RITMO –
HERANÇA HERIDITÁRIA?
Meu bisavô
veio para Los Angeles, precisamente para Hollywood, para compor uma trilha
sonora para um desenho de Disney. Ele
já era um compositor respeitável no Brasil, tinha música nos espetáculos do
Cassino da Urca. Não tinha uma família
atrás dele, tinha saído do interior do Rio de Janeiro, para triunfar na
capital. Tinha um ritmo incomparável,
era muito bom nas marchinhas, nos choros.
No rio aprendeu a escrever partituras, a ler o que era muito
importante. Em seu tempo livre, foi
aprendendo vários instrumentos, vivia para a música, segundo quem tinha
convivido com ele nos seus tempos de jovem, se dizia que tomava café com
música, almoçava, jantava com música, só pensava nisso. Nunca o viam numa farra, enchendo a
cara. Tinha fome de devorar o mundo da
música, tinha um fato importante, tinha ouvido absoluto, tudo que escutava
ficava na sua memória.
Evidentemente
isso o ajudou muito, quando chegou a Los
Angeles, não parou, trabalhou como um louco, logo absorveu todos os ritmos da
moda. Ia pelas noites, escutando Jazz, músicas
do momento, baladas, tudo que era possível, logo se meteu nas grandes
orquestras, escutava uma vez um tema, em seguida era capaz de transcrever o
mesmo para os instrumentos da orquestra.
Assim mesmo
arrumava tempo de compor. O diretor de
um filme dizia que necessitava de uma música de fundo para algum momento do
filme, lhe explicava o que acontecia, lá tinha ele quase em seguida um
tema. Por isso era muito requisitado,
não era bonito, pelas votos antigas se vê.
Era um mulato muito claro, que com os anos sem ir à praia, podia passar
tranquilamente por branco. Se casou
com uma chefe de edição musical de filmes.
Alguns dizem que por interesse. Eu o conheci pouco, tinha um problema sério
com meu avô, o mesmo com meu pai, eram duas negações em termos musicais, não
tinha saído a ele, nem a sua mulher.
Dizem
que quando nasci, ele apareceu no hospital, aonde estava minha mãe, uma judia
drusa, louca por música, tinha sido cantora antes de conhecer meu pai. Me pegou nos seus braços, colocou seu ouvido
junto ao meu, disse sorrindo para ela, ele é meu herdeiro. Na hora ela não entendeu. Pensou que era herdeiro do dinheiro que
tinha. Os filhos viviam dizendo que
tinha ganho muito dinheiro, no auge de sua carreira, mas ele se referia a outra
coisa.
Minha
mãe passou a me levar em sua casa. Ficava
numa encosta de Hollywood, na parte de cima parecia uma casa normal, com poucos
moveis isso sim. Numa estante, a
quantidade de prêmios que tinha ganhado. No andar de baixo dois studios de gravação,
pois aos seus 80 anos ainda trabalhava normalmente. Me contou ela depois, que na primeira vez,
nos levou para baixo, num dos studios, estavam encostados, vários
instrumentos. Primeiro se aproximou do
piano, dedilhou uma música, diz ela que eu sorri, foi fazendo isso em cada
instrumento, para ver o que me gostava mais, por último deixou o Clarinete, que
era seu instrumento preferido, tocou um chorinho
que tinha tocado muito com Pixinguinha,
André de Sapato Novo.
Disse
que eu comecei acompanhar o ritmo imediatamente. Meu pai quando soube dessas visitas ficou
uma fera. Soltou, foste visitar esse
velho unha de fome, pois ele quando tinha terminado a universidade, foi
procurar o avô para que ele investisse no trabalho que fazia, trabalhava na
bolsa de Los Angeles. Parece que a
resposta foi, pede pro teu pai, esse idiota.
Meu
avô era famoso por ganhar dinheiro fácil, da mesma maneira que perdia. Quando jovem, cada vez que perdia, corria
para seu pai, esse se negava lhe dar dinheiro.
Quando
fiz cinco anos, ele já estava bem velho, com problemas de coração, em casa
chegou uma caixa, de presente para mim, quando minha mãe abriu, era um
clarinete. Diz ele que quando o vi, o
agarrei, cada vez que tentavam tirar de mim, gritava, fazia escândalo, dormi
duas noites segurando o mesmo. Um dia
de manhã, despertou, escutando música, pensou que tinha deixado o rádio da
cozinha ligado. Mas o som vinha do meu
quarto, disse que entrou, eu estava sentado no chão tocando a música que meu
bisavô tinha tocado para mim.
Ao
meio dia, avisaram que ele tinha morrido,
ela que acreditava nos sinais da vida, ficou impressionada. Mas escondeu isso do meu pai, pois ele
odiava a música, tinha trucado a carreira dela completamente.
Foram
ao enterro, aonde segundo ela, estava cheio de gente famosa que ia gravar com ele.
Ou pedir que fizesse um arranjo de alguma música para eles. Meu avô, bem como meu pai, ficaram procurando
seu advogado. Esse sorriu, levantou os
ombros, disse, o testamento só se abrira daqui quando seu neto tenha 18 anos,
nada antes disso, a casa será fechada, com seu dinheiro seguirá aonde
está. Tudo está registrado em cartório,
não se pode fazer nada.
Ele
seria enterrado da maneira mais simples, ninguém sabia, mas tinha se convertido
ao judaísmo. Me lembro, de ver sua cara
com aquela barba imensa branca, os cabelos despenteados, dentro de um caixão de
pinho, enrolado num sudário. Fiquei
muito impressionado com isso.
Meu
pai, bem como meu avô entraram com um processo na justiça, o Juiz disse que se
eu estivesse morto, com certeza, teriam direito, mas enquanto eu fosse vivo
nada poderiam fazer.
Dois
anos depois minha mãe se separou do meu pai, pois descobriu que ele tinha uma
relação com uma dançarina. Fomos morar
numa casa humilde, mas como ela dizia de respeito.
Arrumou
um emprego, de tarde ensaiava músicas querendo voltar a tentar sua carreira,
tinha uma voz preciosa. Eu além da
escola, tinha aulas de música, os professores diziam que eu tinha ouvido
absoluto. Quando ela desafinava, eu lhe
dizia imediatamente, estas forçando tua
voz na nota tal.
Tudo
que conseguiu foi acompanhar orquestras, mas isso significava que tinha que
viajar, acabou trabalhando de dubladora em filmes musicais. As atrizes faziam que cantavam no cenário,
ela detrás cantava como tinha que ser.
Ou gravavam a cena, ela fazia a dublagem cantando. Com isso pagava os meus cursos, meu pai
nessa altura já tinha gastado mil fortunas, pois era um perdedor nato.
Tentava
por todos os meios estafar os amigos de meu bisavô, mas este os tinha avisado
do que era capaz.
Meu
avô tentou uma vez entrar na casa de seu pai, mas não sabia que o advogado
tinha colocado um sistema de vigilância.
Ficou uns dois dias de molho na cadeia até minha avô aparecer para pedir
ajuda para minha mãe.
Esta
estava farta dessa família, disse que nem pensar, que seu filho nunca pagava a
pensão que deveria para meu sustento.
Isso
acabou com qualquer contato com o resto da família para sempre. Fui criado como se eles não existissem,
nunca falava neles, trabalhava duro para
pagar a escola de música.
Com 15
anos fiz minha primeira apresentação, tocando um concerto de Dvorak, para piano, o em G minor, opus 33. Dois dias depois toquei com a orquestra o
Cello concerto em B minor op.104. Os
jornais diziam nasce um jovem impressionante na música, mal sabiam que eu
tocava outros instrumentos.
Minha
mãe vendeu a alma ao diabo, mas me levou para NYC, para acabar meus estudos na
Juilliard School. Fui ao mesmo tempo me
apresentando com a orquestra Sinfônica como convidado. Assim ganhava um dinheiro para as despesas.
Quando
fiz 18 anos, voltamos a Los Angeles, era o momento de saber do testamento do
meu bisavô. Foi um luxo como dizia
minha mãe. Lá estavam meu avô, bem como meu pai,
gordíssimos, um tinha estado em prisão, por estafa a uns velhos de uma
residência.
O
advogado antes de começar, me perguntou quanto instrumentos tocava, eu lhe disse 8, embora alguns outros arranhe,
agora estou aprendendo ou melhorando o Fagote.
Esse
riu, essa era uma pergunta ao abrir o testamento, era clave, se me dissesse que
nenhum ou dois, estavas deserdado.
Tudo
vai para ti, a casa o studio, tudo que tem dentro dele, bem como a conta no
banco que todos esses anos têm sido administrada em investimento. Um adendo, mais ninguém deve saber quanto
contém essas contas. O administrador, lhe informará posteriormente
em minha presença.
É tudo
senhores. Os dois, meu pai, bem como meu
avô ficaram uma fera. Então porque
viemos, ah, aqui está um adendo. Cem
dólares para cada um pela despesa de vir até a leitura. Essa era sua maneira de se vingar pelos anos
que o desprezaram.
O
advogado nos acompanhou até a casa, me entregou as chaves de um cofre, grande
na parede, estava cheio de partituras,
são obras de dele, nunca publicadas, esperava que você trabalhasse as mesmas
um dia.
Disse
ao advogado que no momento não precisava de dinheiro, que tinha que fazer uma
turnê com a orquestra de Filadélfia,
depois voltaria, para assumir tudo, minha mãe ficaria na casa enquanto
isso.
Claro
que eles entraram na Justiça, o advogado, foi ao julgamento acompanhando minha
mãe, entregou uma carta ao Juiz. Esse
riu. Sinto muito, mas essa carta está
reconhecida em cartório, confirmado também que estava em plena faculdades
mentais. Que não queria que nenhum
dinheiro dele fosse para as mãos desses estafadores.
Nunca
mais encheram o saco. Só voltei a ver
meu pai, anos depois, um dia que apareceu para me pedir dinheiro emprestado,
para pagar fiança de um dos filhos do seu segundo matrimônio que eu nem sabia
que existia.
Perguntei
por que estava preso? Estava drogado,
tentou assaltar um homem que resultou ser policial. É muito burro.
Eu só
lhe respondi, passar bem, não lhe devo nada.
Nunca tinha recebido atenção dele, nem quando era criança, portanto ele
não existia em meu mundo.
Tudo
que me disse foi, eres igual a ele, só existe essa merda de música.
Nem
lhe disse que dias depois sairia o primeiro cd, das obras dele, que eu tinha
arranjado, seria apresentadas num concerto.
Eram músicas ainda em ritmo do Brasil, que ele nunca esqueceu, mas que o
tinha esquecido completamente.
Com
uma seguinte, transformei numa coisa diferente, a toquei muitas vezes para
entrar no meu subconsciente, depois foi
fácil, fui transcrevendo tudo de novo, acrescentando movimentos, fiz uma
composição imensa. A tocou primeiro a
Orquestra de Boston, num concerto, em que eu tocava o clarinete, pois toda a
obra estava baseada nesse instrumento.
Minha
mãe, estava sempre por perto, era minha agente. Mas me dizia sempre, trabalhe, mas aproveite
a vida, pois ela passa rápido.
Nunca
tinha tido romances, era jovem, mas não me sentia atraído por ninguém, até que
conheci um húngaro, que veio tocar com a orquestra. Me apaixonei perdidamente. Minha mãe, me avisou, cuidado, músico
normalmente é uma pessoa volúvel. Foi
uma verdade, acabou a temporada, ele desapareceu, foi para a Europa, dizia que
os americanos não entendiam sua maneira de tocar. Verdade seja dita, ele achava que era um
grande músico, mas na verdade era um entre muitos.
Fiquei
arrasado, mas tinha trabalho pela frente.
Todos os dias dedicava umas quantas horas a compor, peguei o meu fracasso, meti dentro da minha
cabeça, transformei em música isso sabia fazer bem.
Um ano
depois minha mãe faleceu, fiquei sem meu único ponto de apoio. Sempre tínhamos estados totalmente ligados,
conversávamos sobre tudo, qualquer assunto, não tínhamos barreiras um com o
outro. Foi então quando descobri
quanto tinha de dinheiro. Não era uma
fortuna para entrar na lista Forbes, mas era dinheiro.
Me
programei, resolvi, tirar um período para compor. A primeira coisa, procurei entre os
documentos do velho, que estavam todos arquivados, ele era extremamente
meticuloso, encontrei uma pasta com todas as reportagens sobre ele no Brasil, mas
pelo que verifiquei essas pessoas com quem ele tinha convivido, tinham já
morrido a muito tempo.
Mesmo
tudo que ele falava, eram coisas do passado.
Aluguei
um apartamento, perto da praia, frisando que precisava de um piano. Quando cheguei não tinha merda nenhuma, menos
mal que só tinha pago um mês de aluguel, o apartamento era uma horrível.
Fui
para um hotel, quase ao lado do Copacabana Palace, me informaram que eles
tinham um anexo, que ali poderia encontrar um apartamento com piano.
Falei
na portaria, me disseram que sim, mas que havia regras de horários. Meu português descobri depois era uma
merda. Mas um rapaz entendeu o que eu
queria.
Era
músico, trabalhava ali, porque falava línguas, além de precisar de
dinheiro. Me alcançou, disse que sabia
aonde eu poderia ficar. Me disse que
era de um músico brasileiro, que no momento estava fora do Brasil, que só
voltaria dentro de um mês. Era um
andar, a sala de musica estava protegida acusticamente, esse rapaz, se tornaria um grande amigo, me
arrastou para todos os lados, para escutar samba, a escolas de samba, a show,
me ia apresentando, quando comentei que meu bisavô era brasileiro, ficaram como
loucos, pois a maioria conhecia sua música.
Alguns
me convidavam para tocar com eles, escutava uma vez a música, em seguida
conseguia acompanhar no Clarinete, que era um instrumento fácil de levar para
todos os lados.
Abreu
Gomes, me acompanhava já como se fosse meu dono. Me apresentou a cantores, inclusive um que
tinha lançado a pouco tempo um CD, em que incluía uma música do bisa.
Fui
pegando a ginga carioca, para entender o samba, a bossa nova, era capaz de me
situar dentro disso tudo. Me lembrei de
uma musica que ele tinha guardada, mas inacabada, um dia a toquei para um
grupo, ficaram como loucos, pensavam que a musica era minha, lhes disse que
não, era dele, eu só tinha terminado a mesma, Quando tocamos juntos a primeira vez, era
capaz de escrever para todos os instrumentos, isso que só tinha tocado uma vez,
tinha ficado bem guardada.
Logo
me apresentei num grande show com eles, sai de turnê com eles pelo Brasil,
assim conheci muitos lugares.
Mas
estava outra vez no mesmo, fechado num círculo, não ia a lugar nenhum sem estar
cercado dos músicos, as conversas, começaram a me aborrecer. Quando voltamos ao Rio, escapei, fui procurar
a cidade de aonde ele tinha saído no interior.
Como ele a descrevia, parecia que
não tinha mudado muito, estava parada no tempo.
A estrada era horrível, o ônibus, ia balançando se esquivando dos
buracos da mesma.
Procurei
saber se tinha algum parente por lá, mas nem sabiam que esse homem tinha saído
dali. Uma senhora me disse, nessa época, os jovens todos já viam que aqui não
havia futuro, alguns mudavam como deve ter feito ele de nome, para ter um mais
sonoro. Se era descendente de escravos, então teria o sobrenome do patrão.
Voltou
para o Rio, meio desconcertado, então como seria seu nome verdadeiro, tinha
encontrado um passaporte velho dele, antes de se naturalizar, o nome todo mundo
conhecia pelas músicas, mas se tinha outro nome antes, era difícil saber.
Quando
voltou para casa, foi aos studios Disney para quem ele tinha trabalhado no
início, nada todos os contratos tinham o mesmo nome.
Ele
tinha um grande amigo, lhe indicaram o nome de uma pessoa, foi encontrar essa
pessoa numa residência de velhos. Tinha
já quase 100 anos. Riu muito, ele dizia
que um descendente dele deveria ter algo como herança genética.
O
homem começou a falar dele, ficou pasmo, passou a entender por que seu avô e
ele estavam brigados. Fomos
namorados, daqueles escondidos de antigamente. Ele tinha casado com uma americana,
principalmente para conseguir cidadania.
Depois ele não gostava de crianças. Seu filho um dia nos pegou na cama,
fez um escândalo imenso. Ele se
separou, passou a viver um tempo em minha casa. Mas
era um malandro, ele dizia que gostava de variar, não queria estar preso a ninguém,
a única coisa que o prendia era sua música, com essa não havia como disputar.
Ficamos
amigos, as vezes me chamava para ajudar em alguma gravação na casa que tinha
mandado fazer especialmente para o que fazia, tinha dois studios de gravação,
aquilo parecia um formigueiro.
A casa
é minha hoje em dia, lhe contei. Me
deixou de herança.
Pois é
seu filho fez o diabo com ele quando ficou adulto, contava para quem quisesse
escutar que seu pai era um grande filho da puta, que era gay. Por qualquer dinheiro vendia a honra do
pai. Ele até entendia, nunca tinha se
aproximado do filho. Mandava dinheiro,
mas se aproximar nem pensar. Depois o
filho não suportava a música, para ele isso complicava.
Nesse
vai e vem, estivemos juntos muitos anos, eu também me casei como ele, para
manter a salvo uma reputação, bem como para ter família. Tive mais sorte, minha mulher sabia de tudo,
aceitava. Tive um filho, que tampouco
gostava de música, mas em compensação meu neto, canta muito bem. Me disse o nome do neto, era um cantor
muito bom de opera.
Quando
está por aqui, vem me ver sempre.
Vou
fazer uma coisa, sabes com é cabeça de gente velha, cada vez que eu me lembre
de alguma coisa, anotarei, para depois te contar.
Passei
a visita-lo todas as semanas, as vezes tocava alguma coisa para os senhores que
estavam ali. Um dia me disse, eu me
lembrei de uma coisa esta noite. Já
examinaste a lareira.
Sim na
sala tem uma lareira, mas é falsa, é só decorativa, busque apertar os ladrilhos atrás da mesma,
ela tem um barrado como se fossem tijolos, não é verdade? Pois atrás de um deles, ele guardava diários
que escrevia.
Fui
para casa, direto para a lareira, depois de bater com os dedos em vários
tijolos, descobri um que tinha um som de oco.
Quando consegui puxar o tijolo, ali tinha uns cinco cadernos escrito a
mão, numerados na frente. O Melhor foi que ao passar a mão pelos fundos,
encontrei rolos de dinheiro. Achei
engraçado isso.
Eram
bilhetes grandes, só lendo o diário entenderia.
Comecei
a ler o primeiro, logo de cara descobri
que seu nome original não era o que usava.
Começava
contando a história, não na cidade que eu tinha ido procurar pelo seu passado,
nunca tinha vivido ali, isso era um despiste.
Contava
aonde tinha vivido, era louco por
música, mas em sua casa era proibido, por causa da religião da sua mãe, do seu
padrasto, que era pastor da mesma.
Quando
tinha feito 12 anos, seu padrasto abusou dele, rindo dizia em nome do senhor,
estas purificado. Na hora não entendeu nada, mas depois
escutando os outros garotos na escola entendeu. Filho da puta, fugia dele o mais que podia,
mas sempre encontrava um jeito de força-lo, era americano, em casa obrigava
todo mundo a falar inglês, foi assim que aprendeu a língua. Ele para não ser descoberto, ia escutar a
banda de música escondido, ficava numa esquina, enquanto ela tocava no
coreto. Amava escutar essas músicas, a
valsa, o chorinho, marchas militares, tudo entrava em sua cabeça, ficavam ali
guardadas, de noite era capaz de reproduzir tudo, como quem liga uma rádio. Evidentemente em casa não tinha, era fruto do
diabo dizia o desgraçado. Um dia no armazém de secos e molhados da
vila, viu uma navalha esquecida em cima do balcão. Não teve dúvida, passou a mão, a afiou bem
como tinha visto sua mãe fazer. Agora andava armado, embora o filho da puta tivesse quase o dobro
de seu tamanho, muito mais forte, ele ia encontrar um jeito de se proteger.
Era um
dia de culto, desapareceu, tinha nesse dia a banda na praça, estava ali na
esquina quando ele chegou por detrás o agarrando. Já que estas pecando vamos pecar de verdade,
o arrastou para detrás de um muro, de uma casa abandonada, abaixou suas calças,
mas a dele sua fivela ficara presa em algo, o soltou um instante, tempo
suficiente para ele tirar a navalha no bolso, enfiar na sua garganta. Nem sabia como se fazia isso, enfiou fundo,
enquanto ele ia caindo, fazendo um barulho horrível, ao respirar, quando ele caiu no chão, retirou a navalha,
lhe deu muitas mais, pelas vezes que tinha abusado dele. Saiu correndo por um caminho até sua casa,
sua mãe já estava no culto a estas alturas.
Tirou a roupa que estava suja de sangue, se limpou, saiu com a suja,
mais a navalha, foi para bem longe dali. Queimou sua roupa, escondeu muito bem
a navalha, embaixo de umas pedras.
Voltou
tranquilamente para casa, quando a mãe chegou estava estudando, ela perguntou
pelo seu homem.
Muito
sereno, respondeu, ué pensei que estava no culto com a senhora.
Ele
não apareceu. Ela foi com ele agarrado
de sua mão, quase o arrastava pelas ruas até o posto de polícia. Ninguém tinha visto o pastor, o foram
descobrir dois dias depois, porque viram um cachorro, comendo o pau de um
homem. Alias os cachorros abandonados,
tinham feito a festa com seu corpo.
Existiam
muitas suspeitas, afinal o pastor tinha muitos inimigos na vila, pois vivia
pregando sobre o pecado na frente dos bares, da igreja católica, no putero,
enfim, enchia o saco das pessoas.
Sua
mãe se sentia tão colacionada, que arrumou a mala dos dois, foram embora para Macaé.
Lá ela
deixou de frequentar igrejas, pois tinha que dar o duro para trabalhar. Trabalhava numa padaria, pelo menos o patrão
a deixava levar o que sobrava no final do dia para casa.
Ele
foi se aproximando do pessoal da banda da cidade, o maestro o via espreitando
sempre, um dia o convidou para entrar num ensaio. Lhe perguntou qual instrumento que gostava,
ele foi direto ao clarinete, gostava do som deste. Lhe ensinou o básico, ficou de boca aberta,
pois ele em seguida conseguia tocar com a banda, ofereceu ele mesmo o
uniforme. Como ele era menor de idade
foi falar com sua mãe. A vida tava
sendo dura, achava que pelo menos ele estaria num lugar seguro.
O
maestro era do Rio de Janeiro, vivia falando das rádios de lá, músicos, as
oportunidade, mas nunca dizia por tinha vindo para uma cidade do interior.
Ganhou
sua confiança, sempre lhe dizia para ficar, para lhe ensinar uma música nova,
dessa música nova ele não via nada.
Queria era meter a mão nele.
Desta vez ele consentia, porque era agradável. Mas um dia um outro músico, os surpreendeu,
quis entrar na festa também, dois eram muitos para ele que era franzino. Deu um jeito, escapou. Nessa noite a padaria pegou fogo, por alguma
distração de alguém, sua mãe morreu nessa noite.
Ele
rebuscou todos os lugares que ela tinha dinheiro, sabia aonde o maestro também guardava o
dinheiro da banda. Se armou de uma faca
da cozinha, foi até o local da banda.
Abriu a porta, pegou todo o dinheiro que viu, bem como o clarinete que
tocava.
Dali
foi para a estrada, sentia muito pela sua mãe, mas ou era isso, ou ficar para
sempre servindo de pasto para dois homens barbudos. Fez sinal para uns caminhões, até que
entendeu que eles paravam num posto de gasolina que tinha restaurante ali mais
adiante.
Foi
andando até lá, ficou perguntando quem ia para o Rio, um mulato bonitão, riu
dizendo, vou dar uma mijada, te dou carona.
Quis foi meter a mão nele, mas ele já tava mais esperto, só quando
chegarmos ao Rio. Antes nada. Foram conversando, o homem ia cantarolando a
última música que fazia sucesso. Ele
guardou na cabeça, em seguida tirou o clarinete, começou a tocar.
Nem
sabia que essa música se tocava por aqui?
Não
aprendi agora com você cantarolando.
Como é
possível isso, vê se sabe dessa. Cantou
outra, ele tocou em seguida.
Caramba,
garoto, você é demais. Venha vamos ser
amigos, de deixo viver na minha casa, moro sozinho lá na Lapa, um reduto de
músicos, logo terás oportunidade.
Ele
vivia num casarão antigo, tinha um quarto, uma pequena sala, o banheiro era
coletivo, mas limpo. Dormiu no dia
seguinte com ele, este soltou, bonito não eres, mas tem um corpo
apetitoso. Podes ficar aqui, eu as
vezes passo a semana fora, gostaria de te encontrar quando volte. O levou pelos bares para escutar música,
ele ia absorvendo tudo. Três dias depois
já estava tocando com um grupo. Ali
sempre se encontravam compositores, que depois de seu trabalho iam tomar uma
cerveja, que nunca era uma, mas muitas.
Quando
o outro voltou no final de semana, lhe disse, estão te procurando, teu nome é
Felipe Bezerra não é. Porque naquela
parada falam nisso, alguém que roubou o dinheiro da banda, bem como o
clarinete. Acho melhor para tua
segurança, trocares de nome. Conheço um
sujeito na polícia, já tive uma aventura com ele, trabalha justamente nessa
parte. Amanhã vamos vê-lo. Fazer sexo com o Genival era fácil, ele era
carinhoso, dizia se eu tivesse mulher, filhos, estaria preso, gosto de andar
pelas estradas. Me sinto livre, claro
chegara uma hora que irei me cansar, mas nunca vou de putas, gosto muito de
homem para isso.
Já
agora o excitava, deixava seu caralho duro, tens uma boa ferramenta. O provocava de tal maneira que ficava dura
como madeira, então se sentava em cima contente. Gosto disso também.
O
levou ao policial, esse era até bonito, ficou de papo com o Genival, acabou
concordando, lhe deram um nome que mais parecia dois sobrenomes, Barbosa Lima,
com esse nome tinha novos documentos, nem como aumentaram sua idade.
Na
seguinte viagem do Genival, o policial, apareceu para lhe entregar os
documentos, rindo disse queres que te cobre um preço em dinheiro, ou preferes
em carne. Tirou toda a roupa, tinham um
corpo fantástico, mas um piru pequeno, o
Genival disse que tens um caralho de dar gosto, quero provar. Apesar de todo o corpo que tinha, virava um
doce na cama, era amoroso, gostava de beijar, chupar, quando se sentava em cima
do caralho, levantava os braços para cima, quase gritava, mas sabia que ali, as
paredes eram finas.
Agora
era assim ele acompanhava cada vez que Abreu saia para tocar com os amigos, mas
se sentava no fundo, pois todo mundo sabia que era da polícia.
Um dia
lhe disse, vista-se bem, vou te levar para fazer uma prova. O levou na Radio Mayrink Veiga, perto da
praça Mauá. O capitão como era
conhecido o policial, sim estava nervoso, nunca tinha pedido favores, não
queria dar na vista. O apresentou ao
maestro, disse, escutei esse garoto tocando num boteco, mas vejo que tem
talento. O maestro perguntou se sabia
ler partituras. Não senhor, mas se
escuto a música uma vez posso tocar.
Ele riu, vamos ver, se é assim tens ouvido absoluto. Uma coisa rara.
Se
sentou ao piano, tocou uma música de Ari Barroso, ele não só tocou, como fez
alguns floreados com o clarinete.
Ficas,
falta um clarinete na banda que acompanha os artistas nos programas ao vivo, mas
terás que aprender a tocar lendo partituras, vou te dar um endereço de uma
professora, mas amanhã te quero aqui as 9 para ensaiar, lhe disse quanto era o
salário, não era muito, mas dava para começar. Disse ao Capitão, chegou a hora de
abandonar o caminhão, seguir meu caminho.
O
Capitão disse que não podia morar com ele, pois vivia com sua mãe, sua mulher e
dois filhos. Mas gosto mesmo é de você.
Montou um apartamento para ele, era na Ladeira do Livramento, em cima de
um armazém de peças de carro. Para
dormir era excelente, pois só tinham os dois em casa, o capitão podia gritar
quando gozava, aos poucos foi abandonando a família, era muito ciumento. Ia sempre aos programas de auditório quando
era de noite, sentava-se no fundo ficava observando quem o olhava, se se
aproximavam muito. Ele por isso quando
o chamavam para tomar uma cerveja, dizia que não gostava, ficava em casa com o
capitão.
Um dia
sua mulher apareceu, mais parecia um homem, saiu com ele dali, abaixo de
vassourada, um capitão de polícia dando o cu para um músico, aonde já se viu
isso, já para casa vadia, a partir de hoje, te chamarei puta. Pois se dá para esse garoto quantos mais
enfiaram o cacete nesse teu cu.
Ele
ficou quieto em casa, de madrugada, saiu de fininho, com suas roupas mais
novas, sapatos bicolores, tudo presente do capitão, não o deixava gastar um
tostão do que ganhava. Ele até gostava
do Capitão. Arrumou um apartamento na
Gloria, que ficava fácil, era só tomar o bonde até a praça Mauá. Era pequeno, mas para ele estava
fantástico. Já tinha acabado as aulas
com a professora, que lhe ensinou a tocar piano, saxofone, após aprender aonde
estava as notas musicais, ele aprendia rápido.
Agora
substituía o maestro no piano. Um dia
este se chegou a ele, dizendo vou sair do programa, pois fui contratado para
trabalhar no Casino da Urca, queres vir comigo.
Nem pensou, o único problema, era
que conseguir apartamento perto era difícil,
mas não se apertou, logo se mudou para Botafogo, ele ia de bicicleta
para o Casino. Começou a mostrar suas músicas
para o Maestro, este mostrava a mesmas para os cantores e cantoras, que queriam
musicas novas para triunfar no show. Carmen Miranda adorou duas, que ele compôs
para ela.
Agora
ganhava mais dinheiro, mas guardava, tinha amizade com as costureiras do shows,
ela lhe arrumavam algum terno que algum músico, ou cantor tinha largado por
ali. Assim em breve estava vestido de trajes
de linho branco, ou azul, gostava mais do azul que ia mais com sua pele
morena. Teve alguns namorados, mas nada
demais.
Quando
vieram gravar Zé Carioca, ele tocou na trilha sonora. O
maestro que acompanhava a filmagem, disse que ele iria fazer sucesso, fazendo
isso na América. Se engraçou com ele,
aquele homem era magro como o diabo, mas entendia de música, lhe ensinou
milhões de truques para composição. Na
cama era uma lady, com o tempo diria depois uma senhora balzaquiana. Acabou apesar de já ser conhecido pelo
público, com músicas suas gravadas, antes de ir embora, gravou com
Pixinguinha. Sua bagagem era pouca,
algumas roupas boas, de linho, gostava de andar frajola, não era bonito, tinha
de fazer seu porte brilhar, as calças de linho, faziam que seu caralho se
distinguisse. Levou sim suas
partituras, que um dia chegariam ao seu bisneto. O inglês que tinha aprendido de criança,
serviam agora para se virar. O maestro
vivia em casa bonita no Beverly Boulevard, numa casa que hoje já não existe
mais.
Tinha
um salão cheio de instrumentos, o que era sua paixão, sentia falta de outro
tipo de relacionamento, com ele, era tudo papai, mamãe, o velho claro de mamãe,
sentia falta do Genival, do
Capitão. Quando ficou conhecido, disse
ao maestro que precisava viver sozinho para poder compor em paz, mas que
seguiriam sendo amigos para toda vida.
Este riu, duraste muito, não tenho glamour, nem sou um homem
interessante, mas gostei da tua maneira de se despedir. Mas eu amo mesmo é o seu talento. Volta e meia, o chamava para compor uma
música acidental para um filme, ele via a cena, em seguida estava
trabalhando. O maestro dizia, ninguém é
como tu.
Mas
chegou o momento que ele precisava de papeis para ficar definitivamente no
pais, o maestro lhe arrumou um casamento pago, uma chefe de edição de musicas
para filmes, o problema era que já estava gravida, para ela um casamento
significava ser respeitável, era muito quadrada nisso. Se casou, mas nunca foi
viver com ela, tampouco dormiu nenhuma noite com ela. Apenas deu seu apelido que na verdade era
tão falso como ele, Lima, depois ela teve uma filha com um maestro alemão, daí meu nome Wishental. No fundo eu não era neto dele.
Espero
um dia que eles sendo filhos de uma mulher
que sempre teve um ouvido para música, algum saia com ouvido absoluto.
Deve
ter ficado esperando. Depois desse
primeiro e segundo diário, não falava muito em romances, parece que só teve um
grande amor, por um ator que fazia de tudo, cantava, dançava,
representava. Mas nunca ao que parece
viveram juntos, falava dele com carinho, usava no diário só duas iniciais. Compôs músicas para ele, para que pudesse
brilhar nos shows que fazia. Esse foi
para Las Vegas fazer um show, compôs
todas as músicas para ele dançar, cantar, brilhar. Só depois desse época, com todo o dinheiro
que tinha ganho, comprou a casa em cima da montanha, embaixo tinha uma garagem
imensa, consultou técnicos especializados, ele só tinha mesmo um carro velho
que podia ficar na rua, então essa garagem virou dois studios preparados para
tudo. A partir desse momento, o diário é
uma relação de músicas compostas nesses dois studios, gravações
históricas, o mau relacionamento com o
pseudo filho, ao qual sempre quer se dar bem a suas custas. O enfrenta dizendo que não é seu filho, mas
sim de alguém que sua mãe dormiu. Anos
mais tarde com o teste de ADN, prova isso.
O que esclarece seu testamento.
A
partir de um momento, relata meu nascimento, o teste que fez comigo, como
acompanhou toda minha carreira,
finalmente encontrei alguém que tem as mesma características minhas com
a música. Além de ter uma mãe
espetacular que o guiara pelo caminho certo.
Fala
do que vai deixar para mim. Diz que riu
muito quando tomou essa decisão, que tinha amarrado de todas as maneiras
consultando um advogado, as leis. Para
impedir que esses bastardos que pensam que são meus filhos, possam conseguir
alguma coisa.
Quanto
ao dinheiro, descobre que sempre tinha sido assim aplicava dinheiro, mas tinha
sempre algum a mão para necessidades de última hora, coisa de pobre. De quem
viveu na miséria, porque nunca se sabe.
Guardou
o dinheiro bem como os diários lá.
Agora
entendia o homem da residência, foi visita-lo, agora sabia que esse era na
realidade o grande amor de sua vida.
Quando falou isso, ele chorava,
eu o amei como nunca, mas era outra época, outra maneira de encarar isso
tudo. Quando ele morreu, fiz meu último
filme, tinha perdido tempo demais me escondendo. Por isso o perdi, um dia se cansou de se esconder,
mandou tudo as favas. Viveu seu final de
vida como queria.
Vejo
que tens coisas dele, apesar de saber que não tens laços de sangue com ele. Mas
ele te escolheu.
O
conheci, pouco, mas o adorava, quando descobri as partituras, fiquei louco,
trabalhei em cima delas, não porque ele fosse meu avô, como acreditava, mas
como músico.
Um dia
também encontraras alguém.
Estou fazendo
com que os studios de gravação funcionem outra vez. Estou montando um grupo para trabalhar uma
série de música dele.
Quando
contratou o pessoal, um dos técnicos, vinha queimado de uma gravadora. Disse que estava farto de trabalhar temas que
depois de um tempo ninguém mais tocava, nem sabia quem era o cantor. Esses eram obrigados pelas gravadoras a
fazer, isso, se perdem na drogas, ou abandonam tudo.
Foi
lhe trazendo gente para trabalhar, músicos jovens, que ele foi colocando dentro
do projeto.
Levaram
um ano trabalhando, mas eram seus funcionários, para qualquer coisa tinha o
dinheiro da lareira, para pagar seus salários.
Quando
o CD finalmente ficou pronto, fez uma turnê com o grupo, para não ter que dar
explicações, apenas falava que eram músicas de seu avô, brasileiro. Havia temas que tinha feito para algum filme,
mas que tinham usado somente um trecho, nada mais. Nas
entrevistas dizia que estava trabalhando um tema, que iria transformar como se
fosse música clássica.
Queriam
já saber para quando?
Menor
ideia, estou desenvolvendo os temas.
Mas
compartilhava tudo com Jeremy Costa, seu
chefe de produção de studio, entre eles nasceu uma afinidade imensa, eram capaz de ficarem horas a trabalhar uma
ínfima parte da música até que ficava perfeita. Dai foi um passo para um relação, que durava
a muitos anos. Se entendiam
perfeitamente em todos os sentidos.
Mas
nunca mais voltou a procurar qual a terra de seu avô, agora que sabia a história
verdadeira.
No hay comentarios:
Publicar un comentario