lunes, 26 de abril de 2021

ZARCO - ZARKO

 

                                               ZARCO – ZARKO

 

Quando li os diários do meu avô, entendi finalmente por que tinha mudado o nome de Zarco, por Zarko, não queria ser confundido com o nome de um judeu converso, para ele era uma blasfêmia, sem querer me obrigou a dirigir todos meus estudo para isso, o povo Safardi que tinha vivido na España da idade média, que foram obrigados a mudar de religião para sobreviver.   Eu o tinha considerado a vida inteira um homem inteligente, mas isso me fez ficar em dúvida, ao ler seus diários, entendi finalmente que era uma pessoa controversa, que tinha encontrada em minha avó uma parceira que o compreendia.

Primeiro pensei que tinham orgulho de serem judeus safardi, pois isso significava ter participado na história do povo judeu.   Os dois chegaram a Israel procedentes de países completamente diferentes.

Os pais de minha avó, emigraram para a Palestina, não existia Israel como tal, vindos da Áustria, antes da chegada de Hitler, quando perceberam os novos ares, escaparam antes.   Viveram desde logo em Tel Aviv, ele como joalheiro, embora tenha pertencido ao Haganá, lutaram os dois pela independência do País.

Meu avô ao contrário, vinha de São Paulo, aonde a colônia safardi era grande, pois tinham vindo quase em seguida ao descobrimento do Brasil.  Se fixaram juntos com os Jesuítas, se passavam por católicos, embora nunca tenham abandonado sua própria religião.

Para ele isso era confuso, foi quando entrou em atrito consigo mesmo, embora quando tenha nascido, a família tinha se misturado com árabes, pois a colônia de judeus e árabes compartiam um bairro da cidade, Belém, se dedicavam todos ao comércio de roupas.  Ele mesmo tinha uma irmã casada com um Libanês, embora como tempo, basicamente, não frequentassem religião nenhuma, os pais deixavam seus filhos escolherem.  Isso o deixaria confuso, pois misturava isso, com sua própria indefinição sexual.

Já com 20 anos se decidiu tentar ser um judeu de fato, fez a circuncisão, começou a frequentar a sinagoga.   Acompanhou toda as guerras que livrou Israel, para se tornar um país.  Um dia surpreendeu sua família, com a decisão de abandonar o curso de psicologia que fazia, para emigrar para Israel.  Evidentemente não o entendiam, a muito tinham perdido o vínculo com a religião.

A única coisa que levou consigo foi um diário do seu avô, que via a família justamente perder essa parte religiosa, nem eram católicos, nem safardis, havia uma liberdade de religião no Brasil que não se encontrava em outra parte do mundo.   Os emigrantes começavam a deixar os guetos, se misturando com as outras raças, credos.  Se tornava um pais com a miscigenação bem pronunciada.   Ele acabou deixando de batalhar para que a família se mantivesse pura como pensava.    Em sua cabeça nessa emigração, funcionava como uma recuperação da raça original.  Ignorava por exemplo que seu pai, sua mãe era um exemplo disso.  Ele judeu, ela alemã, mas sem vestígios de ser judia.

Chegou a Israel, teve que fazer serviço militar, foi aonde se conheceram, ela era uma Sabra, tinha nascido ali, para ele foi como encontrar com o protótipo de uma judia original.

Viveram juntos sem se casar a vida inteira, não pensavam em ter filhos, o seu pai nasceu eles já tinham uma certa idade.  Quando seu pai nasceu, ela foi clara, não pensava em ficar em casa para cuidar de filhos.  Quem fez o papel duplo de pai e mãe, foi meu avô, talvez por isso redescobriu suas tendências homossexuais.    Os dois eram funcionários públicos, viviam uma vida diferente, uma suposta liberdade, os dois tinham relações com outros homens ou mulheres, mas meu avô era discreto nesse sentido, pois a homossexualidade não era consentida pelo governo.

Meu pai foi educado por uma mãe extremamente fria, um pai amoroso, com ele se entendia, com ela, era como se nunca existisse, pois nunca estava realmente presente.

Eu fui fruto de uma noite de comemoração, ele finalizava o serviço militar, se cruzou com minha mãe, que também terminava, meses depois ela apareceu com uma criança que não queria, pois tinha lhe surgido a oportunidade de entrar para a Mossad.

Minha avó exigiu a prova de ADN, que levava meses nessa época, mas ao mesmo tempo, se apaixonou por mim, todo amor que não tinha dado ao filho, descarregou em mim.  Tive então dois pais ausentes, o meu trabalhava em relações internacionais, vivia pelo mundo, trabalhando em embaixadas, ela no serviço secreto, vinha sempre me ver acompanhada de uma mulher que passei a chamar de tia, mas na verdade viviam juntas.

Quando ela morreu numa ação frustrada, a que eu achava que era minha tia, continuou me visitando, as vezes passava férias com ela em algum lugar, a queria muito, só descobri quem era com uns 15 anos, mas como meus avôs achavam a coisa mais natural do mundo, eu passei a achar também.

Meus avôs já tinham muita idade para cuidar de mim, meu pai finalmente tinha chegado aonde queria, trabalhar na embaixada de Paris, o combinado era que eu viria passar sempre as férias com eles.

Tempo depois soubemos que ela tinha morrido, viemos para seu enterro, diziam as pessoas amigas que tinha morrido de tristeza, por eu ter ido embora, meu avô, disse que nem pensar, tinham um câncer do tamanho de um bebê, apenas tinha renunciado a fazer qualquer tratamento.  Os dois morreram na verdade com uma pequena diferença, não tínhamos partido ainda para Paris, estávamos hospedados num hotel, com o homem que vivia com meu pai. Nunca gostei dele, mas estava ali para lhe dar apoio moral.

Fomos chamados pelos vizinhos, pois meu avô não saia de casa.  Descobrimos que tinha se livrado de todos os moveis, roupas, tudo que existia no apartamento, em uma noite, levaram tudo como se fossem ladrões.  Quando entramos ele estava sentado na única coisa que tinha ficado para trás, sua poltrona favorita.   Estava vestido com sua melhor roupa, pela primeira vez o vi com um Kipa, no seu colo tinha duas cartas, uma para meu pai, outra para mim, além de um embrulho, com todos seus diários, para que eu o entendesse.

Os dois como explicou ao meu pai, tinha feito um pacto, pois estavam com a mesma doença, ele a ajudou a morrer, depois tomou as providencias para nos livrar dos aborrecimentos de desmontar uma casa totalmente impessoal.  Tomou depois de tudo uma capsula de cianuro.

Não havia heranças os dois eram funcionários públicos, não tinham dinheiro sobrando, tudo tinha sido invertido na minha educação.

Meu pai levou tempo para digerir tudo isso, na nossa volta a Paris, durante dias não voltou ao trabalho, estava desnorteado, se encontrou indo a uma sinagoga, aonde um rabino o ajudou, tinham mais ou menos a mesma idade, trabalhava como psicólogo, fora da comunidade, se apaixonaram, passaram a viver juntos.  Pela primeira vez na vida vi meu pai feliz.  Eu encontrei um homem com quem podia falar.

O anterior desapareceu, como tinha aparecido nas dobras da vida.

Depois de ter passado as férias sozinho, lendo todos os diários, inclusive o que ele tinha herdado de sua avô, passei a entender muitos comportamentos dos dois.  Algumas vezes ria muito, outras chorava, tinha sido uma pessoa completamente perdida, achou que tinha se encontrado, mas na verdade nunca buscou o porquê das conversões.

Eu ao contrário, mudei de curso, de estar estudando econômicas, passei a estudar história, me dedicaria posteriormente a estudar isso as conversões dos safardis, sua vida na Europa, principalmente España e Portugal.  Como funcionavam esses guetos que sustentavam os reis em sua guerras particulares, quando a dívida chegava a um valor considerável, era hora de escapar das perseguições.   A maioria se dedicava a medicina, era logo considerados pelos católicos bruxos, porque tinham a capacidade de operar.

Fui me aprofundando cada vez mais no assunto, não vivia, nem respirava se não fosse isso, recebi uma bolsa de estudos conseguido por Mikael, o companheiro do meu pai, para que pudesse me dedicar exclusivamente a isso, ao mesmo tempo sem saber direito quem eu era, o fui acompanhando a sinagoga.   Me comportava como sempre tivesse ido, até que ele descobriu que eu sequer era circuncidado.  Meu pai não tinha se preocupado, tampouco meus avôs.

Não sabia nada, absolutamente nada da religião.  De uma certa maneira foi um choque, confesso que sempre fui exagerado, quando colocava em uma ideia na cabeça, só pensava nisso.    Devo a Mikael, ter encontrado o equilíbrio nisso, pois ele não permitia.   Lia o que eu escrevia, as vezes alguma frase, ou mesmo um troço do texto, se transformava em uma conversação complicada entre os dois, até que eu entendia o porquê das coisas.  Um dia lhe disse, que ele era mais meu pai, que meu próprio pai.     Na verdade, não era culpa sua, não esperava ser pai, nem sabia o que queria sexualmente na época, só tinha em mente sua carreira, como ia ir pelo mundo arrastando uma criança se ele mesmo era imaturo.   Para isso estavam seus pais.

Um dia levei uma bofetada na cara, conheci nos estudos que fazia, numa biblioteca, um homem um pouco mais velho do que eu, me apaixonei como um louco, Thomas era cura, fazia um estudo sobre os judeus, pois seus antepassados tinha sido safardis conversos, ele mesmo era católico.  Como dois idiotas que nunca tinha feito sexo, nem maduros éramos, mais parecíamos dois adolescentes.  Quando ele teve que voltar a Roma, confuso pela descoberta de sua sexualidade, ao mesmo tempo, de suas raízes a coisa ficou feia, queria ir com ele de qualquer maneira, até que me disse que necessitava de tempo para digerir tudo isso, encontrar-se consigo mesmo.

Ele acabou indo para Israel, depois de abandonar a igreja católica, tinha descoberto nos seus estudos, tudo o que tinham feito com seus antepassados.

Justo quando ele foi para Israel, consegui, autorização para estudar nos arquivos do vaticano, o procurei, mas não o vi.   Descobri tempo depois que só teria acesso ao que eles permitiam, o que eu buscava não estava disponível.

No meu livro criei um capítulo inteiro sobre o assunto.  Depois fui para Sevilla, estudar nos arquivos da Companhia das Índias, que tinha uma vasta documentação a respeito, como esses safardis, estiveram ligados aos árabes, da mesma maneira que estavam ligados ao reis católicos.   Era como estar sempre sobrevivendo no meio de tudo contra, pois seja com católicos ou árabes, tinham que viver em guetos, os únicos que podiam sair depois do toque de queda, eram os médicos que iam atender aos nobres.

Em Sevilla fui verdadeiramente vulgar, tinha mil e umas aventuras de uma noite, não me interessavam os relacionamentos, até que me chamaram a atenção para isso, que eu estava ficando vazio de sentimentos, foi o Mikael, que veio me ver preocupado por mim.  Como sempre meu pai tirava o corpo fora.

Me deu uma bronca monumental, nem estava fazendo bem meu trabalho, pois minha atenção era pouca.   Depois disso me fechei, me dediquei de corpo e alma ao meu trabalho, fui a Córdoba e Granada, mas pouco encontrei de material,

Era como se tivessem borrado os sefarditas da face da terra.   Por uma informação do Arquivo das Índias, fui ao Marrocos, outras colônias espanholas da época.  Mesmo ao México, mas qual os que tinham ido eram os conversos, que acabavam no final sem identidade, que era o que interessava aos governos, bem como a Igreja Católica.

Quando acabei meu segundo livro, revisei o primeiro, pois algumas coisas se tinham alterado na minha linha de pensamento.

Fui chamado para palestras, a Sorbonne aonde tinha estudado se interessaram por mim, não só porque tinha escrito dois livros, mas porque ao final falava árabe, português, espanhol, o dialeto sefardita, inglês, meu trabalho consistia em aulas sobre isso, bem como ajudar estudantes de várias lugares.  Foi quando descobri que poucos eram os interessados no assunto.  Quando os livros foram lançados em Israel, só compareciam nas entrevistas, estudiosos do assunto, o público era como que restrito.

Fui entrevistado na televisão, o que queriam saber porque me tinha interessado tanto o assunto, quando comentei, entendi que as pessoas não gostavam que se ficasse rebuscando seu passado, como que agora eram um pais, não necessitavam o tempo todo alguém dizendo o quanto tinham sido perseguidos.

A preocupação do país, eram os ultra ortodoxos, que se expandiam, pois se proliferavam como coelhos.   

Numa das muitas palestras que dei, apareceu o Thomas, na hora não o reconheci, muito gordo com uma barba imensa, relaxado com sua figura, estava acompanhado de um homem moreno que me apresentou como sendo um jornalista que queria me entrevistar.

Saímos para comer alguma coisa, mas Thomas se levantou indo embora sem se despedir, achei estranho, comentei isso.

Andreu, o nome que ele usava como jornalista, que escondia que era um dos muitos Etíopes, judeus resgatados por Israel.  Se escrevo as entrevistas com meu nome, não interessa, pois com esse que uso fico parecendo um jornalista estrangeiro, meu nome é Jacob Saharin, ficamos conversando, ele foi direto ao seu objetivo.

Queria saber como eu me sentia depois de todo esse trabalho que tinha tido, publicando dois livros, mas que no fundo estava buscando minha raízes.

Lhe respondi francamente, mais perdido do que antes.  Pois a maioria das pessoas não se interessam, as que querem saber, de uma certa maneira chegam à conclusão, se isso as afetara nas sua vida nesse momento.

O mundo atual, as informações duram cinco minutos, você sabe disso, a quem vai lhe importar de aonde você veio, porque dois segundos depois serás engolido por uma nova notícia, mas absurda do que lhes possa parecer a tua.  Estas fora de jogo.

Me olhava surpreendido, com minha análise, mas concordava comigo, estou sempre em busca de algo. O que público hoje amanhã, cheira a ranço.

Pois é, está ficando difícil, pergunto sempre se as pessoas passam realmente das 10 primeiras páginas de um livro, que foi tão crucial para mim.   Armazenei tantas informações em minha cabeça, agora, apesar do tempo perdido me parecem lixo.

Mudamos de assunto, lhe perguntei se tinha tido ou tinha algum romance com Thomas.

Me disse rindo que tinha tentado, mas que ele estava tão perdido que tinha sido impossível.

Eu me considerava jovem, nessa noite depois de nossa conversa cheguei cheio de energia na casa que tinha alugado, perto de aonde tinha vivido com meus avôs. 

Comecei a escrever um romance sobre isso, como os jovens estavam perdidos, criei um personagem como eu, que quando chega ao final de uma linha, descobre que perdeu tempo recuperando o que foi o passado de sua família.   Escrevi até o amanhecer, no dia seguinte mandei o texto até aonde tinha aguentado escrever, uma cópia por e-mail para o Mikael, me despertou por volta do meio-dia.

Estava ansioso para falar contigo, li de uma só vez tudo que escreveste, achei genial a ideia, creio que é isso mesmo.

Estivemos falando mais de duas horas, no final quando desliguei, perguntei a mim mesmo, se meu pai não se incomodava com isso, que ele exercesse o papel do pai que ele não era.

Chegariam dentro de dois dias, pedia que conseguisse um apartamento para eles, mas a casa que estava era grande, eu os hospedaria.

Na noite antes voltei a me encontrar com o Jacob, ia andando pela rua, depois de um jantar, ele saia de um vernissage, fez questão que eu entrasse, me disse que o pintor era seu irmão.   Me encantei com os quadros, era de uma realidade diferente, pessoas retratadas no seu cotidiano, mas como que fazendo uma coisa distinta.

A alguns fiquei parado muito tempo diante, senti atrás de mim uma respiração forte, me voltei ali estava um homem moreno com barba, óculos de míope.

Gostas do que estas vendo, é o que vês?

Sorri para ele, pois me pareceu um homem bonito, comecei a falar o que sentia, a força das figuras.  Ele me fez girar, que eu olhasse as pessoas em volta, todas com sua taça de champagne conversando de costa para os quadros.  Acredito que só tu tenhas entendido o que quis dizer. Quando pergunto o que veem me falam das cores, das figuras fortes, mas o resto nem percebem, o pior compram para colocar em suas casas, sem sequer saber o que é.  Evidentemente eu necessito que comprem para seguir trabalhando.   Daqui a dias os ignorarei totalmente.

Ficamos ali conversando até que o dono da galeria veio chama-lo.  Jacob tinha desaparecido, eu o encontrei fora com o irmão.  Eram diferentes entre si.

Vejo que conheceste meu irmão, ele ficou impressionado contigo.

Eu também pois sua obra me cativou.  Ficamos ali conversando um tempo, quando ia me despedir, Abraham, me segurou pelo cotovelo, eu não desapareceria tão rápido.  Virou-se para Jacob, me fartei disso, vou com o Gregori até a praia, para respirar ar puro.

Ficamos sentados num muro falando sem parar, acabei indo dormir no seu studio.  Havia uma eletricidade entre a gente incrível.    Me despertei, assustado, pois meu celular não parava, era o Mikael, perguntando aonde estava, estavam no aeroporto me esperando.  Tinha me esquecido deles.  Abraham fez questão de me levar, me soltou mal sentamos no carro, se eu pensava que ia deixar que escapasse.

Fomos falando o tempo todo.   Meu pai estava furioso, se havia uma coisa que não perdoava, essa era esperar, estava acostumado a ser atendido imediatamente.

Mikael contornou a situação, como sempre, Abraham, pensou que ele era meu pai, falou com ele sobre isso, que ele devia amar ter um filho como eu.

Mikael ria, apontou meu pai que falava com um jornalista, ele é seu pai.

Eu o abracei pela cintura, Abraham, na realidade ele é o pai que sempre quis.

Fomos até o apartamento, os deixei mudarem de roupas, fomos almoçar, Mikael, conversava conosco sobre arte, dizendo que queria ver seus quadros depois.

O assunto para variar não interessava meu pai, que não parava de falar ao celular.  Achei uma falta de educação, soltei que o meu avô não iria permitir isso, acredito que te educou melhor, que não tenhas atenção com teu filho tudo bem, nunca tiveste mesmo, mas não estamos sozinhos, seja pelo menos educado, entreguei a chave do apartamento, arrastei Abraham, escutando que Mikael, perdia a paciência.

Nessa noite, escutei uma notícia que não gostei, os dois iam se separar, depois de todos esses anos Mikael estava farto.  Lhe abracei chorando, vou perder o pai que sempre quis ter.  No dia seguinte meu pai, foi se encontrar com amigos em Cesárea, levando sua bagagem.

Tudo isso me fazia sentir mais perdido, comentei com os dois sobre isso. 

Tens que entender que ele nunca se sentiu teu pai, foste criado pelos teus avôs, depois eu assumi esse papel, quando vi que tu não lhe interessavas, a vinda para cá foi por insistência minha, mas falhei.

Volto para Paris, para arrumar aonde viver, lhe dei a chave do meu apartamento, podes ficar lá, enquanto resolvo o que vou fazer.   O levamos ao aeroporto, dois dias depois meu pai chamou, perguntando por ele.  Respondi secamente que não sabia.   Iria com o Abraham, ao deserto do Néguev, soltou que precisava falar comigo, lhe respondi que sentia muito, mas ia com Abraham de qualquer maneira, que o voltaria a ver quando voltasse a Paris.

Acabamos passando um bom tempo por lá, pois Abraham tinha amigos em Beersheva, que me encantou, foi quando vi o pouco que conhecia o pais que tinha nascido.

O interessante era a quantidade de assuntos que tínhamos os dois, falávamos horas sem parar, bem como fazíamos sexo.  Vinha falando com Mikael todos os dias, tinha levado o catálogo da exposição do Abraham, ele era super bem relacionado, foi mostrando em Paris.

Meu apartamento era grande, antigo também, eu usava só uma parte, pois tudo que necessitava era um lugar para dormir, escrever, Mikael, disse que tinha arrumado um pequeno para ele, quase ao lado do meu, assim estaríamos mais perto.

Convenci Abraham de vir comigo, para tentar a sorte por lá.  Aceitou, não queria me perder, pela primeira vez estava apaixonado.  Montou seu studio numa parte do apartamento, mas estávamos os três sempre juntos.  Um dia Mikael, chegou em casa nervoso.

Teu pai está internado, quis te dar a notícia em Israel, mas não quiseste falar com ele, teve um AVC esta noite, estava com seu novo amante.  Me avisaram do hospital que está, queres ir até lá.

Fiquei na dúvida, quando chegamos, de imediato não gostei do seu acompanhante, devia ter mais ou menos a minha idade.

Meu pai sorriu quando me viu, mas estava com vergonha.

Tinha perdido a mobilidade do lado esquerdo.  O médico perguntou se tínhamos ideia do que íamos fazer.  Eu simplesmente na frente dele lhe disse, que acreditava que Israel, cuidava bem de seus funcionários antigos, com certeza teriam alguma residência para ele viver.

Mas é o teu pai, tentou argumentar, esse senhor nunca me criou, primeiro foram meus avôs, depois esse senhor, indiquei o Mikael.   Sinto muito, que seu namorado cuide dele.

Mikael ficou furioso comigo.

Se queres cuidar dele, como sempre fizeste bem, mas ele nunca me cuidou, sequer se preocupou comigo, nunca esteve em nenhuma época de minha vida.  Que se apanhe sozinho.

O namorado desapareceu nesse mesmo dia, era jovem, não ia perder seu tempo com um velho, Mikael, ainda ficou com pena, o levou até Israel, pois o apartamento que vivia, pertencia ao governo, que o queria para a pessoa que viria o substituir.

O levou até Jerusalém, voltou em seguida, tens razão, logo queria me convencer a ficar para cuidar dele, é o mesmo egoísta que foi a vida inteira, em que eu estava ao seu lado para resolver os problemas.

Vou mais é cuidar da minha, estava ajudando o Abraham a preparar sua próxima exposição.

Fui convidado, devido ao meu novo livro que fazia sucesso, para dar aulas na universidade de Tel Aviv, fiquei de pensar.

Estava tão acostumado a viver em Paris, que para mim voltar para minha cidade era difícil, mas claro já não estava sozinho.  Abraham sentia falta de lá, apesar do sucesso, gostava da vida lá. Acabei aceitando o convite.  Mikael, aceitou de repente ir viver em NYC, com um irmão, que queria que o ajudasse em seus negócios, nada mais o prendia a Paris.  Continuamos nos falando todos os dias, sentia sua falta, mas ele durante o ano, vinha pelo menos duas a três vezes para me ver.   Sempre ia ver meu pai, uma vez me convenceu de ir com ele, num primeiro momento fiquei com pena dele, mas bastou vê-lo se vangloriar que eu devia ao fato de ser um escritor com um certo renome a ele.   O desmenti na frente de todos, deixa de ser mentiroso, nunca me ajudaste em nada, nem meu pai eres.  Apresentei o Mikael, como meu verdadeiro pai.

Odiava esse comportamento dele, mas achava horrível isso.  Agora entendia finalmente o suicido dos meus avôs, sabia que seu filho não cuidaria deles.   Fiquei imaginando isso na cabeça do meu avô que o tinha criado, como pai e mãe ao mesmo tempo. O orgulho como olhava o filho, que mal lhe dava atenção.  Comentei o que pensava com o Mikael, ele me contou que meu pai quando descobriu que seu pai era homossexual, primeiro pensou que ele tinha lhe transmitido um gene defeituoso.   Depois o passou a ver com outros olhos, como as pessoas olhavam para ele, cuidando desse filho como se fosse uma mãe, passou a odiá-lo por isso.

Então porque me largou lá.

Porque tampouco queria um filho, acredito que fui eu, que me apaixonei por ti, sempre quis ter filhos, eras inteligente, atendo com tudo, sempre conversando comigo, como eu tinha sonhado fazer com meu filho, te roubei dele, que nunca prestava atenção.

O amei muito, até perceber que vinha tendo aventuras as minhas costas, quando começou a sentir-se velho, como se fazer sexo com uma pessoa mais jovem lhe fosse devolver a juventude.

Podia ser inteligente, mas egoísta.  

Nunca se interessou pelos diários que me deixou meu avô, me respondeu que isso era idiotice, que nunca trairia vantagem nenhuma na vida do país.    Eu achava engraçado isso dele falar de boca cheia do país, sendo que passou a maior parte de sua vida fora.

Meses depois teve outro enfarte, fui vê-lo, porque Abraham me convenceu, estava com a boca torta, era difícil entender o que falava.  Me pediu desculpas por tudo, mas seu olhar via que fazia isso porque tinha medo de ficar para trás.

Lhe contei que Mikael, tinha conseguido uma exposição para Abraham em NYC, aonde eu também iria lançar meu livro, quando volte venho ver o senhor, nunca o tinha chamado de pai.

Quando estávamos já quase prontos para voltar, fomos avisados que tinha falecido, se vinhamos para seu enterro.

Chegamos direto para o cemitério, achei estranho o fato de não estar sendo enterrado como os judeus.  Um senhor se apresentou, dizendo que eram suas últimas vontades, que tinha algumas coisas que precisava falar comigo.  Além de ler seu testamento.

Deixou dinheiro para mim, para o Mikael, mas o mais interessante, uma carta como outra dentro.  Leia essa carta que seu avô me deixou, quiça me entendas um pouco.

Quando fiquei sozinho, abri a carta, fiquei emocionado em ver a letra do meu avô, pedia desculpas por sair assim do mundo.   Mas tinha feito um pacto com sua mulher a muitos anos, ele a tinha ajudado a morrer, agora tocava a ele.

Explicava que na verdade ele não era seu filho, mas sim fruto de uma aventura dela, quando viu que estava gravida já era tarde para um aborto.   Mas te amei desde o momento que te tive nos meus braços.  Te criei como meu filho, embora saiba que quando descobriste como éramos na verdade te sentiste enojado, pois outras pessoas sabiam, comentavam.

Me olhavas com nojo, até quando essa mulher trouxe o filho de vocês, tua avô exigiu um teste de paternidade, pois teu comportamento era horrível.  Quando soubeste que o filho realmente era teu, levantaste o ombro dizendo, que me importa, foi somente uma noite, não sinto nada por ela, além de que minha carreira depende de estar livre.

Por isso se um dia teu filho te renegue, aguente, como eu aguentei quando, não me quisestes, apesar de todo meu amor por ti.   Amamos teu filho como nosso. Espero que seja um grande homem, que um dia possa te perdoar. 

Ah, teu pai verdadeiro, tampouco era judeu, foi um agente da CIA, que veio fazer um treinamento aqui, nem sabe que existes.

Fiquei pensando como isso podia ter influído na cabeça dele, mostrei a carta para o Mikael.

Soltou, por isso sempre que te defendia, soltava, que não sentia nada por ti, que eres filho de um erro, um engano, que já fazia muito pagando escola para ti.

Na última página, tinha escrito, a vingança dele foi cruel, mas entendi quando me rejeitaste em Paris, fizeste a mesma coisa que eu fiz com eles.

A culpa é toda minha, pois nunca o agradeci pelo amor que me deu, mesmo que eu não fosse filho dele.

Portanto, nunca entendi por que te preocupavas em ser um Zarco, se meu pai sequer era judeu.

Aí estava a vingança dele, como um tiro de misericórdia, como querendo dizer que eu tinha procurado uma coisa que não me correspondia.

Mikael, ficou furioso, se pudesse o desenterraria, pois seguiu sendo filho da puta, até depois de morto.

Não se preocupe, lhe disse, meu pai sempre foi você, amava suficientemente meu avô, para poder dizer que cumpri o sonho dele, de se encontrar com suas origens.

Não me arrependo de nada, pois fiz por ele, não pelo meu pai.

Agora tinha uma casa fora da cidade, aonde Abraham podia trabalhar a vontade, adotamos um menino Etíope como ele, depois uma garota, Mikael, dizia que finalmente era avô, ficou morando conosco, formávamos uma família diferente, mas que o mundo fosse tomar no cu, nunca me importei com isso.

Para azar de meu pai, escolhemos dar-lhes o sobrenome Zarco aos dois.

Mikael dizia que devia estar se virando na tumba de raiva.

Mas não me importava, amava minha família, bem como o homem com quem compartia minha vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 19 de abril de 2021

SAMI - SAMUEL BENDUNDA

 

                           SAMI -  SAMUEL  BENKUNDA

 

Era hora de agradecer o prêmio que ganhava no Festival de Cannes, por sua obra prima, um filme animado, uma história que seu avô lhe contava desde que era pequeno.

Nesse momento o agradecia, com lágrimas, nos olhos tinha falecido meses antes, durante um ataque terrorista contra o governo, ele estava no lugar errado, tinha ido reclamar um erro no cálculo de sua pensão.  Tinha sido funcionário publico toda vida, mas com a última mudança de governo, tinha se perdido os papeis.

Quando ia reclamar, a bomba estourou levando tudo por diante, só sobrou dele, pelo que se falava, meio tronco.

Tinha chorado abraçado ao seu tio Melchior, sua tia Sara, todos tinham nome bíblicos na família, era como filho para seus tios que não tinham tido oportunidade de terem os seus.

Seu pai, que era o mais velho dos dois irmãos, era um bala perdida, não parava em emprego nenhum que o pai, posteriormente o irmão lhe arranjavam.   Um dia apareceu com uma mulher de outra etnia, que resultou ser sua mãe.  Os dois brigavam por tudo, por nada, era sempre um bate boca idiota, despois se reconciliavam na cama.    Meu avô dizia que graças a deus, desses rompantes não saísse mais nenhuma criança.     Um belo dia ela desapareceu, saiu para trabalhar, nunca chegou ao mesmo.  A polícia não sabia, nada, tudo o que se sabia era que tinha subido no ônibus para ir ao trabalho, que levava uma maleta, coisa rara nela.  Todo mundo reparou nessa maleta, daquelas duras antigas, recoberta por um tecido desses que chamam atenção produzidos na Africa.

Meu pai ficou furioso, a foi procurar aonde vivia sua família, lhe deram uma surra de fazer gosto, o jeito foi ir para Paris, passar uns tempos com o irmão mais jovem que tinha conseguido um emprego na Prefeitura da cidade Luz.   Mas foi a mesma coisa, um belo dia desapareceu, abandonando suas roupas, Melchior descobriu que não ia trabalhar a mais de dois meses.

Procurou ter tato, ao falar com seu pai, Benjor Benkunda, tinham pena de como ele dar a notícia para mim, dizem que eu levantei a cabeça sacudi os ombros, segui desenhando.

Na verdade ele me criava desde que era bebê, pela manhã até metade da tarde me cuidava uma vizinha, depois estava com ele, era um Babalorixá, escondido, pois os mulçumanos Suni dominavam o pais, qualquer coisa era motivo para uma pessoa sumir, então tudo era por baixo dos panos.

Mas como funcionário público, me conseguiu a melhor escola de Banjul, Gambia, me levava de manhã, ia buscar na hora que saia, voltava com ele para casa me contando como os funcionários trabalhavam mal.  Eu adorava quando contava alguma história divertida, pois ao final soltava uma grandes gargalhadas, balançando os ombros.      Meu pai, nem meu tio, tinha a altura dele, eu sim, era franzino quando criança, mas um belo dia espichei, ganhei corpo, porque de tarde trabalhava num armazém descarregando caminhão.   Meu sonho era ir à universidade, se fosse em Paris melhor, portanto tinha que juntar dinheiro.   Ele nunca permitiu que eu gastasse um tostão na casa, logo me fez abrir uma conta num Banco Francês que existia ali na capital.  Assim não vais cair em na tentação de usar antes do tempo.

Eu ficava era louco quando meus tios vinha passar as férias, infelizmente eles não tinham filhos, mas acho que até gostavam, tinham uma vida complicada.   Eles saiam cedo de casa, voltavam de noite mortos de cansados.  Ela trabalhava numa agência de publicidade, ele na prefeitura, num cargo qualquer, desses que dão aos negros, para dizer que ali trabalha gente de todas as raças.

Quando tinha uns 15 anos lhe pedi, para ver se conseguia um computador de segunda mão, que pudesse ter alguma coisa de desenho, construção de vídeos.     Ela conseguiu um na agência, eu fiquei como louco, pois tinha conseguido que um dos companheiros deixasse os programas de desenho, produção, vídeos.    A levantei do chão, pois era baixinha, a beijei com um louco, acho que ela tinha medo de gostar de mim.  Uma noite que me viu esforçando para aprender sozinho como trabalhar, me disse que deveria ir para Paris.

Eu tinha um dilema, tinha que terminar o curso que fazia, para ter um diploma pelo menos, outro era meu avô, ele se negava a sair de sua casa, por mais que os dois insistissem que devia ir com eles, que teria uma vida melhor.

Não posso, tenho que cuidar da minha gente, a partir daí não adiantava insistir pois ele não cedia, quando acabei o curso, as possibilidades de universidade ali, não tinha nada do que eu queria fazer, eram cursos para acabar em funcionário público.

Um dia o vi falando com meu tio, que esse ano não vinha porque as férias dos dois não coincidiam, ele não dava um passo sem ela junto.  Escutei de longe a voz dela alta, manda logo esse garoto para cá.

Dias depois chegou o bilhete de avião, fomos ao banco, para transferir o dinheiro, tirar algum para a viagem.   Não tire nada, foi até o caixa levando uma caixa de sapato velho, embrulhada em um papel de jornal velho, abriu, pediu que ingressassem isso na minha conta, eram todas suas economias.   Seu argumento era que eu ia precisar de dinheiro para comprar material para a escola de Belas Artes, quando olho o preço do que traz teu tio, fico com a boca aberta, lá para o dinheiro deles, deve ser barato, mas para ti será caro.

Me levou ao aeroporto, com meu passaporte novinho, num taxi de um de seus amigos e clientes.   Queria que eu levasse sanduiches, mas a senhora que tinha me cuidado desde pequeno, queres fazer o garoto passar vergonha, no avião dão comida.

Fui em um voo da Air Maroc, via Casablanca, só não tinham dito, que eu ficaria a noite inteira no aeroporto esperando o outro voo, agora entendia por que quando vinham chegavam cansados.

Mas não me importou, quando cheguei a Paris, fiquei deslumbrado, tudo era imenso para mim, aquelas casas que pareciam palacios, mas meus tios viviam num bairro que era quase um gueto, ali viviam os marroquinos, os negros, argelinos, tudo gente que tinha que se levantar muito cedo para ir trabalhar.    Tinham arrumado um quarto que usavam para guardar coisas, para mim, segundo uma vizinha, minha tia guardava coisas, pois se um dia teriam um filho. Ria dizendo já tenho, vem inclusive com diploma.

Foi comigo a escola de Belas Artes, o que me salvou foi que levei todos meus desenhos, os professores gostaram.   Eu estava interessado nos curso mais modernos, de vídeo, de desenho gráfico etc.   Depois de um ano, disse a ela, creio que estou perdendo tempo, eu controlo os programas melhor que o professor.

Um dia me perguntou se eu tinha desenhos étnicos, me explicou o que precisava, separei todos que imaginei que serviam, ela levou.   Eu tinha um velho celular que tinha sido do meu tio, estava em plena aula, quando ela me chamou, tens aí o vídeo que estas fazendo.

Sim tenho, me deu a direção, era de La Defense, foi aí que me dei conta do trajeto que tinha que fazer todos os dias para ir trabalhar, o do meu tio era mais fácil, trabalhava no centro no Palais de Ville.   Fui muito acanhado, pois minhas calças eram as que meu pai tinha abandonado para trás, ela tinha emendado uma barra, que eu tinha pintado para disfarçar que as calças ficavam curtas para mim.   Tinha os cabelos curtos, raspado totalmente nas laterais, mas afro em cima, faziam que eu parecesse mais alto do que era.

Quando cheguei, ela, saiu, me disse, estamos no meio de uma reunião, sente-se escute a proposta.

Foi o que fiz, tirei um bloco de desenho, tinha um homem que parecia um leão, com uns cabelos brancos imenso, só faltava rugir.  Ia explicando qual era a proposta, fui desenhando tudo, nem percebi que um sujeito que estava justo na mesa na minha frente olhava para trás talvez por causa do ruído do meu lápis em cima do papel, primeiro olhou incomodado, depois virou a sua cadeira, para prestar a atenção.

Quando o homem acabou de falar, descobriria depois que era o dono da agência, soltou, nem precisa pedir para alguém fazer, o rapaz aqui já fez todo o trabalho, tirou sem cerimônia nenhuma o caderno das minhas mãos, voltou a paginas anteriores, colocou em cima da mesa, foi passando para o homem.

Como te chamas filho?

Sami, ou melhor Samuel Benkunda, ele se virou para minha tia, esse é o teu sobrinho, Sara?

Ela só balançou a cabeça, tua tia me mostrou uma cópia do vídeo que estas fazendo, achei interessante, um trabalho forte.

Eu agradeci com um sorriso.  

Ele continuou, ela me disse que procuras um trabalho de estagiário, vejo que Nakano gostou do teu trabalho.   Soltou uma gargalhada, te toca engolir esse gigante, virou-se para mim dizendo, cuidado ele é da Yakuza. 

Sorri, pois não sabia ainda o que ele estava dizendo.

Empurrou o caderno para o Nakano, te apanhas a ensinar ao rapaz como trabalhamos.

No primeiro momento, senti que ele não tinha gostado muito.  Argumentou que ele sempre trabalhava melhor sozinho.

Se queres essa conta, terás que engolir o novato.

Se levantou, eu olhei em direção a minha tia, que fez um sinal de que eu o seguisse.

Foi resmungando na minha frente balançando o desenho, o mais interessante, depois descobri, que todos faziam gozação do que tinha acontecido. Ele tinha 1,65 ou 1,70 como costumava dizer, mas perto do meu 1,95 parecia um anão.

Me levou a uma sala, que tinha duas mesas, uma estava cheia de papeis, limpe a mesa, para mandar colocar um computador para ti.  De repente, quando comecei a tirar com cuidado tudo que estava ali, me olhou nos olhos, diria depois que tinha se lembrado que ele também tinha passado o mesmo que eu, mas com um sujeito muito filho da puta.

Me ajudou, eu sou um desastre, vou acumulando tudo, nenhuma secretária aguenta trabalhar para mim, dizem que tenho mal humor congênito, mas não é verdade, gosto de ter tudo isso a mão para consultas, havia uma grande bancada que ia de um lado a outro da parente, que tinha duas janelas imensas.

Fomos colocando os dois por ordem como ele gostava, está tudo por tipo de assuntos, estampas, fotos etc.  Alguns livros ou revistas de arte me atraiam, ele percebeu, depois vou te emprestando, mas tem que trazer de volta.

Arrumamos as mesas para ficarem uma ao lado da outra, nisso trouxeram o meu computador, bem como uma cadeira nova.   Ele reclamou com o encarregado, estou esperando uma desta a muito tempo, a minha esta uma merda.   Lhe disse ao homem fico com a velha, experimentei, perguntei se ele tinha uma chave, em seguida arrumei a cadeira. Estava perfeita.

Dias depois, cheguei ele estava sentado na velha, estou mais acostumado a essa.

Conversávamos discutindo o projeto, até que ficou como ele achava que tinha que estar, escutou minhas sugestões, algumas aceitou, as outras dialogou comigo para melhorar, de vez em quando o chefe passava, ficava olhando os dois trabalharem.

Um dia minha tia, soltou no jantar, fizeste um milagre, ninguém aguenta trabalhar com o Nakano, é uma pessoa difícil.

Sem querer o defendi, não vejo assim, creio que é questão de educação, ele é educado comigo, eu sou com ele, me da uma sugestão, eu aceito, experimento, se não fica bem, educamente comento com ele, apresento as opções, decidimos juntos a que achamos que melhor encaixa no projeto.    Quinze dias depois apresentamos o projeto.

O chefe escutou toda a apresentação, tinha momentos que Nakano vira-se para mim, explique tu essa parte, os outros estavam de boca aberta.   No final aplaudiram, agora o negócio era vender a ideia para o cliente.   Depois o coitado sofreu uma imensa gozação, encontraste tua meia laranja finalmente, estávamos cansado de ver os ajudantes saírem chorando de tua sala.

Eu ia defende-lo, mas me fez um gesto, eu nesses quinze dias tinha aprendido a entender seus menores gestos.   Soltou, finalmente realmente encontrei minha meia laranja, uma pessoa observadora, que é capaz de dialogar, não esses garotos que são filhinhos de papai, que a qualquer comentário choram pois tem suas ideias rechaçadas.

Depois que ficamos só nós com o chefe, ele perguntou e agora, se preparem para montar a apresentação. 

Nakano soltou, o rapaz não necessita dos 3 meses de práticas, eu o quero como meu assistente.

Foi assim que fui contratado.   Nessa noite em casa comemoramos, no final de semana minha tia convidou o Nakano para comer em casa.   Ele chegou encabulado, vivia do outro lado da cidade, quando o fui levar para pegar o trem outra vez, me disse que tinha vivido com uns parentes japoneses, fizeram da minha vida um inferno.   Quando encontrei esse apartamento em Marais, o aluguei sem pensar.   Eu lhe disse que ainda não conhecia, meu roteiro desde que estou aqui, é ir à escola de Belas Artes, volto para casa, que está em silencio para trabalhar.

Isso eu gosto de trabalhar contigo, os outros todos tinham em sua sala, som, as vezes alto, nos dois trabalhávamos em silencio, algumas vezes fazíamos um comentário, ou parávamos para discutir uma ideia.

Ficou me olhando nos olhos, gosto de ti Sami, sempre me chamava de Samuel, na hora não entendi.  Só respondi, eu também adoro trabalhar contigo.   O trem parou ele entrou, abanou a mão, nos vemos amanhã.

Logo de manhã, o chefe nos chamou, queriam que preparássemos uma capa de disco, bem como um livreto para um cantor do Mali.   Eu já o tinha escutado na rádio.

Minha tia desde que entrava em casa, colocava música, numa rádio que só tocava música africana.  Em seguida pude enumerar os cds todos editados para ele, buscando o trabalho que tinha feito.  Para o livreto, me lembrei da musica que tinha escutado, que falava do povo Dogon, falei com Nakano, se o entrevistamos, essa musica foi composta por ele, é interessante tem uma larga duração, o tempo da música é maior do que o resto, conta uma história, seria interessante que ele contasse isso, podemos colocar o texto, bem como a história que ele conta.

Falamos com o diretor, este fez contacto com a discográfica, nos convidaram para ir assistir o show, bem como conhecer o artista.   Avisei minha tia, não sabia a hora que acabava, talvez tivesse que dormir na cidade.   Fomos os dois comer alguma coisa, me levou a um restaurante japonês, depois ao show.  Todos nos olhavam, entendi por que, fazíamos como um casal que era diferente, um japonês com um negro altíssimo.  Ele gostou mais do que eu do show, pois o cantor não cantava a música que eu esperava.  Quando falamos com ele, disse que a tinha feito somente para o CD, pois acreditava como o som se repetia demasiado, que a plateia se dispersaria.

Falamos da ideia, o queríamos entrevistar, que ele contasse a história e a ideia que tínhamos, contar isso graficamente, para que as pessoas entendessem o que ele queria transmitir, combinamos de nos ver no dia seguinte.

A essas alturas já não tinham trens para voltar para casa, ônibus, menos ainda, taxi ia custar uma fortuna, com certeza não iriam querer me levar.

Nakano me disse em vez de ficares num hotel, ficas na minha casa. 

Lhe perguntei se não ia incomodar, a resposta foi imagine.

Adorei o pequeno apartamento, lhe disse que sonhava muito ter o meu, daqui algum tempo com certeza poderei ter um.  Uma parte da sala, tinha tatames, eu durmo a maneira japonesa, em cima dos tatames, com futon, me explicou como era.   Em seguida essa parte estava despejada, lhe perguntei se podia tomar um banho, pois tinha suado muito no show.  Me deu uma toalha, iria dormir de cuecas, sai do banheiro, enrolado numa toalha, ele fez o mesmo. Me deitei aonde ele tinha falado, quando voltou, sem roupa nenhuma, fiquei impressionado como seu corpo bem definido, sem um pelo, a não ser na área do sexo.  Ele deve ter visto minha cara, se sentou ao meu lado, quando percebi, estávamos nos beijando, fizemos sexo de uma maneira toda especial, pois tinha lhe contado que não tinha experiência, que era virgem.

Não tinha acreditado, foi me guiando como devia fazer.  Eu estava ofegante de prazer, nunca tinha imaginado algo assim.  Dormimos agarrados um no outro, ou melhor, ele encaixado em mim, a sensação me agradava.   Despertei com ele me olhando.

Estas chateado comigo, me perguntou?

Imagina, se gostei disso tudo que fizemos, mas não sei definir meus sentimentos ainda, terás que ter paciência.

Fomos trabalhar, eu ainda fui pelo menos comprar uma camiseta, pois rimos muito quando ele quis me emprestar uma dele, eu precisava de pelo menos três das suas para fazer uma para mim.

Ele tinha chegado antes, mas estava me esperando para falar com o chefe.  Quando contamos o que tínhamos falado com o cantor, ele gostou, mas claro precisávamos do ok da gravadora, bem como a entrevista com ele.

A gravadora não gostou muito da ideia, nisso chegou o cantor, que disse, gostei demais da ideia dos rapazes, porque é a única maneira da maioria entender a música.  Gravamos sua entrevista, explicando a história.    Era parecida com a minha em algumas coisas, seu pai era do povo Dogon, tinha lhe contado mil e uma histórias, mas essa em particular falando dos homens do planeta Sirius, era a que tinha ficado na sua memória.

A resolvi musicar, pois talvez seja o último disco que faça, tenho um câncer terminal, queria deixar isso para a posteridade.

Começamos a trabalhar, eu ia criando os desenhos, ao mesmo tempo que escutava a música, conjugando com a história.   Quando terminei, bolamos um pequeno vídeo contando a mesma, quem fez essa parte foi Nakano, criando em cima dos meus desenhos.  De qualquer maneira era um trabalho conjunto, lhe fui explicando o que era toda essa mitologia.

Quando apresentamos o trabalho, o cantor, chorava.  É uma realidade.

A gravadora não estava muito para esse labor.  Ele investiu de seu próprio dinheiro para bancar o CD.  Quando saiu foi um sucesso.  Numa entrevista falou de nós dois, que tínhamos entendido o que ele queria.  Logo nos chamaram para uma entrevista para um canal cultural, o diretor deu visto bom.  Explicamos como tínhamos criado através da história, da mitologia de Sirius, da música, dois dias depois da apresentação ele morreu.

O CD, por isso virou antológico, os artistas sempre dizem que ficam famosos depois que morrem, é o momento que todos se lembram dele.    Continua sendo vendido até hoje.

Agora vinha passar os finais de semana com o Nakano, adorava o contato de sua pele, de estar dentro dele.   Comecei a nutrir um sentimento por ele.  Tudo que ele queria era que de alguma maneira mantivéssemos as duas coisas separadas.

Segundo ele seus relacionamentos nunca tinha dado certo, porque não entendiam sua dedicação ao trabalho, nisso eu era igual a ele.   Em sua casa, começamos um trabalho conjunto, eu ia desenhando, ele montando um vídeo, sobre uma historia japonesa.   O mais interessante que quando vimos tínhamos um filme de animação.  

Minha tia um dia me perguntou se tínhamos alguma coisa mais que esse trabalho.

Na hora não entendi, até que ela explicou que o pessoal da agência estava comentado, a respeito, pois ele estava sempre me valorizando para o diretor.

Mostramos primeiro a ele, o filme que tínhamos feito juntos.  Ele classificou meu desenho de diferente, "exquis” usou essa palavra para dizer que era diferente, perfeito.  Acho que deviam mandar para algum concurso ou mesmo mostrar em algum festival.    Perguntou se confiávamos nele, mexeu todos seus conhecimentos para conseguir que fosse apresentado num festival de cinema.

Um dia que fomos almoçar juntos, nos perguntou se tínhamos alguma coisa intima, todo mundo fala, embora eu ache que é um direito de vocês, espero que isso nunca interfira no trabalho.

Nakano ficou vermelho, eu também, mas riamos depois pois ele dizia na tua pele não aparecia, na minha sim.  Resolveu contar a verdade, que tínhamos uma relação, que nunca ia permitir que interferisse no nosso trabalho.   Ao contrário a prova estava no filme, tínhamos feito em parceria, sem alterar nosso trabalho na agência.

Espero que seja assim, adoro o trabalho dos dois, para pensar que um dos dois tenha que ir embora.

Acabei contando para minha tia, que adorava o Nakano, agora vinha sempre comer em casa, pelo menos uma vez por mês.  Ficava mais tempo com ele também no seu apartamento, era como nosso ninho.

Comecei a escrever a historia do meu avô, primeira parte era isso, escrevi a história, depois comecei a imaginar.   Mandei para ele o texto para que me corrigisse se tinha errado alguma coisa, me devolveu com as correções.   Agora tentava de uma certa maneira criar os personagens, Nakano me ajudava.

Uma noite estávamos discutindo isso, sentados num restaurante em Marais, quando dois jovens se aproximaram, tinham visto nossa entrevista na televisão.  Gostamos de ver como vocês desenvolvem o trabalho, estamos aqui sentado ao lado de vocês, sem querer escutamos o que dizem.    Um deles começou a olhar muito para mim.  Vi que Nakano, ia ficando nervoso, mal acabamos de comer, ele grosseiramente disse, vamos embora.

Quando nos afastamos dali, me disse o porquê, nunca imaginei que fosse capaz de ter ciúmes, mas ver esse rapaz te olhando, me provocou um desejo imenso de explodir, bater nele, sei lá o que, tive que me controlar.   Não quero de maneira nenhuma pensar que eres minha propriedade, talvez seja melhor nos afastarmos um tempo.  Algo se descontrolou dentro dele, alguma coisa guardada muito no fundo.  Voltei a viver na casa dos meus tios.   Seguíamos trabalhando juntos, mas só eu percebi o enorme esforço que fazia para se controlar.

Um dia me disse, já falei com o chefe, irei ao Japão resolver problemas de família, algo se rompeu dentro de mim, tenho que descobrir por que meus sentimentos se trucaram.

Uns 15 dias depois, voltou, foi direto falar com o chefe, tinha arrumado um emprego numa agência em Tokyo, claro conheciam seu trabalho, nosso filme, queria que ele fosse trabalhar lá pois lhes daria prestígio.

Nessa noite fui a sua casa, foi uma coisa horrível, sequer me permitiu me aproximar dele, descobri que tinha uma parte de dele, que não conhecia.  Os outros relacionamentos que tive, nunca passavam de uma noite, mas ao sentir essa coisa da posse que tenho contigo, me deixa louco.  Me pergunto a cada instante, bem como imagino, você com outras pessoas, na cama, conversando, fazendo coisas juntos, me da vontade de matar o que imagino.

Isso não é bom, é um sentimento que não domino, por isso não posso encostar em ti, pois se isso acontece, perderei meu controle.

Fiquei literalmente chocado.  Na segunda-feira o chefe me chamou, me disse que estava conseguindo dirigir o trabalho sozinho, se eu queria alguém que pudesse compartir o mesmo comigo.    Lhe disse que senão pudesse me virar sozinho lhe avisaria, pediria socorro.

Isso me obrigou a fazer tudo sozinho, passei claro a ganhar muito mais, consegui um apartamento, mas sentia uma falta imensa dele, escrevi várias vezes, mas nunca me respondeu.

Sabia que tinha alguma coisa a ver com seu passado, mas como ele nunca falava nisso, achava indelicado perguntar, principalmente sabendo como ele era fechado.

Tínhamos o hábito de ir comer num restaurante japonês, que ele tinha me levado, continuei a ir, um dia se aproximou um homem de uns 35 anos, me perguntou por ele.   Lhe disse que estava trabalhando no Japão.

Eu os vi aqui a algum tempo atrás, ele não me viu, mas o reconheci, fiz uma maldade com ele, erámos amantes no Japão, quando vim para cá, fiz sucesso rápido, ele não, sem querer o deixei para trás, me deslumbrei com que as pessoas amassem meu trabalho, que devia em parte a ele, mas meu ego não reconhecia.    Um dia me encontrou com outro homem, um francês na cama, teve um ataque de ira, pois tinha se sacrificado para vir comigo para cá.  Eu como um idiota, me achando superior lhe mostrei o caminho da rua.   Ele teve que pedir ajuda a pessoas da sua família que viviam aqui, essa o desprezavam porque ele era gay.  Até que conseguiu esse emprego.   Nunca mais me deixou se aproximar dele.

Escutei tudo, em silêncio, isso me fazia compreender o que ele sentia.   Um dia me mandou um vídeo, agora tinha um studio, tinha voltado atrás em tudo, estava pintando, fazia sucesso, pois pintava suas memorias.  Me mandou uma foto de um quadro, em que eu estava nu.  Não posso parar de pensar em ti.  Quero voltar, mas minhas dúvidas não me deixam. 

Lhe disse que nunca mais tinha tocado em ninguém, mas que entendia seus sentimentos, tinha conhecido o namorado dele que tinha me abordado, me contando a história deles.  Que o homem não me inspirava a mínima confiança, o que era verdade, pois no final de tudo, me convidou para dormir com ele, me neguei.   Lhe disse que meu coração tinha dono.

Ele veio passar as férias adorou meu apartamento, no quarto, eu tinha colocado tatame, dormia como tinha aprendido com ele.  Foi algo explosivo, porque eu estava morto de saudade dele, meus sentimentos explodiram, me declarei para ele, falamos de coisas que nunca tínhamos falado, me contou todo seu passado, o que tinha lhe acontecido.  Eu entendi.

Conseguiu um lugar para pintar, logo fazia sucesso, pelo seu estilo.  Vivia lá em casa, nunca quis ir à agência.   O diretor, comprou um dos quadros, para colocar na sua sala.  Quando ele foi convidado para expor nos Estados Unidos, foi como se seu globo inflasse.   Agora entendo o que o outro sentiu, me pediu para ir com ele.

Fiquei completamente confuso, fui falar com meus tios, não sabia o que fazer, sentamos mil vezes para falar do assunto, não queria me separar, mas não tinha ideia de como fazer.

Falei como diretor, me disse que nos tempos atuais eu poderia seguir trabalhando para a agência a distância, através da internet.  

Acabei indo, alugamos um apartamento em NYC, lhe conseguiram um local para pintar, de lá fomos para Los Angeles, para expor uma nova coleção de pinturas.   Um dia cheguei sem avisar no seu studio, estava fazendo sexo, totalmente drogado com um tipo estranho.

Fiquei puto da vida.   Coloquei o rapaz para fora, estas fazendo exatamente o que fizeram contigo, mas eu não tenho nada a ver com isso.  No dia seguinte decidi, fui fazer um curso na escola de cinema, logo me chamaram para trabalhar numa companhia.

Não gostei muito, já sabia o que queria, voltei para Paris sozinho, nunca mais tinha falado com ele, estava tão magoado, pois a princípio não entendia nada, porque me fazia isso, se eu o tinha amado incondicionalmente.

Nesse tempo todo, principalmente em Los Angeles tinha ganhado uma certa fama, a agência, me recontratou de imediato, pois agora eu tinha uma coisa importante, sabia atender clientes americanos.  Assumi na agência o papel de criativo principal.

No meu apartamento, agora podia pagar um grande, vivia na Rue des Abbesses, agora eram meus tios que vinham me visitar.  Mas tinha me fechado para os relacionamentos.  Só de me lembrar do Nakano, me doía o peito.   Não podia o perdoar.

Um dia, antes que alguém falasse o diretor da agência, me mostrou uma notícia de jornal, ele tinha matado seu amante do momento num ataque de loucura, de drogas até a alma. Alegava não se lembrar de nada.   Depois foi condenado a 20 anos de prisão, morreu dois anos depois de Aids lá dentro.

Falavam de uma pessoa, que não era o homem a quem eu tinha amado, que tinha me dado a chance de minha vida, pois tinha se apaixonado por mim.   Aonde estava aquele homem tímido que me conquistou.  Me fechei mais ainda.  Algumas vezes ia para cama com alguém, mas preferia que não fosse na minha casa.   Fazia sexo que não me satisfazia, depois ia embora para minha casa.   Um dia vinha chorando no metro, quando um rapaz da minha idade se aproximou para me perguntar se estava passando mal.   Nunca o tinha visto antes, lhe contei tudo de repente, ficamos amigos, começamos a nos encontrar para jantar.   Ele era descendente de marroquinos, trabalhava no cinema, fazendo o que lhe aparecia, ora em produção, ou montagem de um filme, começamos a nos entender.  Um dia fui ver um projeto que estava fazendo para um filme, acabamos na cama.  Nem eu tinha imaginado isso, ele tampouco, fomos nos conhecendo melhor, foi quando meu avô morreu, ele esteve todo o tempo ao meu lado, falávamos muito.   Ele tinha saído de casa em Casablanca, pois não tinha aceitado que era gay.

Acabou me ajudando a fazer o filme sobre meu avô.  

Por isso nos agradecimentos o deixei por último, sabia que ele estava sentado com meus tios, eles estavam orgulhosos de mim.  Logo o filme foi indicado para competir nos Oscar, fomos os dois, na apresentação, recebi um convite para trabalhar num dos maiores studios de lá, mas olhamos um para o outro, gostávamos do nosso canto em Paris.  Não queríamos que o sucesso, nos atrapalhassem.

Estamos agora montando um filme os dois juntos, sobre a minha história, será o primeiro desenho em longa dirigido a gente jovem, que sonha em ter um romance, fala do Nakano, de tudo que aconteceu, foi como purgar o meu passado.

As vezes tenho dúvidas, mas Mansur, não permite que eu mergulhe em depressão, logo me chama para uma viagem, ou somos convidados para falar em algum evento gay.

O amo com paixão, somos diferente um do outro, ao mesmo tempo nos completamos. Já levamos juntos mais de 15 anos.    Um amigo dele, diz que quando nos vê, parece que estamos nos conhecendo, pois sempre estamos conversando um com o outro.  Ele sabe o que eu gosto, como eu presto muita atenção em tudo que ele gosta ou quer.  Entendo sua cabeça, o surpreendo no nosso trabalho, incluindo o que ele sugere para ver se ficou bom.  Não ganhamos o Oscar, mas o filme que fizemos juntos, não para de dar voltas ao mundo, agora estamos em produção de um sobre a vida de uma cigarra, que gosta de cantar, mas descobre que é gay, fala justamente da adolescência, a vivência é mais dele que minha, pois até ir para cama com Nakano, nunca tinha pensado em fazer sexo com homens.

Quando apresentamos no cinema, muita gente estranhou, mas era dirigida aos jovens, mas fez mais sucesso entre os adultos, que tinham passado por isso.

Ganhamos um premio na Inglaterra outro na Alemanha, de novo selecionados para o Oscar, mas nem fomos, pois estamos no meio de um novo trabalho, sigo trabalhando para a agência, mas como free Lancer em algum projeto especial.

Meus tios se aposentaram, tentaram voltar a viver em Gambia, foram e voltaram rapidamente, segundo ele, faltava meu avô lá.   Eu e Mansur erámos sua família.

Ele estava escrevendo um livro, eu lia cada página do mesmo, depois me sentava no computador, montando o personagem.  O filme saiu quase ao mesmo tempo que o livro.

Tínhamos medo de um dia essa felicidade acabar, mas vamos lutando para sempre manter essa amizade, o amor, respeito que temos um pelo outro.   Eu continuo sendo segundo minha tia, o mesmo garoto que veio de Gambia, quando duvidei disso me mostrou um vídeo que tinha feito quando cheguei, comparou com outro de uma entrevista na televisão.   Olha como te comportas, contínuas sendo o sobrinho, que é meu filho ao mesmo tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 12 de abril de 2021

LÉOPOLD

 

                                               LÉOPOLD

 

Sedou Abe Bara, como sempre, mal chegou ao Senegal, criou confusão no aeroporto, como podia um brasileiro com um turbante na cabeça, um colar de contas vermelhas, atravessado no corpo, de um lado, um dente de javali, do ouro um objeto de metal.

Explicar que gato não é sapato era mais fácil, foi necessário chamar o chefe da polícia do aeroporto.   Mal o olhou de cima a baixo, Sedou começou a falar com ele em Yoruba, teus mequetrefes não querem me deixar passar, sou fotografo, venho fazer trabalhar uma reportagem aqui no Senegal.  Deu o nome do guia turístico que iria acompanhá-lo, deve me estar esperando fora.   O chamaram imediatamente, entrou resmungando, ela bem que disse que por aonde passas crias confusão.

O chefe conhecia o guia, ainda lhe avisou, cuidado, esse homem falando Yoruba, pode causar confusão em qualquer lugar.

No 4X4 que tinha alugado especialmente para levá-lo por todos os lados, recomendação expressa da ministra de educação.  Ele parou ao lado, vamos viajar nessa merda, nem pensar, quero um outro tipo de carro, um furgão, Quando o deixou no hotel, reclamou também era um cinco estrelas, ele com sua bolsa de pano, desceu do carro, o lugar era como uma área cercada vigiada por guardas de segurança, tinham ali todos os tipos de hotéis.   Ele se dirigiu a um da cadeia Ibis, que era mais simples, foi até a recepção com o guia atrás.  Pediu um quarto normal, outro para o rapaz que é meu guia.   Sinto estragar teu desejo de um hotel cinco estrelas, mas não vai comigo.

Não senhor, eu estou hospedado aqui, acha que iam pagar para mim um cinco estrelas.

Ele começou a rir, sua risada era como um estrondo no céu, diziam que pareciam explosões de Xangô e Iansã.   Então fazemos o seguinte para sacanear minha amiga, como paga o governo, tu ficas no cinco estrelas, eu fico aqui.  Foi até a varanda, a primeira vez que vim ao Senegal, aqui era um hotel, me lembro da proprietária, eu tinha 18 anos, voltava de Paris, um jovem loiro, que bateu o pé no aeroporto que iria ficar nessa escala.     Me hospedei nesse hotel, era pequeno, ali a areia chegava até um grande Baobá, que me parecia estranho estar na beira do mar.

Foi ela que me disse tudo o que sou hoje em dia, era uma Bara como eu.   O outro o olhava sem entender nada.  Como Bara, me disseram para tomar cuidado com o senhor, pois se não é da sua maneira, logo cria confusão.

Sim, imagino que a ministra disse isso, ela foi minha aluna em Paris, por isso me conhece bem, quando resolvi vir fazer fotografias, tentou que eu fosse para outro pais.  A mandei tomar no cu.

Vou aonde quero, ninguém pode me impedir.     Não ia dizer que estava em missão, para o Bara, se o guia fosse dos Orixás poderia ver que não estava ali sozinho.

A estas alturas, tinham trazido para baixo a bolsa do guia, foi com ele ao hotel ao lado, um cinco estrelas, se apresentou, deu seus documentos, disse, esse rapaz vai ocupar meu quarto, pois eu vou dormir na praia.

Virou as costas foi embora, quando chegou ao muro, tinha um portão ali, disse ao guarda em Yoruba, abra a porta de Bara.   O fez rapidamente, sabia o que ele estava falando.  O guia veio correndo atrás dele.  

Estava ali parado, olhando a merda que tinham feito com aquela praia linda, paradisíaca que tinha conhecido no passado.

Levantou os braços para cima, gritando filhos da puta, assassinos do mundo.

O guia não entendia nada.  

Mostrou para ele a merda toda que estava ali na praia, restos, de lixo, óleo dos navios.   Por isso os hotéis estavam cercados, a desculpa era proteger, mas na verdade era para terem controlados os turista que não fossem por ali.

Como é teu nome meu filho?

Me chamo Mansur Albarrã.

Estou perguntando qual o teu outro nome, ou só tem esse muçulmano?

Só tenho esse. 

Eu sabia, ela ia fazer tudo para complicar minha viagem.    Rindo para ele, não se preocupe, nós daremos bem, vamos tomar uma água nesse hotel cinco estrelas, pois esse paga o governo assim falamos de amanhã.

Eu me levanto a seis da manhã para me preparar, todos os dias será assim, quero depois ir a mesquita ao lado do estádio.   Mansur olhava para ele, como dizendo assim não vão deixar entrar o senhor.

Tu agora de noite falas com teu amigo Sami, que me empreste seu carro, enquanto isso, deixas esse com ele.

Como o senhor conhece Sami?

Isso não é problema teu, diga que foi o Bara, ele vai entender.

Foi para o seu hotel, tinha pedido para a garota que fosse tudo branco.  Entrou embaixo do chuveiro, rezando, pai, eu sei que quando me movo crio confusão, mas se for de outra maneira, as coisas não andam.   Era como se escutasse uma risada ecoando por ali.

Estava com fome, pois tinha saído rápido de Paris.  Colocou uma calça branca, por cima um Kaftan árabe, enrolou um pano na cabeça, sempre estaria com um.

Desceu, educadamente pediu se podia comer alguma coisa leve.  Veio um homem da cozinha, se inclinou ante ele, Bara, o que o senhor quer comer?

Uma coisa leve meu filho, um chá de canela, com um sanduiche simples, ou mesmo uma torradas.

O que o senhor come de manhã?

Todas as frutas do Bara, consegues?  Ah é muito café forte.

Depois ficou olhando as pessoas pela janela, ao longe ele via a lua sobre o mar, mais ao fundo, estava a Ilê de Gorée, quando o homem trouxe a comida, ele estava chorando, olhou a direção, entendeu.  Deixou as coisas ali, se retirou.

Tomou o chá, comeu as frutas e sanduiche, deixou dinheiro na bandeja, foi dormir.

Retirou toda a roupa, se jogou na cama.  Amanhã seria outro dia.

Se levantou, se lavou bem, rezou, profundamente espero poder cumprir o que o senhor me pede, descobrir esse seu filho, para o salvar.

Quando desceu viu Mansur, discutindo com um dos guardas do portão que não queria deixar entrar um furgão velho todo enferrujado.   Ele sem conversa, foi falou com o homem eu aluguei esse carro, abriu a porta abraçou para espanto do próprio, Sami, meu sobrinho, lhe beijou as faces, rapidamente abriram o portão, venham vamos tomar café.

Quando se sentou, entraram no salão o chefe, com duas garotas, trazendo duas bandejas imensas, os outros hospedes olhavam espantados.  Tudo muito bem arrumado, as frutas do Bara, como ele tinha pedido, o chefe se inclinou a ele.  Ele se levantou da mesa, meu filho muito obrigado.  Outra garota trazia um termo de café, bem forte como o senhor pediu.

Fez com que o chefe se sentasse com eles.  Não vais ficar aí em pé, venha tenho que falar contigo.  Fechou os olhos começou a falar em Yoruba com o homem, este olhava a princípio espantado. Depois entendeu a mensagem.  Enfiou a mão no bolso, tirou dinheiro enrolado num pedaço de pano.  Vá, honre tua mãe.   O homem saiu disparado.

O que o senhor disse para ele perguntou Mansur?

Tens certeza de que queres saber?

Sami explique, esse menino tem cera nos ouvidos.

Lhe avisou que sua mãe está para morrer em Banjul, disse para ele sair pitando daqui.

É verdade senhor Sedou?

Sami é melhor que venhas junto nessa viagem, esse menino tem cabeça dura, falo ele nunca entende nada.

Bom agora vamos a Mesquita, antes que fique cheia de gente. 

A cara do Sami era divertida, mas com qual carro?

Sempre com o teu meu filho.

Ele ria, o senhor com esse branco leitoso, me chamando de filho, um negro como a noite, é raro.

Sami, eu sou mais negro que tu duas vezes, levei muito tempo para descobrir isso.

Foram a Mesquita, ele tirou da mochila o mesmo Kaftan, colocou um barrete na cabeça, disse fiquem aqui.   Entrou, se preparou, viu que os fiéis não faziam como ele, se preparar a consciência, chamou a atenção de um que guardava a porta de entrada, vais deixar essa gente entrar sem se lavar direito, me chame o chefe do lugar.    Logo apareceu um velho, que correu para ele o abraçando.  Se beijaram, tens que colocar ordem aqui, essa gente não se prepara como deve.   Quer ver.

Começou a falar altíssimo, que todos o seguissem, assim se faz, começou tudo de novo rezando alto, como ousam a entrar na casa de Alah sem estarem limpos para as orações, seu amigo ria, continuas o mesmo, de longe fez sinal para os dois se aproximarem, disse, este senhor é meu amigo, é o responsável da mesquita, se preparem como devem, para não desrespeitarem a casa de Alah.    Mansur a estas alturas não entendia porra nenhuma, agora o guarda estava prestando atenção.   Quando entraram, ele estava ajoelhado, junto ao senhor, rezavam o corão. Depois o homem subiu para a pregação, hoje tenho a honra de ter aqui, um velho amigo, senhor do Bara, que muito me ajudou quando estava na Mesquita de Paris, uma mesquita ,não a principal, mas a dedicada aos homens de cor como nos.   Esse homem é de todas as religiões, entende profundamente de cada uma, sua missão na vida é salvar almas.

Começou a reza, que Sedou acompanhou com lagrimas nos olhos.

Mansur pensou, como esse homem chora.   Na saída ele disse ao ouvido do Mansur, o homem que chora, purga sua alma, choro por todos os filhos perdidos do Bara.

Agora vamos ao mercado, se alguém tentar me enganar Sami, me defenda, porque esse banana do Mansur, vai ficar com vergonha.

Mas não estava prevista nenhuma visita ao Mercado, senhor Sedou?

Estou cagando para isso, é o que eu vou fazer. Sami prepare esse carro para ser carregado.

Ele começou a fazer compras, coisas de comida para crianças, livros, cadernos, quantidades de caneta Bic, muitas caixas, a cara do Mansur era ótima, vamos levar tudo isso.  

Sim porque, você acha que vou a casa dos outros de mão abanando.

Ora, basta dar dinheiro.

Para que os maridos tirem das mulheres, para ficarem sentados no bares, tomando esse maldito chá, nada disso.

Quando terminaram voltaram ao hotel, ele disse essa noite dormirei na Ilê de Gorée, vens comigo Sami, trancaram o furgão, entraram no 4X4, foram para o porto.

Quando chegaram na Ilê, ele disse aos dois, está vendo aquele hotel ali, vá peça quartos para nós, bem como preparem uma refeição, saiu andando, parecia que falava sozinho, mas Sami sabia que falava com o Bara.  Duas horas depois, ele voltou, comeu com eles, um bom peixe, disse, agora vou subir a parte mais alta para rezar, sempre rezo melhor de estomago cheio.

Foram atrás dele, com medo de alguém o atacar.

Quando chegaram lá em cima, havia gente esperando por ele.  Se sentou virado para o mar, começou a cantar uma canção triste em Yoruba.

Logo todos cantavam, Mansur perguntou o que ele está fazendo, cantando pelos escravos que saíram daqui para o mundo, nunca mais voltaram, alguns morreram no mar, outros pelas mãos dos seus patrões, mas ensinaram o povo a acreditar nos Orixás.

Eu nunca soube que acreditavas nisso?

Minha avó foi mãe de santo, fui criada por ela, por isso sei Yoruba, mas também respeito Alah.

Todo mundo foi embora, menos o Sedou, ficou mais umas horas, lhes disse, vão dormir, pois amanhã começamos nossa viagem.  Quando estavam chegando embaixo, olharam para cima, ele estava com os braços abertos, em direção ao mar.

Mas no dia seguinte de manhã, estava como um pincel, pronto para irem embora, quando desceram, reclamando do quarto pois as camas era velhas, ele riu, por isso dormi lá em cima.

Voltaram no primeiro barco.  Foram para o hotel, ele pediu para guardarem o 4X4 na garagem, foram embora no furgão do Sami, esse avisou sua mulher que tinha um trabalho por alguns dias, depois te conto.

Virou-se para o Mansur, jamais perderia essa viagem.   Iriam dormir num dessas modernos pousadas que tanto gostavam aos turistas.

Ele chegou examinou o lugar, disse a dona o que queria comer, se ela tinha uma rede, para ele dormir ali perto do rio.

Os mosquitos vão comer o senhor.

Duvido, sabem quem eu sou.  Realmente os outros hospedes reclamavam dos mosquitos, na mesa deles, não tinha nenhum.

Comeram o peixe que ele tinha pedido, o marido dela arrumou a rede para ele, o viram rezando, depois foram dormir.  Logo de manhã, o viram fazendo fotografia do nascer do sol, dos animais que estavam ali, dois cachorros o seguiam por todos os lados, bem como um burro que estava ali.

O dono se matava de rir, esses cachorros odeiam os turistas, dormiram embaixo da rede, como se tomassem conta dele.   Esse burrico que temos para levar as crianças para passear, que está sempre de mal humor, vai atrás dele como um cachorro.   Ele pediu algumas frutas que não temos, ele estava já perto, não se preocupe, me apanho com o que tiver, mas quero café muito forte, senão meu dia não começa.

Mas se o senhor leva de pé uma duas horas.  Tinha tomado banho num chuveiro no pátio, o homem ria, ficou nu, levou duas horas tomando banho.

Comeram, pagaram, partiram.   Mansur já não fazia perguntas, volta e meia ele pedia para parar, em algum Baobá que antigo, se ele via garotos por perto, se colocava a conversar com eles sobre o futuro.  Depois balançava a cabeça, nenhum desses dizia.

Nessa noite, dormiram em uma vila, o seguiram, quando desceu do furgão, foi direto a uma choça, depois o viram conversando com um velho, um antigo feiticeiro que curava os males das pessoas dali que não tinha dinheiro para ir a um médico.  Avisou aos dois, vão dormir, pois comerei com meu amigo, ou melhor, lhes deu dinheiro, peçam um belo peixe assado com legumes para os dois, vamos comer aqui.   Depois os mandou dormir.

De manhã quando o procuraram, estava cercado de mulheres, crianças, tinha aberto o furgão, ia olhando cada criança, lhes dava alguma coisa, se fosse maior, perguntava se ia a escola, lhe dava um caderno, canetas, se o sem vergonha voltava a fila, conversava com ele, que isso de ser malandro era feio.

Olhou cada criança doente, rezando, algumas não paravam de chorar, ele colocava a mão sobre a barriga, rezava, depois separava, arroz, mijo, outras coisas, entregava a mulher.

Isso não resolve, mas apenas tapa um buraco, para elas.  Esses maridos, nunca trabalham, fazem filhos vão para Dakar, só voltam para a colheita do que preparam elas, levam metade do dinheiro, elas ficam aqui trabalhando.

Pararam no meio da tarde em Joal-Feadiou, aqui é aonde nasceu Léopold Sédar Senghor, o maior poeta do Senegal, foi presidente do pais também.

Comeram à beira da enseada, depois ele atravessou a ponte, andando descalço em cima das conchas, subiu até o cemitério, mas não entrou, em seguida foi a Mesquita que era uma antiga igreja, se lavou entrou para rezar, dali, foi a uma igreja católica, fez o mesmo.

Voltou com eles, foram a pousada ele pediu a mesma coisa, Mansur não entendia, ele explicou, meu filho, vivo em Paris, cercado de edifícios, poucas vezes posso dormir vendo as estrelas, em comunhão com os elementos.

Sami entendeu, pediu outra rede para ele, Mansur, foi dormir no quarto, esses dois estão como loucos.

Quando se levantou viu Sami rezando com ele. Já tinham tomado banho a beira do pequeno lago que tinha ali.

Tomaram café, colocaram o pé na estrada.  Sami conduzia, foi dizer que estavam indo em direção errada, quando ele parou ao lado de um imenso Baobá, que estavam cheios de turistas que entravam dentro.   Sedou se aproximou, colocou a mão no mesmo, começando a rezar, os vendedores de bugigangas se aproximaram, mas Sami os afugentou.

De repente os turistas que tinha entrado no oco do Baobá, saíram disparados, pois de dentro saíram uma quantidade impressionante de morcego, cagando na cabeça de todo mundo.

Sedou ria com sua risada escandalosa.   As pessoas o olhavam com aquele olhar de matar meia dúzia, mas não era com ele.    Que falta de respeito tem a humanidade, com os símbolos do Orixás, este é um Iroco milenar, aqui antes habitavam muitos espíritos, essa gente os afugentou.

Agora é moradia de morcegos, que são como eles, chupa sangue.

Foram parar numa aldeia mais adiante, logo um bando de crianças, mulheres se aproximaram, todas traziam suas crianças, para que ele olha-se, o velho tam, tam funciona ainda, o velho os avisou que eu vinha.

Mas isso estava fora do nosso roteiro.

Do seu talvez, mas não do meu.   Logo se aproximou uma velha, sem idade definida, sonhei com o senhor hoje.   Ele pegava cada criança no colo, fechava os olhos, as examinava bem, depois dizia ao Sami, o que devia dar a mulher, só então Mansur percebeu que também levavam remédios.  Ele pediu a uma das mulheres que procurasse umas ervas para ele, as colocou num pequeno pilão, disse aos dois que dessem a professora que olhava de longe, sem se aproximar, levem para ela cadernos, lápis, canetas bic. Veja o que necessita.

Passou a os ignorar totalmente, falavam com ele, mas parecia não escutar, enquanto rezava, preparou uma pasta negra, a senhora sem ele dizer nada tirou a parte de cima de sua roupa, era mais enrugada que uma uva passas.  Começou a esfregar bem essa pasta na sua coluna, enquanto explicava a garota que a acompanhava como devia fazer, quando acabou a mulher já estava melhor, mais ereta. Quis beijar suas mãos, mas ele recusou.   Fingiu que estava ofendido.

Se inclinou ele, beijando as suas, por cuidar tanto tempo de sua gente.

Os homens olhavam de longe, se eles estivessem posse dos cadernos e livros, venderiam tudo.

Nessa noite dormiram ali embaixo de uma árvore a entrada da pequena vila, as crianças vieram olhar a comida que ele preparava, Mansur ia dizer que era um absurdo de comida, mas quando viu que as crianças vinham comer, ficou quieto.  Serviu aos dois, o sabor que tinha a mesma era impressionante.

Assim se comia antes, hoje tudo isso se perdeu, foi tudo que disse.

Um homem se aproximou para pedir dinheiro.   Olhou bem para o mesmo, que fedia a bebida fermentada, lhe passou um sermão dos bons.

Nenhum outro ousou se aproximar.

A professora, no dia seguinte veio lhe agradecer os cadernos, eu só tenho o quadro negro, as crianças nunca têm aonde escrever, ensino as letras, eles escrevem na terra.  Mandou lhe dar mais cadernos.   Na próxima vila nos abastecemos.

Chegaram de noite a uma aldeia Peul, não tinha ideia aonde estavam, não viam ninguém na estrada, apesar de verem as choças, a escola, um ambulatório, isso mais parece algo civilizado, foram até ao final da estrada aonde apareciam umas dunas, o Mansur, falou deserto, mas a ele pareciam dunas nada mais.   A lua refletia sobre a mesma, viu muitas tendas, imitando as dos Tuaregs, os homens que os atenderam estavam vestidos como tal.   O levaram para uma especial para ele, tinha pelo menos 4 camas, ao fundo da tenda, ao ar livre, um chuveiro, bem como uma pia, um trono, cercado por uma paliza de ramas.  Se vestiu com seu Kaftan, enrolou outro pano menos sujo na cabeça, saiu, a lua cheia insidia toda em cima das dunas.  O chamaram para comer em uma imitação de tenda aberta que era o restaurante.   Pediu franco a brasa, tomates, nada mais.    No meio viu que montavam uma fogueira na areia, mas acabou de comer, voltou a sua, se lavou a cara, escovou os dentes, pegou duas mantas que estavam em cima da cama, sabia que na areia faria frio.   Foi para lá, ficou rezando, até que apareceu o Sami, com um outro vestido de Tuareg.   Tira esse disfarce que não convences, soltou.

Me deixem rezar.

Queres que venha dormir aqui, lhe perguntou o Sami.

Fique junto com os outros, me deixe tranquilo.

Estendeu uma das mantas, rezou, se deitou se cobriu com a outra, começou a sonhar, quem era o garoto que procurava, estava ali.

Despertou as seis da manhã, com uns quantos camelos, deitados ao seu lado.

Riu, este como que o saudaram.  Logo apareceu o mesmo rapaz, da noite anterior, perdão, se soltaram, não tenho ideia como, mas normalmente depois fica difícil de pega-los, cada um vai para um lado, que estejam todos aqui é estranho.

Se quiser dar um passeio depois.

Agradeceu, disse que queria ir até a aldeia, lá tenho aonde comer?

Sim, saltou sobre um camelo, sem cela nem nada, ele fez igual, desceram a montanha, foram em direção a aldeia, acenou de longe para Mansur e Sami, sabia que em seguida viriam atrás dele.

O levou a casa de sua mãe, explicou que ela era a primeira mulher do chefe da aldeia, ele tem mais duas, da minha mãe, tem o meu irmão mais velho, que desapareceu, eu que tomo conta das cabanas, tudo é dela.  Uma outra que meu pai, trouxe de Dakar, que é de outra etnia, tem um garoto, da última tem duas meninas.

Só disse, que homem prodigo.  A que era, vamos dizer assim a chefa da aldeia, soltou, muito simpática, meu filho fala demais.

Nisso entraram uma com duas crianças, em seguida outra com uma roupa totalmente diferente pois não tinha estampas, bem como seu turbante.  Um garoto se escondia atrás dela, devia ter uns 12 anos.   Só disse, você veio finalmente.

A mais velha fez um sinal, todas se sentaram o menino veio se sentar ao seu lado.  Começou a falar em Yoruba com ele, tens que me tirar daqui, vão me matar.

A mais jovem disse, lá esta ele falando esse língua que ninguém entende, por isso vive falando sozinho, os outros garotos não querem falar com ele, ou jogar bola.

A cara do garoto era triste, estava quieto lhe observando.

Ele se virou a sua mãe, perguntou no seu dialeto, com quem falava o garoto, ela não sabia, tinha medo de que por causa disso os mulçumanos o caçassem.  Pensam que é um bruxo.

Vocês não tem aqui, nenhum curandeiro.  A mais velha respondeu rapidamente, não, meu marido o expulsou, somos todos mulçumanos, sinalizou a mãe, dizendo que ela era católica, meu marido a trouxe de Dakar, para ser sua segunda esposa, queria status, pois diz que era de uma família importante.

Embora parecesse mais velha que a outra, tinha a pele esticada sobre os ossos, como se tivesse feito uma cirurgia estética.

Na verdade, era a mais velha de todas, contou que tinha aprendido a ler e escrever em francês, com as monjas no orfanato aonde tinha sido criada.

Gostas de poesia verdade?

Como sabes disso?

Pelo nome dele, o chamas assim em homenagem a Léopold Sédar Senghor.

Ela deu um sorriso grande, é verdade, sei todas as poesias dele inteiras, dou aula na escola daqui para as meninas que estão mais avançadas.  Os meninos aprendem a ler escrever, deixam a escola, não lhes interessa.

Nós as mulheres somos mais inteligentes.  Sinalizou o filho, ele ao contrário, adora ler, escreve muito bem.

Quase soltou, por isso venho buscá-lo, mas ficou quieto.

Virou-se para a manda mais, lhe perguntou pelo seu filho mais velho?

Ah esse é um bala perdida, saiu daqui dizendo que iria para Europa, mas sabemos que vive na Mauritânia, com uma tribo Tuareg, que são extremistas mulçumanos.

Virou-se para ela, justo quando entravam Mansur e Sami, levamos todo esse tempo para encontrá-lo.

Pois eu já encontrei o que vim fazer.   Disse aos dois, retirem tudo da furgoneta, deixem tudo na escola, as medicinas no ambulatório, fez uma sinal para a chefe que queria falar com ela, e a outra sobre o garoto.

Eles saíram com a mais nova que recolheu a chaves da senhora do manda mais.

Foi direto ao assunto, seu filho, não está louco nem nada, ele é um Bara como eu, me mandaram vir buscá-lo, pois seu filho mais velho vem para cá.   Se chega aqui antes de irmos embora, vão matá-lo.  Viu que ela estremecia.

Sei que a senhora o protege, bem como a segunda esposa.   Mas eles tem que ir embora.

Meu marido não vai permitir, é cabeça dura. Nisso entrava na cabana um homem alto, como o rapaz que o tinha trazido, saio por um dia, isso vira uma bagunça disse.

Quem é esse homem, o que faz aqui com as duas.

Ele fez sinal para que sentasse.  Disse quem era, vim ao Senegal buscar seu filho homem mais jovem.  Seu filho mais velho vem nessa direção, o vai matar.  Tenho que levar a ele, bem como sua mãe, para fora daqui.

De jeito nenhum, fez milhões de objeções, ele se inclinou ao outro, lhe disse baixinho, não quer que eu conte para tua mulher aonde estiveste de noite, com essa garota que tem mais dois filhos teu.  Tens um piru magico, aonde encosta sai um filho.  Mas se não me deixa fazer isso, entre seus filhos vai haver muitas mortes.

Ficou olhando fixo para ele, não perdes nada, vai embora uma, trazes a outra.

Que ganho em troca?         Estou tentando falar a anos com a ministra de educação e turismo, queremos ajuda para fazer daqui uma aldeia Peul exemplar, ter um festival de música para atrair turistas, por isso temos essa aldeia Tuareg no meio do deserto.

Ele serio soltou, isso são dunas, não é o deserto, porque depois delas está tudo verde.  Ele se levantou, o garoto se agarrou a ele, com medo de ser abandonado.

Pegou sua mão, o levou com ele. Fora chamou o Mansur.  Tens o número de celular direto da ministra.   Ele ia dizer que não.

Não me faça te mandar tomar no cu, já aumentando a voz, a chame imediatamente.

Ele sem graça fez o que tinha pedido.  Ela atendeu, ele falou diretamente em Yoruba com ela, largue esse reunião agora, vá para sua sala, tenho que falar contigo, te chamo em dez minutos.

Eu vou fazer com que a ministra venha até aqui, o senhor vai assinar um papel, me dando esse menino em adoção, porque senão a coisa vai ficar feia, olhe quem está ao meu lado, colocou o dedo na testa do homem, ele viu o Bara que o acompanhava, bem como o do seu filho.

Este disse, me enterraste, mas estou aqui.

Chamou o celular dela outra vez.  

O senhor não para de causar problemas.

Vou te deixar livre , mas vou te ajudar também, se fazes o que eu te digo, ganharas um ponto com o primeiro ministro, mas tens que mexer essa bunda gorda agora.  Pegue um helicóptero, venha aonde seu empregado Mansur, diga aonde estamos.

Viu que ela gritava com ele, era como se ele tivesse metido o rabo entre as pernas como um cachorro sarnento.

Não deixe que ela fale assim contigo, depois te conto segredos dela.

Diz que estará aqui dentro de uma hora. 

Ótimo, Sami, arrume mais uns homens vá com esse homem aonde enterrou uma figura em madeira. Devem trazê-la aqui.   Disse a mãe do garoto, arrume suas coisas, vocês irão com a ministra embora daqui.

A outra olhava, não se preocupe, ele vai trazer outra terceira esposa, com dois filhos mais.  Ela soltou esse homem não pode ficar com o piru metido nas calças, fora outras com que tem filho por aí.

Chame as pessoas que tem problemas, ou estão doente, meu Bara vai atendê-las.

Elas tem medo, pois os homens são todos mulçumanos.   Que finjam que estão me vendendo alguma coisa.

Logo ele separava coisas, ao mesmo tempo que olhava as crianças, rezava, abaixava febres, pedia para a chefa limpar alguma ferida, em seguida cicatrizava a mesma.  Virou-se para ela, dizendo o nome de uma erva, faça sempre um chá para ti, quando estiveres furiosa com esse homem, tudo vai mudar, assume o mando de tudo, pois ele perde tempo fazendo política.

Uma hora depois o helicóptero, aterrissou perto das tendas, ele agarrou o garoto, subiu com ele um camelo, sem nada.  Os outros foram nos carros.

Ela estava furiosa.

A levou a parte, se me ajudas, eu vou te ajudar também, vais poder ganhar ponto.   Contou eu vi aqui só por causa desse garoto, seu Bara, pediu ajuda ao meu que conheces.  O irmão dele mais velho, saiu daqui dizendo que ia cruzar Mauritânia para ir para Europa, mas o que fez foi se juntar com um grupo radical, nesse momento eles vem para cá, te dou a localização se faz o que eu quero.   Ajude a mulher do chefe a melhorar a aldeia, trazer para cá um festival de música, sei que andas procurando um lugar interessante, aonde a gente possa curtir um Senegal diferente, isso seria aqui, olhe em sua volta.   Os turistas vão pensar que isso é um deserto, quando não passam de dunas.

Ajude ao chefe, mas não se esqueça que é a mulher que manda aqui.  Faça dela tua aliada, fale com ela, ele tem que assinar um documento me dando em adoção o filho.  A mãe dele, a leve contigo, ela pertence a uma irmandade religiosa, esse sem vergonha a raptou dali, aqui não é feliz, reúna as mulheres contigo, assim vences.

Alguma vez, desde que me conheceste em Paris, te dei alguma ideia de que não te fizeste bem, até disse para voltares, para entrar na política, se te cercas de mulheres, poderás ser até primeira ministra.

A deixou tomar rédea da situação, perguntou a segunda esposa se queria ir com ela, essa abriu um sorriso, dizendo que sim.  Olhou para o garoto, perguntou se queria ir comigo.

Este sorriu, ele veio me salvar, sonho com ele a meses, o Bara, é gente do bem, me dará uma vida melhor.

Lhe disse que precisava também dos documentos da escola, para poder coloca-lo em uma em Paris.

Ela, riu, você sempre pensa em tudo, verdade.

Falou com o homem, avisou que entrariam por ali, rebeldes, mas vou falar ministro do exército ele mandara tropas para defende-los, retire as crianças da aldeia, as proteja, pois esses renegados raptam as crianças,  vou mandar um comboio para isso, logo tratamos do festival de música nesse acampamento, mas deixarei como minha representante, tua mulher, ela terá meu número particular para falar comigo.

Ele estava de boca aberta, eu tinha resolvido sem querer coisas que ele levava anos tentando fazer.

Soltou rápido, preciso de dois professores na escola, já que a minha segunda mulher se vai.

Apontou a primeira mulher, ela vai sempre me dizer o que precisa aqui, mas não exagere.

Subiu no helicóptero com a mulher, ele fez sinal para o garoto, nos vemos amanhã a noite, ainda falou com a ministra, necessito que ele tenha passaporte.

Riu para ela, vais ganhar pontos com isso.

Sabia que era ambiciosa, por isso abusava, ainda soltou na frente do Mansur, tens um excelente empregado zelando pelas tuas coisa, mas creio que é melhor trabalhando no ministério.

Este depois agradecia.

Se despediu do pessoal, disse aos dois, colocaste a escultura no carro.

Sim disse Sami, esse cagão não queria.   Agora toca para Saint Louis, aonde tenho que fazer uma última coisa.

As mulheres tinham colocado comida no carro, comeram no meio do caminho, em Saint Louis, ele foi direto a igreja católica, o padre saiu correndo para abraçá-lo, meu irmão, meu irmão que vento os traz por aqui.

Se sentou ali nas escadas, quero que me ajudes com esses garotos que estão na rua, pedindo dinheiro para os sem vergonhas dos que lhes ensinam o corão, mas não quero a igreja católica no meio.   Monte uma reunião, com os mais importante da cidade, amanhã de manhã antes de ir embora, falo com eles.

Mansur, estava que não se podia.   Não consigo entender nada, vens buscar um menino que tem um Bara, segundo o senhor ele morreria se ficasse aqui.  Antes de sair de Dakar, se viu com o da mesquita, agora com o católico, afinal em que liga joga o senhor.

Esse é meu trabalho, ajudar, sem olhar a quem.   Sempre fiz isso em Paris, ajudo os católicos, os mulçumanos, vou a suas igrejas com respeito, bem como eles me consultam por várias coisas, é um toma lá dá cá, sem interferir nas soluções.

Foram para um hotel antigo, mas limpo, tomou um banho, caiu na cama, dormiu o sono dos justos, não queria comer.

No dia seguinte, perante a comerciantes, mulçumanos, católicos, falou como podia ajudá-los, conseguirei dinheiro para vocês mandarem esses garotos de volta para casa.  Aqui os estão explorando.  Um homem se levantou, dizendo que era professor desses garotos. O olhou de cima a baixo, veja como estás gordo, e os meninos morrendo de desnutrição, acho mais que não passas de um bom filho da puta.   Aliás te aconselho, a sair daqui, bem como da cidade, avisa aos outros que como você, que eu sou o Bara, quando falou Bara, a voz ecoava pela igreja, posso destruir o engano de vocês, estão tirando dinheiro, foi apontando as pessoas, mas não fazem nada.

Esses homens se levantaram furiosos.  Eu os colocaria para fora, agora por favor, me tragam esses garotos para serem examinados.

O fez um a um, tinha dado dinheiro para o Sami, pois Mansur era lento nessas coisas, na frente do hotel, tem uma padaria, junto tem uma mulher fazendo sanduiches, diga que venha até aqui com seu carrinho, com muitos pães, você vai pagando tudo que ela der para os garotos.

Deu dinheiro para ele, soltou para o Mansur, mexa essa bunda vá ajudá-lo.  No final do dia, saíram rumo a Dakar, chegaram tarde da noite, ele ficou no Ibis outra vez.  Uma garota falou com que o chefe agradecia muito, amanhã estará aqui, mas pode se despedir de sua mãe.

Tomou um belo banho, chamou o encarregado, se podia lavar suas roupas, não tinha nada limpo, tudo cheirava mal.

Quando despertou de manhã, bateram na porta com sua roupa limpa, passada.  Se vestiu o Kaftan branco, bem como o pano que antes estava amarelo de sujo, desceu para tomar café.

O chefe veio falar com ele, agradecia muito o aviso.

Soltou uma coisa que ele não esperava, hoje vou te trazer um garoto, que está pelas ruas, o vais educar, ensinar a trabalhar, será como o filho que perdeste.   Ame o garoto como se fosse teu.

Ficaram de boca aberta, quando o garoto que ele tinha ido buscar, correu para ele, do elevador, se pendurou no seu pescoço, falando com ele em Yoruba.   Virou-se para o outro, vê, eu levo o meu.

Sami apareceu com uma cara como sempre sorridente, se não tivesse família iria com o senhor, para trabalhar para si.

Disse aonde queria ir, cadê o Mansur.   Está com a mãe do garoto, preparando os papeis dele, agora vai trabalhar no ministério.

Pegou a mão do Léopold, disse vamos que temos muito que fazer.

Disse a direção exata aonde queria ir.     Pararam o carro, ele apontou ao Léopold, vê aquele garoto assustado, ontem o pegaram, vá até ele faça com que venha falar comigo.

Viu que, Léopold tinha que insistir muito.   O garoto contou toda sua história, seu pai o tinha dado para o clérigo, para que ensinasse o Coran, pois era o mais frágil de seus filhos, quando deixou de mandar dinheiro, o mesmo o colocou na rua.   Estava uma semana comendo comida do lixo.

Voltaram para o hotel, ele disse ao Sami, vê aonde é a entrada de serviço, chama o chefe.

Quando esse apareceu, apresentou o garoto, disse, esse agora substitui o filho que perdeste, não cometa os mesmo erros. O trate bem.   Lhe entregou umas roupas e sapatos que tinha comprado para o garoto, que tome um bom banho, raspe sua cabeça que deve estar cheia de piolhos, depois o mande falar comigo no restaurante.

Falou com a ministra que disse que o ministro do exército, tinha sobrevoado a zona que ele tinha falado, mandou mais gente para a aldeia, afinal de contas ali é fronteira.

Fico super agradecido pela informação.  Já tenho os documentos do garoto, sua mãe já se despediu dele, me contou sua história, na verdade nunca se sentiu mãe dele, abriu mão de tudo, o que quer é voltar para a vida em clausura.

O voo sai hoje de madrugada, chegarás cedo em Paris.

Um último pedido, o Sami, é um excelente resolve tudo, bem como guia, conhece bem o Pais, eu se fosse tu, o contratava para trabalhar para ti.

Mande que passe aqui amanhã, estou louca para te ver pelas costas, riu muito do comentário.

Ele ficou a tarde inteira falando com o dois garotos, agora teriam vidas diferentes,

Olhou os documentos do Léopold, riu, tinham errado, colocado como apelido o seu, Léopold Abe Bara.  Lhe mostrou, agora eres meu filho de verdade.

Ficou depois conversando com o Sami, dizendo algumas coisas que o ajudariam a lidar com a Ministra.

Por que fazes isso por mim Bara?

Porque foste quem me ajudou a resolver tudo, não o tonto do Mansur.

Quando chegaram no aeroporto, outra confusão, aquele garoto negro não podia ser seu filho, tampouco podia levar aquela escultura.  Ele tranquilamente chamou pelo celular, a ministra, a passou para o chefe dos policiais, até para ir embora, causas problemas.

Depois o voo foi tranquilo com Léopold segurando sua mão.  Aterrissaram em Paris, por volta das 10 da manhã, tinha contado ao Léopold como tinha ido à primeira vez ao Senegal, eu era um jovem tonto, nem sabia o que se cruzava no mundo.  Com isso quero dizer, tinha a informação, mas não sabia usa-la, sabia que existiam os Orixás, mas pensava que como era jovem, bonito, querido pelas pessoas, que isso por si só valia, me lasquei.

Mas foram os Orixás que guiaram meu caminho, eu nunca entendi por que me mandaram para Paris, até que tudo começou a se encaixar, foi quando pude ver também o meu Bara, ele me indicou o caminho.

Estava parando na frente de uma casa grande, na rue du Progrés, saíram pela porta, um monge, um cura, um mulçumano, bem com um com roupa diferente.  Todos riram da sua cara, venha conosco, foram ajudando a ele, bem como Sedou.

Meu filho, riu dizendo agora tem sentido quando digo isso, pois ele oficialmente é meu filho, mostrou aos outros seu passaporte.  Passou de mão em mão, o monge, um homem baixinho com barbas brancas, tiveste sorte, será um pai maravilhoso, ele aqui faz o papel de pai de toda gente.

Lhe explicou que eram uma comunidade, de todas as religiões, das pessoas que moravam na zona, estamos aqui para ajudar, tentar resolver seus problemas, as vezes damos abrigos aos que necessitam.    No fundo da casa, tinha outra casa menor, o Bara vive aqui, entraram, tinha um sala com uma cozinha pequena, banheiro, no andar de cima dois quartos.   Um agora é teu Léopold.   Vou tomar um banho, assim depois os amigos me colocam em dia.  Sedou tinha deixado em cima de sua cama, a escultura de seu Bara, escolheu um lugar, sempre o teria perto para não deixar esquecer quem era. Foram todos comer num restaurante argelino que tinha ali perto, ele ia apresentando a todos Léopold como seu filho.  Todos apertavam suas mãos.

Depois saiu andando com ele pelo bairro, as pessoas paravam para falar com Sedou, fossem brancos, negros, árabes, ou senhoras que eram católicas.   Todos falavam com ele.  O monge disse é duro sair na rua com nosso amigo, todos lhe querem, pois está sempre aberto ajuda-los.

Venha, o levou a um parque ali perto, que estava cheio de garotos da sua idade. Esse vieram para perto chamados pelo monge, o apresentou a eles, Léopold chegou hoje do Senegal, vai a mesma escola que vocês, todos estenderam a mão para ele.    Perguntaram se sabia andar de skate, pois cada um tinha um na mão, o deixaram ali com os garotos, sentaram-se num banco, com Sedou contando toda a viagem.

Pensei que ia ser mais difícil, mas consegui cumprir minha missão.  Falaram dos problemas que tinham acontecido durante sua ausência bem como o tinham resolvido.

Léopold riam quando um dos garotos lhe emprestou o skate, conseguindo andar alguns metros.

De noite estava cansado, amanhã vamos levantar cedo pois tens que ir a escola fazer um teste para saber aonde te encaixam.

Tinha sido tanta novidade, que desmaiou.

Escutou ruído na casa, olhou o relógio de cabeceira, eram as seis da manhã, se levantou, não era um desses que ficam na cama, lá na choça, acordavas, saias para fora.

Desceu a escada, viu que Sedou estava rezando, foi para o banheiro, já sabia como era, tomou um banho, adorava isso, lá era difícil, tinha que se banhar numa bacia, nas águas usadas pela sua mãe.   Se lembrou dela, estava falando com ele sempre sobre o convento que tinha vivido, dizia que sentia falta da tranquilidade, da paz de lá.   Ansiava para voltar.

Agora entendia essa mistura de religiões tinha sonhado com seu Bara isso, o trabalho que o Sedou faz, é juntar todo mundo para ajudar a quem precisa.

Viu depois que num canto ele tinha uma pequena mesa redonda, com guias, as coisas do Ifá, olhou sem querer, seu olhar, fez com que as pedras, as conchas se movessem, lhe diziam vai dar tudo certo.

Sedou estava olhando, fizeste isso com o olhar.   Fantástico.

Na mesa, já tinham fruta, café, leite, ele tomou café com leite, a primeira vez tinha sido no hotel, nunca tinha provado.   Comeu pão com manteiga, sem querer, fez um som de HUM, era uma delícia. Riu, acho que é gostoso.

Sedou lhe estendeu um casaco, hoje faz frio, ele estava todo de branco, com seu turbante, sua guia atravessada, jogou um casaco que já tinha visto dias melhores por cima.   Riu dizendo eu nunca compro roupa, as pessoas trazem alguma coisa, eu aproveito se encontro algo do meu tamanho.

Fazia frio, mas ele estava de sandálias.

Vamos a escola, o monge ia junto, perguntou seu nome, o senhor me desculpe, mas ontem na confusão não perguntei.

Meu nome é Macário pois sou monge Copta, que venera São Macário, aqui não tem muitos egípcios coptas, mas ajudo o Bara.   As dificuldades que tiver na escola eu te ajudo, fui um bom estudante.    Dou aulas na Escola de história.

Se apresentaram a diretora, ela riu para o Bara, o que necessitas desta vez meu pai, era uma negra grande, pelo jeito de falar era do Senegal.

Quando soube que ele era de lá, lhe deu um beijo na cabeça, seja bem-vindo, sabes escrever, ele balançou a cabeça, o levou para uma sala ao lado.  Vou passar uma série de testes para saber aonde te encaixo.  Disse ao Macário, qualquer coisa te chamo.

Meu filho Léopold fique tranquilo, responda todas as perguntas ok.  Depois Macário te leva para casa.

Ela colocou duas folhas na frente dele, aquilo era muito fácil, sempre tinha estudado com sua mãe, que tinha uma certa formação.  Quando acabou entregou, ela perguntou, se ele queria ir ao banheiro ou tomar água.  Depois lhe passou outras folhas de papel, respondeu tudo, mais outra, ficou impressionada com a inteligência dele.  O encaixou numa turma mais adiantada que sua idade.

O levou com ela atravessando todo o colégio, é a turma mais complicada que temos, muitos tem famílias mais complicadas que eles mesmo, uma mistura de raças, religiões, algum ou alguma irmã nas drogas, nunca aceite nada que te ofereçam, são barulhentos, mas sejas tu mesmo, qualquer coisa sabes aonde estou.

Quando entraram na sala, quem estava na mesa dos professores, era um negro imenso, talvez por isso o silencio.  Professor Joseph, este é Léopold, um novo aluno, veio do Senegal, ontem, é filho do Bara.   Se escutou um murmúrio, ele viu o garoto que tinha emprestado o skate para ele no final da classe, foi se sentar perto dele.  A partir desse dia, seria seu melhor amigo.

Me chamo, Mahmud, sussurrou, já consegui um skate para ti, falta uma roda, mas já conseguimos.

O professor, era de matemática, estava explicando uma coisa que ele já sabia, mas ficou quieto, quando perguntou quem sabe a resposta, ninguém levantou a mão.    Ele tampouco sabia que tinha que fazer isso para falar, deu o resultado para o professor.

Venha aqui acabar, ele se levantou foi ao quadro fez a parte final do exercício, sem se tocar, seguiu em frente, partindo para uma equação que sua mãe tinha lhe ensinado, a partir desse resultado.   O professor o ficou olhando. 

Como sabes isso, minha mãe me ensinou, foi minha professora desde pequeno.

Essa equação era o exercício seguinte, agora explique para os seus companheiros, para que entendam.    Assim o fez, mas de uma maneira simples, todos entenderam.  O professor Joseph, soltou perdi meu emprego, soltou uma gargalhada tão alto que todos riram.

Este depois entrou na sala dos professores, rindo, coisa rara, me tocou hoje um novo aluno, que me roubou a aula, resolvendo uma equação, que era o exercício da aula seguinte.

É verdade que é filho do Bara?

Sim foi adotado no Senegal.  Segundo a diretora, está mais adiantado em muitas coisas que os outros de sua idade.

Ele não tinha trazido comida para o recreio, nem tinha dinheiro, mas viu Sedou entrando, me esqueci isso meu filho de te dar a merenda, desculpa não estou acostumando, se sentou com ele no chão, logo os garotos do skate, vieram sentar ao lado deles.   Mahmud, disse que tinha conseguido um skate para o Léopold, mas que faltavam uma roda, temos que ir comprar.

Estarei aqui no final das aulas, vou com vocês, mas com uma condição tem que me ensinar também.   Riram todos imaginando o Bara com aquela sua roupa estranha andando de skate.

Ele percebeu, assim creio que irei mais rápido.

Voltaram para a aula, agora era de inglês, ele sabia alguma coisa, mas nisso estava atrasado, prestou a máxima atenção, enquanto alguns faziam bagunça.

Aprendeu a conjugação de um verbo, logo ela ensinou uma música que ficou na sua cabeça com esse verbo.   Perguntou de quem era essa música?

É antiga, dos Beatles, na próxima aula, vamos cantar a mesma.

Um dos garotos lhe perguntou se nunca tinha escutado essa música?

Não, lá na aldeia, não tínhamos rádio, tampouco televisão, vi no hotel antes da gente vir para cá. Mas aprenderei a escutar, cantar essas músicas. 

O outro o olhou, que tonto.   Nós gostamos de outro tipo mais moderno, fez uma rima.

Léopold, soltou que interessante, fizeste uma rima com duas palavras importantes da vida.

O outro fez um sinal que estava louco, pois tinha usado as palavras, sem saber o significado.

Ele se entendia bem com os garotos do skate, principalmente com Mahmud, os outros achava que estavam em outra vida que ele não entendia.

Quando saíram da escola, ele ia com uma lista de coisas que tinha que comprar.  Sedou estava com Macário esperando para irem fazer compras.   Comprou cadernos, se lembrou que tinha visto que Mahmud não os tinha lhe perguntou baixinho porque não os tinha, esse respondeu em sussurro.  Comprou um caderno de desenho para ele também, com lápis de cores.

Perguntou ao Sedou se os podia comprar, mas tudo baixinho para não atrair atenção, nem ofender seu novo amigo.

Quando Mahmud mostrou o skate, viram que era muito velho, mas compraram a roda que faltava.  Léo como o Mahmud, estava feliz, pois era um presente do amigo.

A partir desse dia ele seria Léo, Mahmud, Mud, assim se chamavam entre eles, lhe contou que tinha nascido no Marrocos, que sua mãe era viúva, que seu cunhado exigiu casar com ela, uma coisa antiga do país, tinha duas filhas com ele.  É muito violento.

Dias depois Mud, faltou um dia a aula, no outro apareceu cheio de marcas vermelhas pelo corpo.   Macário cada vez que o olhava dizia que esse garoto esta subnutrido, então quando preparava o lanche de Léo, fazia um outro, lhe sussurrava que era para seu amigo Mud.

Quando Mud lhe contou, que seu padrasto tinha lhe dado uma surra por ter defendido sua mãe, ele ficou furioso.   Da próxima vez me chame.

Mas como vou te chamar?

Basta que pense em mim. 

O outro não acreditou, fizeram um jogo, Mud, se escondia num lugar, o chamava em pensamento, em seguida Léo estava ali.  Fizeram muitas vezes isso, pois ele não acreditava muito.

Num final de semana, estava sentado fazendo suas tarefas, Sedou, estava lendo no sofá, de repente a mesa de leitura do Ifá, começou a tremer, os búzios, as pedras, começaram a correr, ele se levantou ficou olhando.    Meu amigo Mud me chama, vens comigo, pai Sedou?

No caminho se juntou o Macário que não aguentava acompanha-los.  Subiram na frente a escadaria do edifício que vivia o Mud. A porta estava fechada Léo fez um gesto a porta se abriu a cara do padrasto era ótima, levou um susto.   Mud estava no chão cheio de sangue, sua mãe escondendo as meninas atrás dela.  Ele ia avançar, Léo deu um urro, parecia um leão, começou a falar em árabe, foi avançando com o dedo em riste, filho da puta, sem vergonha, não respeitas a Alah, bates em mulheres, crianças, pior bebes álcool, aonde estão os ensinamentos do profeta, cada vez se chegava mais perto dele.  O homem, não via Léo, sim o seu Bara, um negro imenso, nu, com uma lança apontando ao seu pescoço, gritava tirem esse homem daqui, nisso tinha se mijado nas calças, pelo cheiro devia ter se borrado também.    Macário já tinha chamado a polícia, bem como uma ambulância.    Sedou disse que levasse a senhora e as meninas para a missão.  Quando a polícia chegou, torceram o nariz, estamos cansados de vir aqui, porque esse sem vergonha sempre encontra uma maneira de escapar na hora que chegamos, normalmente pega sua mulher, por não ter comida para ele em casa. Mas ele não dá nenhuma  quem trás dinheiro é o garoto que trabalha com esse outro num armazém.

Sedou não sabia que Léo estava trabalhando.

Sorriu, não posso ficar pedindo dinheiro para minhas despesas para o senhor pai.   Os dois trabalhavam repondo, organizando o armazém de um marroquino.    Assim Mud, tinha dinheiro para levar para casa, bem como comida para irmãs.

A ambulância chegou, pediu desculpas, pois tinham errado de endereço.  Examinaram Mud, tem que ir para o hospital.  Foram os dois acompanhando o Mud.   O homem berrava, que lhe tirassem do lado esse homem com a lança.

Realmente tinha se cagado na calça, pois se via uma mancha na traseira, os policiais, reclamavam que depois iam ter que limpar o carro.

Sedou lhe perguntou enquanto esperavam os exames, como tinha sido isso.   Eu lhe disse que me chamasse na hora que tivesse problemas.  Sempre aparece na escola, com manchas vermelhas o padrasto lhe pega, bem como a sua mãe.   Não traz dinheiro para casa, gasta em bebida.  Aí pega a mulher, se ele não está, as meninas.

O teu Bara, parecia um leão enfurecido, creio que interpretou o que eu senti, tenho que controlar isso, pois minha vontade era de matar esse animal que pega crianças, por isso ele tomou conta da situação.

Que vamos fazer agora?

Primeiro saber como está o teu amigo Mud, depois irei falar com sua mãe para saber como podemos a ajudar.

O médico comentou que mais um tempo esse menino tinha morrido, teria que ficar em observação pois o caso era sério, podia ter algum problema interno.

Eu fico com ele pai.   O médico conhecia Sedou a muitos anos, olhou para ele, sem fazer perguntas, sabia que com ele tudo era possível.

Esse é meu filho Léopold, amigo do Mahmud. Pode ficar com ele?

Sim, claro me acompanhe jovem.  Sedou disse que ia ver se a senhora estava bem, assim como as garotas.

Mahmud, estava sedado, ele ficou ali sentado olhando o amigo.  Tinha raiva guardada dentro do peito, por isso começou a rezar, para se relaxar, ao mesmo tempo que pedia aos Orixás que cuidassem se seu amigo.

Quando este despertou, a primeira coisa que disse foi, funcionou, eu te chamei apareceste. Esse filho da puta levou um susto.   Mas quem era aquele negro, imenso.

Um dia te conto essa história.   Fique tranquilo, tua mãe, está na missão, o teu padrasto na cadeia, Sedou disse que ia conversar com tua mãe, para ver o que pode fazer por ela.

A história era complicada, pois, o pai de Mahmud, tinha uma parcela, que tinha divido com os irmão da herança do pai.   Sem querer lhe tocou as terras mais produtivas, quando ele morreu os cunhados ficaram de olho, quando apareceu o irmão que vivia em Paris, fizeram com que esse exercesse o direito de se casar com a viúva.   Este era violento, a arrastou para Paris, mas vivia bebendo tudo que ganhava do pouco que trabalhava.   Se meu filho nos últimos tempos não trás dinheiro ou comida, as meninas já tinham morrido de fome.   Pior ele chega, quer comida, como vê que as meninas comeram, quer também, mas nunca compra nada, explode em cima de mim e de meu filho.   As vezes ameaça bater nas meninas, que são muito pequenas, uma vez quebrou o braço de uma delas.   Mas cada vez que meu filho que agora está crescendo me defende, leva a pior.

Perguntaram o que ela queria fazer?

Quero voltar ao Marrocos, recuperar as terras que são minhas de direito, trabalhar para sustentar minhas filhas.  Mas não tenho dinheiro para fazer isso, contratar um advogado para recuperar o que é meu.

Já resolveremos isso, chamaram dois senhores marroquinos, que disseram que isso acontecia sempre.  Que era um pouco complicado recuperar as terras, mas não impossível.

Primeiro vamos esperar Mahmud se recuperar, vamos ajuda-la, levaram as três para uma casa de mulheres maltratadas, ali, ele não poderia entrar.  Mandou um advogado, forçar a prisão do mesmo, assim ganhariam tempo para resolver tudo.

O advogado depois chamou por celular, contando que estava numa cela sozinho, pois não parava de dizer que o negro com a lança ia mata-lo, acham que perdeu a chaveta.

Mahmud passou três dias no hospital, Léo ia de manhã a escola, depois compartia o que tinha aprendido com ele.

Sedou foi falar com a diretora.

A amizade do Léopold, lhe fez bem a esse garoto, aprende rápido, porque o que os professores ensina, as vezes não entende, mas teu filho lhe explica tudo.  Principalmente matemática, aliás o professor, está revendo sua maneira de ensinar por culpa do Léopold, disse que ele consegue simplificar tudo.  

Seria uma lástima esse menino voltar para o Marrocos numa aldeia, jamais poderá ir em frente.

Nesse dia lhe perguntou se queria deixar os estudos, para ir para o Marrocos.   Ele queria estudar, viviam os dois dizendo que queriam ser médicos, por isso, se esforçavam nas aulas de ciências.

No ano seguinte entrariam para a pré fase antes da universidade, já tinham escolhido ciências que lhes permitiria fazer medicina.  Léo diz que se estudamos muito, conseguimos fazer com bolsas de estudo, assim nem o senhor, nem minha mãe precisam se matar para pagar.

Tua mãe quer voltar para o Marrocos, com as meninas, queres ficar aqui comigo, com Léo e os da missão.

Sim senhor, seria um sonho, mas vou continuar trabalhando com o Leo no armazém para não pesarmos nos gastos da casa.

Ele ria, achava incrível o Léopold pensar nisso, quando a maioria dos garotos só pensava em gastar dinheiro.  Se lembrou dos skates deles, lhes faltava pedaços de madeira, mas não se importavam.   Iam todos os dias para escola, com eles.

Sentou-se com Macário, os outros do grupo, conversaram a respeito.   Macário disse que conhecia advogados no Marrocos, pois tinha vivido lá.  Começou a mover as coisas, ao mesmo tempo Sedou conversou com a mãe.   Ela concordava seu filho era inteligente, merecia uma coisa melhor.  Sem dúvida o deixaria sobre a guarda do Sedou, pois todos sabiam que era um homem integro.

Quando Mahmud saiu do hospital, foi para a casa deles, os irmão tinha conseguido colocar uma cama dessa supletórias que ficam embaixo da outra, assim poderiam compartir quarto, a mesa de estudos.  Dava gosto ver, os dois estudando, levavam a sério isso.

Um dos irmãos, conseguiu livro do curso seguinte, principalmente os de Ciências, os dois já estavam mergulhados neles.

Sedou resolveu ir com Macário, ao Marrocos, assim saberiam que ela estaria bem.  O acordo que chegaram com os irmãos, foi que pagariam o que valia a terra, assim ela poderia comprar outras, na aldeia de aonde tinha saído, tinha parentes lá.

Quando voltaram Macário contava as confusões que aprontava Sedou, quando os irmão primeiro queriam engana-la, soltou o Bara em cima deles, fugiram assustados, estão como o irmão acostumados a maltratar as mulheres.

O melhor é que ela nunca assinou nenhum papel, assim não podia dizer que eram os proprietários.

Mahmud ficou mais relaxado, agora as vezes chamava Sedou de pai também, mas o interessante era com Macário que os dois contavam as coisas.

Sedou o começou a levar a mesquita, lhe ensinava a se preparar para entrar, rezar, Léo o acompanhava.  Entendia agora o que era respeitar todas as religiões.

Mas o que fascinava Mud, era ver como ele movia as peças do Ifá, sem tocar.  Isso lhe explicou Macário, é porque tem um Bara muito poderoso, agora que estava livre de ter sido enterrado na areia tinha recuperado suas forças.

A mãe do Léopold sempre escrevia, ele lhe respondia com todo respeito, comentando seus avanços na escola.   Sempre vinha um bilhete para o Sedou.

O tempo voava, Mud, começou a esticar agora que recebia uma alimentação melhor, os dois já tinham o mesmo tamanho, Macário reclamava que eram maiores que eles, quando queriam falar com ele, os mandava sentar, para não ficar olhando para cima.   Isso não fica bem para um senhor de idade.   Estudava ciências com eles, pois tinha formação em muitas coisas, um dia contou por que o tinham obrigado a sair do Egito, o tinham visto tratando de um doente, tudo com ervas.  O consideraram um bruxo, para não prejudicar sua comunidade aceitou.  Mas claro em Paris, a princípio não encaixava, até que conheceu Sedou.   Agora era como seu braço direito, tinha facilidade de conversar com as pessoas, de chegar até elas.

Os dois estavam prontos para irem a Universidade, fizeram os exames, passaram com a melhores notas.  Mas não queriam ir-se dali. Podia viver perto, mas se levantavam mais cedo para chegarem na hora.    Os professores encantados, um dizia, chegam esses filhinhos de papai, pensam sabem tudo, os dois ao contrário, respeitam os professores, são educados, o senhor os educou bem Mestre Bara.

Eu não, quem os educou foi Macário, um dia o levou a Universidade, riram, pois, para ele era como estar em solo sagrado.   Dizia eu o conhecimento era isso, sagrado.

Tinha estudado, filologia além de história no Cairo, os meninos, Sedou, o incentivaram a convalidar seus diplomas, agora ia com eles logo de manhã, acabadas suas duas aulas que fazia voltava correndo para a missão, dizia que se sentia como avô dos outros alunos.

Tinha tanto conhecimento em várias línguas que o contrataram para dar aulas.

O mais interessante, enquanto todos os alunos que iam de práticas para os hospitais, pediam sempre para alguma coisa fácil.    Sedou tinha conseguido com o médico que tinha atendido o Mud, que eles nas férias fizessem práticas no hospital.  Quando chegou o momento de fazerem isso oficialmente, escolheram esse hospital, não estava entre os mais cotados, os professores não gostaram, a resposta, foi, nossa comunidade nos necessita.

Eram os dois trabalhando ao mesmo tempo.   Léo tinha uma facilidade que escondia, o Bara, lhe indicava aonde estava o problema, mas fazia de tal maneira que ninguém desconfiava.

Logo quiseram contrata-los, Mud, escolheu cirurgia, Léo também, mas ligado a urgências. Assim estaria entre o povo.   Numa férias se uniram a uma ONG, foram para a Africa, precisamente para o Mali, junto ao um batalhão do exército francês, atendiam todo mundo.

Um dia, tiveram que atender urgências no quartel, o fizeram em conjunto, depois o comandante diria que pareciam uma máquina que funcionava bem.   Que tinha salvado os cinco soldados feridos tão rápido, que os outros médicos ficaram de boca aberta.

Quando voltaram, ficaram numa dúvida cruel, se cada um deveria voltar ao seu pais, para ajudar aos seus, ou ficar ali ajudando os emigrantes que viviam em Paris.

Acabaram ficando, pois decidiram entre eles, seguiriam nas férias indo por Africa para ajudar.

Um dia da semana ele atendia pessoas africanas que buscavam explicações no Ifá.  Nunca renegaria de suas origens.

Sedou seguia em plena batalha, junto com Macário agora com quase 90 anos, mas não parava.

De manhã, acontecia uma coisa interessante, os integrantes da missão, cada um ia a sua igreja, para rezar, depois voltavam todos para suas obrigações.  Nas festas de uma, iam todos, não importava qual.   Eles eram o exemplo para sua comunidade, de que raças e religiões podiam conviver.    Era como faziam Mud e Léo, ia junto a mesquita, como a uma sinagoga, ou igreja católica, bem como Mud se sentava para ver Léo ler o Ifá.

Sedou dizia sempre que podia morrer tranquilo pois tinha realizado a missão que lhe tinha dado. Mas dizem que durou até os 105 anos, lamentando a perda do seu amigo Macário.

Quando este morreu, na cerimônia que fizeram, falou do encontro dos dois, como tinha sido, os que estavam assistindo conseguiam imaginar, um tão alto, branco como a neve, vestido de babalorixá, o outro um simples homem, com suas roupas de monge.

No primeiro momento sequer entendeu o que eu lhe dizia, nos sentamos, na praça aqui perto, ali virou nosso lugar de encontro, lhe contei minha missão, imediatamente se dispôs a incorporar, por vezes trazia gente de outras religiões para nos falar delas.  Budistas, as distintas ramas do mundo árabe, me dizia, isso fará que entendamos nossos vizinhos, assim podemos os ajudar.    Estava coberto de razão, essa missão que criamos com todas as religiões, não existiria sem ele.

Agora nas horas vagas Mud e Léo ajudavam no que podiam, Sedou, não entendiam por que não falavam de relacionamento.  Até que descobriu que os dois viviam como um casal, eram amantes desde jovem, quando passaram a compartir quarto, descobrindo o sexo, mas nunca falaram ou alardearam para ninguém, era uma coisa entre eles.

Ria muito quando comentava alguma coisa, esperando a resposta, um olhava para o outro como dizendo falas tu.  Mas sabia que era o pensamento dos dois.

Quando a mãe de Léopold morreu, foram ao Senegal, mas só avisaram o Sami, que hoje tinha um cargo no ministério, quando perguntou pelo Mansur, riu dizendo meteu os pés pela mão, rapidamente, se confundia muito com o mundo político.   Eu faço que entendo, deixo falarem, faço o que tenho que fazer.

Veio com eles a cerimônia, contou que tinha voltado vária vezes lá, que os dois eram um mito por lá.  Alguns diziam que era uma história que tinha sido inventada.  Os que tinham visto de perto exageravam na história que parecia mítica.   Diziam que Sedou, tinha montado num camelo a pelo, levando Léopold com ele através do deserto até Paris.

Mas que nem o chefe, nem sua mulher estavam mais vivos.

Voltaram para casa, como não aconteceu nada no aeroporto, porque Sami os acompanhava até o avião, Sedou riu dizendo que ele queria ter certeza de que não iam ficar por lá para fazerem confusão.

Um dia telefonou, perguntando se podia vir, estava viúvo, as filhas casadas, precisava alguma coisa que movimentasse sua vida.  Isso ele sabia que o Sedou provocava.  Veio, tempo depois ocupava o lugar do Macário quando este morreu.

Agora, dirigia a missão, apesar da idade, com Léopold e Mahmud, além dos outros companheiros, um ou dois de cada religião, os tempos eram convulsos, precisavam de todo apoio possível.