lunes, 4 de abril de 2022

BAIANO

 

                                                  BAIANO

 

Sou Marco Capibiribe Alcântara, nasci em São Paulo, mas fui criado em Salvador, com muito orgulho de ser baiano.   Dizem que falo assim pois pareço um soteropolitano.  

Não me importo, meu pai na verdade é baiano, minha finada mãe também era, só voltei para cá, pois ela morreu num acidente de carro, tempos depois ele se juntou um uma paulistana, que não gostava de criança, ele me mandou para viver com minha tia.

Hoje dou graças a Deus, mas quando era pequeno não entendia.

A família da minha mãe, é imensa, o velho teve muitos filhos dentro, fora do casamento, mas sempre reconhecia todos.

Ele tinha negócios em todo interior, cada cidade tinha uma loja dele, vendiam de tudo um pouco, os antigos armazém de secos e molhados, uma coisa portuguesa.

Casava suas filhas com ajudantes, as ensinava primeiro a trabalhar, para controlar os maridos, que esse não lhe roubassem.

Minha tia foi a única, que disse não, foi para Salvador, estudou como uma louca, hoje é professora da Universidade.

Nunca se casou, nem queria ninguém que lhe cortasse a liberdade que tinha conseguido, sei que pagarei por isso quando for velha, mas me importa uma merda.

Me acolheu em sua casa, um belo apartamento perto do Farol da Barra, quando vi o mar, me apaixonei, nunca mais pude pensar em outra vida, em que não tivesse o mar por perto.

Era conhecida como Doutora Neide Capibiribe, mas dizia logo, que a chamassem de Neide.

Era sempre convidada para simpósios, congressos pelo mundo inteiro, era uma sumidade em se tratando de misturas de raças, de negritude.

Era amiga de todos os pais de santo de Salvador, se perguntassem se era do Santo, ria, dizendo que não, não me quiseram, sou Católica, Apostólica Romana, mas não colocava o pé numa igreja nem a porrete.  Quando muito se tinha algum amigo de fora, ia a lavagem do Bonfim, nada mais, em casa nenhum santo, mas muitas coisas Africanas, mascaras, esculturas, tudo que lhe davam de presente quando ia pelos países Africanos.

Quando algum irmão, reclamava dizendo esse seu interesse no assunto, iam pensar que éramos descendentes de africanos, ela ria muito alto dizendo que tínhamos um pé na cozinha sim senhor.

Me dizia ficam querendo passar por brancos, não pegam sol, nada de praia, para ficarem pensando que são brancos, olha teu avô, com o cabelo crespo que tem, ele mesmo diz que sua avô tinha sido escrava, que seu pai, era filho dela com o coronel.

Adorava sua filha, pois era a única como ele, não tinha papas na língua, falava o que pensava o mundo que se fudesse.

Quando cheguei a sua casa, pela mão do meu pai, chorei porque sabia que ia embora, mas ele me disse que estava em boas mãos, como viajava muito, não tinha como cuidar ele só de um filho pequeno.

Ela ao contrário, tinha um filho sem fazer esforço.

Primeiro me traçou as regras da casa, nada de coisas fora do lugar, imagina isso para um garoto de cinco anos de idade, no mesmo dia saímos para arrumar uma escola para mim, me perguntou se eu sabia ler, escrever.   Lhe disse que tinha aprendido com a televisão. Pois me deixavam basicamente o dia inteiro na frente de uma.

Me mostrou dois colégios, ficamos observando de longe, eu tinha que escolher, assim seria minha vida, ela jamais interferia, eu tinha que escolher, saber o que queria da vida.

Olhei para um, que era de gente rica, o outro me parecia mais divertido, com gente de todas as cores possíveis, esse era público.   Bom, se não gostas da experiencia, mudamos de escola, pois errar faz parte da vida.

Não me enganei, adorava minha escola, logo fiz amigos, alguns para toda a vida.

Uma vez por ano, íamos a Ilhéus, aonde vivia meu avô, com as filhas que tinha ficado solteironas, reclamava delas, imagina vão todos os dias a missa, para rezar para ver se casam, não se olham no espelho.

Realmente eram feias, quando eu chegava, o velho que era magro, alto, sempre de terno de linho, gravata, me levantava no ar, me dava mil beijos, dizia que suas filhas tinham alguma coisa errada, pois só faziam filhas.   Eu era seu único neto.

Em seguida saia comigo, para tomar algo com seus amigos, ia falando sem parar, com um sotaque muito carregado, dizendo olha como esse sem vergonha cresceu desde a última vez, ria muito, pagava uma rodada aos amigos em honra de seu neto, me fazia sentar ao lado dele, com alguns começava a falar do preço do cacau, pois além de seu negócio, tinha uma plantação de cacau, eu adorava ir até lá com ele, adorava o cheiro da terra, dos frutos recém abertos, lhe perguntava quando viravam bombons.

Uma parte da produção ele entregava para uma cooperativa, outra mandava para uma fábrica em Vitória no Espirito Santo.

Me dizia ao ouvido, espero que tu estudes, para aprender a elaborar tu mesmo nosso chocolate.

Eu ria, me imaginando na cozinha de sua casa, que ainda se usava fogão a lenha, preparando chocolate.

De tarde se sentava com minha tia, que desde logo era sua preferida, ela lhe contava como eu tinha ido na escola durante o ano, passávamos o natal ali, no ano novo íamos a praia, para ver a saída de barcos para saudar Iemanjá, isso ele não perdia, ele dizia a suas filhas solteironas, vou fazer uma oferenda, para ver se algum jagunço as vem para levar para aonde Judas perdeu as botas, assim me livro delas, isso as gargalhadas, elas ficavam se benzendo, dizendo “Deus nos Livre”, mas no fundo bem que queiram.

Uma delas, um dia desapareceu realmente com um jagunço.   Nesse ano ele dizia que faltavam duas, que Iemanjá, tinha que lhe ajudar.

No dia 3 de janeiro íamos para Salvador.  Quando ele ficou sozinho na casa, minha tia o trouxe para Salvador, de lá ela dirigia a empresa do velho, os cunhados diziam que ela era pior que ele, pois exigia as contas limpas.

Eu começava a sair de noite, ele me dizia, aproveite a vida meu filho, é curta, quando pensamos que estamos em cima da onda, na verdade já estamos embaixo.  Aproveite, saia com teus amigos, divirta-se, sempre me colocava um dinheiro na mão.

Mal sabia que eu tinha um namorado na verdade, quando chegava o verão a maioria dos amigos arrumavam algum turista, eu só não gostava de carnaval, trio Elétricos, essas coisas, aglomeração de gente, suada, fedendo, isso eu era diferente dos outros, o que era meu namorado desaparecia, um dia o vi de beijos, abraços com um gringo, o mandei catar coquinhos.

Na verdade como dizia minha tinha eu era demasiado Paulista para Salvador, era muito sério, levava tudo como deve ser.   Nunca gostei de preguiça.

Meu avô achava que eu estava certo, se tivesse preguiça não teria levantado os negócios que tenho. Por culpa dele, comecei a ler tudo referente ao cacau, queria saber antes mesmo de entra na universidade as possibilidades, como se devia plantar, colher, usar essa produção. Vi que a maioria das empresas hoje começava a ter sua própria plantação, seja na Africa, ou outro lugar.

Um dia lendo um artigo muito interessante, pedi licença para ele, para experimentar o que diziam no artigo, em um pedaço de terra, para ele voltar até o lugar que adorava, foi ótimo, inspirava o ar, dizia que isso sim era viver.

Chamou seu capataz, lhe disse o que eu queria, analisei a terra como dizia o artigo, escolhi só um pedaço de terra para isso, limpamos tudo, normalmente deixavam tudo, as folhas se acumulando, para servir de adubo.

Fiz tudo ao contrário, as antigas maneiras de cuidar das árvores, limpamos tudo, podamos as que precisavam disso, quando chegou a época de saírem frutos, para susto do pessoal, saíram maiores do que normal, quando chegou a época da colheita, o pessoal dizia que era mais fácil de colher, de abrir, como se fruto estivesse esperando.  Quando mandei essas amostras para uma fábrica moderna, essa logo se interessou.  Para o ano seguinte, limpamos tudo, fizemos da mesma maneira, fiz um contato com a pessoa que tinha escrito o artigo, o convidei para vir nos explicar.

Pensava que chegaria uma homem branco, tipo um especialistas, nada era um mulato, jovem, disse que tinha feito isso para um proprietário, ele tinha estudado agronomia, fora do Brasil, estivemos analisando a terra mais profundamente, primeiro a cada quinhentos metros, extraímos terra para analisar, ele tinha trazido um mini laboratório, fomos nos adequando conforme as terras, ficou contente em dizer, que 80 por cento das terras eram de primeira qualidade.   Meu avô acompanhava isso tudo com extrema curiosidade, nos autorizou a fazer o que queríamos.   Seus filhos e filhas, não gostaram muito, mas era tarde ele tinha feito uma coisa que ninguém sabia, tinha passado as terras para meu nome.

Agora é tudo por tua conta, o dinheiro que ganhamos, com a colheita do que eu tinha feito, colocou no meu nome no banco.

Convidei o Alcides Silva para ficar, lhe disse que pensava eu mesmo usar o produto, começamos a procurar uma maquina de tostar para os grãos, como era o processo de fazer um chocolate artesanal, o primeiro cobaia era o velho, ria muito dizia, sempre imaginei isso, poder provar meu próprio chocolate, já posso morrer, me beijava dizendo esse meu neto.

Fizemos acompanhando as tendencias da Europa, para saber como ficava, minha tia levou para a universidade, para fazer provas, entregava aos professores, pedia que escrevesse o que gostavam, também o que não gostavam.

As críticas eram boas, começamos a preparar vários tipos, fizemos uma embalagem simples, as mulheres de Ilhéus adoraram a novidade, mal sabia que estavam sendo nossas cobaias.

Esse ano quando procurados pela fábrica, sobrava pouco para vender.

Mas com o dinheiro, compramos de um herdeiro que não queria nada disso, as sua terra, mas antes pedimos para analisar a mesma, era da boa, esse sujeito não sabe o que esta fazendo, fizemos a mesma coisa, limpar tudo, preparar para a próxima colheita, não seriam iguais, mas essas venderíamos para a fábrica, o capataz sabia que não devia misturar as duas colheitas.

A casa que pertencia a essa plantação, a reformamos, para fazer ali a fábrica, contratamos mais mulheres para trabalhar.

Minha tia que se aposentava, arrumou uma lojinha ali perto do farol da Barra, começou a vender com uma amiga, o que produzíamos.  Os vizinhos todos apareceram para aprender.

Contratamos em São Paulo uma jovem que tinha ideias fantásticas com o chocolate, a produção aumentou, meu velho dizia que eu realizava o sonho dele, sempre pensei nisso porque não produzir aqui.

Na surdina, ele foi comprando mais terra por ali, já em meu nome, quando me dei conta, lhe disse, avô eu não posso com tanto material.

Os meus tios e tias, achavam que eu estava roubando seu herança.  Mas o velho foi esperto, dividiu em vida, toda sua fortuna, para ninguém botar defeito, mas mesmo assim ele dizia, quando souberem o que fazes, sempre ficaram com inveja, portanto muito cuidado, as terras novas estavam todas no meu nome desde o princípio, algumas em nome dos dois, minha e do Alcides. Muita gente pensava que tínhamos alguma coisa a mais, mas eu tinha encontrado uma pessoa em quem confiar, além de ser meu amigo.

Começamos a ensinar os outros a cuidarem de suas terras, a prepararem um bom cacau, mas alguns claro a terra era pobre, não entendiam isso, que nem toda a terra é rica em minerais, esse preferiam o método antigo.

Alcides como era, começou a estudar como enriquecer essas terras, sem tirar as árvores.

Fizemos a experiencia, num troço de terra que tinha o mesmo problema que essas dos vizinhos, os convidamos para acompanhar o desenvolvimento.  

Mas como dizia Alcides, a maioria reclamava que dava trabalho.  Isso não é só um mal do baiano, mas do brasileiro, querem tudo sem muito trabalho.

Os que acompanharam, ao mesmo tempo, prepararam uma parte de suas terras dessa maneira, ficaram encantados, pois produziam mais e melhor.

Seus produtos valiam mais no mercado.   Os que tiveram preguiça falavam mal do que fazíamos, romper a tradição de tantos anos.

Com tradição ou sem tradição, mal dávamos abasto para as lojas que já tínhamos, não só em Salvador, como em Ilhéus, procuramos alguém para desenhar um logo, embalagens, meu avô sempre aplaudindo.   Quando ele fez 100 anos, disse que agora podia descansar, sonho realizado.     

Tive que enfrentar na justiça, com meus parentes, que queriam reclamar parte dos lucros, menos mal que tinha tudo no papel, ninguém podia reclamar.

Os dois, minha tia como eu, não tínhamos recebido nada da parte das lojas, do armazém, ela só tinha uma parte com suas irmãs solteiras, da casa de Ilhéus.

Se quiséssemos, podíamos simplesmente ficar só plantando e colhendo, pois as fabricas pareciam abelhas em cima da gente.

Queriam saber como tínhamos plantado, quantas tínhamos tirado para plantar outra vez, mas não acreditavam que eram as árvores velhas que estavam produzindo isso, devido ao tratamento da terra.

Meu pai depois de anos sem dar a cara apareceu, mas desconfiei logo, queria me pedir dinheiro emprestado, pois tinha a noção que agora eu estava rico.

Lhe perguntei por que, depois desses anos todos, eram quase 20 anos, ele aparecia, se nunca telefonava, ou mandava dinheiro para meu sustento.

Quando soltou que sua nova família era grande, não lhe sobrava tempo para essas pieguices fiquei furioso, pois não me sobra tempo, nem dinheiro para emprestar, eu dou um duro desgraçado, além de que sua proposta de negócio era um pouco utópica.

Quando falou com minha tia, ela foi pior, ele nunca chamava para saber de nada, nunca tinha ajudado, que queria agora, que déssemos beijos abraços, como se nada tivéssemos passado.

Finalmente foi embora, com as mãos abanando.

Mais um malandro para o Brasil aguentar.

O que me chateava, contei ao Alcides, era que sequer podia sentir nada por ele, pois nunca tinha convivido com ele ou sua família.  Se tornou um belo desconhecido para mim.

Ele me contou que com ele tinha passado isso, tinham feito cozação com ele quando resolveu estudar agronomia, agora pediam dinheiro para alguma loucura que lhes passava a cabeça.

Ao mesmo tempo consegui acabar a universidade de Agronomia, um sonho do velho, minha tese foi sobre as coisas que discutia com o Alcides.

Meus parentes cansados de discutirem na justiça, resolveram fazer valer a velha maneira dos jagunços, mandaram me matar.   Já que não conseguiam por bem, seria à velha maneira.

Quem saiu mal parado foi o Alcides, eu estava de costa quando apareceu o homem com um revolver nas minhas costas, ele me empurrou ao mesmo tempo que o homem atirava, foi ele quem levou o tiro.

Morreu no ato.  Consegui pegar o homem, saber qual dos parente o tinha mandado me matar, quando ele disse todos, o entreguei a justiça.

Enterrei o Alcides, ao ler seu testamento, tínhamos feito juntos, por nossos sonhos, ele era meu herdeiro, como eu dele.

Estava cansando disso tudo, falei com minha tia, tomei uma resolução drásticas.

As terras que davam um bom cacau, que usávamos, fizemos uma cooperativa, os empregados, eram donos também, assim iam trabalhar melhor, continuariam fazendo o que vinhamos fazendo para vender, as outras terras vendi a fábrica que nos comprava o cacau.

Assim os parentes não podiam reclamar nada, pois deixavam de existir.

Quanto ao convite, pedi para primeiro olhar o que queriam, me levaram a Africa, a vários países, quando vi o que faziam, era como quando comecei a trabalhar nas terras do meu avô, os coitados dos trabalhadores eram explorados por todos.  Viviam ainda na miséria, mesmo sendo eles que faziam um trabalho pesado.

Não aceitei o convite, pensava em fazer outra coisa.

Fui olhar umas terras em volta de Salvador, rica pelo chão negro.  Dei de cara com o que me queriam vender era uma coisa falsa, ali era um terreiro de Candomblé, muito antigo, mais antigo que os que se falavam na atualidade.

Quando pisei o portão, parei, fiquei quieto, escutando as vozes todas em minha cabeça, lamentos dos escravos, pedi licença fui entrando, saiu um velho, sem idade definida, veio até chegar bem perto, vi que não via bem, devia estar quase cego.

Finalmente vieste tomar meu lugar.

Fiquei olhando para ele sem saber a que se referia.

Talvez ali, estivesse tudo preservado como era antigamente, pois estava já quase na fronteira com outros municípios, era como se fosse terra de ninguém.

Me pegou pela mão, era como segurar em brasas, venha, me acompanhe.

Você, devia estar morto, mas o amor de teu amigo por ti te salvou, mas agora tens uma sina, viveras muito, superara várias mortes, seguira aqui muito tempo.

Nos sentamos em uns banquinhos de madeira, como eu tinha visto na África, era quase como estar sentado no chão.

Veio correndo um menino, negro como um tição, o abraçou, beijou suas mãos, esse será teu futuro meu filho.

Foram chegando gente de todos os lugares, me sentia como se estivesse em alguma aldeia africana.

Raros dos meus filhos vão embora daqui, preferem ficar aqui, plantando cuidado da mata, do que ir para a cidade grande, os que vão, voltam cheios de vícios, de coisas más no coração, eu os curo, mas não adianta o veneno da cidade grande já chegou ao fundo de suas almas.

Não via nada ali que se parecesse um terreiro de Candomblé, como eu os conhecia.

Ele fez um sinal para um homem grande, o leve para ver a floresta.

Poderia ter dito, o leve para a floresta, de cabo dele.

Segui o homem como um cordeiro, ele foi falando, meu pai é muito sábio, disse que virias, que te encantaria o que temos aqui.

Entramos na floresta, o que se via de longe era como uma ilusão ótica, pois em seguida que se passava a um bloco de árvores, se estava numa aldeia como as que tinha visto na África, depois uma plantação de cacau.   Comecei a olhar, ele me disse, seguimos aqui, o que você escreveu, bem como seu amigo, limpamos tudo, agora produzimos um cacau melhor, mas é como ter uma plantação invisível, pois aqui ninguém sabe que existe esse cacau.

Não queremos que venham as grandes empresas, precisamos que o senhor compre esses documentos que o homem que o procurou tem, ele é o real proprietário, mas qualquer um que chegue aqui, nos expulsará, ficaremos todos na miséria.

Entendi, finalmente, o que me queria vender as terras, era um filho de coronel, como se tinha antigamente, vivia numa bela casa em Salvador, mas seu dinheiro acabava, precisava vender essas terras para seguir sua vida de vagabundo rico.

Mais além, seguindo o homem, finalmente dei com um claro, aonde estava uma imensa árvore, que era a única que já não produzia nada, era como se estivesse ali a mil anos, seu troco era imenso, era como se tivesse crescido ao contrário, demorei para entender que era um Baobá, achei estranho, nunca tinha visto uma dessas no brasil.

Perguntei ao homem como ele se chamava, pois se dirigia a mim pelo meu nome, mas eu não sabia o seu.

Riu, quando digo as pessoas ficam rindo, Macário Sete Vidas, assim estou registrado.

Realmente era algo diferente.

Por que vocês não conseguiram o usucapião destas terras?

Porque quando entramos na justiça esse filho da puta, vem morar nas cabanas da entrada, ai não tem jeito.

Ele sabe do cacau?

Não senhor, nunca tiramos a produção pela frente.

Chegamos a um barraco imenso, me fez entrar, lá estava o velho da entrada sentado num trono.

Me fez levar até ele, duas mulheres vestidas de branco se aproximaram, o pai mandou o senhor tomar um banho de limpeza antes, venha.

Eu as segui como tinha feito até agora, não sabia se por curiosidade, ou pela sensação de paz que sentia.

Me ajudaram tirar a roupa, me deram o banho com ervas, mas senti um cheiro especial, lhe perguntei que era, ela disse que eram uma mistura de canela com cacau que faziam.

Me senti super bem, parecia que a tormenta que tinha dentro do meu peito, desde a morte do Alcides, se transformavam em nuvens passageiras.

Me enrolaram num pano, me levaram de novo para frente do homem.

No mesmo momento devo ter incorporado algum espirito, tudo que sabia era que tinha um negro imenso ao meu lado, só com um taparabos, foi me levando por um túnel imenso, levava uma tocha na mão que ia iluminando o caminho.

Foi como retroceder no tempo, fui vendo as muitas vidas que tinha tido, que ele sempre esteve comigo, até chegarmos a sermos capturados em África, trazido como escravos para salvador.

Entendi, isso era com um reduto de descendentes diretos de escravos, a semente que tinha brotado o Baobá, era uma que eu trazia no pescoço.

Num dia de batalha com os senhores das terras, a tirei do pescoço, como sabia que ia morrer, a enterrei, com ela nasceu essa árvore imensa.

Voltei a mim tonto.

Entendeste meu filho, porque esperávamos por ti.

Vais mudar nossa vida.

Me trouxeram água, no Iroco, é tão grande, porque estão todos os espíritos de nossos antepassados.

Me explicou, que eu devia comprar as terras, veja bem esse homem está num apuro muito grande, deve muito dinheiro, se você regateia um pouco, poderá comprar por um preço irrisório, ele nem sabe o que tem aqui.

Isso farei meu pai, faz muito tempo que não tenho essa paz comigo, mas ele continuou, a falar por mim.

A morte de teu amigo, te afetou mais do que querias, essa gente não se preocupe, está perdendo tudo o que tem, o que teu avô construiu, eles destruíram.  Os tempos modernos avançam, isso precisamos aqui, que as crianças tenham futuro, que não vivam escondidas, tampouco depois tenham que ir para Salvador.

Serás o guia desse gente.

O senhor acha que conseguirei isso?

Sim já fizeste isso com esse de Ilhéus, agora cuidam da terra com amor, carinho, produzem um bom cacau.

Se ensinas os daqui, poderão ir em frente, chegar ao novo século.

Concordei, procuraria fazer, mas queria que me orientasse, colocou a mão direita em minha cabeça, fui vendo tudo que ia acontecer.

Dito e feito, voltei a Salvador, minha tia disse que eu estava diferente, sorri triste para ela.

No dia seguinte fui visitar o homem, num casarão daqueles da época da escravidão, em que as terras ali em volta, deviam ser todas de sua propriedade, mas que tinham ido vendendo para seguir levando a vida de senhores.

Estava jogado numa rede, com uma negra balançando a mesma, parecia um desenho de Debret, pensei comigo, esse homem vive fora de uma realidade.

Me sentei no muro da varanda, disse que estava interessado, quando ele me disse o preço, comecei a rir, fica no cu do judas, teria que mandar fazer uma estrada, aquilo é mato puro, teria que derrubar tudo para plantar, esse preço é muito caro, melhor o senhor procurar alguém que tenha mais dinheiro. 

Ele foi se sentando lentamente na rede, tinha os olhos muito abertos, olhava atrás de mim, esse homem que o acompanha, quem é?

Eu vi o mesmo homem que tinha me levado pelo túnel.

Um amigo meu, meu conselheiro, pois agora não estava de taparabos, mas sim com um terno de linho branco.

Ah, pensei que era um espirito, pois cada vez que vou até lá, esses espíritos me acompanham me assustando.

Tudo bem, fazemos negócio.

Lhe pedi os documentos pois precisava levar ao meu advogado para saber se eram autênticos.

Claro que sim, estão em minha família, desde que isso era uma capitania geral.

Fez uma sinal para a mulher, que foi correndo, voltou com um envelope, como ele já tinha me mostrado antes.

Queres um deposito de dinheiro, ou posso simplesmente levar.

Enquanto isso não tiver minha assinatura como último herdeiro dessa merda, não vale nada.

O levei para meu advogado, ele riu, dizendo que nunca tinha visto papeis tão velhos, que iria examinar, ia nos registro de terras na parte da tarde, que no dia seguinte, me daria a resposta se eram autênticos ou não.

Fui para casa, olhei para trás o homem continuava atrás de mim, lhe perguntei seu nome mentalmente.

Exu Bara, meu senhor.

Quando cheguei em casa, minha tia, estava jogada na sua poltrona cismando.

Estava pensando em passar seus negócios para sua sócia na história, porque hoje uma das suas irmãs, que estavam com os maridos todos presos, tinha vindo lhe pedir dinheiro.

Acham que sou milionária, o pior é que não reconhecem a culpa delas terem incentivado os maridos a te matar.    Queriam saber aonde andavas, eu disse que na África, com nossos antepassados, riram dizendo que nada disso era verdade, eram brancas.

Quem é esse senhor que esta contigo, virei para trás lhe perguntei se todo mundo o via, me disse que não só as pessoas que ele queria.

É um Exu Bara minha tia, me protege.

Não me falaste nada ainda dessas terras que te ofereceram?

Amanhã saberei se esses papeis valem o que pedem por eles, se for assim, mudarei minha vida outra vez.

Ela riu, você nunca vai descansar não é verdade?

Nisso rimos porque o Exu, entrava numa escultura que eu tinha trazido a África, que me tinha apaixonado, quando a vi.

Não queria falar do lugar, queria leva-la até lá.

No dia seguinte o advogado me chamou logo de manhã, os do registro civil, disseram que esses papeis claro que valem, mas que nunca tinham visto nada parecido assim, que deviam estar num museu.

É como se estas terras não pertencem-se ao estado, mas sim são como terras livres de tudo.

Vão preparar papeis novos, assim poderás fazer negócio.  Eles mesmo vão preparar tudo, reconhecer o documento em cartório de registo tudo isso, hoje à tarde fecharemos negócio.

Foi o que fez, pagou uma parte em dinheiro que tinha guardado, que era a parte do Alcides no negócio, a outra seria por banco.

Imaginava que o sujeito conseguiria viver um bom tempo como gostava.

Quando foram de tarde falar com ele, ele queria os papeis velhos, o Exu disse que não, que era dele.   O homem assinou junto com seu advogado os papeis novos, bem como os velhos, lhe perguntou se queria aquela casa, pois ele pensavam ir embora de salvador.

Tinha parentes no interior, pensava ir para lá, assim pelo menos seria respeitado.

Não preciso de casa aqui em Salvador, tenho a minha.

Depois de tudo registrado no cartório, pagou o homem com uma parte em dinheiro, além de um cheque correspondente de sua parte, os olhos dele, pareciam saltar em orbita.

Finalmente consegui me livrar dessas terras, devem ser amaldiçoadas, pois todo mundo que ia lá olhar, voltava correndo, me dizia que nem pensar, que nem de graça queriam aquele lugar, que lhes dava medo.

No dia seguinte com os papeis velhos, obriguei a minha tia sair de casa, vais conhecer o lugar que vamos viver.

Quando chegamos lá, ela fez como eu, ficou parada no portão, até que o velho apareceu, com o Macário do lado.

Seja bem vindo meu filho, minha filha Neide, pode entrar em sua casa, mas claro o que ela via era uns casebres, caindo aos pedaços, com uma floresta por detrás.

Eu a peguei pelo braço, venha conhecer nossas novas casas.

Quando atravessamos a barreira, ela ficou deslumbrada, ria com as crianças em volta dela, que lugar magico é esse.

Ai lhe contei a história, eles se preservaram durante muitos anos, os que vão para Salvador, os orixás querem que ensinemos eles a se cuidarem, para irem em frente, chegarem ao século XXI.

Ela riu, vamos ter muito trabalho.

Entreguei ao pai, os documentos velhos, venha me disse ele, parecia entrar na árvore, mas era como se no tronco houvesse uma abertura, que as próprias ramas escondiam.

Ali era como um arquivo secreto, fomos recuperando todos os documentos de propriedade desse lugar, tudo que corresponde a essas crianças para o futuro.

Do outro lado, existia uma casa de madeira, antiga mais limpa, essa agora é a tua casa, de sua tia.    Era como um jardim muito bonito, exótico, com uma passarela de palmeiras, ele foi nos levando até lá, era como uma casa grande preservada no meio da mata.

Aqui viveu o que foi o último grande Babalaô, que foi o melhor de todos, o que avisou da tua vinda, preservamos a casa para ti.   Parecia encantada, pois dava gosto estar nela.

Logo uma mulher se aproximou com um garoto nos braços, pediu que eu o olhasse, minha tia ficou de boca aberta quando incorporei o exu, ele sabia que eu via o que estava fazendo, rezou a criança, pediu ao menino de outro dia, que trouxesse, umas quantas ervas, as triturou até vivarem uma pasta, fez como um unguento, que passou pelo peito da criança.

Essa agora será tua vida, me disse depois o velho, cuidar dessa gente, eu já estou muito cansado, a magia, que tenho está gasta, precisam de uma magia nova.

Fui ficando, minha tia foi com o Macário, fechar o apartamento de Salvador, ao mesmo tempo pedi que trouxesse a imagem do exu.

Passei a viver ali, ela organizou uma escola para os garotos todos, comecei a ensinar realmente os homens a cuidar das arvores de cacau, elas como se tivessem tido um arranque cresceram mais, descobri um riacho, fiz um sistema de irrigação, destinei uma outra área para plantar milho, as margem do mesmo plantamos arroz,

O Macário me levou seguindo o riacho, tudo isso é teu, foi dizendo, saímos numa clareira, que não se via pois era mata pura, ali estava o mar. Tirei a roupa, deu um mergulho agradecendo o povo do mar.

O duro foi conseguir melhorar a estrada para escoar o cacau, mas nunca dizíamos aonde era a plantação.   O que nos comprava, ficava encantado, pois diziam que esses eram diferentes, pareciam os que compravam na Africa, ensinei a plantarem muda, para irmos plantando no meio da floresta, como tinha visto em África, mas mantendo sempre a terra em volta limpa, era o que dava mais trabalho.

Minha tia, conseguiu uma professora, para os meninos, com o dinheiro que tinha montou uma escola ali.   A levava sempre para tomar um banho de mar, ficava encantada, agora tinha um dia que ia com as mulheres todas, nenhum homem podia se aproximar.  Se escutava sim muita música, cantos para as orixás mulheres, a quem veneravam.

Eu dividia meu tempo entre cuidar dos meus, da plantação, em breve produzíamos mais do que antes, agora o bom era, ensinei o Macário a selecionar os melhores graus, para replantamos as árvores cansadas.

Abríamos caminhos na floresta, plantando no meio delas.

Basicamente nos valíamos, as hortas comunitárias, feita pelas mulheres, a nossa colheita do arroz era boa, limpamos uma área aonde estavam as velhas cabanas, já não era necessário nos esconder, pois a terra nos pertenciam.  Plantamos mandioca, diversificamos com abobora, outras coisas.

Segundo minha tia, as crianças eram inteligentes, ela que tinha ido a muitos terreiros de candomblé, dizia que ali nada era assim.  Todos na verdade veneravam o imenso Baobá, mas nada de matanças, ou coisa assim, quando alguém precisava, o exu incorporava, atendia as pessoas.

Pela primeira vez na minha vida me sentia feliz.  Quando minha tia levou para a amiga as primeiras coisas feita com nosso cacau, essa ficou deslumbrada, mas minha tia não lhe contou nada, o segredo era nossa maior arma.

Com todo o dinheiro ganho nas duas primeiras colheitas, melhoramos a vida de todo mundo, comprei um caminhão de segunda mão, desenhei uma marca, que que todo mundo perguntava o que era, eu dizia que era um tributo a nossas raízes africanas.

Os fabricantes ficavam loucos com nosso cacau, da última vez que fui com o Macário levar a colheita, na segunda entrega, seu representante no Brasil estava ali, ele tinha comprado as terras de Ilhéus, me perguntou se queria vender essas também, só lhe respondi que por enquanto não.

Depois para verificar se não no seguiam, paramos para tomar alguma coisa, contei para o Macário o que tinha visto nas terras que tinham em Africa, é como voltar no tempo da escravidão, o pessoal ganha o mínimo, não quero isso para minha gente.

Ele ria quando eu dizia minha gente.  Um dia me disse que eu estava ficando mais escuro.

Era verdade, talvez fosse de tanta praia.

Nunca deixamos ninguém ir até nossas plantações para ver aonde eram, abri um novo caminho na floresta, plantando lado a lado canela e cacau, assim através da terras se misturavam os sabores.  Quando fizemos a colheita, tirei uma parte para minha tia e suas mulheres, o resto, levamos em separado.  Quando sentiram o cheiro da canela, queriam saber como tinha feito, lhe disse que isso era uma coisa ancestral.

Mas que sem duvida esse cacau, custava o dobro, ele começou a regatear, Macário depois me dizia, que ele venderia por qualquer preço, que aquele homem o deixava zonzo. 

Isso Macário é o trabalho dele, te fazer pensar que esta pagando um preço justo, pois ele vai levar esse cacau ao chefe dele dizendo que fez uma grande descoberta, revendera pelo dobro do preço, lhe contei como fazia, os intermediários, fazem isso, te fazem sentir, que eres tu que os esta explorando, mas por dentro estão rindo de ti, pois estão te enganando.

Consegui com um importador, mais mudas de canela, plantamos, em fila na divisão da terra por aonde se entrava antigamente, assim despistaríamos, não poderiam seguir nos.

Atendia quando aparecia alguém, numa casa que construiu logo a entrada, assim a pessoa não tinha que ir até o interior.

Sua função era sempre de curar, nada mais, para o resto estavam os terreiros de candomblé, que eram muitos em Salvador.

Sentia-se em casa, era como se todos fossem uma grande família.  Agora raros eram os jovens que iam para Salvador tentar a vida, os que iam estavam preparados.

Alguns já tinha feito universidade, para orgulho de sua tia.

Nesse momento, ela estava com 94 anos, lucida, controlando a produção de seus produtos, eram muito requisitados.

Ele seguia indo com Macário, vender o que produziam, agora vendiam também canela, as pessoas nunca entendiam, tinham também uma produção boa de chocolate com pimenta vermelha que eles mesmos plantava, eram sempre autossuficientes em toda sua produção.

Quando alguém perguntava quem seriam seus herdeiros, ele sorria, eram todos de sua família.

Já tinha deixado os papeis, prontos, sobre sua herança, mas pelo que se dizia, se fosse como o avô e sua tia, viveria muitos anos.

Sua afinidade com Macário era excelente, era o mais próximo que poderia pedir de um romance, mas com respeito, cada um vivia à sua maneira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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