DE REPENTE
Estava escutando pela rádio, era a única coisa que podia ter
ali naquele quarto escuro, que fazia um calor imenso. As janelas fechadas porque a diretora achava
que assim ninguém escapava.
Começou a escutar uma música do Lulu Santos, música de sua
juventude, porra pensou isso é uma maldade, mas se tocou numa estrofe.
“Eu dou a volta, pulo o muro
Mergulho no escuro
Sarto de banda
Na minha vida ninguém
manda não
Eu vou além desse
sonho.....”
Sentou-se na cama, há dias estava melhor, tinha deixado de
tomar os remédios que lhe davam, fingia que engolia, mas cuspia de lado. Talvez
por terem estado na sua boca, ficava zonzo uns momentos, mas depois lhe voltava
toda a energia que precisava.
Estava em cuidados paliativos, tinha se negado a tomar
Quimioterapia, Radioterapia, o escambau, isso não era com ele, tinha enfrentado
a vida sempre de frente, ou fugido pela tangente, isso também tinha feito.
Sua família o tinha internado nessa residência, para se
livrar dele, mas não os culpava, tinha sido uma pessoa intransigente, nunca
tinha suportado a mediocridade. Era como
se sentia nesse momento medíocre.
Primeiro tinha deixado fazer o que quisessem com ele por estar pela primeira
vez em sua vida deprimido.
A única coisa que a família não tinha podido fazer, era
colocar a mão no seu dinheiro, bem como autorização para usarem seu
apartamento. Tinha se negado totalmente
a isso, ainda não morri, soltou furibundo.
Se levantou com dificuldade, mas tirou os tubos que tinha
preso no braço, colocou uma camiseta de mangas compridas que estavam no
armário, calças jeans, tênis, seu uniforme de toda a vida. Tampouco tinha entregado sua carteira no
hospital, estava fechada nesse armário, que ele tinha a chave. Tinha pouco dinheiro, mas bastava.
O resto de roupa que estava ali, não lhe importavam.
Ainda era alto, magro, não só pela doenças, mas por ter feito
surf a vida inteira.
Saiu de fininho, as enfermeiras, estavam de conversa mole,
davam comprimidos pesados para os enfermos dormirem, depois ficavam de papo.
Saiu por uma porta lateral, que tinha observado o dia que o
homem colocava óleo para que abrissem sem fazer ruído. Passou rapidamente pelo jardim, estava
escuro, mas nessas semanas ali, tinha observado tudo. Saltou o muro baixo, logo estava na rua,
por sorte viu um taxi, coisa rara nessa hora.
O homem ainda lhe perguntou se tinha vindo visitar algum
parente de emergência, disse que sim, que tinha batido as botas.
Isso era uma verdade, nos últimos anos, tinha ido a tantos
enterros, que ao final deixou de ir.
Lembrou-se de outra estrofe
“A vida passa lentamente
E a gente vai tão de
repente
Tão de repente que
não sente
Saudades do que já
passou.....”
Era uma verdade sem tirar nem pôr, os últimos anos tinham
passado lentamente pelos seus olhos, quando se aposentou, pensou, agora vou
viver para o mar, só pensava nisso, surfar, mas claro um câncer de pele afeta
qualquer um que passa o dia inteiro na água, com o sol batendo todo o tempo. Adorava essa sensação, lhe importava uma
merda que lhe dissessem que ia ter problemas futuros. Sua pele era uma crosta de pele grossa,
quando chegava o verão, podia ficar o dia inteiro na praia, sua paixão.
Ficou cantarolando a música, realmente batia com ele. Agora estava calvo, mas tempos atrás tinha
um cabelos compridos, sem cor definida, queimados do sol, adorava sair de um
mergulho, balançar a cabeça como um cachorro, ter as pernas dentro da água,
isso era o paraíso.
Nunca tinha sido de papos tontos com os outros surfistas, era
muito serio para isso, queria estar ali simplesmente, deixando sua mente
divagar, para depois colocar no papel.
Ainda devia um texto para a editora, estava pela metade
quando descobriu o câncer por um acaso, estava na água, desmaiou, um outro
surfista viu como caia. O devia ter
deixado ficar, para que a água o tragasse, esse era seu sonho morrer no mar.
Quando voltou a si o chamou de filho da puta, acharam que
estava delirando.
Quando toda a família apareceu, aí sim quis morrer, horas de
discussão, como se ele não estivesse presente.
Se aproveitaram.
Ninguém vai estragar meu propósito de vida pensou, não vou
permitir, como não permiti nunca.
Só um dos seus sobrinhos, como sempre o defendeu, mas era
minoria em comparação com os outros, tinha vindo visita-lo todos os dias, era o
único.
Os outros iam ver quando abrissem seu testamento, deixava
tudo para ele. Era o único que o
entendia, quando não fazia um esforço para isso.
O taxi parou diante de sua casa. Pagou, agradecendo o homem, tenha um bom
trabalho, era o que dizia sempre.
Respirou fundo, o mar hoje tinha maresia, como sentia falta
disso.
Naquele lugar lá no cafundó do judas, só iriam notar que não
estava de manhã.
A estas horas não tinha porteiro, abriu a porta do edifício,
subiu até o seu apartamento, foi abrindo as janelas para o ar do mar
entrar. Tinha juntado muito dinheiro para comprar
esse apartamento. Era seu sonho desde
jovem.
Menos mal que nunca tive família, filhos, nenhum compromisso com
ninguém. Na verdade, nunca tinha amado
ninguém. Aliás nunca tinha entendido o
valor dessa palavra, a única pessoa que sentia falta era de sua mãe, que da
família era a única que não era hipócrita.
Vou seguir seu exemplo, pois ela depois de ter passado muitos
problemas, chegou um dia, disse “até aqui vou”, morreu.
Isso era perfeito, tinha lhe dito que quando muito tinha
semanas ou meses de vida, muita dor isso sim.
Mas ele aguentava.
Voltou a pensar no amor, ele tinha sempre uma técnica, quando
estava com alguém, seja homem ou mulher, começavam a chama-lo de meu amor, caia
fora.
Riu, dei muito susto nas pessoas, mas a verdade era que não
sabia como retribuir esse sentimento, queria estar junto, mas compromissos
nenhum, tinha horror a isso, bastava o compromisso de ter que trabalhar de
segunda a sexta feira. Diziam que
ficava esperando a sexta-feira, que saia do trabalho, andando nas nuvens
rezando que o tempo fosse bom para surfar, mas se chovesse lhe dava igual,
colocava um Neoprene, entrava na água com todo o prazer do mundo. Era isso, nada lhe dava mais prazer que
isso. Um dia soltou que se pudesse
fazer sexo com o mar, o faria. Umas
garotas que estavam por ali, ficaram horrorizadas, queriam ser modernas, mas no
fundo buscavam um idiota para casar.
Olhou seu apartamento era um apêndice dele, livros por todas
as partes, até no corredor tinha estantes até o teto cheio de livros, isso sim,
tinha lido todos, os que não conseguia passar da 10 página, mandava para o
lixo. Depois com o tempo, com pena
deles, passou os deixar esquecido num banco de uma praça, no ônibus, num
bar. Se lhe viam devolver, dizia, isso
não é meu, já estava quando cheguei.
Ia embora contente da vida.
Pelo menos não tinha acabado numa lixeira.
A estante de seus livros preferidos, que o acompanhavam desde
a infância, passou a mão pela lombada dos mesmos, vocês alimentaram meus
sonhos.
Tinha descoberto o surf por acaso, um dia passeando na praia
procurando uma sombra para ler, encontrou um colega da escola, lhe perguntou se
não gostava de surf.
Nunca experimentei, o outro insistiu, por baixo da bermuda
careta, usava uma sunga de praia, acabou acompanhando o outro que tinha um
corpo espetacular. Lhe ensinou tudo que
tinha que fazer, conseguiu uma outra prancha emprestada, o acompanhou entrando
no mar. Este dia teve sua primeira
paixão, seu primeiro orgasmo mental como dizia.
Com suas economias, comprou uma prancha de segunda mão, ia
todos os dias depois das aulas para a praia.
Seus pais ficaram contentes, finalmente saia ao mundo.
Quando estava esperando alguma onda, sua cabeça flutuava no
espaço, uma vez viu um filme fantástico, em que a cabeça pensando estava dentro
de um líquido, soltou aos amigos, o meu líquido é o mar.
Riram dele, mas não se importou, tinha falado uma verdade. Quando estava sem inspiração para escrever,
bastava ficar ali esperando sua onda, que lhe surgia alguma coisa para tocar o
barco em frente.
Quando lhe apresentaram seu único vício, a tia maria como
chamava o baseado, enquanto aos outros lhes dava sonolência, a ele, fazia sua
cabeça funcionar a mil.
Ao pensar nisso, sentou-se na mesa de trabalho, abriu uma
gaveta, lá estava sua caixa de Maria, preparou dois baseados bem grandes,
sentou-se na pequena varanda, olhando o mar, sentido seu cheiro, já vou mermão,
já vou.
Quando acabou, colocou uma bermuda, camiseta, sandálias de
dedo, na entrada estava sua prancha preferida, que não era a última, mas sim
uma muito velha que o tinha acompanhado por muitos lugares.
Caminhou para a praia, quando ia saindo, chegava o porteiro,
ah o senhor já voltou para casa?
É o que parece seu José, agora vou trabalhar, enquanto a
praia não está cheia de garotos.
Fazes bem, ele sempre que saia de manhã com a prancha o José
lhe dizia, já vai trabalhar.
Ficou parado na beira da água, com as ondas batendo aos seus
pés, não saberia dizer a sensação que sentia, era como se tivesse chegado em
casa. Deu um suspiro largo, encheu os
pulmões danificados de ar, foda-se velho amigo aguente.
Entrou na água, as ondas estavam tranquilas, ele achou bem,
pois assim não tinha que fazer muito esforço, foi remando pausadamente, sem
olhar para trás, quando se cansava, ficava ali deitado. Se pudesse escolher, pediria um enterro
viking, que o colocasse num barco, em cima de uma pira, esses sim sabiam o que
era um enterro. Nada de ficar
apodrecendo embaixo da terra, comida de gusanos, preferia que os peixes o
comessem. Sentiu uma das correntes que
as vezes tornavam essa praia perigosa para os surfistas. Sabia qual a direção que ela tomava, se
deixou levar.
Se deitou de costa, olhando o céu, o dia daqui a pouco
começaria a nascer, isso era outra coisa que ele amava, ver o dia amanhecer,
bem como o final do dia na praia. Tinha
um sabor a remanso, a paz interior.
Fechou os olhos, se deixou levar, quando um barco pesqueiro o
encontrou uns vinte dias depois, não entendiam como ele podia estar ainda em
cima da prancha, que os peixes não o tivessem comigo. Um dos mais velhos, disse, esse veio
descansar no seu lugar preferido, o mar.
Eu o deixaria seguir seu rumo, mas os outros discordaram, a família pode
estar preocupada.
Avisaram a polícia marítima, que logo veio resgata-lo. A polícia sabia que tinha saído de casa com
sua prancha, o porteiro disse que ele tinha dado intenção que estava curado,
que ia fazer o que mais gostava.
O único que não dizia nem um pio era seu sobrinho
preferido. Tinha entendido o que ele
estava fazendo. Com o corpo
recuperado, leram suas últimas vontade, que fosse cremado, depositando suas
cinzas no mar. Sem cerimônias, nem
nada. As irmãs, super católicas,
reclamaram, mas nem uma missa. No papel,
isso elas podiam fazer no enterro delas, o dele não. Seu sobrinho foi buscar suas cinzas, combinou
com todos os amigos surfistas, afinal seu tio o tinha iniciado nesse amor pelo
mar. Foram remando todos, até o ponto
aonde ele gostava de ficar, ali soltaram sua urna.
A leitura do testamento, ele assistiu de camarote, sentado em
cima da mesa do advogado.
Só tinha uma quantas frases, tudo que é meu, apartamento,
dinheiro no banco, livros, revistas pornográficas, isso para incomodar as
irmãs, fica para o meu sobrinho, José.
A cara dos outros, loucos para passarem a mão naquele
apartamento, valia uma fortuna hoje em dia.
José não disse uma palavra, deixou simplesmente uma lagrima
escorregar pela cara, mentalmente pensava, preferia que ele estivesse aqui para
conversar. Isso era um hábito dos dois,
ficarem horas e horas falando, sobre algum assunto. Sobre o que ele estivesse escrevendo no
momento. Os dois amavam as mesmas
coisas, livros, o velho mar. Aliás a
primeira vez que conversaram, foi depois que ele o tivesse presenteado com um livro,
“O velho e o Mar” de Ernest Hemingway, levaram semanas debatendo isso. Seu pai era o irmão mais velho de seu tio,
quando ele morreu, seu tio tinha cuidado dele.
Era marginado por toda a família, pois era filho de pai solteiro. Tinha tido uma aventura com uma estrangeira,
ficou gravida, pariu, depois desapareceu.
Seu pai só sabia o nome dela, Helga, nada mais.
Os dois irmão se dedicaram a cuidar do garoto, seu tio
principalmente que tinha mais jeito, seu pai era um desastrado.
Eu sim tive uma família, esses dois me amaram.
Cada um foi se levantando para ir embora, sem sequer olharem
em sua direção, bando de hipócritas pensou, nunca foram o visitar na clínica,
nem respeitaram seus desejos de ficar tranquilo em sua casa.
Com as chaves na mão, foi para lá, o do banco sem problemas,
pois ele administrava os bens do tio. Viu
que ele tinha mexido na mesa, riu, esteve aqui fazendo o que gostava. A mesa estava virada para o mar. Entendo que gostasse de escrever aqui, a
cada frase que parava para pensar, levantava a vista, tudo que via era a
imensidão do mar.
Um dia, já algum tempo tinham conversado sobre um assunto
espinhoso. De ter amado alguém na
vida. Ele poderia dizer que sim, tinha
amado seu pai, bem como seu tio, os dois o aceitavam como era.
Super inteligente, gay, moreno do mar, com os cabelos loiros,
mais para brancos de tão queimados.
Na mesa viu um bilhete, desfrute de tudo, entregue esse texto
ao editor, vim fechar meu último livro.
O personagem fazia exatamente o que ele tinha feito. Como dizendo o que fiz fui consciente.
Ficou encostado na janela, olhando a direção aonde ele gostava
de fazer surf, além da ondas, havia alguns companheiros esperando a famosa onda
ideal da manhã.
Vá em paz, meu velho, vá em paz.
REVIVAL
Como num “revival”, ficou ali encostado olhando fixamente o
mar, relembrando coisas que a muito estava ali guardadas. Quando era criança, não entendia, todo mundo
dizia que tinha dois pais, aonde estava sua mãe. Tentava explicar que um era seu pai, o outro
o queria como, mas era seu tio.
Seu pai era jornalista, passava muito tempo fora, então quem
o levava na escola era seu tio, quando por acaso encontravam alguma das suas
irmãs, elas logo torciam o nariz, como ele fosse um apestado. Uma vez uma delas perguntou por que não
tinha dado o garoto em adoção, seria melhor.
Riu, seu tio soltou, porque não enfias essa língua venenosa no cu,
vagabunda.
Fez cara de ofendida, falei com o padre da minha igreja, ele
diz que uma criança não pode ser criada por dois homens.
Claro que ele só pode pensar isso, é um viado renomado,
garanto que já deu o cu fedorento para um dos teus filhos que é puxa saco dele.
Viraram as costas, o saiu arrastando dali, sentaram numa
confeitaria, ele rindo soltou, depois de toda essa maldade nada como um Milkshake
de ameixas. Era o preferido dele. Quando era muito pequeno, seu pai ficava
muito tempo viajando, chegou a pensar que seu tio era seu verdadeiro pai, pois
estava sempre com ele.
Trabalhava numa editora, revisava textos, lia mil vezes os
mesmo, procurando um ponto falho do escritor. Por isso antes de sair, o levava ao
colégio, mas sem falta o estava esperando na saída. Um dia um companheiro dele, muitos anos
depois comentou, que ele era como um relógio, dava a hora de sair, ele já
estava pronto, se o chefe pedia para ficar mais, dizia que era impossível,
tinha um compromisso importante.
Da escola iam para esse apartamento dele, que ele também
adorava, de seu quarto também via o mar.
Trocavam de roupa, iam os dois com suas pranchas, ele surfava desde que
tinha cinco anos. Todas as perguntas
importantes de sua vida, tinha feito ao tio, justamente enquanto esperavam uma
onda.
Coisas que escutava dos maiores na escola, que tinha vergonha
de perguntar para eles, sobre masturbação, fuder, gozar, porra, todas essas
coisas tinha perguntado para ele, as respostas sempre eram as mais simples.
Quando me apaixonei por um garoto da minha turma no segundo
ciclo, contei para ele, esperava que risse na minha cara, que me chamasse de
viado ou coisa assim. Mas que nada me
explicou que isso nos acontecia, não fique com vergonha disso, resta saber se
ele te corresponde, se interessa por ti.
Nada disso aconteceu, o sujeito nem me olhava. Mas depois já no final, chegou um cara novo
na escola, vinha transferido de outra, pois tinham mudado de cidade, nos
tornamos amigos, nos beijamos, fizemos algumas coisas. Depois corria para contar para o meu tio, se
meu pai estivesse por perto, lhe dizia se não gostaria de ir surfar. Quando trouxe o Rob, diminutivo de Roberto,
para ir surfar, o cara ficou louco. O
mais interessante é que se apaixonou pelo meu tio, esse tirou de letra, lhe
explicou que isso não era assim, que ele podia ser seu pai, que esperasse seu
tempo.
Não gostou muito, fez amizade com outros surfistas, passou do
baseado a cocaína, se fudeu no mundo. Morreu jovem, nem chegou a ir à
universidade, pois nas férias antes, teve uma overdose. Meu tio fez amizade com o pai do rapaz,
conversou muito com ele. Depois
me explicava que o rapaz o tinha visto como seu pai, pois eram parecidos.
Tudo para ele tinha uma explicação simples, olhava as coisas
de todos os ângulos, por isso gostava de conversar com ele, meu pai ficava com
ciúmes.
Quando terminei a faculdade, meu pai me conseguiu uma bolsa
de estudos, para fazer uma graduação nos Estados Unidos, nunca senti falta
dele, mas do meu tio sim, nossas conversas agora era por e-mail, mas seguimos
conversando.
Quando terminei, recebi uma oferta para trabalhar em San
Francisco, meu tio me deu a maior força.
Já estava a dois anos trabalhando por lá. Foi quando descobri que meu pai já estava
doente a um ano. Tinham me escondido
porque sabiam que voltaria imediatamente.
Meu pai, voltou de uma viagem passando mal, no que foi fazer
um exame, tinha um câncer na cabeça, num lugar que ninguém na época se atrevia
a operar. Fez todos os tratamentos possíveis,
justo nessa época meu tio se aposentou, tinha sonhado fazer outra coisa, mas
ficou lá cuidado do irmão. Meu pai
como filho mais velho tinha sempre vivido na casa dos meus avós, mas bastou ele
ir para a casa do meu tio, que as irmãs como eram, entraram com um pedido no
fórum, pedido direito da vender e dividir os bens.
Meu tio queria brigar, mas meu pai não, para que, não vou
levar essa merda de apartamento para o outro lado. Morreu justo quando vendiam o mesmo. Ai outra briga, não queriam dar minha
parte. Meu tio fez um escândalo de
proporções imensas. Passei só o último
mês de vida de meu pai, ali ajudando meu tio cuidar dele, lhe dar banho, limpar
quando cagava, se mijava durante a noite, chorava como uma criança. Morreu nos braços dele, meu tio cantando
uma música de criança. Me disse que era
a música que ele cantava para ele dormir.
Os dois eram filhos do primeiro casamento do meu avô, as
outras filhas do segundo, por isso sempre tiveram ciúmes, pois meu avô adorava
os filhos.
Meu tio fez uma coisa, seguiu o que meu pai tinha pedido, um
enterro simples, só avisou os amigos do meu pai, do jornal. Não avisou as irmãs. Que fizeram um escândalo de merda, não
esperavam o que ele soltou. Não sejam
hipócritas, o odiaram a vida inteira, por ele ter ficado com o apartamento do
meu pai, estava no testamento, agora querem dar de piedosas, vão se fuder suas
jararacas.
Um dia colocaram um papel por baixo da porta, uma missa de
sétimo dia, meu tio fez uma coisa que depois levariam anos sem se falar,
contratou uma porção de putas para irem à igreja, todos seus amigos gays. Todos deviam comungar, o padre ficou
assustado, elas escandalizadas.
O padre ainda caiu na asneira de perguntar se alguém queria
dizer algumas palavras. Meu tio se
levantou, foi até o altar, o enganaram senhor padre, meu irmão, não era
católico, mais bem um homem que entre escolher a igreja e ir de puta, preferia
a segunda. Odiava essas hipócritas que fizeram tudo para o sacanear no final da
vida, lhe roubando a casa que vivia. Por
isso só posso dizer uma coisa em nome dele.
Fodam-se todas bem como suas famílias.
Saiu da igreja as gargalhadas, levou todo mundo para um bar,
fez uma festa como meu pai gostaria.
Nesse dia justamente ali, conheci o homem que seria o amor de minha
vida. Um dos amigos do meu tio. Veio falar comigo, era surfista, já o tinha
visto na praia, tinha saído do armário a pouco tempo. Estava meio perdido, conversando me contou,
que tinha ido falar com meu tio, que este o tinha ajudado muito.
Nos gostamos desde esse momento, ele era alto funcionário
público, mas tinha deixado tudo para sua mulher, não tinham filhos. Vivia num apartamento modesto no posto 6 em
Copacabana, acabou virando minha casa.
Agora éramos três a fazer surf juntos.
Meu tio insistia que eu voltasse para Estados Unidos, lá teria mais
chances que no Brasil.
Mas estava apaixonado, a coisa durou até um pouco antes de
meu tio ficar doente, quando ele começou a falar comigo em relação aberta,
entendi o que queria, fazer sexo com outras pessoas, que nossa vida tinha
virado monótona. Meu tio, soltou na
praia para mim, minha casa sempre está aberta para ti.
Me mudei no dia seguinte, fiquei lá até arrumar um pequeno
apartamento na Rua Francisco Otaviano, pequeno era pouco, era uma kitchenette,
mas na verdade eu só vinha dormir em casa, chegava do trabalho lá na ilha do
Fundão, na universidade Federal, ia fazer surf, jantava com ele, voltava para
casa, como ele, eu escrevia. Ele era a
primeira pessoa el ler, corrigir, me dar dicas.
Quando ficou mal, mal me deu tempo de fazer alguma coisa, as
jararacas tomaram o poder como ele dizia, o internaram, mas não esperavam o
retorno dele.
Na leitura do testamento, me sentei afastado, afinal mal
sabia o nome dos meus primos, só o filho de um deles veio falar comigo, era meu
aluno, excelente por sinal. Me apertou a
mão, sinto muito isso tudo professor, essa família é uma merda, não vejo a hora
de acabar a universidade para dar no pé.
Ele seria posteriormente um brilhante jornalista fora do Brasil.
Viver outra vez na casa do meu tio, me fazia ilusão, ali
sempre tinha sido feliz. O dinheiro no
banco ele tinha sido experto, quando se colocou mal, fomos os dois lá, me
colocou como responsável pelo seu dinheiro, se me acontece alguma coisa o que
tiver, é teu.
Tinha já transferido tudo para minha conta particular. Estava pensando seriamente pedir uma
excedência para voltar a fazer um curso de doutorado na universidade aonde
tinha estudado e trabalhado. Me
concederam uma bolsa de estudos, eles, não o governo do Brasil, tinham
interesse em mim.
Pensei inicialmente vender o apartamento, mas o valor
sentimental era grande, paguei, sempre lhe mandaria dinheiro ao seu José, para
abrir o apartamento, mandar sua senhora limpar o mesmo, cuidar dele.
Um dinheirinho extra sempre vai bem, minha mulher sempre
cuidou do apartamento do teu tio, por isso não se preocupe, me deu seu número
de conta no banco, assim depositava dinheiro desde aonde estivesse.
Em San Francisco, foi como voltar para casa, tinha bons
amigos na universidade, bem como fora dela.
Tinha alguns namoros, mas nada importante. Achava que nunca mais iria me apaixonar outra
vez. Um dos motivos era que sempre
atraia gente complicada, cortava logo dizendo que não me sobrava tempo para uma
relação. Ficava por isso mesmo, não
complicava minha vida. As vezes tempos
depois encontrava a pessoa, que tinha ficado louca de atar, fazendo sexo com
deus e todo mundo. Eu prezava minha
intimidade. Um dos
meus companheiros da universidade se divorciou, veio falar comigo. Ele era do interior, disse que tinha feito
duas merdas na vida, uma estudar o que não queria, apesar de ser excelente no
que fazia, outra ter se casado com uma pessoa que não amava, além de ser
possessiva. Começamos a sair, até que
rolou alguma coisa entre nós. Ficamos
muito tempo naquele namoro sem consequências, ele na casa dele, eu na
minha. Até que veio viver comigo. Fomos passar os meses de férias no Rio, ele
amou fazer surf lá, mas me deu firmeza, pois era bonito, mas olhava os homens
brasileiros, que se insinuavam para ele, dizia, isso não passaria de uma
foda. Não é para mim, tenho a melhor
foda do mundo, para que vou estragar.
Nossa relação foi ficando mais séria, escrevemos um livro como
um desafio, eu escrevi um capítulo, ele era obrigado a escrever o seguinte,
seguindo o roteiro do capítulo anterior.
Assim fizemos um curso sobre roteiro para cinema, ou séries, logo inventamos uma, o que era legal, eu
escrevia um capítulo, como ele acompanhava o que eu escrevia, ia escrevendo o
segundo. Vendemos a ideia a um produtor,
logo virou sucesso.
Ficamos seis anos escrevendo essa série, até que nos fartou,
afinal era muito tempo, os personagens era como nossos filhos. Riamos sempre dessa ideia.
Tiramos uma larga férias para pensar no que fazer. Agora éramos do grupo dos senhores maiores
na praia, fazendo surf.
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