lunes, 20 de junio de 2022

SHOULD

 

                                                  

 

Depois de mais de 20 anos retornava aos Estados Unidos, para quem tinha saído de casa uma noite escondido, tinha vencido na vida, era alguém respeitado, conhecido.

Tinha sido reconhecido na televisão pelo seu velho amigo de infância John, quando falou com ele, sentiu como se voltasse tudo outra vez.    Se abraçou ao seu filho, agora com a idade que ele tinha quando fugiu, lhe contou toda sua história verdadeira.

John lhe contou que sua mãe ainda era viva, que vivia numa residência, que tinha uma memória fantástica, as vezes vou visita-la para falar de ti.      Nunca fala mal de ti, nem de como escapaste, diz que tinha feito a mesma coisa na tua idade.

A história inicial que ele tinha acreditado durante anos, era que sua mãe trabalhava de garçonete num bar, perto de uma base do exército, perto de San Francisco, que ali conheceu meu pai, que o tinha esperado retornar da guerra do Vietnam, ele voltou com os últimos.

Mas a realidade era bem outra, nunca tinha entendido esse pai, que jamais chegava perto dele, nem para fazer uma foto, alias naquela casa só tinha uma foto, dos dois no dia de seu casamento.

Com ele nenhuma, sentia inveja quando ia a casa do John, ali tinham muitas fotos, deles três, dele com sua mãe, muitas, uma mesmo quando estava para morrer, depois muitas com seu pai.

Quando seu pai voltou da guerra, foram viver na cidadezinha da qual ele tinha saído para o exército, a casa de sua família, já não tinha parentes nenhum.

Entrou logo para a escola, aonde conheceu o John, eram completamente diferentes um do outro, ele era moreno, cabelos negros, olhos negros.   John ao contrário, era loiro, olhos azuis, cheio de sardas, seu pai era igual.   Ele ao contrário não podia ser mais diferente de seu pai, que também era loiro.

Quando chegou aos 8 anos, se percebia que seu pai não suportava sua presença, ele se escapava para a casa do John, nessa época sua mãe era viva, o abraçava, beijava, como fazia com seu filho.   Isso em casa ele não tinha, sua mãe quando muito passava a mão na sua cabeça.

Se aborrecia nas aulas, pois aprendia com facilidade, quando entraram no ciclo, antes da universidade, ele fez umas provas, falsificou a assinatura da sua mãe para fazer os testes, acabava o curso antes, com 16 anos.    A anos, acontecia uma coisa que era o grande segredo familiar, seu pai quando bebia um pouco demais, o queria fora de suas vistas, o fechava numa parte embaixo da escada, que seria antigamente o lugar para guardar lenha.  Tinha que dormir ali, no dia seguinte ele passava como se nada, abria o trinco, sua mãe, deixava ali sua roupa para ir à escola.  

Quando contou ao John, esse lhe deu um saco de dormir, negro, assim quando ele abrisse a portinha, não veria, pois ali não havia luz.   Com o tempo, foi juntando coisa, tinha uma lanterna, escondia ali o livro que estivesse lendo no momento.  Começou a trabalhar de tarde, na loja de ferragens do pai do John, conseguiu um imã com o qual abria a porta para se escapar para se encontrar com o John.    Iam os dois na caminhonete do pais deste até a beira do lago, nos dias de verão, para tomar banho, levavam o John uma manta, dormiam ali.   Mas ele colocava o despertador para chegarem antes que seu pai se levantasse.

Os dois tinha descoberto o sexo, juntos, apesar do John ser mais alto, mais forte, era além de amigo, o a única pessoa que o abraçava, beijava, fazia carinho.  Eles se matavam de rir, pois mesmo assim quem tinha o piru maior era ele.   Era ele que penetrava o John, não ao contrário, achava normal isso.

Mas claro um belo dia seu pai o pegou voltando para casa, foi a loja de ferragens, comprou um cadeado, assim ele não tinha como sair.  Mas claro, ele não era tonto, essa parte dava para a garagem, ele com um serrote, fez uma abertura, que estava escondida atrás de uma placa de madeira, que sempre esteve por ali.   Seguiu saindo.

Um dia escutou uma discussão entre seus pais, foi quando entendeu tudo.  Ele dizia que assim que ele fizesse 18 anos, o faria entrar para o exército, para aprender a atender ordens, obedecer.   Afinal não era filho dele, ele que se apanhasse.

Finalmente entendia tudo, nesse dia sua mãe chegou mais cedo do trabalho, sentou-se com ele, contou que realmente tinha conhecido seu marido, durante a guerra, quando trabalhava nesse bar, que estiveram juntos cinco noites, ela tinha sido a primeira mulher dele, prometeu voltar para se casar com ela.   Mas ela nunca lhe escondeu, que já tinha feito sexo com outros soldados a troco de dinheiro, sonhava em fazer teatro, poder ir para Los Angeles, ser atriz.

Depois que ele foi embora, ela seguiu com sua vida, não tinha ideia na verdade de quem era seu pai, eram muitos os rapazes que tinham passado pela sua cama, nunca perguntava os nomes.

Quando ele voltou, tu já tinhas três anos, veio me buscar, primeiro pensou que era seu filho, mas lhe contei a verdade.  Mesmo assim nos casamos, ele te adotou, por isso tens o nome dele na certidão de nascimento, tirou outra para ti, nada mais ao chegarmos aqui.

O levou a garagem, mostrou uma lata que estava em cima de outra igual, ali guardei todo o dinheiro que ganhei nessa época para um futuro melhor, tem também teus documentos.  Caso me aconteça alguma coisa, já sabes.

Nesse dia estava furioso, aguentar tanto desprezo do que pensava que era seu pai, afinal ele tinha razão, não era nada dele, apenas um recordatório dos erros de sua mãe.

Sempre tinha tido ciúmes, pois os dois sempre estavam de mãos dadas, saiam para jantar fora, ir dançar, mas ele ficava fechado embaixo da escada. 

Perguntou a ela, porque o deixava fazer isso, ela respondeu que era o melhor, assim ele não te pega, pois fica muito descontrolado quando bebe, tem pesadelos, sou a única que consegue acalma-lo.

Perguntou por que não o deixava, o sorriso dela, era triste, pois foi o único que me ofereceu uma vida honesta.

Seu pai, sempre guardava todos os dias o dinheiro da sua loja, num cofre que ficava à vista de todos na sala, ele dizia que era melhor que no banco, que não confiava.  De uma certa maneira sabia que ele não era muito esperto, pois nunca sabia direito o código do cofre, ele o memorizou, 48-33-75-58, dava para ver as pilhas de dinheiro, estavam em três pilhas, em cada espaço.

Ele se preparou a consciência, não iria para o exercito de maneira nenhuma, iria viver sua vida, tinha descoberto também, que não era uma caixa como ela dizia, eram duas, a de baixo tinha notas maiores.

Como era final de curso, os dois não sabiam que na verdade ele tinha terminado antes, no dia da formatura, se escapou, foi até ao colégio, ajudado pelo John, entrou na secretária no escuro, procurou seu expediente, bem com o diploma, mudou a data de nascimento, para que parecesse que tinha 18 anos, que era maior de idade, tirou uma cópia na maquina Xerox imensa que tinha ali naquela sala, saiu batido, ajudado pelo John, fez uma bolsa com tudo que tinha dentro das duas latas, a esconderam aonde iam sempre.

Na noite antes, percebeu que ele nunca olhava o fundo do cofre, quando saíram para tomar umas cervejas, ele abriu o cofre, usando uma luvas da cozinha, retirou o dinheiro debaixo da última fila, nem como algum de cima, colocou na sua mochila, colocou um casaco por cima.

Quando este chegou meio bêbado, sabia, que o fecharia ali embaixo da escada, a mochila já estava lá, tinha combinado como John, uma determinada hora.   O velho o fechou como sempre com o cadeado, o escutou rindo sozinho, comentando para si mesmo, logo me livro de ti.

Esperou o silencio da casa, saiu pelo lugar que tinha feito, agora que estava um pouco maior, era mais difícil, mas conseguia passar, saiu pela garagem, John o esperava mais embaixo, foram buscar a outra bolsa.

John queria ir com ele, o convenceu, teu pai te quer, vais querer voltar para cá, eu não nunca mais voltarei.

Fizeram pela última vez sexo, agora de uns tempos para cá permitia que John o penetrasse, gostava também, o que mais gostava na verdade era o carinho, os beijos que este lhe dava.

Depois o levou até a cidade seguinte, entrou ele na estação comprou um bilhete até a próxima cidade, de lá ele faria seu rumo, era melhor ele não saber.

Entregou o bilhete, se despediram com um forte abraço, quase se beijaram, mas tinha gente olhando.

Na cidade seguinte, olhou qual era o primeiro ônibus que saia, foi fazendo assim até chegar a Chicago.   Depois de tantos dias dormindo em ônibus, entrou num hotel pequeno, pediu um quarto, disse que estava muito cansado, que não o despertasse de manhã.

Dois dias depois tinha um emprego, ao contrário de seu quase pai, como ele dizia, abriu uma conta num banco, depositou metade do dinheiro das caixas, viu que era fácil, fez o mesmo num outro banco, lá viu que ofereciam caixas de segurança, perguntou se podia ter uma, pois tinha documentos de família para guardar.  Foi quando descobriu que tinha uma outra certidão de nascimento com o nome de outro homem.  Guardou tudo lá, bem como o resto do dinheiro, o do cofre, se o depositasse chamaria muita atenção.

Arrumou um emprego, começou a trabalhar, mas não se sentia seguro, um belo dia, viu um anuncio numa pagina de jornal velho deixado por algum cliente, no restaurante aonde trabalhava, vivia num quarto alugado na casa de uma viúva.

Era sobre cursos de teatro em Toronto, pensou muito, tirou um passaporte, comprou um carro de segunda mão em seu nome, foi para lá, arrumou um pequeno apartamento, se informou, conseguiu entrar para universidade, tinha dinheiro para se manter, mesmo assim arrumou um emprego de meio expediente numa loja.

Começou a fazer amigos.  Tinha uma facilidade incrível, para os textos, os decorava perfeitamente, era um apaixonado de Willian Shakespeare, sabia todos os textos do mesmo, logo conseguiu trabalhar numa obra na Universidade, quando esteve a primeira vez no palco, com público aplaudindo, se sentiu pela primeira vez feliz na vida, era isso que queria para ele.

Foi subindo, começou a atuar com uma companhia, de papeis secundários, foi passando para os melhores, fazia uma coisa que um professor tinha lhe ensinado, construir um personagem, era um professor que tinha fugido da Rússia, tinha um método de ensino próprio, dizia que ele era seu melhor aluno.   Um dia lhe disse, estás perdendo teu tempo aqui. Eu vou para Londres, porque não vens também.

Procurou um banco, aonde depositou todo o dinheiro que tinha guardado, disse que tinha acabado de receber uma herança, o banco era inglês, então não havia problema, era só chegar a Londres, pedir a transferência.

Primeiro ficou dividindo uma casa com o professor, mas quando ele quis algo mais, se mandou, não se sentia atraído por ele, se tinha mantido casto todo esse tempo, não era para isso.

Ia assistir todos os espetáculos clássicos do teatro inglês.  Fez um teste para entrar, com o tempo, no emprego que tinha num dos grandes armazéns, tinha aprendido a falar como sotaque dos seus clientes finos.

Logo estava fazendo pequenos papeis, arrumou uma casa, num subúrbio, como considerando o que ele podia pagar, viveu nessa casa uns cinco anos, também foi subindo de categoria, quando substituiu um dos galãs favoritos do teatro, no papel de Romeu, esse ia fazer um filme, ficaria ausente vários meses.  Ninguém esperava que o público adorasse sua interpretação.  Ficou com o papel por muito tempo, logo era o segundo da companhia.

Depois chegou a primeiro, mas as longas temporadas o cansavam, quando chamaram para fazer um filme, foi sua primeira e última experiência, não gostava, embora o vivessem chamando para outros papeis, não queria.

Começou a aceitar outros papeis, quando o chamaram para fazer “Esperando Godot” de Samuel Becket, foi a gloria, adorou fazer outras coisas, ficaram um ano em cartaz, ao final ele já inventava texto, para não ter que repetir o mesmo.

Nessa época tinha uns vizinhos na casa dos fundos, estavam sempre discutindo, passou a usar o quarto da frente, para não ser incomodado, um dia ao abrir a porta da cozinha para colocar o lixo fora, viu um garoto, ali sentado.  Este lhe fez sinal de silencio, com o dedo, estão discutindo.

Ficou com pena do garoto, perguntou se ele tinha tomado café, disse que não, venha, lhe colocou café com leite, pão com manteiga, ele devorou, perguntou se queria mais.  Lhe perguntou como chamava?

Samuel, educadamente lhe perguntou o seu, Albert Mark, o levou para a sala, o deixou vendo televisão, isso se tornou um hábito, cada vez que se discutia na casa dos fundos, ele aparecia, era pequeno, mas esperto.  Cada vez se soltava mais com ele.

As vezes ficava vendo desenho animado, passando a mão na sua cabeça.  Quando sua mãe o chamava, ia embora, mas sempre dizia obrigado.

Um dia conheceu a senhora, era ainda bonita, segurava uma menina nos braços, Samuel, lhe disse olá vizinho.   Ah então é na sua casa que ele se esconde.

Desculpe, meu marido voltou da guerra cheio de problemas, estamos sempre discutindo porque gasta todo seu dinheiro em bebida.

Por duas vezes viu que ela fazia compras, mas o dinheiro não chegava para tudo, ele se oferecia para pagar.

Agora tinha sempre em casa, biscoitos, coisas para o Samuel.

Um dia estava estudando um texto novo de Brecht, quando escutou tiros, desceu correndo, abriu a porta, o menino entrou como um foguete, o levou para o quarto da frente, escutou tiros que alcançavam sua janela dos fundos, bem como as da cozinha.  Chamou a polícia, está disse que os outros vizinhos já tinha chamado.

Levaram horas para tirar o homem da casa, ele tinha matado a mulher, bem como a filha, o Samuel, como sempre por instinto tinha escapado.

Quando a assistente social apareceu, o garoto estava agarrado com ele, disse que fazia muito tempo que o garoto vinha para sua casa escapando das discussões.

Lhe perguntou o que ia lhe acontecer?

Vai para um orfanato.   Como o pai com certeza terá cadeia perpetua, pois não é a primeira vez que sai dando tiros, tiveram que se mudar da casa anterior por isso.

Eu posso adota-lo, quando disse quem era, a mulher disse que já o tinha visto no teatro.

Ela perguntou ao Samuel, se queria ficar com o Albert, ele se abraçou a mim, já sabia que sua mãe, bem como sua irmã tinha morrido.

Não havia mais familiares.

Fazemos o seguinte, vamos conversar com um juiz de menores.

Foram os dois com ela, por curiosidade perguntou por que ele morava ali.

Respondeu que todo mundo o tratava bem, que vivia nessa casa desde que tinha vindo para Londres, podia viver num lugar melhor, mas aqui todos são família, me sinto em casa.

O juiz concordou em lhe dar primeiro a guarda, depois a senhora ia acompanhar como funcionária tudo.

Logo o colocou numa escola, contratou uma senhora para ficar com ele, nos dias que tinha teatro, esta acabou ficando definitivamente.  Acabou se mudando para uma casa num outro lugar, porque as crianças da escola apontavam para ele.   Era uma casa muito bonita em Portobello Road, a senhora Hilde, passou a viver com eles, tinha verdadeira paixão pelo Samuel, quando contou ao juiz por que tinha se mudado, não queria que o garoto fosse vitima da curiosidade alheia.  Este então autorizou sua adoção.  Um advogado falou com o pai, que assinou a autorização.

Passou a se chamar Samuel Mark.

Nunca tinha encontrado um amor por assim dizer, tinha algumas aventuras, mas romances nenhum, preferia ficar sozinho que ter aventuras, nunca tinha se esquecido do John.

Samuel tinha 18 anos quando lhe contou a verdade, quando John lhe chamou, estavam os dois em NYC, ele tinha aceitado fazer uma temporada com a peça que estava fazendo no momento, claro saiu na televisão do pais inteiro.

Disse ao John que lhe faltavam duas semanas ainda, que depois tomariam um avião, iriam a cidade mais perto com aeroporto.

Arrumas um lugar para me hospedar.

Claro ficas na minha casa.

Não tens família?

Nunca me casei, só amei uma vez na vida.  Nunca te esqueci.

Não disse nada, a não ser que ele tampouco o tinha esquecido.

Vou preparar tua mãe, dizendo que vens.

Quem estava ansioso era o Samuel, era um filho espetacular, já tinha feito pequenas aparições nos espetáculos que fazia, mas queria fazer belas Artes.

Tinha feito muitos anos de tratamento psicológico, principalmente depois que soube que seu pai verdadeiro tinha sido assassinado na prisão.  Nunca chegaria a entender por que ele era tão violento.

Nada realmente era perfeito na vida, lhe dizia a ele, tentou descobrir de aonde tinha saído, seus pais, vinha de um orfanato, depois os anos que ele esteve na guerra, alguma coisa se fudeu aí.

Tomaram o avião, não sabia como estaria o John, o imaginava como seu pai, que na época era gordo, mas para sua surpresa, encontrou com um homem forte, mais alto que ele, com um sorriso franco na boca, o beijou, apertou num abraço forte, meu amigo, abraçou o Samuel, que filho bonito tens amigo.

Venham tenho o carro fora.  Era um carro moderno.  No caminho para a cidadezinha, foi dizendo não mudou muito, cresceu um pouco, ainda vou no nosso lugar favorito muitas vezes, as vezes acampo ali, lembrando de nossa juventude.

Contou ao Samuel que ia a esse lago, que dormiam até uma determinada hora, imagina se alguém que vai acampar, leva relógio despertador, mas o fazíamos para que ele chegasse cedo para se esconder do pai dele.

Não era meu pai, nesse conceito nunca foi.  Não se preocupe, eu contei tudo para o Samuel, inclusive o que fazíamos os dois.

Tens alguém na tua vida?

Nunca tive.    Tive sim aventuras, nada demais, estava sempre muito ocupado, depois tinha Samuel para criar.

Ele sempre inventa esta desculpa para estar sozinho, quero ver como fará agora quando eu estiver na universidade, talvez estude em NYC.

Porque nunca fizeste cinema, como os outros atores Albert.

Porque gosto muito de estar num palco, de sentir quando acaba a função, o cinema é uma coisa de minutos, não é o que quero para mim.

Antes de vir, fiz uma série para a BBC, porque tinha feito esse personagem no palco. Mas sigo sem gostar.

Fale de minha mãe?

Parece que quando foste embora a vida deles se tranquilizou, ela seguiu vivendo para ele, não fizeram nenhuma denúncia, tampouco te procuraram.  Ele viveu mais dez anos, depois morreu de enfarte vendo um jogo de futebol americano, pela televisão no bar com uns amigos.

Ela seguiu vivendo sua vida, até ir a pouco tempo para essa casa de pessoas de idade, mas sempre ia conversar comigo, sobre ti, se arrependia de muitas coisas, achava que agora era tarde.  Quando te vi na televisão, consegui gravar o vídeo, levei para que ela vise, ria muito, dizendo que sem querer tinhas realizado o sonho dela.

Quando falei que tinhas um filho, ficou contente.  Tem uma saúde forte para sua idade, vai adorar ver-te.

Amanhã é dia de visita, podemos passar o dia inteiro lá.   Levaremos comida, fazermos um pic-nic no parque da residência.

Ele seguia vivendo na casa do pai.  Não cheguei a ir ao exército, pouco antes, meu pai teve um enfarte, ficou com dificuldades para falar, então assumi os negócios dele.

Nunca sai daqui.   Queria ir atrás de ti, mas não sabia aonde estavas.

Eu levei muito tempo para superar, ter que dormir naquele vão da escada, fechado, a primeira vez que tive um quarto só para mim, foi como ir a Disney.   Só tive uma casa grande quando o Samuel veio viver comigo.

Antes que ele perguntasse, o Samuel contou sua história, não tinha vergonha disso, tenho um pai impressionante.  O tinhas que ver no palco.  O papel que fazia nessa última peça de teatro, ele fica irreconhecível, faz um mendigo. Mas o publico vem abaixo quando descobre que é ele.

Mesmo já sabendo que ele faz esse papel, se esquecem no momento que ele entra em cena.

Nunca me cansei de ver meu pai no palco.  Isso que ensaiamos juntos os textos antes, ele discutia sempre comigo desde criança, para que eu entendesse o personagem.

Colocou a mão sobre o braço do pai.   Sempre foi honesto comigo.

Não me esqueço da primeira vez que busquei refugio na sua casa, era pequeno, estava sentado nos degraus da cozinha de sua casa, quando ele abriu a porta me viu, me sorriu, escutou o que se passava, perguntou se eu tinha tomado café.  Nos sentamos na cozinha, só perguntou meu nome, ficamos amigos nesse momento.  Depois cada vez que ia tinha biscoitos, bolos ele sempre foi um péssimo cozinheiro, Hilde a senhora que sempre cuidou de mim, ria muito dizendo que na cozinha ele era um desastre.

A contratou para ficar comigo, nos dias de espetáculos, acabou vivendo conosco, agora esta lá como grande senhora da casa, enquanto estamos aqui.

Ele quando eu era criança, me contava sempre as histórias da infâncias de vocês, eu as vezes pensavam que ele inventava um personagem.   Mas quando me contou a história de vocês, entendi que ele te amava.

Albert, cortou, já basta disso Samuel.

John ria, não te preocupe, ele era igual, quando nos encontrávamos para ir a escola, quem falava era ele, o livro que tinha lido essa noite no desván, ali embaixo da escada, depois me dizia que o saco de dormir que lhe emprestei, tinha meu cheiro, que isso o fazia se sentir acompanhado.   Íamos para escola, ele falando da personalidade do personagem da história, o analisava a fundo.   Dizia que nunca saberia analisar o que pensava que era seu pai, pois este nunca falava do seu passado.

Com o tempo basicamente morava nesse pequeno espaço, escuro, mas quando estávamos juntos nos divertíamos, dizia que eu era seu sol.

No verão, escapulíamos para ir nadar nesse pedaço do lago, que ninguém até hoje vai, tirávamos a roupas, ficávamos nus, nos divertíamos.

Samuel para provocar, soltou, faziam sexo que ele me contou.

Ficaram os três rindo muito.

A casa de meu pai é a mesma, mas a reformei depois que ele morreu, graças a deus morreu dormindo.   Foi um pai fantástico.

Mal entraram, não podia dizer que era como retornar ao passado, mas a casa parecia realmente um lar.

A pouco tempo, vendi a loja para um chinês, porque já estava farto, nunca foi meu sonho cuidar da mesma, meus sonhos ficaram para trás.

Venha mostrou os quartos preparados para eles.

Samuel que tinha um bom humor, soltou, ué, pensei que o ia arrastrar para teu quarto.

Se ele quiser, será bem-vindo, mas iremos devagar.

Foram almoçar no único restaurante da cidadezinha, agora pertencia a uma família que tinha vindo de fora.    Mas claro todos o reconheceram da televisão.

Afinal era um dos filhos da cidade.

No outro dia de manhã, saíram para visitar sua mãe.

Esta estava sentada numa cadeira de braços, fazendo tricô.   Riu de observar de longe, ele seguia bem cuidada, bonita como sempre tinha sido.

Quando o viu, se levantou, ele correu para ela, abriu seus braços, ah meu filho.

Quando viu o Samuel, o abraçou, beijou muito, tens sorte aprendi a abraçar, beijar os outros depois de velha, quando jovem era muito seca, com as pessoas, quando muito estendia a mão, talvez pela educação que tive.  Sentou-se no sofá, entre os dois, ah que bom te ver, realizaste meus sonhos de juventude, queria ser atriz, acabei aqui nessa cidade, mas fazer o que, eram coisas da época.

Depois os dois ficaram sozinhos, ela soltou, talvez foi a melhor coisa teres ido embora, ele nunca reclamou nem disse nada do dinheiro que levaste, me queria somente para ele.

Nos poucos anos que esteve vivo, a sua maneira foi feliz, deixou de beber tanto, mandou abrir aquele pedaço embaixo da escada, riu quando descobriu por aonde escapavas.   Me dizia ele vai sobreviver, pois é inteligente.  Foi quando descobrimos que estavas adiantado na escola.

Eu também fugi de casa, erámos muitos, nem sei hoje em dia aonde era o lugar que vivi minha infância, aprendi a ler direito a escrever, quando fui trabalhar nesse bar.

Se perguntas se eu o amei, não sei dizer, só sei que ele cumpriu o que prometeu, voltar para me buscar.  Apesar de não seres filho dele te adotou, embora não gostava de crianças, não sabia lidar com isso, depois me contou que tinha sido muito infeliz em criança, por causa de seus pais.

Tinha dificuldade em lidar com isso.

John tem sido um filho para mim, agora na minha velhice, vem sempre que pode conversar comigo, na verdade o assunto dele, eres tu, sempre te amou essa é a verdade, falam dele na cidade, mas não parece se importar de estar sempre sozinho.

Nessa noite, ficaram os dois sentados no sofá da casa do John, ele contou sua vida para ele, como tinha ido, até chegar a Toronto, do professor que o levou para Londres, seus começos, seus sonhos alcançados.

Podia vir conosco passar uma temporada, se gostas, pode ficar.

Eu agora dou mais espaço entre os espetáculos que participo, viajamos quando Samuel esta de férias, vou aonde ele queira.   Quero sempre ser para ele o pai que não tive, tinha inveja de ti com o teu.

Mas nunca ninguém me abraçou, me cuidou como tu.  Talvez por isso, fiquei sozinho, não gosto de sexo sem carinho, erámos como fazíamos.

Pela primeira vez, John segurou seu rosto, lhe deu um beijo terno, nunca me esqueci de ti. Tive também aventuras em outras cidades aqui perto, mas nunca quis ninguém.

Nessa noite dormiram juntos, foi como voltar ao tempo, se divertiram como faziam.

Se lembra, inventávamos maneiras de fazer sexo, sem saber direito como era.

No dia seguinte tiveram que aguentar Samuel, que ria dos dois.

Foram até o lago, o tempo estava bom, fazia calor, se jogaram na água, depois Samuel, foi fazer uma caminhada, os dois ficaram ali namorando, lembrando das coisas.

Uma coisa importante incutiste em mim, adoro ler por tua causa.

Dias depois quando analisava sua vida, o que deveria fazer, antes de conversar com o filho ou mesmo com John.  Recebeu uma chamada da casa de maiores aonde vivia sua mãe.   Esta tinha falecido durante a noite.

Procederam seu enterro ao lado do marido, bem como teve que ir a leitura do testamento, era muito dinheiro, decidiu que uma parte iria para o fideicomisso do filho, outra parte para a residência, para ajudar as pessoas que não podiam pagar, o resto ele doou a escola aonde tinha estudado, para que se modernizasse.

Feito isso se sentiu livre, foi quando se sentou com os dois para conversar.  Tinha que voltar para Londres, as férias tinham terminado.

Sentiu imediata repulsa do John que disse que nunca tinha pensado em sair dali, que não saberia viver numa cidade grande.  Que tinha pensado que ele tinha vindo para ficar ali definitivamente com ele.   Falou tanto que ficou olhando, desconhecia essa parte dele, o medo de sair para o mundo.  Tinha se acostumado a sua pequena vida, que não pensava mais além.

Estava feliz com ele ali, mas seguira estando se ele não estivesse.

Bem eu tenho compromissos, tenho que ir, afinal é a minha vida, tu vive de rendas, eu seguirei sempre trabalhando.

Samuel, ia experimentar estudar em NYC, caso contrário voltaria para Londres.

Quando chegou em casa, sentiu-se pela primeira vez sozinho.  Principalmente porque seu filho não estava ali.  Ficou imaginando John descobrindo a cidade, mas por sorte em seguida começou os ensaios, quando viu estava mergulhado na sua vida, a que amava.

Dois meses depois Samuel, voltou, não tinha gostado de estudar na América, para todos era um idiota Britânico.

Quando o espetáculo estreou, chamou o John, para saber se queria vir, ele respondeu numa conversa amistosa, que o retorno dele, os dias que estiveram juntos, o tinha liberado do passado, que estava tentando ter um relacionamento com um homem que conhecia de tempos atrás da outra cidade, agradecia o convite, mas que sua vida estava ali.

Samuel, pensava como ele, John sempre tinha sido uma pessoa acomodada, seus sonhos eram restritos a vida da cidade.

Ele seguiu em frente, a série tinha feito sucesso, principalmente pelo seu personagem, queriam que fizesse outra tanda de capítulos. Acabou aceitando, visto ser um trabalho continuado, que podia fazer durante o dia.

Durante a filmagem se reencontrou com um ator, com quem já tinha feito teatro, começaram a recordar os velhos tempos, o outro disse que tinha se divorciado finalmente, que sem filhos, tinha resolvido sair do armário, era muito pequeno dizia, pois eram um homem grande. Saiam para almoçar conversavam sobre o assunto do seu mundo o teatro. Os dois tinham um ponto em comum, amavam o que faziam.

Resolveram fazer uma peça juntos para relembrar os velhos tempos, foi um sucesso impressionante, ficaram meses em cartas, tinham pensado em três, acabaram ficando seis.

Um produtor queria fazer do espetáculo um filme.  Pela primeira vez analisava com outra pessoa se deviam ou não fazer o mesmo.

Um dia conversando sobre suas vidas particulares, os dois comentavam que sentiam falta disso alguém com quem compartir as coisas, que as aventuras eram como relâmpagos, pois na verdade sonhavam com outra coisa, sem querer acabaram experimentando fazer sexo, como diriam depois rindo um para o outro, que tinha sido muito, mas muito bom.  Eram iguais na cama, gostavam das mesmas coisas, aprenderam a se explorar.

Agora quando um estava fazendo um trabalho, o outro ajudava a preparar texto, personagem, debatiam o que entendiam.

Quando a segunda parte da série estreou nos Estados Unidos, John ligou, tinha se esquecido completamente dele.

Reclamou que o que tinha tentado com seu namorado, não tinha dado certo, pois o outro queria explorar o mundo, ele não.

Poderia lhe dizer como forma de vingança, agora tenho alguém, mas não o fez, escutou, disse ao amigo que ele devia revisar sua vida.

Ele, com Magnus, foram convidados para levar um espetáculo na Broadway, sentaram para conversar a respeito, justo nesse dia Samuel, trouxe sua namorada para conhecer os dois, uma garota agradável.   Estavam os dois fazendo parte de um espetáculo moderno do West End, com relativo sucesso, Samuel tinha desistido de Belas Artes, estava fazendo um curso de escenografia.

Estava coordenando o cenário que queriam para a peça que levariam para a NYC, queriam que fizessem uma turnê por várias cidades americanas.  Mas os dois não queriam. Era muito tempo fora de Londres.

Fizeram a temporada americana, voltaram para casa, agora tinha certeza de que seu lugar era em Londres, aonde na verdade tinha escolhido viver a tanto tempo.

Ele bem como o Magnus, viviam juntos a muito tempo, tinham o mesmo grupo de amigos, o que era interessante, os dois não gostavam de festas.

Quando Samuel se casou, os dois se sentiram felizes por ele, Magnus tinha aprendido a conviver com o filho dele.  

Samuel, lhes perguntou por que não se casavam, fariam uma cerimônia só.

Conversaram muito a respeito, depois se sentaram-se com os dois para debater o assunto.

Acabaram aceitando o convite, mas a festa era só do Samuel com a Noiva.

Quando nasceram os primeiros filhos do casal, eram os avôs perfeitos.

Muitos anos depois, recebeu uma carta do John, enviada pelo seu advogado, lamentava sua covardia, devia ter fugido contigo quando partiste, mas tinha medo, esse sempre foi meu problema, medo, não querer me arriscar, talvez a única coisa que eu tinha como suporte foste tu.  Te entendia, bem como invejava teus sonhos.  Conseguiste tudo que eu não fui capaz, viver, acabei numa residência como tua mãe, me sentindo um idiota, pois mesmo as pessoas que estava ali, tinham vivido, eu nunca tive nada para contar.

Mas segui o que fizeste com o dinheiro de tua mãe, doei para os que tinha sonhos.

Eu fio parco deles, o único que tinha era viver uma vida contigo, mas isso era impossível, pois querias mais.

Deu a carta para o Magnus ler, tinha contado toda sua vida para ele.

Quando os meninos do Samuel já eram grandes, este perguntou se não pensavam em parar. Os dois riram, queres é nos matar, somos da casta que quer morrer em cena.

Foi o que aconteceu com Magnus, estava fazendo um texto de Shakespeare, morreu no final do espetáculo, no camarim, quando trocava de roupa.  Um enfarte fulminante.

Seu enterro foi impressionante, na cerimônia ele falou, que não só perdia seu companheiro, mas também, um amigo, camarada, a pessoa com quem compartia um amor maior o Teatro.

Em seguida estava fazendo a primeira montagem do Samuel, de um texto que os dois desde que ele era criança debatiam “Rei Lear”, foi uma montagem premiadíssima.

Os garotos do Samuel, sempre iam ver o avô ensaiar.  Os dois tinham o teatro na veia também.

Ele seguiu em frente trabalhando, claro agora escolhia os papeis condizentes com sua idade, uma vez brincando disse ao Samuel, não vais querer que faça um Romeu e Julieta.

Meses depois, Samuel apareceu com um texto, lhe entregou para ler.  Quando leu o nome do autor, riu, era o primeiro texto que ele escrevia.

Uma adaptação de Romeu e Julieta aos tempos modernos.  Só que desta vez, era a paixão de dois homens que se reencontram depois de muitos anos, que as famílias separaram.

Foi um dos produtores do espetáculo, avisavam que só era uma adaptação, não o texto original.

O único que aceitou fazer o outro papel, foi um ator de sua mesma idade, que sempre disputava com ele os papeis.   Nunca se bicaram, mas ao primeiro beijo que tinham que trocar em cena, se apaixonaram.

Riam pela idade deles, Gregory, era viúvo como ele, tinha um casal de filhos, já com suas vidas feitas, um era advogado a filha era diretora de um banco.

Não se esconderam, riam muito do fato de terem idade avançada, mas se completavam, amavam estar no palco, bem como estar com suas famílias.

Gregory, ria dizendo que finalmente tinha se encontrado, sempre tinha tido medo da relação de dois homens, tinha tido muitas aventuras com mulheres, mas resolveram não se casar, viver juntos, sem problemas.

 

 

 

 

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