INVEJA
E OUTROS BICHOS
Helena Borman,
era casada a poucos anos com Gisberto Noronha, as más línguas diziam que ele
tinha casado com ela por interesse. Eram
amigos de infância, o pai dele era porteiro do edifício que a família Borman
vivia nos Jardins em São Paulo, estudavam no mesmo colégio, por insistência dela. Seu pai o velho Borman fazia tudo que a
filha queria. A mãe dele, cuidava da
casa, comida, tudo. O velho era viúvo,
mas tinha seus negócios no Bairro de Bom Retiro, aonde se misturavam judeus,
árabes de todas as nações do oriente médio.
Todos tinham negócios, lojas por ali, atacado, ou varejo, roupas,
tecidos, confecções, tudo girava em torno ao Bom Retiro. Todos tinham dinheiro, embora tivessem
chegado ao Brasil, com uma mão na frente outra atrás.
O velho Borman,
quando viu que na França a coisa ia ficar feia, deixou seu velho apartamento em
Marais, bem como seu negócio nas mãos de um empregado francês, pegou o navio
com sua mulher, Helena nasceu em alto mar, era uma cidadã do mundo.
Com ele levava
dinheiro para começar sua nova vida.
Passaram pelo Rio de Janeiro, mas não gostou, dizia que os cariocas não
eram gente séria, mas quando chegou em São Paulo, viu que ali se podia ganhar
dinheiro.
Com os anos
comprou esse apartamento nos Jardins, era um dos primeiros edifícios a ter
muitos metros quadrados, esse tinha 600metros, uma barbaridade para a época, era
tamanho de uma bela casa. Era meio retirado da rua, com um jardim na frente que
o pai do Gisberto cuidava com carinho.
Esse nome
Gisberto era a mistura do nome dos pais, Gisela com Alberto, ele odiava, mas
mesmo depois quando podia trocar de nome, não o fez em respeito aos dois, na
verdade todo mundo o conhecia no mundo dos negócios por Noronha.
O velho tinha
especial carinho por ele, quando chegou a época da universidade, mandou Helena
estudar na França, seu empregado devolveu o apartamento, comprou com o tempo os
negócios do velho por lá. Assim ela
tinha um bom pecúlio, para estudar na Sorbonne.
Ele pagou a
universidade para o Noronha, esse ia a faculdade depois ia para o escritório do
velho cuidar de tudo para ele.
Aprendeu a
aplicar na bolsa de valores, assim ia fazendo seu pecúlio, o velho ria disso,
dizia que ele nunca arriscaria seu dinheiro nessas coisas. Noronha dizia que no Brasil, havia que ser
malandro para sobreviver, se não aplicamos dinheiro, quando vale a pena, ele
está morto parado. Guardar no colchão
não dá pé.
Com os anos o
bairro começou a entrar em decadência, de um lado os coreanos que traziam mão
de obra barata, que copiavam qualquer modelo, as fábricas, iam para a periferia
da cidade, aonde se pagava a mão de obra mais barata. O Noronha, abriu um escritório para ele,
quando viu que o velho, que era cabeça dura, insistia no mesmo. Era difícil convence-lo de alguma coisa. Quando a coisa ficou preta, tomou um avião foi
conversar com a amiga. Esta vivia na boa
vida, tinha estudado filosofia, dramaturgia, mas vivia pela noite de Paris, com
os intelectuais de moda na época.
Falou com ela seriamente, como ia a situação do pais, do pai que estava
muito velho.
Olha Noronha, ele
me mandou para cá, pois não me queria no meio dos seus negócios, seus parentes
sempre o sugaram, pedem dinheiro emprestado, mas não pagam. Isso o vai levar a ruína. Um dos seus negócios deu para um primo meu,
cuidar, já que tinha afundado o seu, você acha que vai dar certo?
Se me meto, a
família vai cair em cima de mim. Porque
não fazes o seguinte, vais comprando os negócios que vale a pena. Tu sabes tanto quanto eu, que as coisas no
Brasil são cíclicas, hoje está na moda, amanhã, já foi tudo para o caralho.
Que linguajar
Helena, nem parece que tens estudos.
Ora Noronha,
sempre fui assim, você é que sempre foi recatado, um verdadeiro moço de
família. Te quero como meu irmão, mas
sabes que não tenho jeito para negócios, sei sim gastar dinheiro.
Então te
recomendo, que comeces a guardar um pouco, porque um dia isso tudo vai acabar.
Conheceu o homem
por quem ela era apaixonada, um professor de matemática pura, judeu como ela,
mas casado, na época François Felipe não tinha nascido ainda.
Ele foi comprando
do velho, os negócios que lhe interessavam, comprou duas lojas, a alugou para
os chineses que chegavam com tudo. Os
sobrinhos do velho, diziam que ele estava roubando o tio.
Quando finalmente
o velho ficou na pindaíba, comprou seu velho apartamento, porque a estas
alturas os apartamentos no jardins eram cada vez maiores. Tinham agora apartamentos de 1000 metros
quadrados, para cima.
Sua mãe seguiu
cuidado dele, agora ela era viúva também, metade desse dinheiro mandou para
Helena, que já não tinha um tostão, ela como recibo mandou uma foto do François
para ele, pediu para que viesse, pois queria que ele fosse seu padrinho.
Quando teve o
menino nos braços se apaixonou por ele, falou com a Helena, teu pai está mal,
eu pago os médicos, ele continua achando que é ele que paga tudo. Devo tanto a ele, que quero que pense que
seja assim.
Sempre soube que
se podia contar contigo Noronha, es meu irmão, meu melhor amigo, isso era uma
verdade, todas as semanas os dois trocavam cartas. O filho da puta do matemático, quando soube
que ela estava grávida, deu no pé, juntou sua família, foi viver em Israel,
para ser professor na universidade.
Foram então ao
cartório de registro civil, registraram o François, como filho dos dois. Não queria que o garoto pensasse que não
tinha pai, que era um bastardo.
Ia todos os anos
passar suas férias com eles. Sempre
levava dinheiro de uma coisa que ele fazia, o resto dos bens do velho, ele
tinha vendido, aplicava dinheiro no nome dela, ia transferindo o lucro para que
ela pudesse se manter. A verdade é que
continuou levando a vida que sempre tinha levado, nunca trabalhou.
Adorava as
noitadas discutindo filosofia, ele sacaneava, dizendo que era filosofia barata,
que nunca consertaria o mundo.
O teu problema
Noronha, é que tens os pés no chão. Nem
um namorado direito tens, sempre tinha sabido que ele era gay, sabia disso
desde criança.
Helena quando
descobriu que tinha câncer, teve uma triste descoberta também, não tinha
direito a tratamento na França, tampouco no Brasil.
Queria vender o
apartamento. Ele não deixou, isso é
herança do François, de jeito nenhum, vens comigo para o Brasil, nos casamos,
assim passa a ter direito a tudo, eu pago teu tratamento.
Para ela voltar
foi um espanto, o velho tinha morrido a anos atrás, enterrado na parte dos
judeus do cemitério, ela riu quando Noronha lhe contou que aprendeu a rezar o Kadish,
o velho amigo do teu pai o rabino Shoen, me fez converter, agora frequento a sinagoga,
minha velha quando soube ficou horrorizada, disse que finalmente o velho depois
de morto tinha acabado de roubar seu filho. Logo em seguida morreu, a enterrei ao lado
do meu pai, rezei um Kadish para eles também.
Se casaram no
civil, bem como na sinagoga, François ficou num colégio interno, para acabar os
estudos. Uma vez por mês falavam com ele
por telefone. Ficou contente, soltou,
finalmente meus pais se casam.
Os parentes dela,
pensavam que o filho da puta, deu o golpe final, se casou com a rica herdeira, fizeram
mil festas para ela, mas sempre tinha desculpas para tirar o corpo fora, eram
belos desconhecidos para ela. O único que frequentava a casa, sabia de tudo
era o Eduardo, filho do seu primo mais velho.
Tinha tido um romance com o Noronha, se via que era louco por ele.
No começo, ela
saia com o Noronha, para conhecer seus amigos, esses achavam estranho ele ter
se casado agora. Mas nunca dava
explicações a ninguém. Ele frequentava
um círculo de conhecidos, que aplicavam na bolsa de valores, o assunto sempre
era dinheiro.
Mas claro chegou
o momento, que ela ficou completamente calva, usava seus lenços de Chanel, YSL,
Dior, como turbantes para disfarçar que não tinha mais seus cabelos
lindos. Mas o tratamento não
funcionava. Tinha duas enfermeiras no
final, dia e noite com ela. Noronha não
saia do seu lado.
Os parentes
diziam que ele a estava matando aos poucos para ficar com a herança, que eles
não iam permitir, pois tinham direito a mesma.
Ele avisou ao
François, que sua mãe já não tinha muito tempo.
Pai vou acabar os
exames, pego o primeiro voo para São Paulo.
Dois dias depois, ela amanheceu morta.
Ele chamou uma funerária que atendia o pessoal da sinagoga, para
prepara-la para o enterro. François
estava como louco, pois não conseguia voo.
Filho, não se
preocupe, eu rezarei o Kadish para ela, quando chegues iremos os dois a fazer
isso, vou enterra-la junto com teu avô.
Falou com seu
advogado, que conhecia bem os parentes dela, vou fazer o seguinte, esses
idiotas estão com sede de dinheiro, pois estão falidos, pedirei ao comandante
da polícia daqui do bairro, que deixe dois carros aqui. Que o porteiro os chame se houver problema.
No enterro, só
estava o Eduardo, que rezou o Kadish ao seu lado, por duas vezes Noronha o
corrigiu, isso dá não ires a sinagoga.
Estavam saindo do
cemitério, quando foram avisados que os parentes tinham entrado no apartamento
tentando levar qualquer coisa de valor. Que a polícia estava lá, bem como
tinham um camburão esperando. Ele tomou
seu tempo, foi primeiro ao aeroporto de Guarulhos, esperar seu filho, esse
ficou com a cabeça nos seus ombros, chorando, nem pude me despedir pai. Sempre o tinha chamado assim.
Um dos motivos
pelo qual tinha se convertido, era esse, queria ser um exemplo para o filho.
Sabia que Helena,
nunca ia a sinagoga, tampouco levava o filho, isso que morava perto.
Avisou ao filho
do que estava acontecendo. Quando
chegaram, o chefe dos policiais, soltou ainda bem que o senhor chegou, agora
estão brigando entre eles, pelas coisas.
Ele entrou
seguido dos policiais, do advogado, este pediu silencio. Este vocês não conhecem, mas é o filho da
Helena, François Felipe Noronha.
A cara do pessoal
era de horror.
Disse a uma das
enfermeiras que estavam ali horrorizadas, que levasse o rapaz para o quarto de
convidados. Mandou todo mundo
sentar-se.
Primeiro me casei
com vossa prima que estava arruinada, para que ela pudesse ter o tratamento
para o câncer que padecia. Eu fui comprando tudo isso aos poucos, vosso tio me
criou sim, me pagou a universidade, mas era contra aplicar dinheiro, a comprar
e vender ações, coisa que faço, tudo que vocês estão tentando levar, foi
comprado com o meu dinheiro, portanto é roubo. Se querem reclamar, na
justiça. Virou-se para o delegado, os
pode levar, para passar um tempo no xadrez.
Mas examinem cada um para ver se não tem nada nos bolsos. Uma inclusive tinha pratos de porcelana que
ele tinha comprado em Paris, na bolsa.
Ficou histérica, como ia para a cadeia se tinha filhos para criar.
Pensasse antes de
fazer merda soltou o Noronha.
O pior é que
ninguém tinha visto, dois jornalistas que estavam ali misturados, foram saindo
algemados sendo fotografados, no dia seguinte estariam e manchete nos jornais.
Noronha quando
saiu o último, ainda riu, Helena ia adorar toda essa confusão, sempre dizia que
esses parentes eram como Urubus. Uma
tinha entrado no seu quarto, tinha uma maleta com suas roupas, seus lenços
franceses, inclusive perfume. Essa
frequentava a sociedade, tentou esconder a cara dos fotógrafos quando saiu,
dizia que tudo da prima pertencia a ela.
Colocou os
empregados a guardar tudo no mesmo lugar, mas faltava um que tinha trazido a
muito tempo de Paris.
O porteiro riu,
venha comigo, chame o delegado outra vez.
Era o primo mais velho, o pai do Eduardo, estava fechado na garagem,
coisa do porteiro, que adorava o Noronha.
Quando o vi saindo com o quadro, não tive dúvida.
Eduardo disse ao
pai, que vergonha, roubando na casa dos outros.
Esse quadro vale
dinheiro meu filho, estou arruinado, pelos gastos de tua mãe, de tuas irmãs que
vivem no bem, bom. Peça para o teu
namorado me liberar.
Meu
namorado? Pelo mesmo motivo o senhor me
colocou fora de casa, ele foi o único que me recebeu, bem como a Helena, me
ajudaram a seguir em frente. De maneira nenhuma, nisso a porta da garagem se
abriu, mas tinha um carro de polícia bloqueando a saída.
Com a mão na
massa, Noronha disse o valor do quadro, isso é roubo, pior acusam a mim de ter
roubado tudo, mas isso me pertence, o comprei em Paris, inclusive tenho a nota
fiscal, paguei para entrar com ele no Brasil.
Irei depois a
delegacia fazer uma denúncia formal contra todos eles.
Me avise, que
aquilo parece um formigueiro, tem até carro da televisão na frente.
O pai do Eduardo
começou a gemer, minha mulher vai me matar.
Vai não pai,
porque tentava sair daqui com toda a roupa que tinha a Helena, joias, perfumes,
tudo. Já está esperando pelo senhor na
delegacia. Delegado, me faça um favor,
se tem televisão tudo isso lá, o desça pela frente para aprender a ter
vergonha.
O senhor quem é,
perguntou o delegado?
Sou o filho que
ele expulsou de casa porque descobriu que era gay.
Doce vingança
disse o delegado, o fizeram entrar no camburão, na frente de todo mundo,
algemado.
Subiu no elevador
com o Noronha, rindo ao mesmo tempo chorando, o delegado tem razão, uma doce, mas
amarga vingança. Tua mãe e irmãs
roubando, teu pai idem, eles que me julgaram como se fosse um bandido.
No final do dia,
finalmente a casa estava em ordem.
Quando François
acabou de descansar, foram com ele ao cemitério, tinha avisado ao rabino, os
quatro ali, rezaram por ela, deixaram o François recitar o Kadish.
Entende agora por
que me converti rabino, se meu filho é judeu, eu tenho que ser também.
O velho sempre
falava de ti filho, te queria muito.
Menos esse sem vergonha que nunca vai a sinagoga, não venha me dizer que
vai aonde teus pais frequentam que é mentira, eles nunca vão a sinagoga
nenhuma.
O senhor aceita
um gay na tua sinagoga?
Aceito qualquer
filho da puta que acredite em deus.
Ficaram rindo os três, saíram dali, foram tomar um lanche em casa.
O rabino quando
soube de toda a confusão ria, soltou, os putos judeus são assim, dizem que
creem em deus, mas se descuida te roubam.
Rabino, soltou o
Noronha, como chamando a atenção.
Pura verdade meu
filho, creio que tu eres o único que ajuda a sinagoga, como fazia o velho, os
outros, só aparecem para as festas. Já
são brasileiros demais.
Como falavam
rápido François disse que não entendia tudo.
Eduardo foi levar
o rabino a sua casa.
Ficaram pai e
filho sentados no sofá, olhando um quadro com um retrato de Helena, feito em
Paris. Desde que o trouxe sempre este aí,
no lugar antes tinha um retrato de tua avó.
Agora tocava
seguir a vida. Telefonou ao delegado,
que ria muito, isso parece uma convenção de deputados, tem advogado que não
acaba mais, mas como foram pegos com a mão na massa, tem que esperar a tua
denúncia. Irei amanhã, assim dormem uma
noite na cadeia para aprenderem.
Para si mesmo,
olhou o quadro da Helena, tua mãe deve estar rindo aonde esteja, tinha horror a
essa família. Quando voltou, todos a
convidavam para almoços, jantares, para a bajularem, falavam mal de mim para
ela. Diziam que eu era gay. Ela ria, pois sabia disso desde que éramos
criança.
Sim me contou,
que o senhor fez questão de me dar seu sobrenome, quando o meu pai verdadeiro
fugiu para Israel. Por isso gosto tanto
do senhor, rindo para não desmerecer a família, além dos presente que sempre me
davas. Ficaram os dois as
gargalhadas, quando entrou o Eduardo.
O que me perdi,
perguntou.
Quando lhe
explicaram, soltou o Noronha é assim mesmo, um dia apareci aqui, com umas
maletas velhas com uns poucos livros, roupas de segunda, me deu abrigo, falaram
mal dele, diziam que tinha me levado para o caminho do mal, etc. Nem se imutou. Tua mãe foi igual, me tratava bem, me
incentivou a acabar a universidade, agora trabalho com o Noronha. Falam que ele me come, mas me dá igual. Me respeita isso sim.
Só vou a
delegacia amanhã, assim dormem por lá, para ver o sol nascer quadrado.
De noite iam sair
para comer, mas François, disse que tinha visto comida na geladeira, que estava
cansado. Na minha cabeça, não sai a
imagem dessa gente toda abraçada a quadros, objetos dessa sala para defender o
que tinha roubado. Preciso dormir o sono
dos justos, para amanhã me dar conta que estou no Brasil. Eduardo, vais me mostrar a cidade?
Claro que sim
garoto.
François dentro
de breve iria à universidade, agora queria saber aonde, se em São Paulo, ou em
Paris.
Teria muito que
conversar com ele, nessa noite sentiu falta da amiga, pois mesmo estando mal,
tinham tempo para conversar. Agora quem
o escutaria, com quem trocaria confidencias, se levantou no meio da noite,
retirou do armário a primeira caixa de cartas que tinham trocado quando ela foi
para a França. Com os anos, suas histórias iam mudando, mas nessa primeira
caixa reclamava do seu pai os terem separados, ele achava que ela devia ter
cultura, se casar com um judeu francês, formar família por lá, o Brasil é terra
de ninguém dizia ele.
Estava chorando
como um bezerro desmamado, quando François, escutou quando passava para ir ao
banheiro, ficou sentado abraçado com ele, rodeados de um mundo de cartas.
Tens que imaginar
meu filho, que fomos amigos desde criança, íamos ao jardim de infância juntos,
me defendia dos outros, na escola, eu era o alzaimer, porque todos eram filhos
de pais ricos, eu de um porteiro.
Ficava uma fera quando zombavam de mim.
Brigava com os professores por não me defenderem, dizia que eu era mais
inteligente que esse garotos mimados.
Fazíamos tudo junto, ir à escola, estudar, aos bailes, dançávamos todas
as músicas modernas. A única que não
gostava era minha mãe que dizia que eu estava levando a vida de um rico, que
nossa realidade era diferente.
Não deixava de
estar certa, quando fui para a universidade ajudado pelo teu avô, ela me dizia
que isso tinha um preço, ir trabalhar para ele. Fui sim, confiava em mim, só discutíamos
quando lhe disse que tinha que modernizar tudo, pois tudo estava mudando, na
cabeça dele isso era duro, ele tinha construído não digo um império, mas tinha
dinheiro.
Eu lhe provei que
estava errado, no final, quem ficou com tudo fui eu. Uma vez antes de morrer minha mãe me
perguntou se eu tinha roubado o velho.
Estive horas lhe explicando, mas não ficou contente. Não queria dormir aqui dentro do
apartamento, queria dormir nas dependências de empregado. Dizia que não estava cômoda nas outras
dependências do apartamento. Uma vez
quando fui vê-los, em Paris lhe trouxe uma roupa de Helena escolheu em especial
para ela, nunca vestiu, dizia que era para seu enterro, foi enterrado com ela.
O comentário que
fazia, como uma pau de arara podia se vestir assim, não combinava. Teve que explicar para o François o que era
uma pau de arara. Tinham os dois, recém
casados, em cima de um caminhão, desde o nordeste até chegarem a São Paulo, meu
pai vinha com um contrato para trabalhar na construção. Foram viver numa favela, até ele arrumar o
emprego aqui, eu devia ter uns 3 anos na época. Não me lembro dessa época da favela, ou
borrei da minha cabeça. Aqui tudo
girava em torno a Helena, imagina que o prédio estava cheio de garotos e
garotas, mas não ela fincava o pé que queria era brincar comigo.
Todos esses anos,
nos correspondemos todas as semanas, aí está o resultado, eu guardava tudo,
depois relia várias vezes, até lhe responder.
Se pode dizer que fiz um curso de filosofia por correspondência. Ela dizia que eu não entendia os temas, eu
rebatia, discutia com ela a respeito.
Uma vez fez uma coisa, tinha que fazer um trabalho, sobre sociologia, me
deu o tema, me desafiou a escrever em francês o que eu pensava do assunto. O apresentou como seu ao professor, foi uma
briga fantástica, pois eu analisava cada fala absurda dele, essas coisas que os
que vem de famílias acomodadas acham que vão melhorar o mundo, mas não toquem
no que ele tem.
Isso ela me
contava.
Ficaram falando,
quando viram já era de manhã.
François estava
contando no dia que conheceu seu pai, apareceu do nada, segundo ela, um velho
acabado. Tinha duas filhas, queria o
filho para seguir suas ideias, logo eu que sempre odiei matemática, me
apresentou formalmente, teu pai.
Repliquei
imediatamente que já tinha um pai que adorava, que vinha todos os anos passar
um mês comigo, que era meu amigo, com quem eu podia falar, que não precisava de
outro, ainda mais para ir com ele para Israel.
Lhe perguntei se
ia a sinagoga?
Me respondeu que
as vezes, que não tinha tempo para ficar discutindo a existência de Deus.
Pois meu pai, se
converteu ao judaísmo, só para que eu tivesse base, fez comigo todos os
procedimento, quando estávamos aqui, íamos juntos. Discutíamos o que tínhamos escutado nesse
dia.
O homem ficou me
olhando, fechou a cara, me disse que não aparecesse um dia pedido seu
sobrenome. Me levantei tirei a
carteira, mostrei meus documentos com o teu nome, foi embora furioso. Ela me abraçava chorando, a partir de hoje
és um homem, enfrentaste a um sujeito egoísta que amei muito no passado, que só
me deu uma coisa boa, tu.
O sol entrava
pela janela, tinham dormido pouquíssimo essa noite. Acredito que ela estava aqui, sentada naquela
banqueta como gostava de fazer, me olhando.
Com isso no dia
seguinte, se esqueceu de ir dar a queixa, teve que ir porque o delegado o
chamou. Essa gente é muito chata, os
policiais estão nervosos com eles. Os
advogados não saem daqui.
Foram os três, Eduardo
ria muito da figura do pai e da mãe, os jornalistas, não tinham saído da frente
da delegacia.
Fez a queixa por
invasão de propriedade, bem como roubo intencionado.
Todos iriam a
julgamento. No final só o pai e a mãe do
Eduardo ficaram, não tinha dinheiro para pagar um advogado, tampouco a fiança
para sair.
Ele riu, cadê os
amigos finos que a senhora tinha, porque não pede para que venham pagar sua
fiança, velha embusteira. Fora ela que contara ao seu pai que ele era
gay. Cadê seus genros ricos, não vejo
ninguém por aqui. O pai ainda gritou
com ele que tivesse respeito.
Porque, tiveste
algum comigo, por mim podem ficar aqui, ainda darei declaração aos jornalistas,
dizendo que não podem sair porque não tem dinheiro para pagar a fiança, que
estão arruinados.
Uma das suas
irmãs veio pagar a fiança, mas só tinha para um, pagou a da mãe, o pai ficou
para trás.
Ficou na prisão
até irem a julgamento. O juiz nem podia
colocar uma multa, pois todos alegavam que estavam arruinados, o jeito foi
colocar todos em cana novamente.
Noronha como era
ficou com pena, queria retirar a queixa, mas Eduardo o convenceu, sempre te
chamaram de ladrão, de filho da puta, de todos os nomes possíveis. Nada de pena, quem sabe assim aprendem.
Os filhos vieram
falar com ele, mas pediu uma desculpa formal por jornais, que eram ladrões,
todos preferiram pagar a pena que era pequena.
Eles ao
contrário, pensou bem, resolveu sair do pais, deixou tudo nas mãos do Eduardo,
foi até Israel, para conhecerem, levaram com eles o rabino que era amigo de seu
avô, que nunca tinha dinheiro para ir.
Foi falar com seu
pai, para avisar que Helena tinha morrido. Quis apresentar suas irmãs a ele,
ficou com pena delas, levavam uma vida sem graça, nenhuma tinha ido à
universidade, as casaram cedo, cheias de filhos.
Viajaram pelo
pais inteiro, levaram o Rabino, aonde viviam familiares seus, lhe fizeram uma
grande festa, foram a todas as sinagogas para conhecer. Rezaram no Muro das Lamentações, por Helena,
pelo seus avós.
Depois voltaram
ao Brasil.
François,
resolveu estudar medicina em São Paulo, depois faria alguma especialidade fora,
mas se acostumou a viver ali. O delegado o surpreendeu aparecendo no seu
escritório, me disseram que você é bom aplicando dinheiro. Preciso me livrar de trabalhar na polícia,
estou farto. Ficaram amigos, iam
almoçar cada vez que ele vinha. Lhe
ensino como fazer, aplicar um dinheiro, ganhar, repor no banco o que tinha
tirado, usar somente o lucro sempre.
Assim terei um
colchão para minha aposentadoria. Não
tenho família, vivo sozinho. Eduardo
dizia que o delegado gostava dele.
Era um homem
diferente, era advogado, não tinha essa maneira que os outros tinham de machão,
estava nessa delegacia, pois sabia ser educado.
Quando o advogado
do escritório se aposentou, lhe perguntou se queria trabalhar com ele.
Sei não, deves
ser um patrão duro de roer. Assim foram
levando até que um dia num jantar o François, virou-se para ele, enquanto o pai
tinha ido ao banheiro, lhe perguntando quando ia se declarar a seu pai. Que estas esperando, que a fruta caia da
árvore de podre.
A cara do Roberto
Dutra, foi ótima, transpareço tanto assim?
Sim, responderam
ao mesmo tempo.
Eduardo, pensei
que vocês tivessem um relacionamento.
Somos amigos nada
mais, ele e Helena me ajudaram quando a família me expulsou de casa, por isso
sem querer até hoje vivo lá.
Ah, bom se é
assim.
Nessa noite os
dois os deixaram no salão tomando o último drink da noite. No dia seguinte o Dutra tomou café da manhã
com eles. Noronha não disse nada, era
assim. François dizia que parecia uma república
de homens, ele nunca tinha se apaixonado.
Levou anos para
encontrar alguém, sem querer num congresso médico, conheceu uma médica de São
Paulo, como ele dizia, vivemos na mesma cidade, não nos conhecemos. O casamento foi ótimo. Ela era do interior, a família não gostou
muito da família do noivo, mas ela soltou, quem vai viver com eles sou eu.
Logo a casa
estava cheia de crianças. Noronha
adorava ser chamado de avô. Tinham
discutido muito, como seria a educação religiosa deles. Norma, disse que o avô devia decidir.
Ele foi com Dutra
até o interior para falar com os pais da Norma, os convenceu que os meninos
devia ser educados no judaísmo.
Acabaram aceitando.
Estavam atrasados
nos procedimentos, mas o velho rabino cuidou de tudo. Era ele quem ensinava os
garotos. Quando nasceu o último filho,
colocaram o nome de Helena, era a paixonite do Noronha, se atiraria do alto do
edifício se a menina pedia.
No salão agora
tinham uma foto de família embaixo do quadro da Helena. A menina parava olhava o quadro, dizendo sou
eu.
Noronha ficava todo
derretido. Mas os fazia a todos estudar
francês, todos anos iam a Paris, para ver aonde o pai tinha crescido. Se hospedavam na casa da Helena, que era
mantida graças ao Noronha.
Ele mesmo com o
Dutra vinham passar a Saison em Paris, ir a Operas, que ele acabou gostando,
exposições, sempre comprava alguma coisa para levar para o apartamento de São
Paulo.
Sempre dizia,
esperei, agora tenho paz comigo mesmo, uma família grande, amigos, que é que
importa. Gradativamente os parentes
foram sumindo, saiam da prisão, em seguida desapareciam, alguns souberam iam
para Israel, aonde ninguém os conhecia.
As únicas que
ficaram foram as irmãs do Eduardo, que agora sempre o convidavam para as festas
de família.
Mas na volta
dizia, minha família é esta, o resto é consequência da vida.
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