FILHO DE
EXU
Os anos tinham passado rápidos como trovões de Xangô, mas ele
se sentia jovem como sempre, dizia para todo mundo que um dia seu corpo
murcharia, mas sua cabeça seguiria jovem.
Afinal era uma verdade, estava naquela época que as vezes um
comentário, lhe fazia lembrar de alguma coisa.
Conversando com um jornalista sobre um livro que tinha
escrito, falando do retorno de um escritor a pátria amada salve, salve. Tinha
comentado que talvez fosse a história mais autobiográfica que tinha escrito, pois
tinha incluído várias coisas suas na mesma.
A pergunta do jornalista lhe pegou de calças curtas, se ele tinha tido realmente esse romance com
o chefe do tráfico da favela.
Na hora respondeu rapidamente que não, imagina, isso era uma
história, nada mais, tinha se imaginando voltar ao Brasil, por isso tinha
incluído formas suas de pensar.
O jornalista tinha insistido, nunca tiveste nada a ver com os
chefes de tráfico de favelas, pois não é o único livro teu que cita os mesmo.
Bom pelo menos sei que lestes meus livros. Cortou pelo sano.
Só no dia seguinte no avião, retornando a casa, foi que se
tocou, porra estive mentindo durante a entrevista, justo ele que gostava de
soltar coisas que não eram verdades, em respostas a perguntas cretinas.
Realmente não tinha tido nenhuma aventura com o personagem do
livro, nem de longe.
Mas romances sim.
Quando lhe tinham oferecido para trabalhar um tempo em
Salvador da Bahia, a princípio tinha se negado a ir. Não lhe agradava muito a ideia, bem como
tinha um certo preconceito contra os baianos.
No dia seguinte, começava o carnaval, queria mais depois de
muito tempo preso num relacionamento que não levava a lugar nenhum, se
esbaldar. Tinha a casa cheia de amigos
vindos de São Paulo, que tinha sido seu último pouso.
Era conhecido por ser uma pessoa para consertar empresas, primeiro
por sua maneira de trabalhar. Se
lembrava sempre de uma brincadeira de criança que era em forma de canção”
Alemão batata, como queijo com barata” a maioria das crianças cantava isso, por
causa do número de emigrantes alemães, claro a escola estava cheia por causa
disto. Ele ao princípio se esqueceu
quando cantava isso, que era filho de emigrantes. Seus pais tinham chegado, vindos da
Alemanha, justo dois anos antes da ascensão de Hitler. Tinham horror a ideia nazista, tiveram que
passar por judeus, para os deixarem em paz.
Tinha chegado como todos os
outros emigrantes, com uma mão na frente outra atrás. Foram trabalhar para um outro alemão, quando
se falava em trabalhar, era trabalhar duro, sem direito a sábado e domingo.
Com o tempo conseguiram comprar umas terras, aonde cultivavam
uma horta, gêneros de primeira necessidade, batatas não podiam faltar, pois era
a comida diária da família. Sua mãe tinha galinhas, por isso também vendiam
ovos na feira. Seu pai tinha uma
criação de abelhas, vendia também mel de primeira qualidade. Foram prosperando, ele mesmo fez uma carroça,
em que durante a semana ele, seus sete irmãos iam para a escola, na volta
traziam alguma encomenda da cidade.
Ele era o mais inteligente da sua turma, suas notas eram
sempre as melhoras. Os professores
chamaram seus pais, mas claro tiveram que ter um tradutor, já que falavam muito
mal o português, nunca tinham tido tempo de aprender. Além de que em sua casa todos falavam
alemão. Falando duas línguas tinha
facilidade de aprender mais. Por sorte,
por ser uma cidade de imigrantes, o professor de Inglês, era nativo, bem como a
de francês, então era aluno destacado dos dois. Mais tarde isso lhe serviu para seguir em
frente.
Quando ficaram maiores, seus pais tiveram que alugar uma casa
na cidade, num bairro mais simples, contrataram uma mulher que cuidava deles, outra alemã, eles todos seguiram em
frente com seus estudos. Da mesma
maneira que tudo crescia, a cidade já tinha algumas faculdades, mas tudo que
ele sonhava, era ir embora dali o que queria fazer não se ajustava a cidade.
Conseguiu a muito custo, trabalhando desde os 15 anos, juntar
dinheiro para poder ir embora, não gastava um tostão fora do orçamento que
tinha previsto para si mesmo. Quando
chegou no Rio de Janeiro, alugou um quarto na casa de uma senhora, enfermeira,
que era alemã, conhecida de seus pais, na Rua Carlos Sampaio, ali perto da
Praça da Cruz Vermelha, que era aonde ela trabalhava. O tinha num regime de prisão. Saia de manhã para a Faculdade na PUC, na
Gávea, levava quase uma hora para chegar, mas depois ia trabalhar, primeiro
conseguiu um emprego por ali mesmo, mais tarde ficou de vendedor numa loja.
No segundo ano, graça a um professor, conseguiu para
trabalhar no Jornal do Brasil, no centro da cidade, começou entregando papeis,
cartas, de mesa em mesa, depois aprendeu a fazer fotos como auxiliar do
fotografo, ele lhe ensinou primeiro a revelar as fotos, dai foi um pulo para
ficar atendendo a determinados jornalistas.
Já tinha um pequeno apartamento ali no mesmo lugar, me virava. Algumas noites me escapava para o Campo de
Santana, para arrumar uma foda. Tive
primeiro um amante que era do Corpo de Bombeiros, o sujeito era divertido,
gostava de dançar na Estudantina Musical, me arrastava para a noite do centro
da cidade.
Não durou muito porque o sujeito era uma verdadeira galinha,
dizia que tinha que fuder todos os dias, porque senão não relaxava.
Acabou levando uma facada ali na Praça Tiradentes, numa briga
que resolveu separar.
Logo como passei a ser responsável por mais áreas, me mudei
para Copacabana.
Agora também escrevia uma coluna. Fui conhecendo gente ao fazer fotos, tratava
bem as pessoas, diziam que tinha uma educação diferente do pessoal do Rio de
Janeiro. Era muito educado, como ia
explicar que minha mãe, tinha um lema, escreveu não leu, o pau comeu.
Não obedecias, levavas uma chinelada.
Me ensinou a não ter preconceito de cor, raças nada, somos
todos iguais me dizia.
Isso me ajudou, eu tratava bem um rico, como um pobre, conversava
da mesma maneira com uma madame da sociedade, como com a domestica da casa. Todos eram tratados bem por minha pessoa.
Então conseguia entrar em qualquer lugar, pois com o tempo
sabiam que eu era respeitoso.
Comecei a escrever uma coluna de música pois, frequentava o
Beco das Garrafas. Ali fiz amizades incríveis. Quando fui para São Paulo, para registrar na
coluna de Músicas, os grandes eventos da Musica Popular Brasileira, que nascia
ali com toda sua força, tinha um campo vasto, consegui um pequeno apartamento
no centro da cidade na Praça Franklin Roosevelt, ficava justo no meio, se ia
para um lado estava a Rua Augusta, aonde tudo acontecia na época, do outro lado
estava a Igreja N.S. da Consolação, aonde ia fora do horário de missas, para
pensar, algumas vezes via tanta coisas loucas numa semana, desde assassinatos,
a festa de sociedade, que precisava parar para relaxar a cabeça. Deixei o escritório de São Paulo, muito bem
montado.
Quando voltei para o Rio, aproveitei para escapar de um
relacionamento horroroso que tinha, uma pessoa controladora, ciumenta,
vingativa, muito baixo astral.
Descobri um apartamento em Niterói, em São Domingos, de
frente para o mar, que me vinha de pérolas, pois bastava andar 10 minutos até
as Barcas, tomar a mesma, lendo o jornal que trabalhava, assim via o que tinha
escrito, se tinham publicado certo.
Vieram uns amigos de São Paulo para o carnaval, não queria de
maneira nenhuma pensar na decisão que teria que tomar. A ideia que tinha da Bahia, não me atraia,
tinha ido de férias ou para cobrir alguma notícia. Queriam que eu montasse o mesmo que tinha
feito em São Paulo.
Queria outra coisa, mas as coisas nem sempre se escrevem em
linha reta.
Estávamos nos divertindo com o carnaval, fui buscar uma
bebida, estava morto de sede, senti que me empurravam para o chão, quando senti
balas passando, olhei para cima, quem tinha me jogado no chão era um negro imenso, só com
uma tanga, tens que resolver tua situação, indo para a Bahia, poderás encontrar
o terreiro de Exu.
Sempre me tinham dito que tinha um Exu de cabeça, que deveria
ir a um lugar que só tratasse disso, nenhum pai de santo se atrevia. Eu achava engraçado, eu branco como a neve,
descendente de alemão, metido em candomblé.
A princípio não dei valor, mas quando comecei a desmaiar nos lugares
mais estranhos, sempre que colocava roupa branca, resolvi prestar atenção.
Uma outra vez, estava saindo de uma discoteca em Copacabana,
uma pessoa postada do outro lado da rua atirou, nunca entendi, a polícia disse
que tinham se equivocado de pessoa, mas que alguém tinha me empurrado.
Balancei a cabeça concordando iria aceitar ir para a
Bahia. O pessoal dizia que me viam
falando como se estivesse alguém na minha frente, devias estar bêbado, pois falavas
sozinho. Eles não tinham visto que o
negro que me dava instruções.
Vá, seja tu mesmo como sempre, vais conseguir resolver o
problema.
Quando cheguei em Salvador no final de Março, com carta
branca dos diretores, primeiro era conseguir um escritório, montar o mesmo,
depois comecei a entrevistar gente, logo entravam me tratavam como se tivessem
visto no dia anterior. Quando pedia um
curriculum, iam falando os jornais que tinham trabalhado.
A empresa que tinha contratado para me ajudar a conseguir
jornalista era uma merda, fiz um escândalo de fazer gosto, aliás quando se
tratava de meter a boca, eu era o melhor.
Se no dia seguinte não me conseguiam candidatos em condições que
fossem a casa do caralho.
Vi um negro, retinto, ali, sorrindo, enquanto escrevia a
máquina. Me alcançou na esquina, me
convidou para um café.
Gosto do jeito do senhor, aqui ninguém leva nada a
sério. Me diga o que o senhor quer, que
vou ver se consigo.
Lhe expliquei como trabalhava, queria gente séria, que não se
escapasse a cada trio elétrico que passava na rua. Gente que soubesse cobrir um caso de crime,
outro que escrevesse sobre música. Dei
uma lista do que queria.
De que cor quer o senhor contratar as pessoas?
Devo ter ficado de boca aberta com a pergunta. O rapaz se chamava Alípio.
Me importa uma merda a cor ou raça de uma pessoa, lhe disse
alto me exaltando, estas me ofendendo. Olhe bem rapaz, sou filho de emigrantes, vivi
sempre misturado com todo mundo, uma coisa que minha mãe me ensinou que somos
todos iguais, que o esperma é igual a todo mundo, não sei se é verdade, que a
raça, cor, credo importa um caralho.
Ele ria muito, era magro, desajeitado, feio, mas tinha uma
maneira de falar educada.
Que merda estas fazendo naquele antro, porque vou lá falo, me
mandam todos os brancos desta merda de cidade, idiotas.
Amanhã mesmo começo a levar gente, mas por conta própria.
Que formação tens tu garoto.
Bom minha avó que me criou, nunca me deixou em paz, enquanto
eu não fiz uma universidade, fiz administração de empresas.
Mas que merda faz trabalhando de datilografo nesta puta
empresa?
Foi o que consegui.
Bom a partir de amanhã, trabalhas para mim, tire essa roupa
ridícula, imitando funcionário público, venha trabalhar, de camiseta ou camisa,
veja como me visto.
Venha comigo agora conhecer o local. Mostrei tudo para ele, aquela sala ali, pode
ser a tua, quando eu for embora, porque não penso em ficar aqui.
No dia seguinte apareceu um homem desconcertante, era mais
branco do que eu, disse que era francês, tinha sido professor da universidade,
agora estava de férias permanente, me enjoei de pessoas que não prestam atenção
a nada, acabo de editar esse livro em Paris.
Me passou o livro, quero trabalhar de jornalista, falando a verdade
desse povo. Jean Pierre Rasckai me fez
rir a bessa, lhe perguntei quem o tinha mandado, ele sinalizou o Alipio, o
melhor aluno que tive.
Lhe pedi que escrevesse isso, uma matéria sobre os alunos
universitários da Bahia.
Me perguntou dentro de que pauta.
Tu escreves o que tens na cabeça, me dá igual. Já veremos.
Lhe indiquei uma mesa, foi, se sentou, enquanto eu folheava o
livro, era muito interessante, tinha pedido ao Alípio, que queria saber o salário
que os outros jornais pagavam.
Quando li o artigo escrito pelo Jean, que volta e meia tirava
um bloco do bolso, para fazer uma consulta, já estava gostando.
Li o artigo de cabo a rabo, verdadeiramente, me levantei,
apertei sua mão, disse ao Alípio, que queriam que mandasse para o Rio, falei
com o presidente do jornal, que tinha me contratado, não quero que se corte nem
uma virgula, senão pego o primeiro avião, abandono esse projeto.
Me avisou que tinha lido, que iria na primeira página do
caderno de Cultura.
Estás contratado Jean Pierre, já podes começar a trabalhar, amanhã
fazemos uma reunião, comecei a rir, não conseguia parar. Estava acostumado a me reunir com todos os
jornalistas logo pela manhã, para falar do projeto do dia.
Quando consegui me controlar, mudei, tomamos café os três
juntos.
No outro dia apareceu um mulato sarará, se apresentou com
Miguel dos Prazeres, sou músico, mas sou jornalista também, fiz o curso no Rio
de Janeiro, já escutei muito falar do seu jeito de trabalhar. Me trazia uma série de artigos, aqui me
contratam principalmente para falar do Trio elétrico no Carnaval, os idiota só
querem saber disso.
Indiquei outra mesa, me escreva sobre a cultura, a música
baiana, os cantores que começam a aparecer.
Estava discutindo com Jean Pierre, queria saber o que pensava
da influência do candomblé, se o pessoal que ia a Universidade ou estudava,
acompanhava ou sabia a história disso tudo.
Lhe dei um gravador, ele se mandou.
Já na hora do almoço, estava com a barriga roncando, quando
Miguel dos Prazeres, que via rabiscando, tornando a escrever me apresentou um
artigo. Li quase sem respirar, podia
sentir no ar o que ele escrevia. Fiz
duas correções de gramatica, pois sabia que esses termos no Rio não seriam
entendidos, lhe disse ao Alípio, mande para a mesma pessoa no Rio, vamos comer
os três, na hora entrava, o Jean Pierre, o agarrei pelo braço, fui arrastando
os dois, lhe apresentei o Miguel dos Prazeres, se conheciam de vista.
Fomos almoçar num restaurante que não tinha ido ainda, quem
comandava era uma mulher interessante, alta, magra, uma mulata de deixar
qualquer um doido.
Miguel dos Prazeres soltou, uma lastima, está aqui presa no
restaurante da mãe, pois não consegue emprego.
Se formou em filologia, bem como literatura, mas ninguém contrata nada
dessa área.
Nilceia, venha aqui minha filha, venha vou lhe apresentar o
doutor Lud Kass.
Virei para ele, dizendo, doutor é o caralho, me levantei, me
inclinei, Lud ou Ludwing Kass, ao seu dispor.
Ela já conhecia o Jean Pierre, foi, meu professor.
Ele imediatamente disse que ela escrevia muito bem sobre
qualquer coisa.
Lhe perguntei sobre o que gostava de escrever, esperando que
me dissesse culinária, ou coisa parecida.
Soltou, gosto de escrever sobre política, analisando os
filhos da puta que governam nosso pais, nosso estado.
Pode me escrever um texto analisando os problemas do atual
governo da Bahia.
Atual governo, isso é um império, a séculos governa o mesmo
sem vergonha, com ligações em Brasília.
Me escreva sobre isso, mas análise fundamentada em provas ok.
Quando apareceu dois dias depois, pensei que não lhe
interessa-se, me disse que pensou que era um gozação de minha parte.
Me deu o texto, escrevi essa noite, depois que Alípio
voltasse ao restaurante para dizer que era a sério.
Li o texto, estava escrito a mão, lhe disse que passasse a
máquina. Lhe indiquei uma mesa.
Mandei o texto para o Rio, o presidente me chamou em seguida,
se publicas isso, perdemos as propagandas desse filho da puta.
Se não publicamos, perde um diretor de província que é muito
bom. Telefone para ele dizendo o que
vamos publicar, se ele quiser dar uma entrevista para minha jornalista bem,
senão estaremos andando atrás do cu dele.
O presidente que era de família fina, ficava horrorizado com
meu palavreado.
Alípio que dividia a sala comigo, se matava de rir. Quem vê o senhor, serio, lindo, loiro, nunca
pode imaginar o que vai sair de sua boca.
Mas claro o senhor tem Exu de frente.
Como sabes disse Alípio?
Minha avó que lhe falei, é a mãe de santo do único terreiro
da Bahia, que é só de Exu.
Fiquei sério, preciso falar com ela, urgente.
Ele disse, ui vai ser difícil, a meses teve um princípio de
enfarte, está na casa de sua filha mais velha, que é católica, apostólica
Romana. Vou falar com ela.
Ainda lhe disse, falta uma pessoa, que fale do que acontece
nos restaurantes, coisas de turismo, esse milongas.
Ele riu, quando fazia isso, todos os dentes ficavam a mostra,
como se fosse morder. Tenho um conhecido
que faz isso, mas é gay.
Qual o problema, eu também sou.
O senhor é gay?
Sim, porque algum problema, vai dizer agora que tem medo de
que te ataque aqui nessa sala pequena.
Porque ninguém diria, pela sua maneira de se comportar.
Que eu seja gay, não implica que seja amaneirado, cheio de
trejeitos, apenas gosto de fazer sexo com outro homem como eu.
Ele ria a não poder mais, eu aqui preocupado, pois meu amigo
tem um azar incrível, quando descobrem que é gay, o colocam no olho da rua.
Vamos telefona pra ele
já.
Quando apareceu o Carlos, os outros olharam, vinha com uma
roupa super colorida, foi logo dizendo, bem alto, eu sei que minha roupa é
bonita, eu mais ainda.
Realmente a roupa chamava atenção, ele muito mais, tinha
1,90, mulato claro, olhos verdes garrafa, os cabelos quase brancos, descobri
depois que era albino.
Riu muito quando eu me levantei, lhe apertei a mão, lhe disse
meu nome, me fale de ti, tirou uma série de reportagens que tinha feito, mas só
me querem como free Lancer, escrevendo as mesmas bobagens que falam de
Salvador, isso já me cansou, pior quando me veem em pessoa, não lhes interesso,
pois sou muito colorido segundo alguns para não me chamar de gay.
Mas ele não tinha trejeitos nenhum.
O que gostaria de escrever de Salvador. Só sobrava uma mesa, aquela pode ser tua,
escreva o que lhe saia da casa do caralho, fale tudo sem papas na língua, mas
se lembre só de uma coisa, quando usar um termo muito baiano, escreva ao lado
como se diz no Rio de Janeiro.
Ele riu, mostrando uns dentes branquíssimos, que me deu até
inveja.
Alípio ficou me observando.
Quando lhe chamei, me disse, não vais me meter em nenhuma arapuca não é
seu sem vergonha.
Amanhã Alípio, quero na sala de reuniões, tinha montado uma
sala para entrevistas, com uma mesa grande, quero os contratos em cima da mesa,
já tenho os salários que me destes, vou ajustar, um meio termo, entre aqui e o
Rio de Janeiro.
Li o texto que me trouxe o Carlos, achei ótimo, falava disso,
das pessoas que chegam a Salvador querendo ver tudo que os jornais dizem, mas
que esses lugares esta maquilado, que deviam sim conhecer os lugares que vivem
as pessoas dali. Citava uma série de
lugares, restaurantes, bares, bares gay’s, enfim uma artigo como Deus manda.
Estava conversando com ele, quando tocou o telefone, escutei
o Alípio dizendo, no momento está numa entrevista. Não senhor, não posso interromper. O senhor Lud Kass, não gosta de ser
interrompido, nem pelo próprio papa.
Se o senhor quiser posso marcar uma hora para ele atender o
senhor amanhã.
Entendi que era o governador, ou alguém perto dele.
Que ele vá até aí, espere vou olhar na sua agenda. Tapou o telefone, é o governador, sobre o
artigo da Nilceia.
Lhe escrevi num bloco, só vou se ele der uma entrevista para
a Nilceia.
Escutei um grito do outro lado do telefone.
Desligou, disse que vai falar com o presidente do jornal.
Carlos, olhava achando demais, ele se matar de rir.
O senhor está cutucando onça com vara curta.
Se ele reclama, eu volto para o Rio, esse idiota não sabe que
sou de Exu, adoro uma briga.
Exu, não combina com o senhor.
Primeiro pare de me chamar de senhor, detesto esses
protocolos, não queres que antes de te contratar te mande a merda não é. Acabou de ler o conteúdo do que tinha
escrito, Alípio pode mandar para o Rio.
Quando chamaram do Rio, era o presidente as Gargalhadas, te
chamou de todos os nomes possíveis, nem sabia que existiam tantos palavrões
assim na vida. Mas lhe disse que tinhas
carta branca para montar o jornal como quisesse, inclusive contratar quem
quisesse, ele disse que mandou um rapaz, que mal o entrevistaste porque não
tinha curriculum.
Como se alguém mandado por ele devia ter curriculum.
O que ele queria era alguém aqui prestando atenção.
Chamou todo mundo, perguntou se alguém tinha rabo preso com o
governador, ou o prefeito, que dava no mesmo, era um lacaio do mesmo.
Nem pensar, disseram todos.
Digo isso, porque se descubro como o cu de vocês sem
vaselina. Desculpe Nilceia, é à minha
maneira de falar, acostuma-te.
Bom amanhã as nove reunião, na mesa estará o contrato de cada
um, com o salário, espero que queriam trabalhar comigo.
Qualquer coisa sempre falem comigo, gosto muito de uma briga.
Alípio lhe chamou a sala, minha avó acaba de chamar, disse
que tem que fazer uma firmeza para o senhor.
Melhor a reunião ser rápida, pois nos quer na casa de sua filha as 10 da
manhã.
Nesse momento o chefe do jornal que escrevia sobre turismo
telefonou dizendo que tinha amado a matéria, pediu duas coisas dele, que
falasse da noite de Salvador, dos restaurantes a beira mar, daqueles que se
pode ir comer bem, sem gastar muito dinheiro.
Passei para o Carlos o pedido.
Já ia sentar para escrever, deixa para amanhã, me surgiu um
problema, tenho que sair com o Alípio logo de manhã, vamos inaugurar a puta
sala de reuniões.
Cada um recebeu o seu contrato, leiam de cabo a rabo, para
ver se está tudo bem, são todos iguais, mas atenção ao salário. Pode ser também que eu me dê o direito de
pedir que escreva sobre algum outro assunto.
Nunca pedirei nada que não saiba que possam fazer.
Cada um olhou o salário, sorriram, a única que ficou o a
caneta no alto foi a Nilceia, lhe perguntou se não achava melhor esperar como
ia ficar a situação.
Quero que você escreva um artigo, falando do que aconteceu,
que o Governador, se sentiu incomodado com a reportagem, sinal que não disseste
nenhuma besteira, que pulou por cima de tudo como costuma fazer, para reclamar
junto a diretoria no Rio de Janeiro.
Quero tudo isso em cima da mesa na hora que chegue. A Jean Pierre, escreva um artigo, porque a
maioria dos professores se acomodam por serem funcionários públicos. Miguel, quero um artigo sobre tudo que há por
detrás do Trios Elétricos, que tanto fazem carnaval, como campanha para os
deputados, senadores, governador, todos tem rabo preso, descubra tudo que podes
ok.
Esse batia a mão em cima da mesa, o Kass tens um caralho de
fazer gosto.
Rindo lhe disse, está ao teu dispor, qualquer coisa te mostro.
Todos ficaram rindo.
Nesse dia fui para o hotel que estava no Farol da Barra, com
cuidado, sabia que ao tocar no estabelecido, sempre era um problema.
No dia seguinte, quando o Alípio chegou, estava nervoso,
disse que sua avó tinha pedido que ele tomasse cuidado.
Pegaram um taxi, apesar de que não era longe. Ficaram esperando a tia dele sair de casa.
Mal ela entrou num ônibus, eles subiram.
A senhora que abriu a porta era um mimo, baixinha, cabelos
pixaim já bastante brancos, negra como um carvão. Beijou o neto, o atraiu a ela, com uma
saudação de candomblé, fez o mesmo com ele.
Menino mal chegas vais fazendo uma confusão do caralho.
Vó, se a tia escuta a senhora falando assim, a interna.
Essa filha me está colocando de saco cheio, na segunda-feira
se o médico me disser que estou bem, mando a merda, prefiro ficar na casa da
tua mãe. Ela já deve estar chegando.
A mãe do Alípio chegou carregada com três bolsas
grandes. Era igual a ele, se apresentou,
logo disse, finalmente alguém descobriu que meu filho é inteligente.
A velha, cortou dizendo, logo puxas o saco, fazendo uma
feijoada daquelas que só tu sabes fazer.
Trouxeste tudo que pedi?
Sim, tá tudo aqui, minha senhora.
A mãe se vestiu rapidamente com as saias do candomblé, a
filha lhe arrumou um turbante vermelho na cabeça, como se fosse uma coroa.
Foram para uma varanda fechada, que não dava para nenhum
apartamento, a velha mandou que ele tirasse toda a roupa, não fique acanhado,
já vi muito piru negro, branco, amarelo, na minha idade já não faz diferença. A filha já tinha trazido um banho de
descarrego de sua casa, porque se minha irmã descobre qualquer coisa, faz um
escândalo de dar dó. Acaba chorando.
A velha começo a falar em Yoruba, ele imediatamente viu o
negro que tinha visto no carnaval, estava ali rindo, na sua cabeça foi dizendo,
aonde chegas esparramas confusão, como eu.
Ah teu Exu está aqui, consegues vê-lo, ele já te salvou umas
quantas vezes, tens que escutar mais a ele, deixar que te ajude, foi ele que me
pediu para fazer isso.
Começou a fazer o descarrego total, de repente apareceu com
um olho de boi, imenso, claro estamos acostumados a ver um olho de boi no
animal, mas fora dele, era diferente. O
colocou no meio de sua testa, disse para segurar, que olhasse aonde estava o
Exu, para que esse fizesse uma firmeza, a partir de hoje sempre o verás perto
de ti. Menos é claro na hora da
sem-vergonhice, isso ele não quer nem saber.
Depois que tudo acabou, ele perguntou quanto era. Ela lhe respondeu, que pagasse a filha o que
tinha comprado, que depois quando ele fosse na Ilha com o Alípio, no próximo
sábado, ai faremos um trabalho maior.
Mas cuidado.
Agradeceu muito.
Não tenha medo desse homem, grita muito, faz escândalo, mas é
um corno manso, quando alguém fala mais alto que ele, fica com o rabo entre as
pernas, mas é vingativo. Diga a ele que
eres filho de Exu. Ele entenderá.
Quando chegaram no escritório, todo mundo, fez que estava
sentido o cheiro que ele tinha, no caminho tudo que tinham usado, foi colocado
numa encruzilhada.
O telefone não parou de tocar, o Carlos atendeu, disse que o
senhor não estava, que estava fazendo uma entrevista com o juiz Federal que
está na cidade investigando alguma coisa.
Segundos depois o telefone tocou outra vez, Alípio atendeu,
disse que ele estava no meio de uma reunião, sobre a reportagem que tinham
acabado de fazer. Espere um momento, vou
ver se pode falar consigo.
Bom dia, como vai o senhor, interrompeu o homem que tinha
entrado direto no assunto, quero avisar ao senhor que minha mãe sempre dizia
que sempre dizemos bom dia, boa tarde ou boa noite quando atendemos alguém.
Ah o senhor quer dar uma entrevista?
Sobre que assunto o senhor quer falar, da sua tentativa de me
pressionar, não funciona, até me faria um favor, pois iria embora dessa terra,
mas não irei muito rápido, pois sou filho de Exu, tenho uma obrigação para
fazer.
Bom falarei com a pessoa que fez o artigo, verei se está
disponível, amanhã ou depois, aviso vamos os dois falar com o senhor.
Desligou o telefone.
Está manso.
Me deixa ler o artigo que escreveste, todo mundo já terminou?
Todos correram para suas mesas para terminar. Tinham cara de bem humorados.
Leu o artigo, mandou passar imediatamente para o Rio de
Janeiro, bem como para São Paulo que tinha uma edição de tarde, conhecia muito
bem quem tinha ficado no seu lugar, o tinha treinado ele mesmo.
Este chamou por telefone rapidamente, rindo a bessa, rapaz
como gostas de confusão. Vou publicar no
anexo daqui agora a tarde. Já vi que
fizeste como aqui, contrataste uma mulher para a parte política.
Vais gostar também do que contratei para escrever sobre
turismo, essas coisas, tem uma cabeça maravilhosa. Alias tive sorte, depois de todos os merdas
que tive que entrevistar, inclusive um que vinha indicado pelo governador, com
certeza queria ter um pé aqui dentro.
Fique em paz meu irmão.
Todo mundo pensava que eram irmãos, pois eram muito
parecidos, inclusive ao dizer palavrões, era filho de imigrantes como ele, só
que poloneses.
Carlos convidou todo mundo para a inauguração de um boteco,
de uma parente dele, mas avisou, fica embaixo da favela. Foram todos, aquilo estava fervendo, como
dizia o Carlos, imagina saber que a primeira ronda de cerveja é grátis, todo
mundo aparece, lhe apresentou sua parente, uma negra enorme, com um sorriso de
orelha a orelha. Quando soube que tinha
contratado seu sobrinho, lhe estalou dois beijos na cara. Um bom menino, o senhor vai ver.
Ele estava esperando uma mesa para sentar, quando foi
sentar-se apareceu um homem moreno de sua altura, com os cabelos muito
esticados com goma.
Sinto muito, mas estava esperando essa mesa, estou cansado,
trabalhei duro hoje.
O outro soltou, pelo seu cheiro, creio mais que estiveste
tomando um bom banho de descarrego também.
Riu muito, isso também, mas não se preocupe, podes sentar-se
comigo, os meus conhecidos estão fora fumando, estão se conhecendo melhor, pois
os acabei de contratar.
Perguntou o que ele fazia.
Lhe explicou que tinha vindo do Rio, para fundar a filial do
jornal, tentaram me enfiar goela a baixo uma série de energúmenos, odeio gente
tonta, ficaram conversando os dois como velhos amigos, lhe contou o que tinha acontecido com o
governador, o idiota não sabia que sou filho de exu.
Eu também disse o outro, imagina que coincidência. Só tem um porém fui expulso do terreiro
porque me meti no que não devia, mas valeu porque todo mundo pensa que tenho
corpo fechado.
Tinham já tomado duas cervejas, o melhor que tinha conversado
todo esse tempo um olhando nos olhos do outro, com os joelhos encostados,
estava inclusive de pau duro.
Trocaram cartões com número de telefone, perguntou seu nome?
Mais tonto não pode ser, José Campogrande. Olhou meio de viés, viu que seu exu, falava
com um outro tão negro como ele, riam.
Se afastou um pouco, o outro também, comentaram alguma coisa,
ele pediu a conta, Lud disse que não se preocupasse, ele pagava, só pelo prazer
de falar com alguém tão agradável.
Apertaram as mãos, quando ele saiu, viu que seu Exu, ia atrás
dele.
Mal o rapaz saiu, seu pessoal se acercou a mesa. Alípio logo soltou, chefe como o senhor gosta
de confusão.
Por quê?
Sabe quem é esse?
Menor ideia, olhou o cartão, só tinha o nome, um número de
telefone. José Campogrande.
Pois esse é o chefe do tráfico de drogas aqui do morro, bem
como de metade de Salvador.
Nisso entrou um de seus homens pelo visto, lhe entregou um
bilhete, abriu ficou rindo, se alguém te encher o saco me telefone, mando dar
um sumiço.
Passou para os outros, então já sabem, me provoquem, vocês
vão ver com quantos paus se faz uma canoa.
A partir desse dia, quando alguém reclamava ele dizia ao
Alípio, chama o Campogrande.
Mal chegou ao hotel, tomou um banho, fez a ligação, já estou
no hotel, foi um prazer imenso te conhecer.
Não pense que descobrir o que eres, me impressiona, gostei da pessoa.
Vamos ver se podemos nos ver.
Que hotel estás.
Farol da Barra, ainda não encontrei nenhum apartamento como
quero, tranquilo, mas que eu possa ver o mar, tudo que me mostram é uma merda.
Claro com essa cara de gringo que tens, pensam logo em te
enganar, amanhã vou pedir a uma moça minha conhecida que te mostre um
apartamento, se gosta, depois nos falamos.
Ainda ficaram um tempo falando.
De repente Campogrande falou, estas de pijama, ele disse que
não, estava nu, sempre durmo assim.
Adoraria ver-te nu, deve ter um corpo interessante. Posso ir?
Sim, podes vir.
Tempo depois bateram na porta, ele tinha fechado as cortinas
pois da rua se podia ver dentro do apartamento.
Entrou, ele tinha colocado uma bermuda.
Me enganaste, disseste que estavas nu?
Riu, não seja por isso, tiro, se você tirar tua roupa também.
Viu que ele tirava um revolver que estava metido nas calças.
Nunca se sentiu tão livre com uma pessoa que não precisava
fingir o que não era.
Quando terminaram, Campogrande soltou, caralho, até o sexo
contigo é igual, forte como uma tormenta.
Ficaram um tempo ainda, tenho que ir embora, pois disse aos
meus homens que ia até a casa da minha mãe.
Nós veremos, se gostas do apartamento, será ótimo, pois tenho um no mesmo
edifício.
Foi duro se separarem, gostaria de dormir contigo, mas não
posso.
Não se preocupe, dizem que ronco muito.
No outro dia quando chegou ao trabalho, Nilceia disse que o
próprio governador tinha telefonado para ela, pedindo para dar uma entrevista. Fiquei de consultar minha agenda depois
chamaria sua secretária.
Diga que amanhã podes, pelo que soube, ele no final de semana
vai para uma casa que tem na praia. Mas
terá que ser aqui, não no seu conforto.
Combinou com o pessoal, que cada um escrevesse uma pergunta
que gostaria de fazer ao governador, mas tirou de sua pasta, um gravador
pequeno que tinha comprado uma vez que visitou os Estados Unidos. Dizem que é usado por detetives, vê se
consegue mais uma fita, pois só tenho essa,
vou limpar, mas gostaria de ter uma de reposto.
Alípio saiu para conseguir uma igual.
Prepare a sala, coloque flores, como se fosse receber uma
personalidade, uma jarra de agua bem fria, ou garrafinhas dentro de um coisa
com gelo, assim cada um pode pegar o que quer.
Só isso, nada de frescura.
Depois se sentou com eles, para falar como ia ser, como ele é
prepotente, vai querer falar o que lhe interessa, mas isso é uma entrevista,
tens que ser dura com ele, vai te tentar engambelar, mas nada de fraquejar,
qualquer coisa fazes assim, tenha tua mão esquerda sobre a mesa, bates com o
dedo indicador na mesa, saberei que tenho que entrar.
Quero ver todas as perguntas, bem como teus argumentos.
Caralho, soltou ela, mal começo, já estou brigando com o
Governador.
Uma coisa disse ele, quando alguém nos chamar para um
entrevista na televisão, iremos todos, somos um grupo, aqui estamos como os
três mosquiteiros, todos por um, um por todos.
A risada foi geral, mas todos colocaram as mãos umas sobre as
outras.
Seu Exu já lhe tinha avisado o que ia acontecer, chamou o
Alípio a parte, não conheces ninguém da televisão que poderia vir, gravar tudo
isso.
Não, mas tenho uma filmadora, presente de minha avó, meio
antiga, mas funciona. Se podes trazer
hoje, podemos experimentar.
Prepararam tudo, o Governador, apareceu com um assessor, bem
como um capanga. Não notou na gravadora, nem tampouco na câmera de vídeo. Não deu a mão a ninguém, viu apenas que
estavam todos com blocos, com um papel ao lado.
Venho aqui receber as desculpas necessárias para melhorar
nossas relações.
Como? Perguntou a Nilceia, em nenhum momento ficou isso
explicito.
Bom, deduzo por ser a única mulher aqui, que a senhora
escreveu o artigo, minha filha lugar de mulher é em casa, criando filhos para o
futuro da Bahia.
Só não esperava o que ela lhe respondeu.
Então é por isso que sua filha se suicidou, porque o senhor a
mandou ficar em casa, pois não servia para nada.
Ficou vermelho como um pimentão, o que faço ou deixo de fazer
no âmbito familiar, não interessa a ninguém.
Então tampouco deve interessar ao senhor que uma mulher que
tem duas Universidades, quando o senhor não tem nenhuma, possa trabalhar,
criticar seu trabalho mal feito com o estado, com a cidade, verdade?
A mim me interessa um pimento o que a senhora pensa, eu sou o
comandante em chefe da Bahia.
Caramba não sabia que estávamos novamente dentro de um regime
militar, para que o senhor fosse comandante em chefe, esse só pode ser o
Presidente da República, ninguém mais, a não ser que o senhor pretenda governar
todo o imenso Brasil, desde Salvador de Bahia.
Ele chegou a se engasgar.
O senhor fez toda essa confusão por causa de um artigo, em
que mostro o total desgoverno da província, porque o senhor manda, desmanda
como se fosse a casa da mãe joana, o povo que se lasque.
O povo vota em mim, quando não o faz eu os compro com
besteira, são como os nativos destas terras que venderam em troca de bijuterias
que trouxe Cabral.
Ou seja, o senhor acha que o povo só serve para enfeite em
seu governo.
Minha família está nessa província a muito séculos.
Ela sorriu, bateu como dedo na mesa, Lud atacou, embora não
tenhamos apertado as mãos cordialmente, creio que o senhor se engana, recebi
desde meu diretor presidente do Rio de Janeiro sua arvore Genealógica, sua
família, vem de escravos, sabemos que o senhor não toma sol, para não ficar
moreno. Além do que o senhor só pode se
referir aos séculos, se fala do tempo que seus ancestre viveram em Africa.
Ele se levantou de um salto.
Não vim aqui para ser ofendido.
Não é essa minha intenção, veja bem, eu também sou filho de
emigrantes, tenho orgulho disto, se meus antepassados tivessem vindos de
Africa, eu citaria isso com orgulho.
Mas o senhor veio aqui na verdade para que?
Quero que deixem de me criticar, aqui nesta província mando
eu.
Bom o senhor pode pensar assim, mas o tempo dos coronéis já
acabou a muito tempo, se o senhor olhar, na verdade se engana, pois não manda
nada, está rodeado de gente que puxa o seu saco, faz todas suas vontades,
mamando nas tetas do Governo Federal.
A partir de hoje, cada verba que chegue de Brasília,
estaremos olhando se ela foi realmente usada para o devia ser, ou se foi gasta
na sua casa de campo, na praia, que o senhor construiu dentro de terras do
Governo Federal sem licença de ninguém.
Estamos publicando isso amanhã no Jornal do Rio de Janeiro,
inclusive mencionando os seus cumplices em Brasília, o senhor sabe que o
Presidente lê nosso jornal, bem como todo mundo sabe que tem horror a sua
pessoa, pois em todos atos oficiais, ele se nega a lhe apertar a mão, pois diz
que é de um negro sujo.
O governador espumava, o capanga, colocou a mão sobre a arma,
ele se levantou calmamente, disse ao ouvido do mesmo, sou filho de Exu, amigo
de fulano, traficante, vais te atrever. Saia imediatamente da sala.
Como se atreve dar ordens ao meu empregado?
No meu local de trabalho mando eu. Lhe avisei de quem sou
filho nada mais.
Aviso ao senhor que não se atreva a tocar nenhum dedo em meus
funcionários, pois o senhor é conhecido por fazer desaparecer quem não lhe
interessa.
Uma lastima, que o senhor tenha cagado a entrevista, tínhamos
muitas perguntas, que quem sabe poderia melhorar sua figura.
Dispara Carlos Mendonça, ele escreve sobre turismo, seu último artigo não só foi publicado no Rio
de Janeiro, bem como em várias revista da rede do jornal.
Fala de um Salvador, que o turista não conhece.
O governador foi se sentando aos poucos. Respirando fundo,
com o seu assessor, lhe batendo no ombro para que ficasse calmo.
Governador, o senhor manda limpar o Pelourinho, pintar todas
as casas, tirar todas as putas, malandros de lá, o mesmo fez na Praia do Forte,
em todos os lugares turísticos, mas fez uma coisa, como varrer a merda para
baixo do tapete, pois o turista sai do Pelourinho, na volta da esquina, se
esbarra com malandros coniventes com a polícia local, rouba, abusa dos
turistas, o mesmo com relação as putas, a mais antiga profissão do mundo, desde
que existe Salvador, temos putas de todas as raças. Mas os turistas gostam muito das nossas
negras.
Então correm o risco, já que não estão num lugar seguro como
o Pelourinho, serem assaltados, esfaqueados, mas essas notícias nunca saem nos
jornais, pois o senhor não permite.
Pode me explicar este ato de varrer a merda para baixo do
tapete?
Ele estava de novo furioso.
Já disse, eu mando na cidade, faço o que quero.
Me explique como então, que essas casas de putas, que tinham
proprietários, as mesmas foram parar na mão de assessores do senhor, sem pagar
um tostão aos verdadeiros donos, não sei se sabe, mas a polícia federal está
investigando o mesmo.
Olha, seu moleque de merda, aqui mando eu, a polícia federal
vai fazer o que eu quero, pois tenho podres do presidente, de toda essa cambada
de Brasília nas mãos. Aqui faço o que
quero.
Aliás o senhor com essa roupa parece que é gay?
Com muito orgulho, não sou como seu filho que anda por
Salvador, fazendo sexo com todos os negros, depois se esconde atrás de uma
mulher que o senhor arranjou.
Meu filho não é gay.
Bom isso posso fazer uma reportagem, entrevistando, começou a
citar nomes, pessoas que o senhor ofereceu um belo cheque para esquecer o que
aconteceu.
Agora ele quase espumava.
Então venho aqui para receber desculpas, recebo mais ofensas.
Quem disse ao senhor que íamos dar desculpas?
Ele apontou ao seu assessor.
Esse senhor, pode lamber muito bem seus ovos, não estamos
aqui para ficar elogiando suas falcatruas, mais bem critica-las, falar com o
presidente do Jornal, fica feio, porque eu tenho carta branca para tudo aqui,
inclusive publicar o que quero.
Se levantou, fez um sinal ao seu assessor, vamos embora, seu
idiota.
A senhor, quero lhe avisar que a entrevista foi gravada, não
só em som, como em vídeo, publicaremos tudo isso.
Ele deu um tapa na cara do assessor, estas fudido, me
enganaste dizendo que iam se dobrar ante mim.
Desligaram tudo, ficaram rindo.
Tire uma cópia de tudo, mande para o Rio de Janeiro, para o
presidente, vai ficar furioso que eu tenha usado o que ele me mandou em
confidencia, mas não importa.
Depois descubra qual banco que tem cofres de segurança, vamos
guardar isso a sete chaves, com várias copias. Primeiro, mande para todos os canais de
televisão do Rio, São Paulo, Brasília, polícia federal. Bem como a gravação
para as rádios daqui da capital que sejam inimigas dele, cópias para o Rio de
Janeiro, rádios de São Paulo, ele vai ver com quantos paus se faz uma canoa.
Todo mundo ajudando o Alípio.
A não ser que alguém tenha medo, pode pedir demissão se for o
caso.
Todos riram, nunca estivemos melhor.
Quando saíram da sala, ele ligou para o Campogrande, pediu se
podia mandar proteção para seu edifício, bem como para cada um dos seus
jornalistas.
Que foi que aprontaste?
Vens de noite, te conto tudo.
Avisou aos pessoal, pedi ajuda ao meu amigo José Campogrande,
ele vai mandar um capanga para cada um.
No dia seguinte, no Rio de Janeiro, em Brasília, São Paulo,
não se falava em outra coisa, os jornais que eram contra o Governador em
Salvador, incialmente estavam receosos de publicar, mas quando viram em canal
nacional a entrevista, foram à luta.
Vieram entrevistar o Lud Kass. Se sentou na mesma sala com todos seus
ajudantes, dizendo não temos nada a esconder.
Este senhor chegou aqui, se esqueceu que o tempo dos coronéis acabou,
veio acompanhado de um jagunço, de um baba ovo, querendo que pedíssemos
desculpas por uma reportagem da senhorita Nilceia, ainda teve a ousadia de
dizer que lugar de mulher era em casa.
Ora vejam, por isso a Bahia não vai em frente.
Soube que o Tribunal Superior, mandou investigar quais os
juízes da cidade que estão acobertando os documentos sobre as casas do
Pelourinho. A nome de quem estão,
porque os processos de restituição, estão no Tribunal Superior.
Inclusive, ajudado por cidadãos reais da cidade Santa de
Salvador da Bahia, temos todos os documentos falsificados, quais os cartórios,
bem como quais os amigos do Governador receberam o beneplácito disso,
inclusive, que ele fez uma festa para comemorar isso, que agora era donos de
Salvador, que fariam o mesmo na Baixa do Sapateiro.
Salvador ficou em polvorosa.
Do Rio o presidente do Jornal lhe ligou, esse é o meu menino,
tá vendo como eu sabia a quem escolher para ir para Salvador. Outros diretores que têm rabo preso com
políticos, não gostaram, um inclusive disse que ficava imaginando se eu te
mandasse para Brasília como seria.
Lhe respondi, que seria igual jogar merda no ventilador, mas
tamanho gigante.
A polícia federal invadiu a casa da praia do Governador,
colocou todo mundo para fora, isso tudo filmado pelos canais de televisão do
Rio de Janeiro. Em Brasília se abriu
sindicância sobre as últimas verbas, para saber se estavam sendo aplicadas
realmente aonde tinham sido solicitadas.
Foi um fuzuê desgraçado.
José Campogrande, tinha um apartamento que usava ao lado do
seu, de noite pulava uma mureta, para ficar com ele, gostavam de ficar sentados
na varanda conversando, olhando o mar, nunca lhe perguntava sobre o que fazia.
Mas um dia lhe disse, quero que um dia subas a favela com tua
brigada, que façam uma reportagem a respeito.
Vendo drogas sim para os filhinhos de papai, para o pessoal que tem
dinheiro, lá em cima, é proibido consumirem drogas, os que se atrevem, coloco
para correr. Aos que tem famílias, mando dar um corretivo, pois estão roubando
o futuro de seus filhos.
Depois os dois iam para a cama, se entendiam super bem. Aliás nunca tinha se encontrado assim com
ninguém. José inclusive lhe disse que
como não podia sair com ele abertamente, que ele podia ter namorados.
Sinto muito meu garoto, mas me nego a isso, gosto é de poder
disfrutar da tua companhia, das nossas conversas.
Numa segunda-feira, sem avisar, pararam a Kombi que tinha
agora, com o logotipo do Jornal, na parte baixa da favela, viu um dos homens
que conhecia, pois as vezes ficava guardando o prédio, em que vivia, pediu que
avisasse ao senhor José Campogrande, que vinham fazer uma matéria sobre a
favela, enquanto este subia como um
foguete, pediu a um outro, que os fosse guiando para cima.
Tinha ensinado ao Alípio a fazer fotografia, mas agora também
tinha uma câmera de Vídeo presente do presidente do jornal, ele ia ora
fotografando, quando alguns dos jornalistas parava para falar com alguém,
primeiro fotografava, depois com autorização da pessoa, gravava o vídeo.
Quando ele viu José Campogrande chegando deu ordem, não o
fotografem, nem tampouco gravem vídeo dele, nem da gente que o acompanhe.
Foram subindo, agora os jornalistas iam na frente, eles
atrás.
Me arrumaste uma cilada, pois me deixaste de calças curtas,
pois não posso montar nenhuma mentira, verdade seu malandro.
Gosto de ti, meu amigo, mas meu trabalho, é minha vida.
Depois lhe entrevistaram sem vídeos, tampouco gravação, falou
como funcionava seu mando na favela.
Aqui não esta permitido consumir drogas, o que o faz, tem que ir embora.
Tinham visitado a escola, aonde os professores, diziam o
mesmo, ninguém se aproxima de nenhum garoto para que venda drogas. Somos professores, que o Governador expulsou
das suas escolas originais, por não falarmos bem dele.
Aqui encontramos crianças sedentas de saber, a maioria leva a
sério o que estuda. A cada um que tem as
notas mais altas do semestre, o chefe faz um presente. Nada demais, mas um
incentivo para que siga em frente.
A reportagem foi excelente, o presidente só reclamou que não
tinha nenhuma foto do chefe do tráfico.
Só se eu fosse um idiota.
Colocaria em risco sua vida.
Todos eles agora, se esmeravam por ter boas matérias para
mandar para o Rio de Janeiro, sejam entrevistando pintores, escultores, mães de
santo, enfim o mundo de Salvador.
Um ano depois, Alípio treinado por ele, era seu braço
direito. Mas o melhor que nesse tempo,
tinha começado a frequentar o terreiro de sua avó, na Ilha de Itaparica, seus
finais de semana eram sagrados. Se
esquecia da vida dedicado ao culto de Exu.
Ela dizia que ele estava se preparando, para que quando
partisse para o mundo, que seu Exu fosse totalmente preparado para estar com
ele.
Em particular lhe agradecia o que tinha feito pelo seu
neto. A mãe do Alípio era a Mãe Pequena
do terreiro, dizia, ninguém deu por esse menino, é feio como eu, mas tem um
coração gigante, bem como uma inteligência impressionante.
Um dia saiu do trabalho, disse ao Alípio que queria conversar
com ele em particular. Achou que o
melhor lugar era sua casa. Se sentaram
os dois na varanda, cada um com uma lata de cerveja bem gelada.
Me fale de seus sonhos Alípio?
Puta merda, isso é um interrogatório como o que me faz minha
avó, sempre. Nunca imaginei estar
fazendo realidade meus sonhos. Trabalhar
contigo, é o máximo, sei que breve iras embora, fico pensando que tudo bem que
me escolheste para ficar aqui, dirigir o Jornal, mas na verdade acho o Miguel
dos Prazeres, ou mesmo o Jean Pierre, diria mais, a Nilceia é mais bem
preparada para isso. Descobriste uma
mulher com dois caralhos bem postos.
Meu sonho, seria segui a ti, para teu novo destino. Não sei quais teus planos, mas vive dizendo
que iras embora.
O prometido é que se eu conseguisse o que fiz, poderia
escolher meu próximo destino, quero ir para a Europa, cobrir grandes notícias
internacionais. Não me interessa
América do Norte, não faz meu gosto, gostaria de viver me Bruxelas, aonde a
Europa está montando sua grande Capital, de lá posso me mover para aonde
queria. Ou Paris, ou Berlin. Dois pontos podem ser bons, Paris, pois de lá
posso me mover basicamente para qualquer lugar do mundo, aonde esteja
acontecendo alguma coisa. Mas quero
que sabias, isto fazemos correndo o risco de vida. Há as guerras, evidentemente que estas
aconteceram, podemos sair feridos, fudidos, outras coisas mais.
Se queres vir comigo, tudo bem, mas tem que consultar com o
travesseiro. Escutaram uma voz do outro
lado. Garoto, eu não duvidaria nenhum
minuto, em colocar minha vida nas mãos desse homem. José Campogrande, saltou a mureta, foi até a
cozinha, pegou uma cerveja, se sentou no chão, rindo para os dois.
Escutei metade da conversa, Alípio, confesso que fiquei com
uma puta inveja, não duvidaria nenhum minuto, em ir com ele até o inferno, mas
infelizmente meu destino é aqui. Tenho
minha mãe, para cuidar, sou o único da família.
Fale com a tua, essa Mãe Pequena, de quem gosto muito. Sinto lastima ter sido expulso do terreiro,
mas um dia volto.
De gozação, mas antes de ir embora, aconselho aos dois a
fecharem seus corpos. Ria a não poder
mais.
Os Exus podem te empurrar, ou te cuidar, mas bala é bala.
No sábado foram a Ilha de Itaparica, a avó de Alípio,
sentou-se com ele, foi claríssima, esse teu relacionamento pode ser
prejudicial, não para ti, mas para o outro, estão desconfiando dele, o difícil
é que esse meu filho se perdeu, se vosso relacionamento o fosse colocar no
caminho, bem, pois contigo ele mostrou seu lado bom. Mas o dinheiro fácil para ele sempre foi
importante. Vais me dizer que tem
princípio, mas infelizmente sua vida será curta, como todos que pensam que são
eternos.
Na segunda-feira, foram para o Rio De Janeiro foi no primeiro
avião, levando com ele o Alípio, sentou-se com o diretor presidente, meu tempo
acabou, agora chegou a hora de cobrar o que me prometeram, senão irei trabalhar
para a Agencia Reuters, pois me convidaram, lhe passou a carta, que o convidava
para uma entrevista em Paris, analisava todo seu trabalho que tinham
acompanhado.
Tudo bem, escolha a cidade, te pagamos tudo, mas terás que
ser fiel.
Mais uma condição, levo comigo o Alípio, ele não sabe ainda,
mas é o homem de campo que preciso comigo, um pessoa inteligente, sabe se
virar, além de falar inglês e Francês, confio plenamente nele.
Quero muito conhece-lo.
Pois está aí fora.
A cara de surpresa do diretor presidente foi espantosa, não
esperava que aquele homem feio, magricela, negro ainda por cima, fosse o homem
que seu preferido falasse.
Lud, dirigiu a conversa em francês, Alípio imediatamente
seguiu seu chefe, lhe fez uma série de perguntas, pegou as notícias que estavam
em cima da mesa, vindas da Europa, principalmente do funcionamento da comunidade
europeia, pediu que ele analisasse.
O outro ficou de boca aberta, pois eram notícias que ainda
não tinham sido publicadas, a análise foi aguda.
Me rendo disse ao Lud.
Dentro de uma semana volto para o Rio, deves mandar o diretor
do jornal, examinar os candidatos, nos dois preferimos a Nilceia, pois é uma
mulher de coragem. Foi ela que enfrentou
o governador.
Foram tirar o passaporte do Abílio, pois em Salvador demorava
muito. Compraram passagem, antes de
decidir aonde vamos viver, vamos visitar as cidades para poder analisar aonde
será melhor.
Não escondeu do José Campogrande que ia embora, lhe disse,
sinto muito, mas sempre soubemos que não teríamos futuro. Se despediram em
grande estilo.
Ia sentir falta dele, mas tinha que seguir seu rumo, tinha
entendido a mensagem, que a ele lhe faltava pouco tempo de vida. Que ele não tinha futuro ali.
Arrumou seus poucos pertences, se desfez do que não lhe
interessava, deixou tudo para o José, pois tinham o mesmo corpo, inclusive
livros, pois ele gostava de ler.
Antes foram ao terreiro na Ilha de Itaparica, se despediram
de todos, ele agradeceu muito ter sido recebido no meio deles. Fez uma oferenda a todos Exus dali, esperando
contar sempre com a proteção deles.
No aeroporto, se despediram do pessoal da redação, realmente
a chefe iria ser a Nilceia, que lhe agradeceu profundamente ter mudado sua vida
do avesso.
Posteriormente a indicaria para trabalhar na Agência Reuters,
se encontrariam em Paris anos mais tarde.
No Rio, se despediu dos amigos, resolveu liquidar seu
apartamento entre os amigos, estava completamente desapegado de coisas
materiais, não queria nada. Assim seria
sua vida agora, nunca mais guardaria nada, livros, roupas, tudo poderia sempre
encontrar o que necessitasse.
Ficaria conhecido por ter um uniforme de trabalho. Uma Sahariana, de jeans, calças do mesmo
estilo, camiseta, botas, o resto para ele era supérfluo, mesmo que fosse uma
entrevista com um chefe de estado, seria sempre assim. Aliás os dois tinham o mesmo uniforme.
Sempre seriam confundidos como um casal, nada mais longe da
verdade, os unia além dos espíritos, uma amizade profunda, confiança absoluta.
Fizeram de tudo, escolheram ficar em Paris, mas dali se
moviam para aonde fosse necessário, foram fazer reportagem de guerra, no
oriente, ocidente, aonde tivesse algo importante, iam. Quando a matéria não
interessava ao Rio de Janeiro, vendiam para alguma Agência, repartiam o que
ganhavam.
A Reuters, seguiu os convidando. Quando o Diretor Presidente se aposentou, deixaram
de representar o jornal, na verdade os contatos que tinham eram melhores,
aceitaram trabalhar para a Reuters, como companheiros como sempre, falavam o
tempo todo em francês, se esquecendo com o tempo de falar em português.
Quando lhe pediam para cobrir alguma notícia do Brasil,
principalmente de política, sugeriam a Nilceia. Sua mente aguda, seguia lhe encantando.
Na verdade, era talvez a única que tinha percebido o
relacionamento dele com o José Campogrande, foi ela que lhe avisou que tinha
morrido. Não havia provas, o corpo
tinha desaparecido. A verdade só
saberia anos depois.
Quando foram a guerra na Bósnia, quase perdeu uma perna,
levou um tiro, apesar de como sempre ter levado um empurrão. Justamente sua sorte foi o Alípio estar
ali. O arrastou até uma ambulância da
cruz vermelho, continuou trabalhando, mas tarde foi vê-lo no hospital.
O avisou, Alípio, cuidado, a coisa está muito louca, nunca
sabemos com que bando estamos falando.
Quando ele ia ser transladado pela Cruz Vermelha, para a Alemanha,
chegava uma ambulância, com o corpo dele.
Fez a maior confusão, pois queria que levasse o corpo do amigo com ele.
Em Berlin, conseguiu que seu corpo fosse levado para o
Brasil, precisamente para a Ilha de Itaparica.
Escreveu uma carta para Nilceia, falou com ela por telefone,
antes de fazer uma operação muito séria.
Diga a sua mãe que sinto muito, mas eram os riscos.
Quando esteve em recuperação, se sentiu completamente
sozinho, tinha sido o melhor amigo, companheiro de sua vida. Se entendiam com um simples olhar, entre
eles, não havia necessidade de falar muito.
Essa camaradagem, ele perdia. Sabia que ele tinha uma namorada em Paris, sabia
o nome, o endereço. Pediu que a
agência se comunicasse com ela. Que lhe
passasse o telefone que queria falar com ela.
Quando voltou para Paris, foi procura-la, andava de bengala,
bateu na porta, surgiu uma mulher lindíssima, o fez entrar, no salão, havia uma
série de fotos dos dois juntos, eram as pessoas mais diferentes uma da
outra. Ela tinha sido uma famosa
manequim, que tinha se retirado cedo da carreira, se dedicava a escrever livros
para crianças com sucesso.
Chorou muito nos ombros dele, esse menino me salvou a vida,
quando o conheci estava perdida, todos só viam em mim, minha beleza, com ele
podia falar de tudo que sentia, me entendia.
Sempre estava falando no
senhor. Como o tinha descoberto, a
chance que tinha de acompanha-lo, como dividiam tudo. Uma vez brincando, lhe disse que ele devia
estar apaixonado pelo senhor.
Riu muito, sempre falam isso da gente, mas melhor amigo impossível.
Agora era ele que chorava tudo que não podia ter feito.
Tinha agora uma situação, boa, quase não gastava dinheiro, os
gastos sempre corriam primeiro por conta do Jornal, depois pela Agência
Reuters, os artigos que não queriam, vendiam ao melhor postor. Viviam como sempre tinha vivido num
apartamento pequeno, a não ser nos primeiros meses tinha compartido apartamento
com Alípio, mas em seguida cada um tinha o seu, com uma pequena distância um do
outro.
Um dia conversando com um outro jornalista, esse disse que
estava farto de tudo, que agora iria escrever para séries de televisão, que era
o que estava na moda.
Sonhou com o Alípio, sobre uma aventura que tiveram, de ir a
Angola, desentranhar as relações que tinham o presidente do Brasil, com o de
Angola, dois tipos da mesma laia. Alípio
por ser negro, além do seu físico, ninguém dava por ele, conseguia material,
fazia amizade com os que o governo explorava para manter o fluxo de dinheiro,
que vinha do Brasil, para determinadas coisas, que acabava tudo na conta do
presidente de Angola, nunca era feito nada a respeito.
Relataram os dois juntos, o tudo, tiveram que sair escondidos
de Luanda, escondidos, num caminhão, pois estavam sendo perseguidos, cruzaram a
fronteira do Congo, metidos entre fardos de material suspeito. Mas conseguiram
chegar a Kinsasa, aonde puderam pegar um avião para voltar. Escreveu toda a história, inclusive
analisando todo material que tinham, algumas coisas não tinham usado na
reportagem. O livro foi editado com
sucesso, ele mesmo fez a tradução para o Alemão quando lhes interessou.
Mandou o mesmo para a mãe do Alípio, para que ela sentisse
orgulho do filho.
Tempos depois contou uma série de acontecimentos que se
passaram em Moçambique, aonde estiveram à beira da morte, mas quando começaram
a falar em português, se salvaram, o melhor era como tinha tirado do pais, toda
a reportagem, as fotografias, voando de Maputo, que ele chamava de “vem cá meu
puto”, para Antananarivo, aonde passaram duas semanas fazendo fotografia, como
se estivessem de férias.
Sempre tinha pensado que lá seria um lugar ideal para viver.
Soube que a avó do Alípio, estava muito mal, com os dois
livros embaixo do braço, voou através de Lisboa para Natal, de lá conseguiu um
voo para Salvador. Carlos Mendonça o
esperava no aeroporto, a senhora estava sendo velada no Terreiro, ele chegou,
foi abraçado por todos, sentia lastima de não ter podido chegar a tempo de
vê-la com vida. A mãe do Alípio que era
agora a responsável pelo terreiro, disse que não fazia diferença, que tinha
estado em coma uma semana, nunca voltou a si.
Tinha sim deixado uma carta para ele, pois quando leu o livro sobre seu
neto tinha-se emocionado.
Leu a carta, no final do dia, chorou muito, voltou no dia
seguinte para a cerimônia do enterro, ela seria cremada, suas cinzas ficariam
no grande Iroco que existiam ali no terreiro.
Ele ajudou com todas as despesas, sentia-se observado todo
tempo, agora o terreiro tinham mais gente jovem.
Depois de tudo, uma semana depois, estava fazendo uma
obrigação para Exu, como agradecimento desses anos todos, quando tudo terminou,
escutou uma voz nas suas costas.
Ela sempre dizia que um dia voltarias, embora ela não pudesse
te ver.
Era o José Campogrande.
Ficou surpreso, o via diferente, só seus olhos eram os mesmos.
Fiz uma plástica, como ela me recomendou quando a procurei,
pois me sentia perdido, me ajudou todo esse tempo, basicamente vivo aqui
cuidando dos Exus, das quartinhas, como uma Yao, estudando, quando li seu
livro, morri de inveja do Alípio, que deixou tudo para trás, para te seguir.
Ele me procurou antes de ir embora, me incentivando a romper
com tudo, para ir atrás de ti, mas lhe disse, que tua vida estava marcada,
pouco sobrava de espaço para outra pessoa.
Tens alguém?
Nunca mais tive ninguém depois de ti, a princípio alguma
aventura, mas depois me cansei, disso tudo.
Essa eterna busca de uma pessoa que pudesse substituir outra que me fez
feliz pela primeira vez, embora fosse tudo escondido. No nosso relacionamento, nunca fomos a um
cinema, a um restaurante, estávamos sempre fechados entre quatro paredes. Eu saia ganhando, pois tinha tempo para viver
o meu trabalho, mas tu estavas preso com tuas coisas, sempre na surdina da
noite, quando pulava aquela mureta, para se refugiar no meu apartamento. Nunca me esqueci das noites passadas naquela
varanda, conversando, nunca tinha tido isso com ninguém, tampouco tive depois.
O mundo hoje corre mais rápido, estamos sempre com a
sensação, que temos um cachorro, querendo nos morder o calcanhar.
Pois é encontrei aqui a paz que buscava.
Vives como sempre em Paris?
Não a dois anos, me mudei para uma casa numa praia pequena em
Les Calanques, não tem sequer nome, um caminho de terra batida, mas de uma paz
imensa. Sabes contínuo o mesmo, não
preciso de muito. Quando necessito vou
até Cassis, faço as compras, depois volto para casa. A luz é uma merda, escrevo outra vez em máquina
de escrever, daquela portáteis de antigamente.
Ficava escuro, o pegou pela mão, venha comigo, logo por
detrás do terreiro, havia uma cabana, vivo aqui. Ficaram ali abraçados, sentados no chão da
sala, até que escureceu totalmente, se beijaram, foi como um balsamo que
estivesse necessitado. Se amaram como
faziam antes, chorou agarrado a ele, pelo Alípio, por tudo que tinha
perdido.
Quando se acalmou, lhe perguntou por que não vinha com ele,
não penso em voltar para o Brasil, daqui irei para Natal outra vez, de lá
embarcarei para Lisboa, Marseille, finalmente estarei em casa. Queres vir?
Vou falar com minha mãe, agora chefe do terreiro, só posso ir
se ela me liberar.
Dormiram agarrados uma ao outro, coisa que nunca tinham feito,
quando despertou, José disse que ele tinha mentido, não roncas como dizias.
Só ronco quando estou cansado demais. Mas estar agarrado a ti, me faz feliz.
Foi falar com a chefe do terreiro, voltou com um sorriso na
cara, me disse que estou liberado, que já paguei tudo que devia a Exu, ele me
libera porque vou estar contigo.
Tiveram que usar o Carlos Mendonça para conseguir um
passaporte e documentação para ele, afinal estava morto a muito tempo. Desta vez ficou esperando por ele, para ter
certeza de que iria mesmo.
Se despediram do terreiro, com uma cerimônia muito
bonita. Ele avisou a senhora do
terreiro, que quando ele morresse, suas cinzas vinha para cá, aonde ele tinha
se encontrado com seu Exu.
Foram embora, não tiveram problemas nenhum
José Campogrande, dizia que o lugar aonde estava sua casa,
era um paraíso. Podiam passar semana sem ver ninguém, mesmo no verão, pouca
gente sabia como chegar a cala aonde estava a casa.
Então a paz era perfeita.
Muitos anos depois José voltou fazendo o mesmo trajeto, para trazer suas
cinzas, nunca mais saiu do terreiro.
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