lunes, 23 de agosto de 2021

INVEJA E OUROS BICHOS

 

                                             INVEJA  E  OUTROS  BICHOS

 

Helena Borman, era casada a poucos anos com Gisberto Noronha, as más línguas diziam que ele tinha casado com ela por interesse.   Eram amigos de infância, o pai dele era porteiro do edifício que a família Borman vivia nos Jardins em São Paulo, estudavam no mesmo colégio, por insistência dela.   Seu pai o velho Borman fazia tudo que a filha queria.    A mãe dele, cuidava da casa, comida, tudo.   O velho era viúvo, mas tinha seus negócios no Bairro de Bom Retiro, aonde se misturavam judeus, árabes de todas as nações do oriente médio.  Todos tinham negócios, lojas por ali, atacado, ou varejo, roupas, tecidos, confecções, tudo girava em torno ao Bom Retiro.  Todos tinham dinheiro, embora tivessem chegado ao Brasil, com uma mão na frente outra atrás. 

O velho Borman, quando viu que na França a coisa ia ficar feia, deixou seu velho apartamento em Marais, bem como seu negócio nas mãos de um empregado francês, pegou o navio com sua mulher, Helena nasceu em alto mar, era uma cidadã do mundo.

Com ele levava dinheiro para começar sua nova vida.  Passaram pelo Rio de Janeiro, mas não gostou, dizia que os cariocas não eram gente séria, mas quando chegou em São Paulo, viu que ali se podia ganhar dinheiro.

Com os anos comprou esse apartamento nos Jardins, era um dos primeiros edifícios a ter muitos metros quadrados, esse tinha 600metros, uma barbaridade para a época, era tamanho de uma bela casa. Era meio retirado da rua, com um jardim na frente que o pai do Gisberto cuidava com carinho.

Esse nome Gisberto era a mistura do nome dos pais, Gisela com Alberto, ele odiava, mas mesmo depois quando podia trocar de nome, não o fez em respeito aos dois, na verdade todo mundo o conhecia no mundo dos negócios por Noronha.

O velho tinha especial carinho por ele, quando chegou a época da universidade, mandou Helena estudar na França, seu empregado devolveu o apartamento, comprou com o tempo os negócios do velho por lá.  Assim ela tinha um bom pecúlio, para estudar na Sorbonne.

Ele pagou a universidade para o Noronha, esse ia a faculdade depois ia para o escritório do velho cuidar de tudo para ele.

Aprendeu a aplicar na bolsa de valores, assim ia fazendo seu pecúlio, o velho ria disso, dizia que ele nunca arriscaria seu dinheiro nessas coisas.    Noronha dizia que no Brasil, havia que ser malandro para sobreviver, se não aplicamos dinheiro, quando vale a pena, ele está morto parado.  Guardar no colchão não dá pé.

Com os anos o bairro começou a entrar em decadência, de um lado os coreanos que traziam mão de obra barata, que copiavam qualquer modelo, as fábricas, iam para a periferia da cidade, aonde se pagava a mão de obra mais barata.  O Noronha, abriu um escritório para ele, quando viu que o velho, que era cabeça dura, insistia no mesmo.   Era difícil convence-lo de alguma coisa.  Quando a coisa ficou preta, tomou um avião foi conversar com a amiga.  Esta vivia na boa vida, tinha estudado filosofia, dramaturgia, mas vivia pela noite de Paris, com os intelectuais de moda na época.    Falou com ela seriamente, como ia a situação do pais, do pai que estava muito velho.

Olha Noronha, ele me mandou para cá, pois não me queria no meio dos seus negócios, seus parentes sempre o sugaram, pedem dinheiro emprestado, mas não pagam.  Isso o vai levar a ruína.   Um dos seus negócios deu para um primo meu, cuidar, já que tinha afundado o seu, você acha que vai dar certo?

Se me meto, a família vai cair em cima de mim.  Porque não fazes o seguinte, vais comprando os negócios que vale a pena.   Tu sabes tanto quanto eu, que as coisas no Brasil são cíclicas, hoje está na moda, amanhã, já foi tudo para o caralho.

Que linguajar Helena, nem parece que tens estudos.

Ora Noronha, sempre fui assim, você é que sempre foi recatado, um verdadeiro moço de família.   Te quero como meu irmão, mas sabes que não tenho jeito para negócios, sei sim gastar dinheiro.

Então te recomendo, que comeces a guardar um pouco, porque um dia isso tudo vai acabar.

Conheceu o homem por quem ela era apaixonada, um professor de matemática pura, judeu como ela, mas casado, na época François Felipe não tinha nascido ainda.

Ele foi comprando do velho, os negócios que lhe interessavam, comprou duas lojas, a alugou para os chineses que chegavam com tudo.   Os sobrinhos do velho, diziam que ele estava roubando o tio.

Quando finalmente o velho ficou na pindaíba, comprou seu velho apartamento, porque a estas alturas os apartamentos no jardins eram cada vez maiores.  Tinham agora apartamentos de 1000 metros quadrados, para cima.

Sua mãe seguiu cuidado dele, agora ela era viúva também, metade desse dinheiro mandou para Helena, que já não tinha um tostão, ela como recibo mandou uma foto do François para ele, pediu para que viesse, pois queria que ele fosse seu padrinho.

Quando teve o menino nos braços se apaixonou por ele, falou com a Helena, teu pai está mal, eu pago os médicos, ele continua achando que é ele que paga tudo.  Devo tanto a ele, que quero que pense que seja assim.

Sempre soube que se podia contar contigo Noronha, es meu irmão, meu melhor amigo, isso era uma verdade, todas as semanas os dois trocavam cartas.  O filho da puta do matemático, quando soube que ela estava grávida, deu no pé, juntou sua família, foi viver em Israel, para ser professor na universidade.

Foram então ao cartório de registro civil, registraram o François, como filho dos dois.  Não queria que o garoto pensasse que não tinha pai, que era um bastardo.

Ia todos os anos passar suas férias com eles.   Sempre levava dinheiro de uma coisa que ele fazia, o resto dos bens do velho, ele tinha vendido, aplicava dinheiro no nome dela, ia transferindo o lucro para que ela pudesse se manter.    A verdade é que continuou levando a vida que sempre tinha levado, nunca trabalhou.

Adorava as noitadas discutindo filosofia, ele sacaneava, dizendo que era filosofia barata, que nunca consertaria o mundo.

O teu problema Noronha, é que tens os pés no chão.  Nem um namorado direito tens, sempre tinha sabido que ele era gay, sabia disso desde criança.

Helena quando descobriu que tinha câncer, teve uma triste descoberta também, não tinha direito a tratamento na França, tampouco no Brasil.

Queria vender o apartamento.   Ele não deixou, isso é herança do François, de jeito nenhum, vens comigo para o Brasil, nos casamos, assim passa a ter direito a tudo, eu pago teu tratamento.

Para ela voltar foi um espanto, o velho tinha morrido a anos atrás, enterrado na parte dos judeus do cemitério, ela riu quando Noronha lhe contou que aprendeu a rezar o Kadish, o velho amigo do teu pai o rabino Shoen, me fez converter, agora frequento a sinagoga, minha velha quando soube ficou horrorizada, disse que finalmente o velho depois de morto tinha acabado de roubar seu filho.    Logo em seguida morreu, a enterrei ao lado do meu pai, rezei um Kadish para eles também.

Se casaram no civil, bem como na sinagoga, François ficou num colégio interno, para acabar os estudos.  Uma vez por mês falavam com ele por telefone.  Ficou contente, soltou, finalmente meus pais se casam.

Os parentes dela, pensavam que o filho da puta, deu o golpe final, se casou com a rica herdeira, fizeram mil festas para ela, mas sempre tinha desculpas para tirar o corpo fora, eram belos desconhecidos para ela.   O único que frequentava a casa, sabia de tudo era o Eduardo, filho do seu primo mais velho.   Tinha tido um romance com o Noronha, se via que era louco por ele.

No começo, ela saia com o Noronha, para conhecer seus amigos, esses achavam estranho ele ter se casado agora.  Mas nunca dava explicações a ninguém.   Ele frequentava um círculo de conhecidos, que aplicavam na bolsa de valores, o assunto sempre era dinheiro.

Mas claro chegou o momento, que ela ficou completamente calva, usava seus lenços de Chanel, YSL, Dior, como turbantes para disfarçar que não tinha mais seus cabelos lindos.   Mas o tratamento não funcionava.   Tinha duas enfermeiras no final, dia e noite com ela.  Noronha não saia do seu lado.

Os parentes diziam que ele a estava matando aos poucos para ficar com a herança, que eles não iam permitir, pois tinham direito a mesma.

Ele avisou ao François, que sua mãe já não tinha muito tempo.

Pai vou acabar os exames, pego o primeiro voo para São Paulo.   Dois dias depois, ela amanheceu morta.   Ele chamou uma funerária que atendia o pessoal da sinagoga, para prepara-la para o enterro.  François estava como louco, pois não conseguia voo.

Filho, não se preocupe, eu rezarei o Kadish para ela, quando chegues iremos os dois a fazer isso, vou enterra-la junto com teu avô.

Falou com seu advogado, que conhecia bem os parentes dela, vou fazer o seguinte, esses idiotas estão com sede de dinheiro, pois estão falidos, pedirei ao comandante da polícia daqui do bairro, que deixe dois carros aqui.  Que o porteiro os chame se houver problema.

No enterro, só estava o Eduardo, que rezou o Kadish ao seu lado, por duas vezes Noronha o corrigiu, isso dá não ires a sinagoga.

Estavam saindo do cemitério, quando foram avisados que os parentes tinham entrado no apartamento tentando levar qualquer coisa de valor. Que a polícia estava lá, bem como tinham um camburão esperando.   Ele tomou seu tempo, foi primeiro ao aeroporto de Guarulhos, esperar seu filho, esse ficou com a cabeça nos seus ombros, chorando, nem pude me despedir pai.  Sempre o tinha chamado assim.

Um dos motivos pelo qual tinha se convertido, era esse, queria ser um exemplo para o filho.

Sabia que Helena, nunca ia a sinagoga, tampouco levava o filho, isso que morava perto.

Avisou ao filho do que estava acontecendo.  Quando chegaram, o chefe dos policiais, soltou ainda bem que o senhor chegou, agora estão brigando entre eles, pelas coisas.

Ele entrou seguido dos policiais, do advogado, este pediu silencio.  Este vocês não conhecem, mas é o filho da Helena, François Felipe Noronha.

A cara do pessoal era de horror.

Disse a uma das enfermeiras que estavam ali horrorizadas, que levasse o rapaz para o quarto de convidados.   Mandou todo mundo sentar-se.

Primeiro me casei com vossa prima que estava arruinada, para que ela pudesse ter o tratamento para o câncer que padecia. Eu fui comprando tudo isso aos poucos, vosso tio me criou sim, me pagou a universidade, mas era contra aplicar dinheiro, a comprar e vender ações, coisa que faço, tudo que vocês estão tentando levar, foi comprado com o meu dinheiro, portanto é roubo. Se querem reclamar, na justiça.  Virou-se para o delegado, os pode levar, para passar um tempo no xadrez.   Mas examinem cada um para ver se não tem nada nos bolsos.   Uma inclusive tinha pratos de porcelana que ele tinha comprado em Paris, na bolsa.  Ficou histérica, como ia para a cadeia se tinha filhos para criar.

Pensasse antes de fazer merda soltou o Noronha.

O pior é que ninguém tinha visto, dois jornalistas que estavam ali misturados, foram saindo algemados sendo fotografados, no dia seguinte estariam e manchete nos jornais.

Noronha quando saiu o último, ainda riu, Helena ia adorar toda essa confusão, sempre dizia que esses parentes eram como Urubus.   Uma tinha entrado no seu quarto, tinha uma maleta com suas roupas, seus lenços franceses, inclusive perfume.   Essa frequentava a sociedade, tentou esconder a cara dos fotógrafos quando saiu, dizia que tudo da prima pertencia a ela.

Colocou os empregados a guardar tudo no mesmo lugar, mas faltava um que tinha trazido a muito tempo de Paris.

O porteiro riu, venha comigo, chame o delegado outra vez.  Era o primo mais velho, o pai do Eduardo, estava fechado na garagem, coisa do porteiro, que adorava o Noronha.  Quando o vi saindo com o quadro, não tive dúvida.

Eduardo disse ao pai, que vergonha, roubando na casa dos outros.

Esse quadro vale dinheiro meu filho, estou arruinado, pelos gastos de tua mãe, de tuas irmãs que vivem no bem, bom.  Peça para o teu namorado me liberar.

Meu namorado?  Pelo mesmo motivo o senhor me colocou fora de casa, ele foi o único que me recebeu, bem como a Helena, me ajudaram a seguir em frente. De maneira nenhuma, nisso a porta da garagem se abriu, mas tinha um carro de polícia bloqueando a saída. 

Com a mão na massa, Noronha disse o valor do quadro, isso é roubo, pior acusam a mim de ter roubado tudo, mas isso me pertence, o comprei em Paris, inclusive tenho a nota fiscal, paguei para entrar com ele no Brasil.

Irei depois a delegacia fazer uma denúncia formal contra todos eles.

Me avise, que aquilo parece um formigueiro, tem até carro da televisão na frente.

O pai do Eduardo começou a gemer, minha mulher vai me matar.

Vai não pai, porque tentava sair daqui com toda a roupa que tinha a Helena, joias, perfumes, tudo.  Já está esperando pelo senhor na delegacia.    Delegado, me faça um favor, se tem televisão tudo isso lá, o desça pela frente para aprender a ter vergonha.

O senhor quem é, perguntou o delegado?

Sou o filho que ele expulsou de casa porque descobriu que era gay.

Doce vingança disse o delegado, o fizeram entrar no camburão, na frente de todo mundo, algemado.

Subiu no elevador com o Noronha, rindo ao mesmo tempo chorando, o delegado tem razão, uma doce, mas amarga vingança.  Tua mãe e irmãs roubando, teu pai idem, eles que me julgaram como se fosse um bandido.

No final do dia, finalmente a casa estava em ordem.

Quando François acabou de descansar, foram com ele ao cemitério, tinha avisado ao rabino, os quatro ali, rezaram por ela, deixaram o François recitar o Kadish.

Entende agora por que me converti rabino, se meu filho é judeu, eu tenho que ser também.

O velho sempre falava de ti filho, te queria muito.    Menos esse sem vergonha que nunca vai a sinagoga, não venha me dizer que vai aonde teus pais frequentam que é mentira, eles nunca vão a sinagoga nenhuma.

O senhor aceita um gay na tua sinagoga?

Aceito qualquer filho da puta que acredite em deus.   Ficaram rindo os três, saíram dali, foram tomar um lanche em casa.

O rabino quando soube de toda a confusão ria, soltou, os putos judeus são assim, dizem que creem em deus, mas se descuida te roubam.

Rabino, soltou o Noronha, como chamando a atenção.

Pura verdade meu filho, creio que tu eres o único que ajuda a sinagoga, como fazia o velho, os outros, só aparecem para as festas.   Já são brasileiros demais.

Como falavam rápido François disse que não entendia tudo.

Eduardo foi levar o rabino a sua casa.

Ficaram pai e filho sentados no sofá, olhando um quadro com um retrato de Helena, feito em Paris.  Desde que o trouxe sempre este aí, no lugar antes tinha um retrato de tua avó.

Agora tocava seguir a vida.   Telefonou ao delegado, que ria muito, isso parece uma convenção de deputados, tem advogado que não acaba mais, mas como foram pegos com a mão na massa, tem que esperar a tua denúncia.  Irei amanhã, assim dormem uma noite na cadeia para aprenderem.

Para si mesmo, olhou o quadro da Helena, tua mãe deve estar rindo aonde esteja, tinha horror a essa família.  Quando voltou, todos a convidavam para almoços, jantares, para a bajularem, falavam mal de mim para ela.  Diziam que eu era gay.   Ela ria, pois sabia disso desde que éramos criança. 

Sim me contou, que o senhor fez questão de me dar seu sobrenome, quando o meu pai verdadeiro fugiu para Israel.  Por isso gosto tanto do senhor, rindo para não desmerecer a família, além dos presente que sempre me davas.     Ficaram os dois as gargalhadas, quando entrou o Eduardo.

O que me perdi, perguntou.

Quando lhe explicaram, soltou o Noronha é assim mesmo, um dia apareci aqui, com umas maletas velhas com uns poucos livros, roupas de segunda, me deu abrigo, falaram mal dele, diziam que tinha me levado para o caminho do mal, etc.   Nem se imutou.  Tua mãe foi igual, me tratava bem, me incentivou a acabar a universidade, agora trabalho com o Noronha.  Falam que ele me come, mas me dá igual.  Me respeita isso sim.

Só vou a delegacia amanhã, assim dormem por lá, para ver o sol nascer quadrado.

De noite iam sair para comer, mas François, disse que tinha visto comida na geladeira, que estava cansado.   Na minha cabeça, não sai a imagem dessa gente toda abraçada a quadros, objetos dessa sala para defender o que tinha roubado.  Preciso dormir o sono dos justos, para amanhã me dar conta que estou no Brasil.   Eduardo, vais me mostrar a cidade?

Claro que sim garoto.

François dentro de breve iria à universidade, agora queria saber aonde, se em São Paulo, ou em Paris.

Teria muito que conversar com ele, nessa noite sentiu falta da amiga, pois mesmo estando mal, tinham tempo para conversar.  Agora quem o escutaria, com quem trocaria confidencias, se levantou no meio da noite, retirou do armário a primeira caixa de cartas que tinham trocado quando ela foi para a França. Com os anos, suas histórias iam mudando, mas nessa primeira caixa reclamava do seu pai os terem separados, ele achava que ela devia ter cultura, se casar com um judeu francês, formar família por lá, o Brasil é terra de ninguém dizia ele.

Estava chorando como um bezerro desmamado, quando François, escutou quando passava para ir ao banheiro, ficou sentado abraçado com ele, rodeados de um mundo de cartas.

Tens que imaginar meu filho, que fomos amigos desde criança, íamos ao jardim de infância juntos, me defendia dos outros, na escola, eu era o alzaimer, porque todos eram filhos de pais ricos, eu de um porteiro.    Ficava uma fera quando zombavam de mim.  Brigava com os professores por não me defenderem, dizia que eu era mais inteligente que esse garotos mimados.    Fazíamos tudo junto, ir à escola, estudar, aos bailes, dançávamos todas as músicas modernas.      A única que não gostava era minha mãe que dizia que eu estava levando a vida de um rico, que nossa realidade era diferente.

Não deixava de estar certa, quando fui para a universidade ajudado pelo teu avô, ela me dizia que isso tinha um preço, ir trabalhar para ele.   Fui sim, confiava em mim, só discutíamos quando lhe disse que tinha que modernizar tudo, pois tudo estava mudando, na cabeça dele isso era duro, ele tinha construído não digo um império, mas tinha dinheiro.

Eu lhe provei que estava errado, no final, quem ficou com tudo fui eu.  Uma vez antes de morrer minha mãe me perguntou se eu tinha roubado o velho.   Estive horas lhe explicando, mas não ficou contente.   Não queria dormir aqui dentro do apartamento, queria dormir nas dependências de empregado.   Dizia que não estava cômoda nas outras dependências do apartamento.    Uma vez quando fui vê-los, em Paris lhe trouxe uma roupa de Helena escolheu em especial para ela, nunca vestiu, dizia que era para seu enterro, foi enterrado com ela.

O comentário que fazia, como uma pau de arara podia se vestir assim, não combinava.  Teve que explicar para o François o que era uma pau de arara.   Tinham os dois, recém casados, em cima de um caminhão, desde o nordeste até chegarem a São Paulo, meu pai vinha com um contrato para trabalhar na construção.   Foram viver numa favela, até ele arrumar o emprego aqui, eu devia ter uns 3 anos na época.   Não me lembro dessa época da favela, ou borrei da minha cabeça.     Aqui tudo girava em torno a Helena, imagina que o prédio estava cheio de garotos e garotas, mas não ela fincava o pé que queria era brincar comigo.

Todos esses anos, nos correspondemos todas as semanas, aí está o resultado, eu guardava tudo, depois relia várias vezes, até lhe responder.    Se pode dizer que fiz um curso de filosofia por correspondência.   Ela dizia que eu não entendia os temas, eu rebatia, discutia com ela a respeito.   Uma vez fez uma coisa, tinha que fazer um trabalho, sobre sociologia, me deu o tema, me desafiou a escrever em francês o que eu pensava do assunto.  O apresentou como seu ao professor, foi uma briga fantástica, pois eu analisava cada fala absurda dele, essas coisas que os que vem de famílias acomodadas acham que vão melhorar o mundo, mas não toquem no que ele tem.

Isso ela me contava. 

Ficaram falando, quando viram já era de manhã.

François estava contando no dia que conheceu seu pai, apareceu do nada, segundo ela, um velho acabado.   Tinha duas filhas, queria o filho para seguir suas ideias, logo eu que sempre odiei matemática, me apresentou formalmente, teu pai.   

Repliquei imediatamente que já tinha um pai que adorava, que vinha todos os anos passar um mês comigo, que era meu amigo, com quem eu podia falar, que não precisava de outro, ainda mais para ir com ele para Israel.

Lhe perguntei se ia a sinagoga?

Me respondeu que as vezes, que não tinha tempo para ficar discutindo a existência de Deus.

Pois meu pai, se converteu ao judaísmo, só para que eu tivesse base, fez comigo todos os procedimento, quando estávamos aqui, íamos juntos.  Discutíamos o que tínhamos escutado nesse dia.

O homem ficou me olhando, fechou a cara, me disse que não aparecesse um dia pedido seu sobrenome.   Me levantei tirei a carteira, mostrei meus documentos com o teu nome, foi embora furioso.   Ela me abraçava chorando, a partir de hoje és um homem, enfrentaste a um sujeito egoísta que amei muito no passado, que só me deu uma coisa boa, tu.

O sol entrava pela janela, tinham dormido pouquíssimo essa noite.  Acredito que ela estava aqui, sentada naquela banqueta como gostava de fazer, me olhando.

Com isso no dia seguinte, se esqueceu de ir dar a queixa, teve que ir porque o delegado o chamou.  Essa gente é muito chata, os policiais estão nervosos com eles.   Os advogados não saem daqui.

Foram os três, Eduardo ria muito da figura do pai e da mãe, os jornalistas, não tinham saído da frente da delegacia.

Fez a queixa por invasão de propriedade, bem como roubo intencionado.

Todos iriam a julgamento.  No final só o pai e a mãe do Eduardo ficaram, não tinha dinheiro para pagar um advogado, tampouco a fiança para sair.

Ele riu, cadê os amigos finos que a senhora tinha, porque não pede para que venham pagar sua fiança, velha embusteira.    Fora ela que contara ao seu pai que ele era gay.  Cadê seus genros ricos, não vejo ninguém por aqui.   O pai ainda gritou com ele que tivesse respeito.

Porque, tiveste algum comigo, por mim podem ficar aqui, ainda darei declaração aos jornalistas, dizendo que não podem sair porque não tem dinheiro para pagar a fiança, que estão arruinados.

Uma das suas irmãs veio pagar a fiança, mas só tinha para um, pagou a da mãe, o pai ficou para trás.

Ficou na prisão até irem a julgamento.  O juiz nem podia colocar uma multa, pois todos alegavam que estavam arruinados, o jeito foi colocar todos em cana novamente.

Noronha como era ficou com pena, queria retirar a queixa, mas Eduardo o convenceu, sempre te chamaram de ladrão, de filho da puta, de todos os nomes possíveis.   Nada de pena, quem sabe assim aprendem.

Os filhos vieram falar com ele, mas pediu uma desculpa formal por jornais, que eram ladrões, todos preferiram pagar a pena que era pequena.

Eles ao contrário, pensou bem, resolveu sair do pais, deixou tudo nas mãos do Eduardo, foi até Israel, para conhecerem, levaram com eles o rabino que era amigo de seu avô, que nunca tinha dinheiro para ir.

Foi falar com seu pai, para avisar que Helena tinha morrido. Quis apresentar suas irmãs a ele, ficou com pena delas, levavam uma vida sem graça, nenhuma tinha ido à universidade, as casaram cedo, cheias de filhos.

Viajaram pelo pais inteiro, levaram o Rabino, aonde viviam familiares seus, lhe fizeram uma grande festa, foram a todas as sinagogas para conhecer.   Rezaram no Muro das Lamentações, por Helena, pelo seus avós.

Depois voltaram ao Brasil.

François, resolveu estudar medicina em São Paulo, depois faria alguma especialidade fora, mas se acostumou a viver ali.     O delegado o surpreendeu aparecendo no seu escritório, me disseram que você é bom aplicando dinheiro.    Preciso me livrar de trabalhar na polícia, estou farto.   Ficaram amigos, iam almoçar cada vez que ele vinha.   Lhe ensino como fazer, aplicar um dinheiro, ganhar, repor no banco o que tinha tirado, usar somente o lucro sempre.

Assim terei um colchão para minha aposentadoria.  Não tenho família, vivo sozinho.  Eduardo dizia que o delegado gostava dele.

Era um homem diferente, era advogado, não tinha essa maneira que os outros tinham de machão, estava nessa delegacia, pois sabia ser educado.

Quando o advogado do escritório se aposentou, lhe perguntou se queria trabalhar com ele.

Sei não, deves ser um patrão duro de roer.  Assim foram levando até que um dia num jantar o François, virou-se para ele, enquanto o pai tinha ido ao banheiro, lhe perguntando quando ia se declarar a seu pai.  Que estas esperando, que a fruta caia da árvore de podre.

A cara do Roberto Dutra, foi ótima, transpareço tanto assim?

Sim, responderam ao mesmo tempo.

Eduardo, pensei que vocês tivessem um relacionamento.

Somos amigos nada mais, ele e Helena me ajudaram quando a família me expulsou de casa, por isso sem querer até hoje vivo lá.

Ah, bom se é assim.

Nessa noite os dois os deixaram no salão tomando o último drink da noite.  No dia seguinte o Dutra tomou café da manhã com eles.   Noronha não disse nada, era assim.   François dizia que parecia uma república de homens, ele nunca tinha se apaixonado.

Levou anos para encontrar alguém, sem querer num congresso médico, conheceu uma médica de São Paulo, como ele dizia, vivemos na mesma cidade, não nos conhecemos.  O casamento foi ótimo.   Ela era do interior, a família não gostou muito da família do noivo, mas ela soltou, quem vai viver com eles sou eu.

Logo a casa estava cheia de crianças.  Noronha adorava ser chamado de avô.  Tinham discutido muito, como seria a educação religiosa deles.   Norma, disse que o avô devia decidir.

Ele foi com Dutra até o interior para falar com os pais da Norma, os convenceu que os meninos devia ser educados no judaísmo.    Acabaram aceitando.

Estavam atrasados nos procedimentos, mas o velho rabino cuidou de tudo. Era ele quem ensinava os garotos.  Quando nasceu o último filho, colocaram o nome de Helena, era a paixonite do Noronha, se atiraria do alto do edifício se a menina pedia. 

No salão agora tinham uma foto de família embaixo do quadro da Helena.  A menina parava olhava o quadro, dizendo sou eu.

Noronha ficava todo derretido.  Mas os fazia a todos estudar francês, todos anos iam a Paris, para ver aonde o pai tinha crescido.  Se hospedavam na casa da Helena, que era mantida graças ao Noronha.

Ele mesmo com o Dutra vinham passar a Saison em Paris, ir a Operas, que ele acabou gostando, exposições, sempre comprava alguma coisa para levar para o apartamento de São Paulo.

Sempre dizia, esperei, agora tenho paz comigo mesmo, uma família grande, amigos, que é que importa.   Gradativamente os parentes foram sumindo, saiam da prisão, em seguida desapareciam, alguns souberam iam para Israel, aonde ninguém os conhecia.

As únicas que ficaram foram as irmãs do Eduardo, que agora sempre o convidavam para as festas de família.

Mas na volta dizia, minha família é esta, o resto é consequência da vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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