![]()
![]()
![]()
BAIANO
Sou Marco
Capibiribe Alcântara, nasci em São Paulo, mas fui criado em Salvador, com muito
orgulho de ser baiano. Dizem que falo
assim pois pareço um soteropolitano.
Não me importo,
meu pai na verdade é baiano, minha finada mãe também era, só voltei para cá,
pois ela morreu num acidente de carro, tempos depois ele se juntou um uma
paulistana, que não gostava de criança, ele me mandou para viver com minha tia.
Hoje dou graças a
Deus, mas quando era pequeno não entendia.
A família da
minha mãe, é imensa, o velho teve muitos filhos dentro, fora do casamento, mas
sempre reconhecia todos.
Ele tinha
negócios em todo interior, cada cidade tinha uma loja dele, vendiam de tudo um
pouco, os antigos armazém de secos e molhados, uma coisa portuguesa.
Casava suas
filhas com ajudantes, as ensinava primeiro a trabalhar, para controlar os
maridos, que esse não lhe roubassem.
Minha tia foi a
única, que disse não, foi para Salvador, estudou como uma louca, hoje é
professora da Universidade.
Nunca se casou,
nem queria ninguém que lhe cortasse a liberdade que tinha conseguido, sei que
pagarei por isso quando for velha, mas me importa uma merda.
Me acolheu em sua
casa, um belo apartamento perto do Farol da Barra, quando vi o mar, me
apaixonei, nunca mais pude pensar em outra vida, em que não tivesse o mar por
perto.
Era conhecida
como Doutora Neide Capibiribe, mas dizia logo, que a chamassem de Neide.
Era sempre
convidada para simpósios, congressos pelo mundo inteiro, era uma sumidade em se
tratando de misturas de raças, de negritude.
Era amiga de
todos os pais de santo de Salvador, se perguntassem se era do Santo, ria,
dizendo que não, não me quiseram, sou Católica, Apostólica Romana, mas não
colocava o pé numa igreja nem a porrete.
Quando muito se tinha algum amigo de fora, ia a lavagem do Bonfim, nada
mais, em casa nenhum santo, mas muitas coisas Africanas, mascaras, esculturas,
tudo que lhe davam de presente quando ia pelos países Africanos.
Quando algum
irmão, reclamava dizendo esse seu interesse no assunto, iam pensar que éramos
descendentes de africanos, ela ria muito alto dizendo que tínhamos um pé na
cozinha sim senhor.
Me dizia ficam
querendo passar por brancos, não pegam sol, nada de praia, para ficarem
pensando que são brancos, olha teu avô, com o cabelo crespo que tem, ele mesmo
diz que sua avô tinha sido escrava, que seu pai, era filho dela com o coronel.
Adorava sua
filha, pois era a única como ele, não tinha papas na língua, falava o que
pensava o mundo que se fudesse.
Quando cheguei a
sua casa, pela mão do meu pai, chorei porque sabia que ia embora, mas ele me
disse que estava em boas mãos, como viajava muito, não tinha como cuidar ele só
de um filho pequeno.
Ela ao contrário,
tinha um filho sem fazer esforço.
Primeiro me
traçou as regras da casa, nada de coisas fora do lugar, imagina isso para um
garoto de cinco anos de idade, no mesmo dia saímos para arrumar uma escola para
mim, me perguntou se eu sabia ler, escrever.
Lhe disse que tinha aprendido com a televisão. Pois me deixavam
basicamente o dia inteiro na frente de uma.
Me mostrou dois
colégios, ficamos observando de longe, eu tinha que escolher, assim seria minha
vida, ela jamais interferia, eu tinha que escolher, saber o que queria da vida.
Olhei para um,
que era de gente rica, o outro me parecia mais divertido, com gente de todas as
cores possíveis, esse era público. Bom,
se não gostas da experiencia, mudamos de escola, pois errar faz parte da vida.
Não me enganei,
adorava minha escola, logo fiz amigos, alguns para toda a vida.
Uma vez por ano,
íamos a Ilhéus, aonde vivia meu avô, com as filhas que tinha ficado solteironas,
reclamava delas, imagina vão todos os dias a missa, para rezar para ver se
casam, não se olham no espelho.
Realmente eram
feias, quando eu chegava, o velho que era magro, alto, sempre de terno de
linho, gravata, me levantava no ar, me dava mil beijos, dizia que suas filhas
tinham alguma coisa errada, pois só faziam filhas. Eu era seu único neto.
Em seguida saia
comigo, para tomar algo com seus amigos, ia falando sem parar, com um sotaque
muito carregado, dizendo olha como esse sem vergonha cresceu desde a última
vez, ria muito, pagava uma rodada aos amigos em honra de seu neto, me fazia
sentar ao lado dele, com alguns começava a falar do preço do cacau, pois além
de seu negócio, tinha uma plantação de cacau, eu adorava ir até lá com ele, adorava
o cheiro da terra, dos frutos recém abertos, lhe perguntava quando viravam
bombons.
Uma parte da
produção ele entregava para uma cooperativa, outra mandava para uma fábrica em
Vitória no Espirito Santo.
Me dizia ao
ouvido, espero que tu estudes, para aprender a elaborar tu mesmo nosso
chocolate.
Eu ria, me
imaginando na cozinha de sua casa, que ainda se usava fogão a lenha, preparando
chocolate.
De tarde se
sentava com minha tia, que desde logo era sua preferida, ela lhe contava como
eu tinha ido na escola durante o ano, passávamos o natal ali, no ano novo íamos
a praia, para ver a saída de barcos para saudar Iemanjá, isso ele não perdia, ele
dizia a suas filhas solteironas, vou fazer uma oferenda, para ver se algum
jagunço as vem para levar para aonde Judas perdeu as botas, assim me livro
delas, isso as gargalhadas, elas ficavam se benzendo, dizendo “Deus nos Livre”,
mas no fundo bem que queiram.
Uma delas, um dia
desapareceu realmente com um jagunço.
Nesse ano ele dizia que faltavam duas, que Iemanjá, tinha que lhe
ajudar.
No dia 3 de
janeiro íamos para Salvador. Quando ele
ficou sozinho na casa, minha tia o trouxe para Salvador, de lá ela dirigia a
empresa do velho, os cunhados diziam que ela era pior que ele, pois exigia as
contas limpas.
Eu começava a
sair de noite, ele me dizia, aproveite a vida meu filho, é curta, quando
pensamos que estamos em cima da onda, na verdade já estamos embaixo. Aproveite, saia com teus amigos, divirta-se,
sempre me colocava um dinheiro na mão.
Mal sabia que eu
tinha um namorado na verdade, quando chegava o verão a maioria dos amigos
arrumavam algum turista, eu só não gostava de carnaval, trio Elétricos, essas coisas,
aglomeração de gente, suada, fedendo, isso eu era diferente dos outros, o que
era meu namorado desaparecia, um dia o vi de beijos, abraços com um gringo, o
mandei catar coquinhos.
Na verdade como
dizia minha tinha eu era demasiado Paulista para Salvador, era muito sério,
levava tudo como deve ser. Nunca gostei
de preguiça.
Meu avô achava
que eu estava certo, se tivesse preguiça não teria levantado os negócios que
tenho. Por culpa dele, comecei a ler tudo referente ao cacau, queria saber
antes mesmo de entra na universidade as possibilidades, como se devia plantar,
colher, usar essa produção. Vi que a maioria das empresas hoje começava a ter sua
própria plantação, seja na Africa, ou outro lugar.
Um dia lendo um
artigo muito interessante, pedi licença para ele, para experimentar o que
diziam no artigo, em um pedaço de terra, para ele voltar até o lugar que
adorava, foi ótimo, inspirava o ar, dizia que isso sim era viver.
Chamou seu
capataz, lhe disse o que eu queria, analisei a terra como dizia o artigo,
escolhi só um pedaço de terra para isso, limpamos tudo, normalmente deixavam
tudo, as folhas se acumulando, para servir de adubo.
Fiz tudo ao
contrário, as antigas maneiras de cuidar das árvores, limpamos tudo, podamos as
que precisavam disso, quando chegou a época de saírem frutos, para susto do
pessoal, saíram maiores do que normal, quando chegou a época da colheita, o
pessoal dizia que era mais fácil de colher, de abrir, como se fruto estivesse
esperando. Quando mandei essas amostras
para uma fábrica moderna, essa logo se interessou. Para o ano seguinte, limpamos tudo, fizemos
da mesma maneira, fiz um contato com a pessoa que tinha escrito o artigo, o
convidei para vir nos explicar.
Pensava que
chegaria uma homem branco, tipo um especialistas, nada era um mulato, jovem,
disse que tinha feito isso para um proprietário, ele tinha estudado agronomia,
fora do Brasil, estivemos analisando a terra mais profundamente, primeiro a
cada quinhentos metros, extraímos terra para analisar, ele tinha trazido um
mini laboratório, fomos nos adequando conforme as terras, ficou contente em
dizer, que 80 por cento das terras eram de primeira qualidade. Meu avô acompanhava isso tudo com extrema
curiosidade, nos autorizou a fazer o que queríamos. Seus filhos e filhas, não gostaram muito,
mas era tarde ele tinha feito uma coisa que ninguém sabia, tinha passado as
terras para meu nome.
Agora é tudo por
tua conta, o dinheiro que ganhamos, com a colheita do que eu tinha feito,
colocou no meu nome no banco.
Convidei o
Alcides Silva para ficar, lhe disse que pensava eu mesmo usar o produto,
começamos a procurar uma maquina de tostar para os grãos, como era o processo
de fazer um chocolate artesanal, o primeiro cobaia era o velho, ria muito
dizia, sempre imaginei isso, poder provar meu próprio chocolate, já posso
morrer, me beijava dizendo esse meu neto.
Fizemos
acompanhando as tendencias da Europa, para saber como ficava, minha tia levou
para a universidade, para fazer provas, entregava aos professores, pedia que
escrevesse o que gostavam, também o que não gostavam.
As críticas eram
boas, começamos a preparar vários tipos, fizemos uma embalagem simples, as
mulheres de Ilhéus adoraram a novidade, mal sabia que estavam sendo nossas
cobaias.
Esse ano quando
procurados pela fábrica, sobrava pouco para vender.
Mas com o
dinheiro, compramos de um herdeiro que não queria nada disso, as sua terra, mas
antes pedimos para analisar a mesma, era da boa, esse sujeito não sabe o que
esta fazendo, fizemos a mesma coisa, limpar tudo, preparar para a próxima
colheita, não seriam iguais, mas essas venderíamos para a fábrica, o capataz
sabia que não devia misturar as duas colheitas.
A casa que
pertencia a essa plantação, a reformamos, para fazer ali a fábrica, contratamos
mais mulheres para trabalhar.
Minha tia que se
aposentava, arrumou uma lojinha ali perto do farol da Barra, começou a vender
com uma amiga, o que produzíamos. Os
vizinhos todos apareceram para aprender.
Contratamos em
São Paulo uma jovem que tinha ideias fantásticas com o chocolate, a produção
aumentou, meu velho dizia que eu realizava o sonho dele, sempre pensei nisso
porque não produzir aqui.
Na surdina, ele
foi comprando mais terra por ali, já em meu nome, quando me dei conta, lhe
disse, avô eu não posso com tanto material.
Os meus tios e
tias, achavam que eu estava roubando seu herança. Mas o velho foi esperto, dividiu em vida,
toda sua fortuna, para ninguém botar defeito, mas mesmo assim ele dizia, quando
souberem o que fazes, sempre ficaram com inveja, portanto muito cuidado, as
terras novas estavam todas no meu nome desde o princípio, algumas em nome dos
dois, minha e do Alcides. Muita gente pensava que tínhamos alguma coisa a mais,
mas eu tinha encontrado uma pessoa em quem confiar, além de ser meu amigo.
Começamos a ensinar
os outros a cuidarem de suas terras, a prepararem um bom cacau, mas alguns
claro a terra era pobre, não entendiam isso, que nem toda a terra é rica em
minerais, esse preferiam o método antigo.
Alcides como era,
começou a estudar como enriquecer essas terras, sem tirar as árvores.
Fizemos a
experiencia, num troço de terra que tinha o mesmo problema que essas dos
vizinhos, os convidamos para acompanhar o desenvolvimento.
Mas como dizia
Alcides, a maioria reclamava que dava trabalho.
Isso não é só um mal do baiano, mas do brasileiro, querem tudo sem muito
trabalho.
Os que
acompanharam, ao mesmo tempo, prepararam uma parte de suas terras dessa
maneira, ficaram encantados, pois produziam mais e melhor.
Seus produtos
valiam mais no mercado. Os que tiveram
preguiça falavam mal do que fazíamos, romper a tradição de tantos anos.
Com tradição ou
sem tradição, mal dávamos abasto para as lojas que já tínhamos, não só em
Salvador, como em Ilhéus, procuramos alguém para desenhar um logo, embalagens,
meu avô sempre aplaudindo. Quando ele
fez 100 anos, disse que agora podia descansar, sonho realizado.
Tive que
enfrentar na justiça, com meus parentes, que queriam reclamar parte dos lucros,
menos mal que tinha tudo no papel, ninguém podia reclamar.
Os dois, minha
tia como eu, não tínhamos recebido nada da parte das lojas, do armazém, ela só
tinha uma parte com suas irmãs solteiras, da casa de Ilhéus.
Se quiséssemos,
podíamos simplesmente ficar só plantando e colhendo, pois as fabricas pareciam
abelhas em cima da gente.
Queriam saber como tínhamos plantado, quantas tínhamos tirado para
plantar outra vez, mas não acreditavam que eram as árvores velhas que estavam
produzindo isso, devido ao tratamento da terra.
Meu pai depois de
anos sem dar a cara apareceu, mas desconfiei logo, queria me pedir dinheiro
emprestado, pois tinha a noção que agora eu estava rico.
Lhe perguntei por que, depois desses anos todos, eram quase 20 anos,
ele aparecia, se nunca telefonava, ou mandava dinheiro para meu sustento.
Quando soltou que
sua nova família era grande, não lhe sobrava tempo para essas pieguices fiquei
furioso, pois não me sobra tempo, nem dinheiro para emprestar, eu dou um duro
desgraçado, além de que sua proposta de negócio era um pouco utópica.
Quando falou com
minha tia, ela foi pior, ele nunca chamava para saber de nada, nunca tinha
ajudado, que queria agora, que déssemos beijos abraços, como se nada tivéssemos
passado.
Finalmente foi
embora, com as mãos abanando.
Mais um malandro
para o Brasil aguentar.
O que me
chateava, contei ao Alcides, era que sequer podia sentir nada por ele, pois
nunca tinha convivido com ele ou sua família.
Se tornou um belo desconhecido para mim.
Ele me contou que
com ele tinha passado isso, tinham feito cozação com ele quando resolveu
estudar agronomia, agora pediam dinheiro para alguma loucura que lhes passava a
cabeça.
Ao mesmo tempo
consegui acabar a universidade de Agronomia, um sonho do velho, minha tese foi
sobre as coisas que discutia com o Alcides.
Meus parentes cansados de discutirem na justiça, resolveram fazer
valer a velha maneira dos jagunços, mandaram me matar. Já que não conseguiam por bem, seria à velha
maneira.
Quem saiu mal
parado foi o Alcides, eu estava de costa quando apareceu o homem com um
revolver nas minhas costas, ele me empurrou ao mesmo tempo que o homem atirava,
foi ele quem levou o tiro.
Morreu no
ato. Consegui pegar o homem, saber qual
dos parente o tinha mandado me matar, quando ele disse todos, o entreguei a
justiça.
Enterrei o
Alcides, ao ler seu testamento, tínhamos feito juntos, por nossos sonhos, ele
era meu herdeiro, como eu dele.
Estava cansando
disso tudo, falei com minha tia, tomei uma resolução drásticas.
As terras que
davam um bom cacau, que usávamos, fizemos uma cooperativa, os empregados, eram
donos também, assim iam trabalhar melhor, continuariam fazendo o que vinhamos
fazendo para vender, as outras terras vendi a fábrica que nos comprava o cacau.
Assim os parentes
não podiam reclamar nada, pois deixavam de existir.
Quanto ao
convite, pedi para primeiro olhar o que queriam, me levaram a Africa, a vários
países, quando vi o que faziam, era como quando comecei a trabalhar nas terras
do meu avô, os coitados dos trabalhadores eram explorados por todos. Viviam ainda na miséria, mesmo sendo eles que
faziam um trabalho pesado.
Não aceitei o
convite, pensava em fazer outra coisa.
Fui olhar umas
terras em volta de Salvador, rica pelo chão negro. Dei de cara com o que me queriam vender era
uma coisa falsa, ali era um terreiro de Candomblé, muito antigo, mais antigo
que os que se falavam na atualidade.
Quando pisei o
portão, parei, fiquei quieto, escutando as vozes todas em minha cabeça,
lamentos dos escravos, pedi licença fui entrando, saiu um velho, sem idade
definida, veio até chegar bem perto, vi que não via bem, devia estar quase
cego.
Finalmente vieste
tomar meu lugar.
Fiquei olhando
para ele sem saber a que se referia.
Talvez ali,
estivesse tudo preservado como era antigamente, pois estava já quase na fronteira
com outros municípios, era como se fosse terra de ninguém.
Me pegou pela
mão, era como segurar em brasas, venha, me acompanhe.
Você, devia estar
morto, mas o amor de teu amigo por ti te salvou, mas agora tens uma sina,
viveras muito, superara várias mortes, seguira aqui muito tempo.
Nos sentamos em
uns banquinhos de madeira, como eu tinha visto na África, era quase como estar
sentado no chão.
Veio correndo um
menino, negro como um tição, o abraçou, beijou suas mãos, esse será teu futuro
meu filho.
Foram chegando
gente de todos os lugares, me sentia como se estivesse em alguma aldeia
africana.
Raros dos meus
filhos vão embora daqui, preferem ficar aqui, plantando cuidado da mata, do que
ir para a cidade grande, os que vão, voltam cheios de vícios, de coisas más no
coração, eu os curo, mas não adianta o veneno da cidade grande já chegou ao
fundo de suas almas.
Não via nada ali
que se parecesse um terreiro de Candomblé, como eu os conhecia.
Ele fez um sinal
para um homem grande, o leve para ver a floresta.
Poderia ter dito,
o leve para a floresta, de cabo dele.
Segui o homem
como um cordeiro, ele foi falando, meu pai é muito sábio, disse que virias, que
te encantaria o que temos aqui.
Entramos na
floresta, o que se via de longe era como uma ilusão ótica, pois em seguida que
se passava a um bloco de árvores, se estava numa aldeia como as que tinha visto
na África, depois uma plantação de cacau.
Comecei a olhar, ele me disse, seguimos aqui, o que você escreveu, bem
como seu amigo, limpamos tudo, agora produzimos um cacau melhor, mas é como ter
uma plantação invisível, pois aqui ninguém sabe que existe esse cacau.
Não queremos que
venham as grandes empresas, precisamos que o senhor compre esses documentos que
o homem que o procurou tem, ele é o real proprietário, mas qualquer um que
chegue aqui, nos expulsará, ficaremos todos na miséria.
Entendi,
finalmente, o que me queria vender as terras, era um filho de coronel, como se
tinha antigamente, vivia numa bela casa em Salvador, mas seu dinheiro acabava,
precisava vender essas terras para seguir sua vida de vagabundo rico.
Mais além,
seguindo o homem, finalmente dei com um claro, aonde estava uma imensa árvore,
que era a única que já não produzia nada, era como se estivesse ali a mil anos,
seu troco era imenso, era como se tivesse crescido ao contrário, demorei para
entender que era um Baobá, achei estranho, nunca tinha visto uma dessas no
brasil.
Perguntei ao
homem como ele se chamava, pois se dirigia a mim pelo meu nome, mas eu não
sabia o seu.
Riu, quando digo
as pessoas ficam rindo, Macário Sete Vidas, assim estou registrado.
Realmente era
algo diferente.
Por que vocês não
conseguiram o usucapião destas terras?
Porque quando
entramos na justiça esse filho da puta, vem morar nas cabanas da entrada, ai
não tem jeito.
Ele sabe do
cacau?
Não senhor, nunca
tiramos a produção pela frente.
Chegamos a um
barraco imenso, me fez entrar, lá estava o velho da entrada sentado num trono.
Me fez levar até
ele, duas mulheres vestidas de branco se aproximaram, o pai mandou o senhor
tomar um banho de limpeza antes, venha.
Eu as segui como
tinha feito até agora, não sabia se por curiosidade, ou pela sensação de paz
que sentia.
Me ajudaram tirar
a roupa, me deram o banho com ervas, mas senti um cheiro especial, lhe
perguntei que era, ela disse que eram uma mistura de canela com cacau que
faziam.
Me senti super
bem, parecia que a tormenta que tinha dentro do meu peito, desde a morte do
Alcides, se transformavam em nuvens passageiras.
Me enrolaram num
pano, me levaram de novo para frente do homem.
No mesmo momento
devo ter incorporado algum espirito, tudo que sabia era que tinha um negro
imenso ao meu lado, só com um taparabos, foi me levando por um túnel imenso,
levava uma tocha na mão que ia iluminando o caminho.
Foi como
retroceder no tempo, fui vendo as muitas vidas que tinha tido, que ele sempre
esteve comigo, até chegarmos a sermos capturados em África, trazido como
escravos para salvador.
Entendi, isso era
com um reduto de descendentes diretos de escravos, a semente que tinha brotado
o Baobá, era uma que eu trazia no pescoço.
Num dia de
batalha com os senhores das terras, a tirei do pescoço, como sabia que ia
morrer, a enterrei, com ela nasceu essa árvore imensa.
Voltei a mim
tonto.
Entendeste meu
filho, porque esperávamos por ti.
Vais mudar nossa
vida.
Me trouxeram
água, no Iroco, é tão grande, porque estão todos os espíritos de nossos
antepassados.
Me explicou, que
eu devia comprar as terras, veja bem esse homem está num apuro muito grande,
deve muito dinheiro, se você regateia um pouco, poderá comprar por um preço
irrisório, ele nem sabe o que tem aqui.
Isso farei meu
pai, faz muito tempo que não tenho essa paz comigo, mas ele continuou, a falar
por mim.
A morte de teu
amigo, te afetou mais do que querias, essa gente não se preocupe, está perdendo
tudo o que tem, o que teu avô construiu, eles destruíram. Os tempos modernos avançam, isso precisamos
aqui, que as crianças tenham futuro, que não vivam escondidas, tampouco depois
tenham que ir para Salvador.
Serás o guia
desse gente.
O senhor acha que
conseguirei isso?
Sim já fizeste
isso com esse de Ilhéus, agora cuidam da terra com amor, carinho, produzem um
bom cacau.
Se ensinas os
daqui, poderão ir em frente, chegar ao novo século.
Concordei,
procuraria fazer, mas queria que me orientasse, colocou a mão direita em minha
cabeça, fui vendo tudo que ia acontecer.
Dito e feito,
voltei a Salvador, minha tia disse que eu estava diferente, sorri triste para
ela.
No dia seguinte
fui visitar o homem, num casarão daqueles da época da escravidão, em que as terras
ali em volta, deviam ser todas de sua propriedade, mas que tinham ido vendendo
para seguir levando a vida de senhores.
Estava jogado
numa rede, com uma negra balançando a mesma, parecia um desenho de Debret,
pensei comigo, esse homem vive fora de uma realidade.
Me sentei no muro
da varanda, disse que estava interessado, quando ele me disse o preço, comecei
a rir, fica no cu do judas, teria que mandar fazer uma estrada, aquilo é mato
puro, teria que derrubar tudo para plantar, esse preço é muito caro, melhor o
senhor procurar alguém que tenha mais dinheiro.
Ele foi se
sentando lentamente na rede, tinha os olhos muito abertos, olhava atrás de mim,
esse homem que o acompanha, quem é?
Eu vi o mesmo
homem que tinha me levado pelo túnel.
Um amigo meu, meu
conselheiro, pois agora não estava de taparabos, mas sim com um terno de linho
branco.
Ah, pensei que
era um espirito, pois cada vez que vou até lá, esses espíritos me acompanham me
assustando.
Tudo bem, fazemos
negócio.
Lhe pedi os
documentos pois precisava levar ao meu advogado para saber se eram autênticos.
Claro que sim,
estão em minha família, desde que isso era uma capitania geral.
Fez uma sinal
para a mulher, que foi correndo, voltou com um envelope, como ele já tinha me
mostrado antes.
Queres um deposito
de dinheiro, ou posso simplesmente levar.
Enquanto isso não
tiver minha assinatura como último herdeiro dessa merda, não vale nada.
O levei para meu
advogado, ele riu, dizendo que nunca tinha visto papeis tão velhos, que iria
examinar, ia nos registro de terras na parte da tarde, que no dia seguinte, me
daria a resposta se eram autênticos ou não.
Fui para casa,
olhei para trás o homem continuava atrás de mim, lhe perguntei seu nome
mentalmente.
Exu Bara, meu
senhor.
Quando cheguei em
casa, minha tia, estava jogada na sua poltrona cismando.
Estava pensando
em passar seus negócios para sua sócia na história, porque hoje uma das suas
irmãs, que estavam com os maridos todos presos, tinha vindo lhe pedir dinheiro.
Acham que sou
milionária, o pior é que não reconhecem a culpa delas terem incentivado os
maridos a te matar. Queriam saber
aonde andavas, eu disse que na África, com nossos antepassados, riram dizendo
que nada disso era verdade, eram brancas.
Quem é esse
senhor que esta contigo, virei para trás lhe perguntei se todo mundo o via, me
disse que não só as pessoas que ele queria.
É um Exu Bara
minha tia, me protege.
Não me falaste
nada ainda dessas terras que te ofereceram?
Amanhã saberei se
esses papeis valem o que pedem por eles, se for assim, mudarei minha vida outra
vez.
Ela riu, você
nunca vai descansar não é verdade?
Nisso rimos
porque o Exu, entrava numa escultura que eu tinha trazido a África, que me
tinha apaixonado, quando a vi.
Não queria falar
do lugar, queria leva-la até lá.
No dia seguinte o
advogado me chamou logo de manhã, os do registro civil, disseram que esses
papeis claro que valem, mas que nunca tinham visto nada parecido assim, que
deviam estar num museu.
É como se estas
terras não pertencem-se ao estado, mas sim são como terras livres de tudo.
Vão preparar
papeis novos, assim poderás fazer negócio.
Eles mesmo vão preparar tudo, reconhecer o documento em cartório de
registo tudo isso, hoje à tarde fecharemos negócio.
Foi o que fez,
pagou uma parte em dinheiro que tinha guardado, que era a parte do Alcides no
negócio, a outra seria por banco.
Imaginava que o
sujeito conseguiria viver um bom tempo como gostava.
Quando foram de
tarde falar com ele, ele queria os papeis velhos, o Exu disse que não, que era
dele. O homem assinou junto com seu
advogado os papeis novos, bem como os velhos, lhe perguntou se queria aquela
casa, pois ele pensavam ir embora de salvador.
Tinha parentes no
interior, pensava ir para lá, assim pelo menos seria respeitado.
Não preciso de
casa aqui em Salvador, tenho a minha.
Depois de tudo
registrado no cartório, pagou o homem com uma parte em dinheiro, além de um
cheque correspondente de sua parte, os olhos dele, pareciam saltar em orbita.
Finalmente
consegui me livrar dessas terras, devem ser amaldiçoadas, pois todo mundo que
ia lá olhar, voltava correndo, me dizia que nem pensar, que nem de graça
queriam aquele lugar, que lhes dava medo.
No dia seguinte
com os papeis velhos, obriguei a minha tia sair de casa, vais conhecer o lugar
que vamos viver.
Quando chegamos
lá, ela fez como eu, ficou parada no portão, até que o velho apareceu, com o
Macário do lado.
Seja bem vindo
meu filho, minha filha Neide, pode entrar em sua casa, mas claro o que ela via
era uns casebres, caindo aos pedaços, com uma floresta por detrás.
Eu a peguei pelo
braço, venha conhecer nossas novas casas.
Quando
atravessamos a barreira, ela ficou deslumbrada, ria com as crianças em volta
dela, que lugar magico é esse.
Ai lhe contei a
história, eles se preservaram durante muitos anos, os que vão para Salvador, os
orixás querem que ensinemos eles a se cuidarem, para irem em frente, chegarem
ao século XXI.
Ela riu, vamos
ter muito trabalho.
Entreguei ao pai,
os documentos velhos, venha me disse ele, parecia entrar na árvore, mas era
como se no tronco houvesse uma abertura, que as próprias ramas escondiam.
Ali era como um
arquivo secreto, fomos recuperando todos os documentos de propriedade desse
lugar, tudo que corresponde a essas crianças para o futuro.
Do outro lado,
existia uma casa de madeira, antiga mais limpa, essa agora é a tua casa, de sua
tia. Era como um jardim muito bonito,
exótico, com uma passarela de palmeiras, ele foi nos levando até lá, era como
uma casa grande preservada no meio da mata.
Aqui viveu o que
foi o último grande Babalaô, que foi o melhor de todos, o que avisou da tua
vinda, preservamos a casa para ti.
Parecia encantada, pois dava gosto estar nela.
Logo uma mulher
se aproximou com um garoto nos braços, pediu que eu o olhasse, minha tia ficou
de boca aberta quando incorporei o exu, ele sabia que eu via o que estava
fazendo, rezou a criança, pediu ao menino de outro dia, que trouxesse, umas
quantas ervas, as triturou até vivarem uma pasta, fez como um unguento, que
passou pelo peito da criança.
Essa agora será
tua vida, me disse depois o velho, cuidar dessa gente, eu já estou muito
cansado, a magia, que tenho está gasta, precisam de uma magia nova.
Fui ficando,
minha tia foi com o Macário, fechar o apartamento de Salvador, ao mesmo tempo
pedi que trouxesse a imagem do exu.
Passei a viver
ali, ela organizou uma escola para os garotos todos, comecei a ensinar
realmente os homens a cuidar das arvores de cacau, elas como se tivessem tido
um arranque cresceram mais, descobri um riacho, fiz um sistema de irrigação,
destinei uma outra área para plantar milho, as margem do mesmo plantamos arroz,
O Macário me
levou seguindo o riacho, tudo isso é teu, foi dizendo, saímos numa clareira,
que não se via pois era mata pura, ali estava o mar. Tirei a roupa, deu um
mergulho agradecendo o povo do mar.
O duro foi
conseguir melhorar a estrada para escoar o cacau, mas nunca dizíamos aonde era
a plantação. O que nos comprava, ficava
encantado, pois diziam que esses eram diferentes, pareciam os que compravam na
Africa, ensinei a plantarem muda, para irmos plantando no meio da floresta,
como tinha visto em África, mas mantendo sempre a terra em volta limpa, era o
que dava mais trabalho.
Minha tia,
conseguiu uma professora, para os meninos, com o dinheiro que tinha montou uma
escola ali. A levava sempre para tomar
um banho de mar, ficava encantada, agora tinha um dia que ia com as mulheres
todas, nenhum homem podia se aproximar.
Se escutava sim muita música, cantos para as orixás mulheres, a quem
veneravam.
Eu dividia meu
tempo entre cuidar dos meus, da plantação, em breve produzíamos mais do que
antes, agora o bom era, ensinei o Macário a selecionar os melhores graus, para
replantamos as árvores cansadas.
Abríamos caminhos
na floresta, plantando no meio delas.
Basicamente nos
valíamos, as hortas comunitárias, feita pelas mulheres, a nossa colheita do
arroz era boa, limpamos uma área aonde estavam as velhas cabanas, já não era
necessário nos esconder, pois a terra nos pertenciam. Plantamos mandioca, diversificamos com abobora,
outras coisas.
Segundo minha
tia, as crianças eram inteligentes, ela que tinha ido a muitos terreiros de
candomblé, dizia que ali nada era assim.
Todos na verdade veneravam o imenso Baobá, mas nada de matanças, ou
coisa assim, quando alguém precisava, o exu incorporava, atendia as pessoas.
Pela primeira vez
na minha vida me sentia feliz. Quando
minha tia levou para a amiga as primeiras coisas feita com nosso cacau, essa
ficou deslumbrada, mas minha tia não lhe contou nada, o segredo era nossa maior
arma.
Com todo o
dinheiro ganho nas duas primeiras colheitas, melhoramos a vida de todo mundo,
comprei um caminhão de segunda mão, desenhei uma marca, que que todo mundo
perguntava o que era, eu dizia que era um tributo a nossas raízes africanas.
Os fabricantes
ficavam loucos com nosso cacau, da última vez que fui com o Macário levar a
colheita, na segunda entrega, seu representante no Brasil estava ali, ele tinha
comprado as terras de Ilhéus, me perguntou se queria vender essas também, só
lhe respondi que por enquanto não.
Depois para
verificar se não no seguiam, paramos para tomar alguma coisa, contei para o
Macário o que tinha visto nas terras que tinham em Africa, é como voltar no
tempo da escravidão, o pessoal ganha o mínimo, não quero isso para minha gente.
Ele ria quando eu
dizia minha gente. Um dia me disse que
eu estava ficando mais escuro.
Era verdade,
talvez fosse de tanta praia.
Nunca deixamos
ninguém ir até nossas plantações para ver aonde eram, abri um novo caminho na
floresta, plantando lado a lado canela e cacau, assim através da terras se
misturavam os sabores. Quando fizemos a
colheita, tirei uma parte para minha tia e suas mulheres, o resto, levamos em
separado. Quando sentiram o cheiro da canela,
queriam saber como tinha feito, lhe disse que isso era uma coisa ancestral.
Mas que sem
duvida esse cacau, custava o dobro, ele começou a regatear, Macário depois me
dizia, que ele venderia por qualquer preço, que aquele homem o deixava
zonzo.
Isso Macário é o
trabalho dele, te fazer pensar que esta pagando um preço justo, pois ele vai
levar esse cacau ao chefe dele dizendo que fez uma grande descoberta, revendera
pelo dobro do preço, lhe contei como fazia, os intermediários, fazem isso, te
fazem sentir, que eres tu que os esta explorando, mas por dentro estão rindo de
ti, pois estão te enganando.
Consegui com um
importador, mais mudas de canela, plantamos, em fila na divisão da terra por
aonde se entrava antigamente, assim despistaríamos, não poderiam seguir nos.
Atendia quando
aparecia alguém, numa casa que construiu logo a entrada, assim a pessoa não
tinha que ir até o interior.
Sua função era
sempre de curar, nada mais, para o resto estavam os terreiros de candomblé, que
eram muitos em Salvador.
Sentia-se em
casa, era como se todos fossem uma grande família. Agora raros eram os jovens que iam para
Salvador tentar a vida, os que iam estavam preparados.
Alguns já tinha
feito universidade, para orgulho de sua tia.
Nesse momento,
ela estava com 94 anos, lucida, controlando a produção de seus produtos, eram
muito requisitados.
Ele seguia indo
com Macário, vender o que produziam, agora vendiam também canela, as pessoas
nunca entendiam, tinham também uma produção boa de chocolate com pimenta
vermelha que eles mesmos plantava, eram sempre autossuficientes em toda sua
produção.
Quando alguém
perguntava quem seriam seus herdeiros, ele sorria, eram todos de sua família.
Já tinha deixado
os papeis, prontos, sobre sua herança, mas pelo que se dizia, se fosse como o
avô e sua tia, viveria muitos anos.
Sua afinidade com
Macário era excelente, era o mais próximo que poderia pedir de um romance, mas
com respeito, cada um vivia à sua maneira.
No hay comentarios:
Publicar un comentario