lunes, 30 de agosto de 2021

ALGO NOVO

 

                                                        ALGO  NOVO

 

Estava com os braços caídos ao braços caídos ao longo do corpo, esperando sua sentença, em sua cabeça não tinha feito nada incorreto.  Mas todas as provas apontavam para ele, tinha sim durante muitos anos trabalhado com quem não devia.  A merda é que essas pessoas já não estavam vivas para dizer que não tinha culpa no cartório.

Sabia que tudo não passava de uma vingança orquestrada por várias pessoas.   Nesse momento depois de dias de julgamento, seu advogado de ofício não tinha resolvido grande coisa, tampouco tinha feito nenhum esforço para isso.

O juiz se virou para ele, perguntou se queria falar alguma coisa, visto teu advogado, não ser muito claro.

Como num estalo sua cabeça começou a funcionar.   Diziam que quando acontecia isso, saíssem da frente porque ele era como uma metralha com os dados que podia armazenar na mesma, era mais fiável que um computador.

Sim senhoria, quero.  Mal pude ler as acusações que esses senhores fizeram contra mim. Em primeiro lugar, todo mundo espera que eu diga que nunca trabalhei para esses senhores da Máfia, seria uma inverdade.

Durante muitos anos, devi favores por causa da minha família aos da Máfia.   Mas veja bem os atendi como qualquer pessoa que me procura.   Exijo que tenham uma conta no banco, que o dinheiro a ser aplicado venha através desses canais.   Trabalho justamente com gente de pouco rendimento, procuro colocar em suas cabeças que comprar, vender ações não é como um jogo, sugiro sempre, se olham as folhas iniciais de informações, que aplique um valor inicial, quando esse valor dobrar, que retirem o aplicado, o devolvendo outra vez a sua conta no banco, para seguirem garantido a segurança da pessoa.  Cada vez que reaplica o dinheiro, que uma parte deve ir ao banco.   Sou uma empresa pequena, portanto posso vigiar tudo isso, os senhores citados já morreram, não eram chefões da máfia, mas sim pessoas que conhecia desde criança.   Se verificam suas contas, verão como era o procedimento.

Quanto ao outros procedimentos que tem minha assinatura, eu duvido muito, pedi que o advogado conseguisse um grafólogo, não sou um idiota, minha assinatura é muito particular, além de ter por capricho, ler atentamente tudo que assino, se me podem mostrar a assinatura no quadro.    Ah obrigado, me permite senhor juiz, gostaria de ter uma caneta para mostrar aonde estão os erros.  Foi apontando no quadro os erros na assinatura.   Quem fez isso tentou, mas devagar, tirou a tampa da caneta, fez a sua assinatura rapidamente no quadro, agora olhem a diferença.   Se escutou vários ohs, do jurado.

Para terminar, este senhor que faz essa reclamação, nunca foi meu cliente, basta olhar a listagem de clientes que tenho, era um cliente particular de um empregado, que fazia suas transações desde casa.  Nos nossos computadores, não tem pelo que já declararam, nada desse senhor.

Por quê?   Quando me procurou, mandei analisar sua ficha, eu sempre faço isso, este homem foi condenado duas vezes por estafas, o que está tentado fazer agora, é justamente isso.  Mas se fosse realmente esperto, teria verificado minha maneira de trabalhar.

Eu me neguei fazer aplicações para ele, em nome segundo ele de alguns clientes.  Primeiro porque queria investir em empresas que estão em perigo no mercado.   Eu só faria isso se fosse um idiota rematado.    Ainda não como merda, pensando que é caviar.

Perdão senhor juiz pelos termos.

O advogado que o acompanha, bem como o senhor fiscal, já estiveram metidos em casos similares, ou será que esperavam que eu não os mandaria investigar.  Citou uma série de casos, inclusive dois foi vossa senhoria que despachou.  Creio que o enganaram de alguma maneira, pois isso sujaria vosso nome.

Já tinha ganho uma parte, os dois na mesa de acusação estavam nervosos, bem como o fiscal.

É sabido que o fiscal, se candidata a fiscal do supremo, para isso necessita de dinheiro, o mesmo tem a casa empenhada, os dois carros que tem, pertencem a bancos, os mesmo segundo meu sonde-o, se negam a lhe emprestar dinheiro, pelo que sei com ameaças.

O Fiscal tentava fazer com que parasse, mas os juiz mandou prosseguir.

Por último senhor fiscal, se querem embargar minha empresa bem como minhas contas, estas estão asseguradas, eles teriam um lucro neto de 50 milhões de dólares.

Isso é ganância pura.  Mas se fossem expertos, que não são, todo esse dinheiro está num fideicomisso, destinado a educação dos meus sobrinhos, nem eu, nem o senhor podemos mover esse dinheiro.  Como são crianças, só terão acesso a ele, quando tiverem idade para ir a universidade.

Eu vivo numa casa modesta, minha irmã é viúva, acreditou em mim, para aplicar o dinheiro que herdou, a orientei justamente para isso.  Apenas sou o administrador desse dinheiro, nada mais.

Agora se me acham culpado de alguma coisa, não terei medo de ir para a cadeia.  Mas que esses senhores merecem mais do que eu, isso tenho certeza.

O jurado saiu, voltou em dez minutos, ele estava sentado tranquilamente, entregaram o papel para o juiz.   Este leu, sorriu.   Acho que o senhor devia ter outra profissão, ser advogado. O jurado o declara inocente.   Quer dizer mais alguma coisa.

Sim nesse momento, um auxiliar, está entrando com uma ação, contra esses senhores, bem como contra o fiscal.   Gostaria que o senhor se antecipasse, lhes desse ordem de prisão, para não nos fazer perder tempo.   Principalmente o senhor a quem tentavam fazer de tolo outra vez.

O juiz fez um gesto, ninguém tinha visto, mas no final do lugar, estavam vários policiais.

O fiscal o olhava furibundo, ao passar por ele, lhe disse vou por você, bem como por tua família inteira.

Saiu do tribunal seguido por muitos jornalistas, mas se recusou a falar.

Tinha pedido a prisão do funcionário que também tinha traído sua confiança.

Dentro do carro que lhe esperava, seu braço direito, os jornalistas tentavam entrar ou fazer com que ele respondesse alguma coisa, sorriu dizendo, desculpe, mas se fecho a porta posso ferir seu braço, gentilmente retirou a o braço do que tentava impedir de fechar a porta.

Quando o carro conseguiu arrancar, disse filhos da puta, não sabem quem provocaram.

Riu pensando, nem sequer sabem que eu sou.

Estaria agora devendo favores ao seu irmão, esse sim um mafioso total, sem querer o mesmo o tinha metido nessa confusão. 

Ele como sua única irmã, eram filhos do segundo casamento de sua mãe, com um chefão da Máfia, mas ela nunca foi uma loira burra, os tinha mandado para serem criados pela sua avó, bem longe daqui, bem como ficou pé, os fazendo registrar somente com seu sobrenome.  Seu pai que ele viu em contadas ocasiões, não podia resistir aos encantos dela.  Sabia como manobrar o homem.

Imagina um italiano, manobrado por uma mulher irlandesa de pura cepa, que não se dobrava de maneira nenhuma a ninguém.    Para ir para cama com ela teve que se casar.

Ao mesmo tempo, quando ele morreu, a deixou rica, mas com dinheiro limpo, nada de dinheiro da máfia.   Além de uma quantidade de joias impressionante.

Em seguida se casou com um homem do sul, imensamente rico, vivia numa grande fazenda no interior do Texas.  Foi lá que sua irmã tinha se casado com um milionário do petróleo, que morreu num acidente de carro, saindo de um prostibulo.

Foi quando ela lhe pediu auxílio, fez o que fazia com qualquer cliente, ele na verdade só usava o fundo dos garotos, para os protegerem.

A anos tinha reencontrado numa festa, ele que odiava qualquer uma, na casa de um cliente, tiveram uma conversa durante instantes em particular, quando ele pediu se podia aplicar dinheiro para ele.  Fazer uma espécie de lavagem de dinheiro, lhe disse na cara, como tu imaginas não, mas terei um plano para ti.

Desenhou o seguinte, os empregados de uma fábrica que ele tinha, lhes dava dinheiro como se fossem suas economias, depositavam num banco, ele aplicava esse dinheiro, o seguia aplicando sempre, mas tinha um inconveniente para o irmão, uma parte realmente tocava essas pessoas carentes.   Mas o lucro eram bons.

O irmão aceitou, por isso, mandou seu braço direito falar com ele, para conseguir informação sobre o fiscal, bem como os outros.   O advogado de ofício, era só uma tapadera. O juiz sim sabia que ele antes de tudo era um advogado, por isso perguntou se queria falar.

Um mês depois, apareceu com mais dados sobre os que tinham movido uma ação contra ele, mas o melhor tinha contratado um advogado que era inimigo ferrenho do fiscal, para o julgamento dele a parte.   Tinha revisado todo seu trabalho ao longo dos anos que estava como fiscal, levantavam muita coisa suja.

Esse quando viu o advogado do lado dele, institivamente secou o suor da frente.   Lhe caiu uma pena de 15 anos, por usar mal um trabalho público.  Em consequência sua mulher lhe pediu o divórcio, mudando inclusive de cidade.   Sorte que não tinham filhos, mas salpicou toda a família dele, que tinha muito dinheiro.

Dias depois, recebeu de noite em casa, seu irmão chefe da máfia, que entrou pelo beco detrás de sua casa.

Foi direto ao assunto como sempre ia, acredito que devas sair da cidade, a família do fiscal, colocou tua cabeça a prêmio, posso te proteger mais isso, chamará atenção.  Ou fazemos uma coisa rocambolesca.

Organizo um atentado contra ti, antes passas o teu escritório para teu sócio, consigo documentos falsos, para ti.   Desapareces por um bom tempo.

Tens dinheiro? Para estar fora muito tempo?

Sim, tenho dinheiro fora do pais, mas esses idiotas nunca imaginaram usar isso contra mim.

Me dê uma semana.

Não, te dou dois dias, para fazeres isso, não temos tempo a perder, essa gente é do pior.

Dois dias depois ia tranquilamente para casa, ou isso aparentava, tinha pedido segurança a polícia, pois temia por sua vida. Quando um caro fechou o que ia.  Ele se jogou no chão imediatamente, os dois homens que iam na frente saíram para responder ao fogo, era um fogo cruzado, a porta do lado que estava protegido, estava encostada a uma dessa lixeiras imensas, abriram uma lateral, tiraram uma pessoa morta, igual a ele, colocaram no seu lugar, empurraram a lixeira para longe, se afastaram do carro que explodiu.

Restou pouca coisa do corpo dentro do carro, levaram depois dias para recuperarem tudo, era impossível saber se era ele.

Sua irmã mandou fazer o enterro, com o caixão fechado.   A polícia conseguiu pegar os que estavam atirando, acabaram dizendo quem tinha encomendado a sua morte.  O pai do fiscal. A coisa ficou preta, ele assistiu tudo de longe.   No dia seguinte embarcou, com um passaporte com novo nome, em direção a Europa.

Agora se chamaria Egberto Holt, gostava inclusive de seu novo vestuário, que o rejuvenescia.

Tinha seus contatos, seu irmão tinha lhe dado uma documentação, com nome italiano, ele aceitou, mas no aeroporto no momento que foi ao banheiro, seu sócio lhe entregou essa nova documentação, bem como outro bilhete de avião, para o irmão ele ia rumo a Berlin, com a nova foi para Helsinki. 

Nada de hotéis cinco estrelas, tinha alugado um apartamento com esse nome, com cartão de credito incluído por Airbnb, foi super fácil, tinha conseguido nesse tempo, mover todo seu dinheiro para uma nova conta, usava agora cabelos mais curtos, mais claros, óculos sem grau, que se colocava uma parte em cima, virava óculos escuros.   Como fazia frio, agasalhos modernos que lhe escondiam bem a cara. Quase o tempo todo, usava gorros de lã.

O que fez a seguir, foi embarcar num cruzeiro que ia em direção ao mediterrâneo, cheio de turistas de uma certa idade, alugou um camarote individual, dizendo que roncava.

Não tinha comentado seus planos, nem para seu sócio.   Desceu em Lisboa, como qualquer turista, só com uma mochila, aliás era tudo que ele precisava.

Já tinha reservado uma Airbnb, na zona de praia em Cascais, ficou uma semana por lá, alugou um carro, saiu em direção ao sul, no caminho, viu muitas motorhome, com placas francesa, alemãs, pensou, perfeito para se mover.

Consultou por internet no hotel que estava hospedado, viu que podia comprar ou alugar, entregar em outro lugar, se comprava, podia vender depois, assim poderia fazer o roteiro que quisesse.

Foi o que fez, mas acrescentou uma coisa, comprou uma moto, que levava na traseira, percorreu toda a costa sul de Portugal, bem como Espanha, quando entrou na França, tomou mais cuidado, atravessou no sentido de ir a Luxemburgo, aonde tinha transferido o dinheiro, deixou a motorhome numa cidade perto, foi de moto.

Se hospedou num hotel pequeno, ficou vigiando o banco dois dias, mudava de posição, falou com a pessoa que lhe movia dinheiro, disse que necessitava aceder a sua conta. Marcaram uma hora.

Lhe atendeu uma senhora de uma certa idade, ela riu, pensando o que está fazendo essa senhora aqui, verdade?

Sim, devia estar aposentada.

Odeio estar em casa, fazer qualquer coisa relativa a casa, preciso disso, de trabalho, adrenalina.

Mais um pouco, me atreveria a conseguir um trabalho aqui.  

Não seja por isso, dois companheiros acabam de se aposentar, venha comigo, o apresentou ao diretor.  Começaram a falar de ações, ele desde que estava pela Europa, se informava pelos jornais, mesmo pela televisão que tinha na Motorhome, dos movimentos das bolsas.

Convenceu o homem, disse que tinha alugado uma casa em Thionville.  

Sem, problemas, basta vir aqui, quando algum cliente que lhe passem peça, uma presença física, de resto podes atender a pessoa, através de um telefone que lhe cedemos, um computador, para olhar suas contas, faras um treinamento técnico, durante duas semanas, vamos ver quantos clientes deixas satisfeito.

Isso era com ele, mostrou nessas duas semanas do que era capaz, ia e vinha de Thionville de moto, a motorhome estava num camping.

Fazia uma coisa que o banco as vezes não, fazia, a cada cliente que lhe tocava, buscava algo sobre sua vida através da rede negra da internet que tinha aprendido a usar, isso lhe dava segurança.

Não fazia contato com sua família, aliás nunca tinha sido apegado a ela, sua mãe basicamente nunca deu muita atenção a eles, depois de se casar novamente, tinha uma nova família.

Seu sócio tinha sido seu amigo, desde a universidade, ele tentou alguma coisa com ele, mas se mantiveram como amigos, era mais fácil.

Observou que parecia que a cidade estava cheia de espias, foi até uma cidade maior, comprou um carro, vendeu a motorhome, alugou uma casa, nas montanhas, quase fronteira com Luxemburgo, mas fez a mesma coisa, do lado Belga, bem como do Alemão, assim era fácil, eram casas pequenas manejáveis, se fazia conhecer na vila mais próxima, aonde ia de compras, se dizia um escritor, a procura de inspiração, em cada lugar usava um nome diferente.

Se divertia, tinha encontro com homens nesses lugares todos, mas dizia que estava de passagem, que tinham que ter uma casa para fazerem sexo, depois desaparecia.  Nada de compromissos.

8 anos depois, um dia recebeu uma chamada para atender uma pessoa, logo descobriu que era o braço direito de seu irmão.  Disse que não poderia atender, visto ter uma bateria de exames médicos marcados com antecedência, se livrou de todas as residências, rapidamente. Sabia por aonde ele entraria. Ficou observando, vinha junto com seu irmão, na mesma hora, desapareceu. Mandou uma caixa para o Banco, entregado o laptop, celular que usava, tudo muito limpo de impressões digitais, nunca o tinha usado para coisas particulares, nada podia denunciar.

Em uma carta alegava motivos pessoais.

Foi para Paris, passar uma temporada, gostava dessa vida, em que não precisava de muita roupa, casas que estavam condicionadas para ele, tinha conseguido várias identidades, assim nunca era a mesma pessoa que alugava.

Viveu 10 anos em Paris, sabia que as estas alturas, seus sobrinhos já estavam de pose do fideicomisso.   Tinha uma clave especial para poder olhar.  Viu que sim, que estavam em pleno uso dos mesmos.

O que lhe pesava as vezes era a solidão, porque não criava raízes em nenhum lugar, os romances era de só uma noite, até que em Paris, conheceu um turista como ele, do Brasil, estava andando na rua, passou por um café, viu aquele homem sentado, tomando um vinho calmamente, fumando um cigarro.  De uma certa maneira se parecia com ele. Todos seus movimentos eram calmos, subiu a rua outra vez, seguia no mesmo lugar, se espantou quando ele levantou a taça de vinho, o convidando para tomar um com ele.

Tomou coragem, entrou no bar. Foi um encontro elétrico, foram para seu apartamento no momento, um studio justo as margens do Sena, mas afastado do centro.  Houve entre eles um contato impressionante, passaram dois dias na cama.

Quando não fazia sexo, Dov Blinger, era uma pessoa tranquila, tinha vindo a França fazer um filme, as rodagens tinha acabado no dia que tinham se conhecido.

No terceiro dia, disse que tinha que voltar ao seu hotel, pois podiam ter feito contato com ele, foi com ele até lá.   Tinha que repetir algumas cenas, bem como fazer dublagem de algumas partes. Viu que um carro vinha busca-lo para levar aonde seriam as cenas.

Quando viu de longe o que lhe cercava, se assustou, muitos jornalistas, fazendo fotos, câmeras de vídeo o tempo todo em ação.

No mesmo dia montou sua mochila, se mandou do apartamento. Com sua moto, foi em direção ao sul, afinal o verão estava chegando.  Ao mesmo tempo ao fazer isso, se deu conta que estaria sempre assim, em movimento.   Nunca teria pouso.  Seguia aplicando seu dinheiro através do banco de Luxemburgo.   Quando falou uma vez com sua velha companheira, soltou.

Me deixaste uma bela banana estragada, os tais sujeitos eram da máfia, queriam lavar dinheiro aqui, mas ostentosamente, sabes que o banco não faz isso.  Não gostaram muito, do que lhes disse, pediram para falar contigo, mas lhe disse que estavas fora fazendo exames médicos, lhes passei ao chefe que os tirou de letra, não gostaram muito, disseram que iriam tentar em Andorra.

Se apaixonou por Aix en Provence, alugou um apartamento, num edifício que viviam estudantes, começou a ir a Cassis, até que descobriu Beach Portissol, uma pequena praia, que lhe encantou, mesmo no verão a frequência era pequena, alugou de uma senhora uma casa que ficava numa parte mais alta, com vista de toda a praia, tinha uma visão se alguma pessoa se aproximava.

Era seu paraíso, fez amizades, na pequena vila, nem ia as grandes cidades para se abastecer. Seguia movendo sempre seu dinheiro.

Até que sofreu um acidente de moto, nas montanhas foi levado de helicóptero, para um hospital em Nice, quando se deu conta ficou uma fera, mas tinha que ser operado de emergência, conseguiu avisar a senhora, aonde estava. 

Pediu um quarto particular, quando fez novos exames, o médico disse que não devia mais andar de moto, tinha um problema sério de ossos, um câncer sem muitos tratamentos, se tivesse acontecido antes, tudo bem, mas atualmente, não haveria recuperações.

Devia se preparar.  Por enquanto poderia andar, mas com o tempo isso já não seria possível.

Parou para pensar, seriamente, voltar, imaginou chegando de repente na casa de sua irmã, dizendo estou vivo, vim morrer aqui, ou mesmo na mansão de sua mãe, nem pensar.

Muito menos com seu irmão mafioso que o devia estar buscando a anos, pôr o ter ofendido escapando de suas garras.   Assim que pode andar, levou os resultados dos exames a Paris, consultou os melhores oncologos, que trabalhavam nessa área.  Só um deles lhe deu esperança, retirar esses troços de ossos já contaminados, colocar próteses de platino no lugar, fazer um tratamento com relação ao resto, mas só saberemos se conseguimos contornar a coisa dentro de um ano.

Nada de casa ou apartamento com escada. Correr nem pensar. Andar sempre comum bastão para equilibrar o peso.

Resolveu se arriscar, pagou pela operação, sabia que a reabilitação seria cruel, alugou um apartamento quase ao lado do hospital, assim se movia pouco.   Foram quase um ano fazendo reabilitação, os últimos exames, lhe deram esperança.

Mas o médico o avisou, vida tranquila.

Andando na rua, um dia encontrou o brasileiro, tinha ficado na França, estou te procurando a anos.

Estudei cinema aqui, agora dirijo séries para televisão, levo uma vida mais cômoda, contou o que lhe tinha passado.   Fique na minha casa, vivo perto também do hospital. O cuidado que tinha com ele, era impressionante, me apaixonei por ti naquela época, fiquei te buscando, fui ao apartamento, pensei, assustei a ele.   Lhe contou o que tinha lhe assustado.

Bom te manterei a margem.

Seguia fazendo reabilitação, exames pesados a cada x tempo, para ver se tinham novidades. Os ciclos foram diminuindo.   Era feliz com Dov, mas o seu subconsciente tinha medo.  Num período que ele foi ao Brasil visitar a família, ele ficou só.   A desculpa tinha revisão.  A notícia não era boa, voltavam a aparecer zonas nos ossos com câncer.   Agora já não posso fazer muito.

Quando Dov voltou, contou tudo, sinto muito, mas isso será uma batalha perdida desta vez, não posso ficar dando trabalho a ti.  Dov estava tentando levantar dinheiro a muito tempo, para fazer um filme.  Lhe disse, eu te financio, mas não me pergunte sobre o dinheiro.

Tu levas uma vida tão simples, como pode ter todo esse dinheiro, te disse para não perguntar, começava a sentir-se mal.   Falou com um advogado, o orientou, deixou todo o dinheiro que tinha ao Dov pelos anos de felicidades juntos.

Se internou em cuidados paliativos, não aguentou muito tempo.  Contou toda sua vida ao Dov, sabia que quando muito ele escreveria uma história com isso, mas já não lhe importava.  Enquanto estava bem, foram passar um tempo final na Beach Portissol, aonde pediu que colocasse suas cinzas de uma maneira que olhasse o mar, como última vontade, comprou a casa para Dov.  Disse aonde queria que ele colocasse as cinzas dentro de um vidro, para ver sempre o mar.    Antes de voltarem a Paris, entregou uma bolsa de moto cheia de cadernos de anotações, me perguntaste o que fiz com tanto dinheiro, está tudo aqui, as pessoas que pude ajudar, para que pudessem fazer “algo novo” com suas vidas.  Mas só abra tudo depois da minha morte.

Morreu com ele segurando sua mão.   Tinha vivido uma grande aventura, isso bastava.

Dov o mandou cremar, fez o que ele tinha pedido, conseguiu um pedreiro, explicou o que queria, ali estaria no seu pouso final.  Da praia muita gente as vezes olhava, pois o sol batia no vidro aonde estavam suas cinzas, refletindo na praia.

Dov as vezes passava por ali, colocava a mão em cima.

Quando começou a ler o primeiro bloco, ali estava toda sua história inicial, riu, eu preciso fazer um exercício mental assim, quem sou eu, de donde sai, meus antepassados.

Mas primeiro leu esse caderno inteiro, um dia e uma noite inteira, sem parar, só  parou para tomar café para se manter desperto.

Meu amigo, pensou, a história que eu queria filmar, é uma merda em comparação com a sua, foi a Paris, falar com produtores, iria escrever a história como se fosse uma série de televisão, pois seria muito comprida para o cinema.   Ele mesmo seria um dos produtores que entraria com dinheiro, tinha aprendido com Egberto como fazer.  Com a ressalva que ele devia sempre ajudar alguém quando aparecesse, tinha lhe explicado como fazia, observar, ver se a pessoa é realmente o que demonstra, só então ajudar.

Sentou-se de uma tacada só escreveu a primeira parte, o final do julgamento, seriam dois capítulos.  Apresentou o roteiro para os outros produtores, Netflix logo se interessou, devia depois ser dublada em inglês.   O duro foi encontrar um ator que pudesse fazer, mais é claro um papel em que o personagem, não é nenhum herói, mas sim um homem com todos os problemas que envolve alguém que foge o tempo todo.   As filmagens seriam nas cidades que ele tinha vivido.

Já estava lendo, para ir pensando nas seguintes temporadas, quando Egberto apareceu em sonhos, agora sei de tua vida.   Lhe foi mostrando tudo que tinha guardado dentro de sua cabeça.

Como não estava filmando, os roteiros seguintes estavam prontos. Resolveu olhar para si mesmo.

A história de sua família, podia remontar, durante e depois do final da primeira guerra.

Seu avô tinha sido prisioneiro dos alemães, alimentaria toda vida um horror impressionante contra eles.  Quando voltou para Paris, como tinha sido dado por morto, sua mulher tinha se casado com outro.    Sem querer se livrava de um lastre, pois tinha sido um casamento combinado, nunca a tinha amado, seus pais tinha contratado uma casamenteira judia, para isso.

Livre, apesar do complicado que foi reaver o que era seu, que o novo marido tinha se apossado, vendeu tudo, além, de uma parte que seu pai lhe adiantou da herança, pois tinham deixado se convencer.

Embarcou num navio que saia de Marseille em direção ao Rio de Janeiro, um lugar mítico em sua cabeça.  Tinha como única recomendação procurar um primo de seu pai que tinha uma loja na rua do Catete.  

Quando o navio foi entrando na baia da Guanabara, foi se deslumbrando com a paisagem, era bonito demais pensou, quero andar tudo isso, depois de dias pensando no que poderia fazer na cidade, já a amava só de visualizar tudo.

Desceu na Praça Mauá, viu um homem que parecia um leão, com uma juba branca, como seu nome escrito.  Contaria essa história mil vezes depois para ele.

Era seu tio Joseph, disse que o levaria a uma pensão, pois minha casa é um inferno, minha mulher é uma jararaca, explicou o que era a analogia, tenho três filhas feias solteironas, vou para casa quando tenho sono, assim não me enchem o saco.

O levou para uma pensão muito limpa que ficava na frente do Palácio do Catete, que era a residência do presidente da república, pelo menos temos uma segurança completa.

Depois o levou para conhecer sua loja, era uma loja de moveis , entre antigos, novos, os velhos, eu verifico se vale a pena comprar, esse pais, as pessoas sobem na mesma velocidade que descem, então na subida acumulam bens que depois na descida tem que se livrar, se vale a pena compro.

Isso ele gostava, na loja do pai, algumas vezes tinha restaurado moveis.   Sabia como dar uma patina de luxo nos mesmos.    Veja essa cômoda tio, com cuidado, posso lhe colocar uma lateral feita por mim, bem como uns pés de leão, aprendi a fazer isso, na escola de artes e ofícios de Paris.   Teu pai já me contou essa coisa tua.

Mas o primeiro que fez, foi com um abajur, que estava meio capenga, alguém atirou isso na cabeça de alguém.      O restaurou, completamente, encontrou jogada pela oficina uma cúpula imitando art decô, juntou um no outro, ficou estupendo, colocou na vitrine, com uma etiqueta em francês, dizendo, Art Decô, colocou a época que representava, bem como o preço, recém chegado de Paris.

Dez minutos depois o tio entrou na oficina rindo, a cliente pagou sem pechinchar como fazem os daqui.   Isso terás que aprender, aumentar o preço, para depois abaixar ao preço real.

Já tinha comprado um pequeno apartamento ali mesmo na rua do Catete, logo em seguida ao hotel, o dinheiro que tinha valia mais, além de que o Joseph investiu com ele no mesmo, comprou dois para ir alugando, quando ficou pronto, escolheu algumas peça da loja, para decora-lo.

Começou a se mover pelo bairro, foi conhecendo gente, logo os amigos da cerveja o arrastaram para ir ao samba na Mangueira, foi outra paixão à primeira vista.   Nesse dia conheceu a que futuramente seria minha avô.   Uma mulata recém chegada da Bahia, com uma ginga como ele dizia de enlouquecer qualquer homem.   Teve que dar um duro desgraçado, segundo me contava uma e outra vez, para ela cair na minha lábia.  Um dia a trouxe na loja, quando viu o Joseph, o chamou em seguida Senhor Leão.  Ele se rendeu aos seus pés, disse ao sobrinho, ou te casas com ela, ou caso eu.

Acabou se casando, com o compromisso de a deixar ser quem era.  Era uma mãe de Santo, seguiu ele com sua tradição, ela com a sua.  Ali num canto da oficina, montou um lugar para atender a seus clientes, que vinha para a leitura de búzios.   Ele continuou indo a sinagoga ali perto, Beit-Aron, existe até hoje.

Quando meu pai nasceu, foi uma confusão, ela primeiro, o batizou no candomblé, mas depois deixou que meu pai, seu Joseph, fizessem todo o ritual judaico.  Meu pai era isso, uma mistura entre judiamos e candomblé, tanto ia à como no outro, falava francês, bem como tinha aprendido Yoruba, ninguém sabia com quem.    Tanto podia aconselhar um judeu, usando os santos livros, como podia jogar os búzios, para deleite de sua mãe.

Quando tio Joseph decidiu que meu avô devia ficar com a loja, tinha a muito custo conseguido casar duas filhas com judeus, mas a terceira que era a menos feia, foi um dia ao samba, se apaixonou por um mulato sarará, então tudo mudou, o tipo queria a loja, mais para se encostar, mas o velho era experto, fez um documento como se tivesse vendido a loja ao sobrinho, assim não tinha que aguentar esse sem vergonha como ele dizia.

Mesmo fora do negócio, ia todos os dias, acabou morrendo sentado ali num cadeirão que sempre tinha usado, num dia de calor infernal no Rio de Janeiro.  Foi enterrado no cemitério do caju.   Quando as filhas vieram procurar meu pai, mostrou o documento, de compra e venda da loja, foi um jarro de água fria nos genros que já pensavam no que fazer com o dinheiro.

Foi um golpe maestro, contava rindo, a cara que puseram, minhas primas graças a deus nunca mais falaram comigo.     

Meu pai, seguindo a tradição, era louco por samba, ao mesmo tempo que pai de santo, por pouco não vira rabino também.  Mas claro os outros da congregação quando descobriram que andava em outras coisas, disseram que não, mas ia todos os sábados, fazia dois preceitos, um judaico, outro no candomblé.

Minha avó que não era muito de lero-lero, lhe perguntou quando ia assentar a cabeça, pois ele era como um beija-flor, sempre com uma namorada nova, não fazia distinção de cor, imaginem um mulato, com olhos azuis, lábios carnudos, cabelos crespos, negros como a asa da graúna, caiam rendida aos seus pés.  Até que não falassem em viver junto, tudo bem, quando tocavam nesse assunto, a coisa ficava preta.

Mas trabalhava todos os dias com o pai, tinha aprendido com ele, a restaurar móveis, a mudar sua procedência.   Meu avô tinha um amigo, em Paris, que lhe mandava moveis.  Com a aproximação da segunda-guerra então, mandou muitos containers, nos últimos navios que saíram de Marseille rumo ao Rio de Janeiro, teve que alugar o armazém da loja do lado, para guardar tantos móveis, foi restaurando devagar, para que sempre tivessem novidades.

Era conhecida como a loja do judeu francês.  As clientes era o mais divertido, entravam para comprar alguma coisa, atraída pelo cartaz que ele colocava em cada objeto, francês, século XIV, ou XV, e por ai via, isso durou anos, depois ficou mais difícil, pois o seu amigo, foi parar num campo de concentração, nunca mais soube dele.   Como morreram todos da sua família, nunca mais conseguiu localizar ninguém.

Quando acabou a guerra começaram a chegar navios com muitos emigrantes, principalmente mulheres.   Num dos navios que chegou, vinha um grupo de monjas franciscanas, entre elas a que seria minha mãe.   Era judia, tinha ficado escondida num convento se fazendo passar por monja.  Embarcou com um grupo que vinha para ir para o sul do Brasil, mas como meu pai, se deslumbrou com a cidade.  Tirou sua roupa de monja, soltou seus cabelos compridos vermelhos, tinha só uma direção, a sinagoga do Catete.   Por um acaso meu pai estava lá, quando a viu ficou loucamente apaixonado.     Ela foi viver na casa de uma família que a acolheu, mas só concordou como minha avô tinha ensinado, para cama, só casando.

Ele sentou o facho, babava por ela, era capaz de beijar o chão que ela pisava, logo ficou gravida, nasci uma mistura dos dois, cabelos vermelhos escuro, olhos azuis, boca carnuda, nariz um tanto chato.

Fui a grande paixão do meu avô, que falava comigo o tempo todo em francês.  A primeira palavra que aprendi a dizer foi seu nome.  Me mostrava para todo mundo, as clientes riam dele, o chamavam de avô coruja.   Vai ser conhecido no mundo inteiro dizia.

Minha mãe conseguiu um emprego na Maison de France, aonde funcionava o consulado, bem como escola de francês, com um teatro embaixo o Maison de France.   Uma vez lhe pediram se podia fazer um papel, numa peça francesa, seria para convidados especiais.  Para que, foi seu lançamento, imaginem uma atriz que falava português, algumas palavras com acento francês, que podia fazer papel de madame, e outros bichos.  Cada vez mais eu ficava com meu avô, com minha querida avô, me sentava no seu colo, ia aprendendo o IFA, falava o Yoruba melhor que o português.     Acabei começando cedo no cinema, ela precisava de um garoto para fazer papel de filho num filme, me levou, me mandaram ler o texto, entendi imediatamente o mesmo, acabei fazendo o papel.    Foi nessa época que começaram a pegar forte as novelas da Globo, normalmente fazia o papel de seu filho, ou outro qualquer.   Um dia reclamei que um diretor de atores, estava me passando a mão, fez sinal de silêncio, me perguntou quem era.  O filho da puta era importante.   Me arrastou com ele a uma sala, fez um escândalo tão grande que até um diretor da empresa apareceu.  Com isso ela conseguiu um contrato vitalício na mesma. Só sairia de lá por vontade própria, podia inclusive eleger papeis, novelas.

De tonta não tinha um pelo, em sua cabeça não podia apresentar aquele marido, sempre com pó de madeira na cabeça, mãos calejadas de trabalho duro.

Se enrolou com um dos diretores da empresa, logo, pediu o divórcio que tinha sido aprovado recentemente.  Foi como jogarem um jarro de aceite fervendo na cabeça do meu pai, passava horas dizendo o que foi que eu fiz.

Meu avô dizia, foi o que não fizeste, aqui todo mundo valoriza isso, subir na vida, ela aprendeu rápido a malandragem brasileira, se defendeu, arrumou um rico, tem contrato vitalício, tu não passas de um carpinteiro metido a besta, porque sabe francês, além de ser judeu, macumbeiro.   Nada mais além disso.

Mas ele conseguiu ficar com a minha guarda até maior idade.   Logo lendo notícias sobre Israel, meteu na cabeça que tinha que ir para lá.  Não houve jeito de convencer ao contrário, queria me levar, mas imagine se meu avô ia deixar.   Lhe disse que quando ele se estabelecesse lá, viesse me buscar, nunca mais soubemos dele.

Eu continuei fazendo teatro, cinema, televisão, mas nunca mais contracenei com minha mãe, não nos dávamos bem, pois sabia que tinha me usado para conseguir o que queria.   Isso com o tempo seria uma cicatriz entre nós dois.

Chegou a um ponto de passarmos um pelo outro, sem olhar na mesma direção, quando ia fazer um filme perguntava se trabalhava, só aceitava se me diziam que não.  Ela logo se cansou do seu marido, o trocou por um milionário, passou a viver viajando pelo mundo. 

O meu querido avô um dia me chamou para uma reunião, estávamos os três sentados, ele comentou, uma empresa me ofereceu um absurdo de dinheiro pelo edifício, já compraram o do lado, querem este, além do seguinte.   Estou cansado, queria aproveitar meus últimos anos ao lado da minha cabrocha, queria comprar uma casa, aonde ela frequentava o terreiro, ficava mais fácil para ela se mover por ali, bem como ele, foram os dois viver em Madureira, ele conseguiu na venda, que eu ficasse com um apartamento no edifício.

Prossegui minha carreira, mas estava cansado, me sentia repetindo os papeis, durante esses anos todos, tinha seguido o conselho dele.   Tens casa, comes sempre fora, guarde o dinheiro, pois nesse pais tudo que sobe desce, um dia desse se cansaram da tua cara, já não te darão papeis que te interesse.  Tinha razão.   Voltei a estudar, fui fazer cinema, ali perto mesmo, aonde funcionava a escola de teatro, hoje nem existe mais o prédio que era mítico.

Fui conhecendo o pessoal, logo além de fazer alguns filmes quando me interessava, trabalhava de ajudante do diretor, meu nome já não aparecia entre os primeiros.

Me chamaram para fazer um filme sobre Luiz Carlos Prestes, todo rodado no nordeste, depois na caatinga.   Foram meses difíceis, mas amei esse papel.   O filme foi para o Festival de Cannes, lá fui eu pela primeira vez a Europa, minha avó quando fui a Madureira, me disse, logo ficaras por lá, voltarás, mas tua vida, além de quem será teu grande amor, será lá.

Dito e feito, se encantaram comigo, como falava francês, sem sotaque nenhum, quando comentei que meu avô era de lá, melhorou, fiz meu primeiro filme por lá, foi um bom papel, não era o principal, mas foi excelente, ganhei o prêmio de Coadjuvante, o César, o máximo em cinema.   Quando acabei o segundo, em que fazia um filme de época, estava hospedado pela produção, num hotel no Boulevard Saint-Michel, na esquina mais abaixo, tinha um café, que as mesas estavam colocadas como numa vitrine, adorava sentar-me ali, tomando um taça de vinho branco, meu preferido, observando as pessoas caminharem, quando passou um homem que não sei porque meu coração disparou.  Vinha caminhando devagar, observando as pessoas, ele era diferente. Me olhou, parou um instante, não sabia o que fazer, desceu mais um pouco a rua, voltou como se estivesse subindo a mesma outra vez.   Quando vi, já tinha feito um gesto o convidando para um vinho.

Quando me dei conta, estava na cama com ele, foi assim que conheci Egberto Holt, levaria anos para descobrir que esse era um dos seus muitos nomes.  Ficamos dois dias juntos, nunca tinha me sentido assim com ninguém.  Tinha encontrado meu porto, pensei.

Mas tinha que ir ao hotel, pois se por acaso tinham me deixado algum recado, afinal minha participação tinha terminado, mas faltava algo de dublagem em cenas no campo.  Expliquei a situação para ele, lhe disse que assim que terminasse, no dia seguinte iria até sua casa.

Só soube depois que tinha me seguido, viu o lugar cheio de fotógrafos, gente gravando vídeos, ali na margem do Sena.   Quando me livrei de tudo, corri a sua casa, tinha ido embora me disse o porteiro, saiu com a mesma mochila que chegou, colocou tudo na sua moto, foi embora sem dizer para aonde.

Fiquei como louco o procurando, pelo nome que tinha me dado, ninguém sabia dele, não constava nem na polícia, pois fui pedir ajuda.

Em seguida voltei ao Brasil, pois meu avô estava mal, nem uma semana depois morreu dormindo, teve duas cerimônias, uma no candomblé, pela minha avó, outra numa sinagoga que tinha descoberto lá por estes lados.    Rezei o Kadish para ele, como me tinha ensinado em garoto.    Minha avó, decidiu ir viver no terreiro que frequentava, mas antes me disse, volte porque ele vai reaparecer, aproveite os anos que puder com ele, serão mágicos.

Voltei com um novo contrato, aproveitei dinheiro da herança do meu avó para fazer um curso de cinema com realmente devia ser, perto dele o que tinha feito no Brasil era besteira.

Mas claro, havia uma imensa quantidade de pseudo intelectuais, que era sempre aclamados pela crítica, mas descobri depois, que o povo mesmo cagava para eles.

Me surgiu a oportunidade de fazer, bem como dirigir uma série, sabiam que eu tinha prática das novelas no Brasil, aí foi fácil.

Anos depois o encontrei, como da vez anterior, andando na rua.   Vinha de cabeça baixa, pois tinha feito exames no hospital que estava quase ao lado da minha casa.  Tinha câncer de ossos, os dois já não éramos tão jovens assim.  Tomei a decisão que não o deixaria escapar, os anos que passamos juntos, depois de sua operação, do tratamento, nunca reclamava de nada, aguentava.  Eu o achava uma pessoa simples, me preocupava, pois seu tratamento era caro, ele entendia minhas ausências, para filmar, entrevistas que ele nunca ia, me contou por que, foi me contando sua vida.

Quando estava livre, ia escrevendo um roteiro de filme que pretendia contar a história do meu avô.  Sabia que seria difícil conseguir dinheiro.   Ele me disse que me financiava, na hora pensei que estava brincando comigo.  Mas me mostrou que podia.  Fiquei tonto, ele nunca gastava dinheiro em besteira, roupas de luxo nada disso, sempre o tinha visto com o mesmo casaco de couro, que quando chegava o verão mandava limpar, calças jeans, camisetas que quando acabavam comprava outras, nada de camisas, usava um pano no pescoço, que eu tinha lhe dado.  Quando os exames voltaram a mostrar que tinha câncer outra vez, o resto dos exames diziam que impossível, fazer o que tinha feito antes, colocar próteses no lugar.

Fiquei arrasado, fomos passar um final de semana em seu lugar favorito no mediterrâneo, me apaixonei pelo lugar, pela casa que alugava.  A senhora, a ia colocar a venda, a comprou para mim.   Para teres aonde sentar a cabeça, escrever teus roteiros.  Só me pediu uma coisa, ele adorava ficar olhando o sol nascer na água, depois como batia em determinada parede da casa. Pediu que suas cinzas fossem colocadas nessa parede, medimos a altura, me disse, dentro da garrafa do nosso vinho favorito. Me deixe ver o mar, esse sol que representam minha vida.

Depois foram meses e meses, perto dele, conversando, só pedia alguma coisa, quando a dor se tornava insuportável, tinha me dado a bolsa que usava na moto, que estava cheia de cadernetas que usava para anotar suas andanças, bem como pessoas que tinha ajudado com seu dinheiro, me ensinou a fazer isso, que o dinheiro nunca secasse. Uma vez vendo um filme judeu, viu um ator recitando o Kadish, perguntou se eu sabia, lhe disse que sim.   Então, depois que me cremem, quando forem colocar a garrafa aonde te disse, o diga para mim.

Morreu segurando minha mão, dizendo que eu era o grande amor de sua vida.  Nunca tinha chorado tanto assim na minha vida, dois dias antes tinham me avisado que minha avó tinha sido enterrada ao lado do meu avô.   Já não tinha motivos para ir ao Brasil.

Fiz tudo como ele queria, levei minhas coisas para essa casa, como ele dizia era como estar no paraíso, me levantava cedo para me sentar vendo o sol nascer, mandei fazer um banco justo embaixo do lugar que estava, assim podia conversar com ele.

Com a primeira caderneta, escrevi o roteiro do primeiro capítulo do que seria a séria de sucesso durante anos.  A primeira temporada, começa com sua infância, quando ele entende que o pai é um mafioso, até quando enfrenta quem vai contra ele. Finalizava essa temporada ele em Helsinki.   A seguinte começava, quando embarcava para Lisboa.

Os produtores, o dinheiro era meu, com ajuda da Netflix, exigiram que fosse dublada em inglês.   Como começava em NYC, fui a estreia, na saída, na festa fui abordado por um senhor já com uma certa idade, que pediu se eu podia conversar com ele.  Sou irmão do Egberto, mas disse seu nome verdadeiro que eu sabia, mas não usava na série porque sabia que ele não ia gostar.

Amanhã mandarei te recolher no hotel, ok.

Concordei, imaginava que tinha curiosidade.

Foi um encontro ao mesmo tempo emotivo, divertido, duro, enfim muito esclarecedor.

Concordei com ele, que tudo que estava na série era verdade, pois tinha seguido o que ele tinha escrito.

Esse filho da puta me colocou como uma pessoa má.  Mas eu o ajudei, sabia que era esperto, consegui documentos para ele, que nunca usou, assim não o descobriria, entendia que queria passar desapercebido.  Quando ouvi falar de um homem que atendia clientes de um banco em Luxemburgo, orientando como deviam investir, entendi que era ele, mas quando cheguei tinha desaparecido, nunca mais o encontrei.

Depois me apresentou a família, estavam ali, sua irmã, seus dois filhos, os dois eram advogados, frequentavam a família, mas não trabalhavam para o tio.   Mal se lembravam do Egberto.

A irmã me contou que sua mãe, tinha lhe soltado quando soube do atentado, isso tem dedo do teu irmão mafioso, esse que morreu não é teu irmão, ele não é tão tonto assim.   Ela morreu anos depois, acabamos como belos desconhecidos para ela, pois tinha alzaimer. Se nos tinha esquecido antes, imagina depois.

Sempre esperei que um dia ele me telefonasse, ou dissesse estou vivo.  Mas quando vi o primeiro capítulo da série, sabia que era sobre ele.  Falei com meu irmão, este soltou, como sempre um filho da puta, que é sua frase preferida.

Contou o que tinha passado com ele, vivemos sete anos juntos, que foram o melhor da minha vida, vivo na casa que ele chamava de meu paraíso, contei o das cinzas.   Ela e o irmão riram, gostaram da ideia, isso tinha que ser da cabeça dele.

Contei que tinha todas as cadernetas, contando a quem tinha ajudado é porque, se nessa primeira parte parece que foge, a segunda ele começa a ajudar as pessoa com o dinheiro que tem, nunca deixou de trabalhar o mesmo.   Me dizia que tinha que aprender, gasta, investe, recuperas me dizia.

Tempos depois ela veio me visitar, ficou um tempo ali, se sentava embaixo da garrafa com as cinzas, tirava um terço da bolsa, rezava.

Depois a levei a Paris, para ir embora, me abraçou, agradeceu muito, meu irmão diz que se puderes evite o capítulo de Luxemburgo.   Pensei muito a respeito, mas ainda levaria dois anos para chegar aí.  Pois fui construindo a história devagar.  O mais difícil foi contar o nosso encontro, mas o contei com detalhes.  Algumas pessoas diziam que eu tinha me desnudado.

Ao mesmo tempo, fui escrevendo a história do meu avô.  Me deu na louca, um dia, tomei uma decisão, fui a Israel, sabia a data que meu pai tinha chegado.  Comecei a procurar, encontrei uma família, ele tinha se casado outra vez, tinha um filho, uns dez anos mais jovem do que eu que fazia cinema também, ficamos amigos.   Ele era realmente a cara do meu pai. Contei para ele tudo sobre o avô, como meu pai tinha desaparecido.  Nunca soubemos nada dele, nunca falava no seu passado, isso era tema tabu em casa.   Obrigado, me ajudas a encontrar um elo que faltava.

Lhe perguntei se falava francês, me disse que sim, lhe perguntei se queria fazer o papel do nosso avô no cinema, estava começando a produção, uma parte seria filmada no Brasil, a ida dele para lá, até conhecer minha avó.

Aceitou, muita gente não entendia que éramos irmãos, mas nunca nos preocupou, pensavam que tínhamos algo mais.

Anos depois, encontrei uma pessoa, na praia, um homem que veio bater em minha porta, porque pensava que ali passava alguma coisa, estava na praia, fui marinheiro, conheço o código Morse, a mensagem dizia, venha até aqui. Acabei vindo, lhe mostrei o que era, ele riu, será que nos está reunindo.   Fomos nos conhecendo, agora vivemos juntos.

O filme sobre meu avô ganhou um César, bem como representou a França nos Oscar, meu irmão foi candidato a melhor ator, claro que não ganhou, pois isso sabemos como é, mas lhe abriu a porta do mercado americano.

Agora monto um roteiro, com a história da minha avó, sua vida antes na Bahia, de como recebeu a ordem de ir para o Rio de Janeiro, ser mãe de Santo por lá, além do homem que seria seu a vida inteira.   Meu irmão fez outra vez o papel dele, ali conheceu a atriz que fazia o papel da minha avó, acabou se casando com ela.   O interessante era que era do Rio, mas tinha raízes judias também.   Agora os dois vivem a cavalo, entre Hollywood, filmes na Europa, levando a tiracolo um bando de garotos, de vez em quando vem passar um tempo comigo aqui na praia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 23 de agosto de 2021

INVEJA E OUROS BICHOS

 

                                             INVEJA  E  OUTROS  BICHOS

 

Helena Borman, era casada a poucos anos com Gisberto Noronha, as más línguas diziam que ele tinha casado com ela por interesse.   Eram amigos de infância, o pai dele era porteiro do edifício que a família Borman vivia nos Jardins em São Paulo, estudavam no mesmo colégio, por insistência dela.   Seu pai o velho Borman fazia tudo que a filha queria.    A mãe dele, cuidava da casa, comida, tudo.   O velho era viúvo, mas tinha seus negócios no Bairro de Bom Retiro, aonde se misturavam judeus, árabes de todas as nações do oriente médio.  Todos tinham negócios, lojas por ali, atacado, ou varejo, roupas, tecidos, confecções, tudo girava em torno ao Bom Retiro.  Todos tinham dinheiro, embora tivessem chegado ao Brasil, com uma mão na frente outra atrás. 

O velho Borman, quando viu que na França a coisa ia ficar feia, deixou seu velho apartamento em Marais, bem como seu negócio nas mãos de um empregado francês, pegou o navio com sua mulher, Helena nasceu em alto mar, era uma cidadã do mundo.

Com ele levava dinheiro para começar sua nova vida.  Passaram pelo Rio de Janeiro, mas não gostou, dizia que os cariocas não eram gente séria, mas quando chegou em São Paulo, viu que ali se podia ganhar dinheiro.

Com os anos comprou esse apartamento nos Jardins, era um dos primeiros edifícios a ter muitos metros quadrados, esse tinha 600metros, uma barbaridade para a época, era tamanho de uma bela casa. Era meio retirado da rua, com um jardim na frente que o pai do Gisberto cuidava com carinho.

Esse nome Gisberto era a mistura do nome dos pais, Gisela com Alberto, ele odiava, mas mesmo depois quando podia trocar de nome, não o fez em respeito aos dois, na verdade todo mundo o conhecia no mundo dos negócios por Noronha.

O velho tinha especial carinho por ele, quando chegou a época da universidade, mandou Helena estudar na França, seu empregado devolveu o apartamento, comprou com o tempo os negócios do velho por lá.  Assim ela tinha um bom pecúlio, para estudar na Sorbonne.

Ele pagou a universidade para o Noronha, esse ia a faculdade depois ia para o escritório do velho cuidar de tudo para ele.

Aprendeu a aplicar na bolsa de valores, assim ia fazendo seu pecúlio, o velho ria disso, dizia que ele nunca arriscaria seu dinheiro nessas coisas.    Noronha dizia que no Brasil, havia que ser malandro para sobreviver, se não aplicamos dinheiro, quando vale a pena, ele está morto parado.  Guardar no colchão não dá pé.

Com os anos o bairro começou a entrar em decadência, de um lado os coreanos que traziam mão de obra barata, que copiavam qualquer modelo, as fábricas, iam para a periferia da cidade, aonde se pagava a mão de obra mais barata.  O Noronha, abriu um escritório para ele, quando viu que o velho, que era cabeça dura, insistia no mesmo.   Era difícil convence-lo de alguma coisa.  Quando a coisa ficou preta, tomou um avião foi conversar com a amiga.  Esta vivia na boa vida, tinha estudado filosofia, dramaturgia, mas vivia pela noite de Paris, com os intelectuais de moda na época.    Falou com ela seriamente, como ia a situação do pais, do pai que estava muito velho.

Olha Noronha, ele me mandou para cá, pois não me queria no meio dos seus negócios, seus parentes sempre o sugaram, pedem dinheiro emprestado, mas não pagam.  Isso o vai levar a ruína.   Um dos seus negócios deu para um primo meu, cuidar, já que tinha afundado o seu, você acha que vai dar certo?

Se me meto, a família vai cair em cima de mim.  Porque não fazes o seguinte, vais comprando os negócios que vale a pena.   Tu sabes tanto quanto eu, que as coisas no Brasil são cíclicas, hoje está na moda, amanhã, já foi tudo para o caralho.

Que linguajar Helena, nem parece que tens estudos.

Ora Noronha, sempre fui assim, você é que sempre foi recatado, um verdadeiro moço de família.   Te quero como meu irmão, mas sabes que não tenho jeito para negócios, sei sim gastar dinheiro.

Então te recomendo, que comeces a guardar um pouco, porque um dia isso tudo vai acabar.

Conheceu o homem por quem ela era apaixonada, um professor de matemática pura, judeu como ela, mas casado, na época François Felipe não tinha nascido ainda.

Ele foi comprando do velho, os negócios que lhe interessavam, comprou duas lojas, a alugou para os chineses que chegavam com tudo.   Os sobrinhos do velho, diziam que ele estava roubando o tio.

Quando finalmente o velho ficou na pindaíba, comprou seu velho apartamento, porque a estas alturas os apartamentos no jardins eram cada vez maiores.  Tinham agora apartamentos de 1000 metros quadrados, para cima.

Sua mãe seguiu cuidado dele, agora ela era viúva também, metade desse dinheiro mandou para Helena, que já não tinha um tostão, ela como recibo mandou uma foto do François para ele, pediu para que viesse, pois queria que ele fosse seu padrinho.

Quando teve o menino nos braços se apaixonou por ele, falou com a Helena, teu pai está mal, eu pago os médicos, ele continua achando que é ele que paga tudo.  Devo tanto a ele, que quero que pense que seja assim.

Sempre soube que se podia contar contigo Noronha, es meu irmão, meu melhor amigo, isso era uma verdade, todas as semanas os dois trocavam cartas.  O filho da puta do matemático, quando soube que ela estava grávida, deu no pé, juntou sua família, foi viver em Israel, para ser professor na universidade.

Foram então ao cartório de registro civil, registraram o François, como filho dos dois.  Não queria que o garoto pensasse que não tinha pai, que era um bastardo.

Ia todos os anos passar suas férias com eles.   Sempre levava dinheiro de uma coisa que ele fazia, o resto dos bens do velho, ele tinha vendido, aplicava dinheiro no nome dela, ia transferindo o lucro para que ela pudesse se manter.    A verdade é que continuou levando a vida que sempre tinha levado, nunca trabalhou.

Adorava as noitadas discutindo filosofia, ele sacaneava, dizendo que era filosofia barata, que nunca consertaria o mundo.

O teu problema Noronha, é que tens os pés no chão.  Nem um namorado direito tens, sempre tinha sabido que ele era gay, sabia disso desde criança.

Helena quando descobriu que tinha câncer, teve uma triste descoberta também, não tinha direito a tratamento na França, tampouco no Brasil.

Queria vender o apartamento.   Ele não deixou, isso é herança do François, de jeito nenhum, vens comigo para o Brasil, nos casamos, assim passa a ter direito a tudo, eu pago teu tratamento.

Para ela voltar foi um espanto, o velho tinha morrido a anos atrás, enterrado na parte dos judeus do cemitério, ela riu quando Noronha lhe contou que aprendeu a rezar o Kadish, o velho amigo do teu pai o rabino Shoen, me fez converter, agora frequento a sinagoga, minha velha quando soube ficou horrorizada, disse que finalmente o velho depois de morto tinha acabado de roubar seu filho.    Logo em seguida morreu, a enterrei ao lado do meu pai, rezei um Kadish para eles também.

Se casaram no civil, bem como na sinagoga, François ficou num colégio interno, para acabar os estudos.  Uma vez por mês falavam com ele por telefone.  Ficou contente, soltou, finalmente meus pais se casam.

Os parentes dela, pensavam que o filho da puta, deu o golpe final, se casou com a rica herdeira, fizeram mil festas para ela, mas sempre tinha desculpas para tirar o corpo fora, eram belos desconhecidos para ela.   O único que frequentava a casa, sabia de tudo era o Eduardo, filho do seu primo mais velho.   Tinha tido um romance com o Noronha, se via que era louco por ele.

No começo, ela saia com o Noronha, para conhecer seus amigos, esses achavam estranho ele ter se casado agora.  Mas nunca dava explicações a ninguém.   Ele frequentava um círculo de conhecidos, que aplicavam na bolsa de valores, o assunto sempre era dinheiro.

Mas claro chegou o momento, que ela ficou completamente calva, usava seus lenços de Chanel, YSL, Dior, como turbantes para disfarçar que não tinha mais seus cabelos lindos.   Mas o tratamento não funcionava.   Tinha duas enfermeiras no final, dia e noite com ela.  Noronha não saia do seu lado.

Os parentes diziam que ele a estava matando aos poucos para ficar com a herança, que eles não iam permitir, pois tinham direito a mesma.

Ele avisou ao François, que sua mãe já não tinha muito tempo.

Pai vou acabar os exames, pego o primeiro voo para São Paulo.   Dois dias depois, ela amanheceu morta.   Ele chamou uma funerária que atendia o pessoal da sinagoga, para prepara-la para o enterro.  François estava como louco, pois não conseguia voo.

Filho, não se preocupe, eu rezarei o Kadish para ela, quando chegues iremos os dois a fazer isso, vou enterra-la junto com teu avô.

Falou com seu advogado, que conhecia bem os parentes dela, vou fazer o seguinte, esses idiotas estão com sede de dinheiro, pois estão falidos, pedirei ao comandante da polícia daqui do bairro, que deixe dois carros aqui.  Que o porteiro os chame se houver problema.

No enterro, só estava o Eduardo, que rezou o Kadish ao seu lado, por duas vezes Noronha o corrigiu, isso dá não ires a sinagoga.

Estavam saindo do cemitério, quando foram avisados que os parentes tinham entrado no apartamento tentando levar qualquer coisa de valor. Que a polícia estava lá, bem como tinham um camburão esperando.   Ele tomou seu tempo, foi primeiro ao aeroporto de Guarulhos, esperar seu filho, esse ficou com a cabeça nos seus ombros, chorando, nem pude me despedir pai.  Sempre o tinha chamado assim.

Um dos motivos pelo qual tinha se convertido, era esse, queria ser um exemplo para o filho.

Sabia que Helena, nunca ia a sinagoga, tampouco levava o filho, isso que morava perto.

Avisou ao filho do que estava acontecendo.  Quando chegaram, o chefe dos policiais, soltou ainda bem que o senhor chegou, agora estão brigando entre eles, pelas coisas.

Ele entrou seguido dos policiais, do advogado, este pediu silencio.  Este vocês não conhecem, mas é o filho da Helena, François Felipe Noronha.

A cara do pessoal era de horror.

Disse a uma das enfermeiras que estavam ali horrorizadas, que levasse o rapaz para o quarto de convidados.   Mandou todo mundo sentar-se.

Primeiro me casei com vossa prima que estava arruinada, para que ela pudesse ter o tratamento para o câncer que padecia. Eu fui comprando tudo isso aos poucos, vosso tio me criou sim, me pagou a universidade, mas era contra aplicar dinheiro, a comprar e vender ações, coisa que faço, tudo que vocês estão tentando levar, foi comprado com o meu dinheiro, portanto é roubo. Se querem reclamar, na justiça.  Virou-se para o delegado, os pode levar, para passar um tempo no xadrez.   Mas examinem cada um para ver se não tem nada nos bolsos.   Uma inclusive tinha pratos de porcelana que ele tinha comprado em Paris, na bolsa.  Ficou histérica, como ia para a cadeia se tinha filhos para criar.

Pensasse antes de fazer merda soltou o Noronha.

O pior é que ninguém tinha visto, dois jornalistas que estavam ali misturados, foram saindo algemados sendo fotografados, no dia seguinte estariam e manchete nos jornais.

Noronha quando saiu o último, ainda riu, Helena ia adorar toda essa confusão, sempre dizia que esses parentes eram como Urubus.   Uma tinha entrado no seu quarto, tinha uma maleta com suas roupas, seus lenços franceses, inclusive perfume.   Essa frequentava a sociedade, tentou esconder a cara dos fotógrafos quando saiu, dizia que tudo da prima pertencia a ela.

Colocou os empregados a guardar tudo no mesmo lugar, mas faltava um que tinha trazido a muito tempo de Paris.

O porteiro riu, venha comigo, chame o delegado outra vez.  Era o primo mais velho, o pai do Eduardo, estava fechado na garagem, coisa do porteiro, que adorava o Noronha.  Quando o vi saindo com o quadro, não tive dúvida.

Eduardo disse ao pai, que vergonha, roubando na casa dos outros.

Esse quadro vale dinheiro meu filho, estou arruinado, pelos gastos de tua mãe, de tuas irmãs que vivem no bem, bom.  Peça para o teu namorado me liberar.

Meu namorado?  Pelo mesmo motivo o senhor me colocou fora de casa, ele foi o único que me recebeu, bem como a Helena, me ajudaram a seguir em frente. De maneira nenhuma, nisso a porta da garagem se abriu, mas tinha um carro de polícia bloqueando a saída. 

Com a mão na massa, Noronha disse o valor do quadro, isso é roubo, pior acusam a mim de ter roubado tudo, mas isso me pertence, o comprei em Paris, inclusive tenho a nota fiscal, paguei para entrar com ele no Brasil.

Irei depois a delegacia fazer uma denúncia formal contra todos eles.

Me avise, que aquilo parece um formigueiro, tem até carro da televisão na frente.

O pai do Eduardo começou a gemer, minha mulher vai me matar.

Vai não pai, porque tentava sair daqui com toda a roupa que tinha a Helena, joias, perfumes, tudo.  Já está esperando pelo senhor na delegacia.    Delegado, me faça um favor, se tem televisão tudo isso lá, o desça pela frente para aprender a ter vergonha.

O senhor quem é, perguntou o delegado?

Sou o filho que ele expulsou de casa porque descobriu que era gay.

Doce vingança disse o delegado, o fizeram entrar no camburão, na frente de todo mundo, algemado.

Subiu no elevador com o Noronha, rindo ao mesmo tempo chorando, o delegado tem razão, uma doce, mas amarga vingança.  Tua mãe e irmãs roubando, teu pai idem, eles que me julgaram como se fosse um bandido.

No final do dia, finalmente a casa estava em ordem.

Quando François acabou de descansar, foram com ele ao cemitério, tinha avisado ao rabino, os quatro ali, rezaram por ela, deixaram o François recitar o Kadish.

Entende agora por que me converti rabino, se meu filho é judeu, eu tenho que ser também.

O velho sempre falava de ti filho, te queria muito.    Menos esse sem vergonha que nunca vai a sinagoga, não venha me dizer que vai aonde teus pais frequentam que é mentira, eles nunca vão a sinagoga nenhuma.

O senhor aceita um gay na tua sinagoga?

Aceito qualquer filho da puta que acredite em deus.   Ficaram rindo os três, saíram dali, foram tomar um lanche em casa.

O rabino quando soube de toda a confusão ria, soltou, os putos judeus são assim, dizem que creem em deus, mas se descuida te roubam.

Rabino, soltou o Noronha, como chamando a atenção.

Pura verdade meu filho, creio que tu eres o único que ajuda a sinagoga, como fazia o velho, os outros, só aparecem para as festas.   Já são brasileiros demais.

Como falavam rápido François disse que não entendia tudo.

Eduardo foi levar o rabino a sua casa.

Ficaram pai e filho sentados no sofá, olhando um quadro com um retrato de Helena, feito em Paris.  Desde que o trouxe sempre este aí, no lugar antes tinha um retrato de tua avó.

Agora tocava seguir a vida.   Telefonou ao delegado, que ria muito, isso parece uma convenção de deputados, tem advogado que não acaba mais, mas como foram pegos com a mão na massa, tem que esperar a tua denúncia.  Irei amanhã, assim dormem uma noite na cadeia para aprenderem.

Para si mesmo, olhou o quadro da Helena, tua mãe deve estar rindo aonde esteja, tinha horror a essa família.  Quando voltou, todos a convidavam para almoços, jantares, para a bajularem, falavam mal de mim para ela.  Diziam que eu era gay.   Ela ria, pois sabia disso desde que éramos criança. 

Sim me contou, que o senhor fez questão de me dar seu sobrenome, quando o meu pai verdadeiro fugiu para Israel.  Por isso gosto tanto do senhor, rindo para não desmerecer a família, além dos presente que sempre me davas.     Ficaram os dois as gargalhadas, quando entrou o Eduardo.

O que me perdi, perguntou.

Quando lhe explicaram, soltou o Noronha é assim mesmo, um dia apareci aqui, com umas maletas velhas com uns poucos livros, roupas de segunda, me deu abrigo, falaram mal dele, diziam que tinha me levado para o caminho do mal, etc.   Nem se imutou.  Tua mãe foi igual, me tratava bem, me incentivou a acabar a universidade, agora trabalho com o Noronha.  Falam que ele me come, mas me dá igual.  Me respeita isso sim.

Só vou a delegacia amanhã, assim dormem por lá, para ver o sol nascer quadrado.

De noite iam sair para comer, mas François, disse que tinha visto comida na geladeira, que estava cansado.   Na minha cabeça, não sai a imagem dessa gente toda abraçada a quadros, objetos dessa sala para defender o que tinha roubado.  Preciso dormir o sono dos justos, para amanhã me dar conta que estou no Brasil.   Eduardo, vais me mostrar a cidade?

Claro que sim garoto.

François dentro de breve iria à universidade, agora queria saber aonde, se em São Paulo, ou em Paris.

Teria muito que conversar com ele, nessa noite sentiu falta da amiga, pois mesmo estando mal, tinham tempo para conversar.  Agora quem o escutaria, com quem trocaria confidencias, se levantou no meio da noite, retirou do armário a primeira caixa de cartas que tinham trocado quando ela foi para a França. Com os anos, suas histórias iam mudando, mas nessa primeira caixa reclamava do seu pai os terem separados, ele achava que ela devia ter cultura, se casar com um judeu francês, formar família por lá, o Brasil é terra de ninguém dizia ele.

Estava chorando como um bezerro desmamado, quando François, escutou quando passava para ir ao banheiro, ficou sentado abraçado com ele, rodeados de um mundo de cartas.

Tens que imaginar meu filho, que fomos amigos desde criança, íamos ao jardim de infância juntos, me defendia dos outros, na escola, eu era o alzaimer, porque todos eram filhos de pais ricos, eu de um porteiro.    Ficava uma fera quando zombavam de mim.  Brigava com os professores por não me defenderem, dizia que eu era mais inteligente que esse garotos mimados.    Fazíamos tudo junto, ir à escola, estudar, aos bailes, dançávamos todas as músicas modernas.      A única que não gostava era minha mãe que dizia que eu estava levando a vida de um rico, que nossa realidade era diferente.

Não deixava de estar certa, quando fui para a universidade ajudado pelo teu avô, ela me dizia que isso tinha um preço, ir trabalhar para ele.   Fui sim, confiava em mim, só discutíamos quando lhe disse que tinha que modernizar tudo, pois tudo estava mudando, na cabeça dele isso era duro, ele tinha construído não digo um império, mas tinha dinheiro.

Eu lhe provei que estava errado, no final, quem ficou com tudo fui eu.  Uma vez antes de morrer minha mãe me perguntou se eu tinha roubado o velho.   Estive horas lhe explicando, mas não ficou contente.   Não queria dormir aqui dentro do apartamento, queria dormir nas dependências de empregado.   Dizia que não estava cômoda nas outras dependências do apartamento.    Uma vez quando fui vê-los, em Paris lhe trouxe uma roupa de Helena escolheu em especial para ela, nunca vestiu, dizia que era para seu enterro, foi enterrado com ela.

O comentário que fazia, como uma pau de arara podia se vestir assim, não combinava.  Teve que explicar para o François o que era uma pau de arara.   Tinham os dois, recém casados, em cima de um caminhão, desde o nordeste até chegarem a São Paulo, meu pai vinha com um contrato para trabalhar na construção.   Foram viver numa favela, até ele arrumar o emprego aqui, eu devia ter uns 3 anos na época.   Não me lembro dessa época da favela, ou borrei da minha cabeça.     Aqui tudo girava em torno a Helena, imagina que o prédio estava cheio de garotos e garotas, mas não ela fincava o pé que queria era brincar comigo.

Todos esses anos, nos correspondemos todas as semanas, aí está o resultado, eu guardava tudo, depois relia várias vezes, até lhe responder.    Se pode dizer que fiz um curso de filosofia por correspondência.   Ela dizia que eu não entendia os temas, eu rebatia, discutia com ela a respeito.   Uma vez fez uma coisa, tinha que fazer um trabalho, sobre sociologia, me deu o tema, me desafiou a escrever em francês o que eu pensava do assunto.  O apresentou como seu ao professor, foi uma briga fantástica, pois eu analisava cada fala absurda dele, essas coisas que os que vem de famílias acomodadas acham que vão melhorar o mundo, mas não toquem no que ele tem.

Isso ela me contava. 

Ficaram falando, quando viram já era de manhã.

François estava contando no dia que conheceu seu pai, apareceu do nada, segundo ela, um velho acabado.   Tinha duas filhas, queria o filho para seguir suas ideias, logo eu que sempre odiei matemática, me apresentou formalmente, teu pai.   

Repliquei imediatamente que já tinha um pai que adorava, que vinha todos os anos passar um mês comigo, que era meu amigo, com quem eu podia falar, que não precisava de outro, ainda mais para ir com ele para Israel.

Lhe perguntei se ia a sinagoga?

Me respondeu que as vezes, que não tinha tempo para ficar discutindo a existência de Deus.

Pois meu pai, se converteu ao judaísmo, só para que eu tivesse base, fez comigo todos os procedimento, quando estávamos aqui, íamos juntos.  Discutíamos o que tínhamos escutado nesse dia.

O homem ficou me olhando, fechou a cara, me disse que não aparecesse um dia pedido seu sobrenome.   Me levantei tirei a carteira, mostrei meus documentos com o teu nome, foi embora furioso.   Ela me abraçava chorando, a partir de hoje és um homem, enfrentaste a um sujeito egoísta que amei muito no passado, que só me deu uma coisa boa, tu.

O sol entrava pela janela, tinham dormido pouquíssimo essa noite.  Acredito que ela estava aqui, sentada naquela banqueta como gostava de fazer, me olhando.

Com isso no dia seguinte, se esqueceu de ir dar a queixa, teve que ir porque o delegado o chamou.  Essa gente é muito chata, os policiais estão nervosos com eles.   Os advogados não saem daqui.

Foram os três, Eduardo ria muito da figura do pai e da mãe, os jornalistas, não tinham saído da frente da delegacia.

Fez a queixa por invasão de propriedade, bem como roubo intencionado.

Todos iriam a julgamento.  No final só o pai e a mãe do Eduardo ficaram, não tinha dinheiro para pagar um advogado, tampouco a fiança para sair.

Ele riu, cadê os amigos finos que a senhora tinha, porque não pede para que venham pagar sua fiança, velha embusteira.    Fora ela que contara ao seu pai que ele era gay.  Cadê seus genros ricos, não vejo ninguém por aqui.   O pai ainda gritou com ele que tivesse respeito.

Porque, tiveste algum comigo, por mim podem ficar aqui, ainda darei declaração aos jornalistas, dizendo que não podem sair porque não tem dinheiro para pagar a fiança, que estão arruinados.

Uma das suas irmãs veio pagar a fiança, mas só tinha para um, pagou a da mãe, o pai ficou para trás.

Ficou na prisão até irem a julgamento.  O juiz nem podia colocar uma multa, pois todos alegavam que estavam arruinados, o jeito foi colocar todos em cana novamente.

Noronha como era ficou com pena, queria retirar a queixa, mas Eduardo o convenceu, sempre te chamaram de ladrão, de filho da puta, de todos os nomes possíveis.   Nada de pena, quem sabe assim aprendem.

Os filhos vieram falar com ele, mas pediu uma desculpa formal por jornais, que eram ladrões, todos preferiram pagar a pena que era pequena.

Eles ao contrário, pensou bem, resolveu sair do pais, deixou tudo nas mãos do Eduardo, foi até Israel, para conhecerem, levaram com eles o rabino que era amigo de seu avô, que nunca tinha dinheiro para ir.

Foi falar com seu pai, para avisar que Helena tinha morrido. Quis apresentar suas irmãs a ele, ficou com pena delas, levavam uma vida sem graça, nenhuma tinha ido à universidade, as casaram cedo, cheias de filhos.

Viajaram pelo pais inteiro, levaram o Rabino, aonde viviam familiares seus, lhe fizeram uma grande festa, foram a todas as sinagogas para conhecer.   Rezaram no Muro das Lamentações, por Helena, pelo seus avós.

Depois voltaram ao Brasil.

François, resolveu estudar medicina em São Paulo, depois faria alguma especialidade fora, mas se acostumou a viver ali.     O delegado o surpreendeu aparecendo no seu escritório, me disseram que você é bom aplicando dinheiro.    Preciso me livrar de trabalhar na polícia, estou farto.   Ficaram amigos, iam almoçar cada vez que ele vinha.   Lhe ensino como fazer, aplicar um dinheiro, ganhar, repor no banco o que tinha tirado, usar somente o lucro sempre.

Assim terei um colchão para minha aposentadoria.  Não tenho família, vivo sozinho.  Eduardo dizia que o delegado gostava dele.

Era um homem diferente, era advogado, não tinha essa maneira que os outros tinham de machão, estava nessa delegacia, pois sabia ser educado.

Quando o advogado do escritório se aposentou, lhe perguntou se queria trabalhar com ele.

Sei não, deves ser um patrão duro de roer.  Assim foram levando até que um dia num jantar o François, virou-se para ele, enquanto o pai tinha ido ao banheiro, lhe perguntando quando ia se declarar a seu pai.  Que estas esperando, que a fruta caia da árvore de podre.

A cara do Roberto Dutra, foi ótima, transpareço tanto assim?

Sim, responderam ao mesmo tempo.

Eduardo, pensei que vocês tivessem um relacionamento.

Somos amigos nada mais, ele e Helena me ajudaram quando a família me expulsou de casa, por isso sem querer até hoje vivo lá.

Ah, bom se é assim.

Nessa noite os dois os deixaram no salão tomando o último drink da noite.  No dia seguinte o Dutra tomou café da manhã com eles.   Noronha não disse nada, era assim.   François dizia que parecia uma república de homens, ele nunca tinha se apaixonado.

Levou anos para encontrar alguém, sem querer num congresso médico, conheceu uma médica de São Paulo, como ele dizia, vivemos na mesma cidade, não nos conhecemos.  O casamento foi ótimo.   Ela era do interior, a família não gostou muito da família do noivo, mas ela soltou, quem vai viver com eles sou eu.

Logo a casa estava cheia de crianças.  Noronha adorava ser chamado de avô.  Tinham discutido muito, como seria a educação religiosa deles.   Norma, disse que o avô devia decidir.

Ele foi com Dutra até o interior para falar com os pais da Norma, os convenceu que os meninos devia ser educados no judaísmo.    Acabaram aceitando.

Estavam atrasados nos procedimentos, mas o velho rabino cuidou de tudo. Era ele quem ensinava os garotos.  Quando nasceu o último filho, colocaram o nome de Helena, era a paixonite do Noronha, se atiraria do alto do edifício se a menina pedia. 

No salão agora tinham uma foto de família embaixo do quadro da Helena.  A menina parava olhava o quadro, dizendo sou eu.

Noronha ficava todo derretido.  Mas os fazia a todos estudar francês, todos anos iam a Paris, para ver aonde o pai tinha crescido.  Se hospedavam na casa da Helena, que era mantida graças ao Noronha.

Ele mesmo com o Dutra vinham passar a Saison em Paris, ir a Operas, que ele acabou gostando, exposições, sempre comprava alguma coisa para levar para o apartamento de São Paulo.

Sempre dizia, esperei, agora tenho paz comigo mesmo, uma família grande, amigos, que é que importa.   Gradativamente os parentes foram sumindo, saiam da prisão, em seguida desapareciam, alguns souberam iam para Israel, aonde ninguém os conhecia.

As únicas que ficaram foram as irmãs do Eduardo, que agora sempre o convidavam para as festas de família.

Mas na volta dizia, minha família é esta, o resto é consequência da vida.