio. Numa entrevista em NYC, pela
televisão, quando me perguntaram a que nação pertencia, eu rindo disse, eu sou Etíope,
sou um Falasha, tive que explicar o que era, muita gente achou que eu estava
inventando.
Tive que dizer
meu nome verdadeiro.
Agora, por causa
da idade, mal saio do rancho, pois por causa de uma queda, tenho um problema na
perna direita.
Vive comigo uma
garota, que lhe paguei o curso de enfermagem, minha carrasco como digo, James
morreu antes de mim, rezei um Kadish, por ele ao pé da árvore aonde ficaram
suas cinzas. Tom vem me ver todos os
dias, está tão velho como eu, vive com os filhos, Ari o traz de manhã, o deixa
ficar o dia inteiro, mas recomenda sempre não façam nenhuma asneira.
Sabe que já não
montamos a cavalos, gostamos sim de ficar na varanda atrás da casa, olhando os
cavalos, correndo pelo campo, os galopes que os dois gostávamos tanto, sinto
falta do James, como ele sente falta da única mulher da sua vida, Estela.
Sempre fala dela,
sente falta da comida italiana que ela fazia a filha não cozinha, é professora
na universidade. Estudou linguística,
diz que seu professor de Hebreu e Aramaico fui eu, o filho é médico, tem uma
clínica na reserva, outra na cidade.
As vezes no
verão, deixa o Tom ficar comigo, semanas, pois sabe que a nossa enfermeira
cuida dos dois.
Me desperta dos
meus pensamento, diz que tem uma pessoa esperando para falar comigo, pergunto
quem é.
Diz que seu
sobrenome é Ben Judhá.
Se parece um
pouco comigo, diz que seus pais emigraram antes para o Senegal, para depois
irem para Jerusalém. Lá descobriu que
éramos parente, estava num congresso médico em Las Vegas, por isso resolveu me
visitar.
Olhei para ele,
realmente, conta as história de seus avós, seus pais, tem a ver com o meu
passado.
Lhe dou um livro
que escrevi, contando minha história, não foi um sucesso, porque eu já não era
famoso, era só um personagem do passado de Hollywood.
Agradeceu muito,
falávamos o tempo todo em Hebreu, ele riu dizendo pensando que eu tinha
esquecido.
Jamais esqueci
meu passado, nada.
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