martes, 27 de octubre de 2020

MAN - MADE

 

                   

 

Nem tudo são rosas, isso todo mundo sabe, que a vida é difícil também, mas algumas vezes a resoluções que tomamos, os caminhos, nos levam a pensar que o mundo virou uma loucura.

Tenho um irmão gêmeo, somos idênticos um ao outro, desde criança sentíamos as mesmas coisas, embora em alguns aspectos somos totalmente opostos, como em gostos musicais, ideia de como levar a vida, amar, etc.

Nossos amigos mais próximos, com quem fomos criados juntos, são outros dois que também são gêmeos, fomos concebidos mais ou menos ao mesmo tempo.

Segundo minha mãe que tem um sentido de humor afinado, já nos conhecíamos da sala de espera da clínica de fertilidade.   Nossa mãe, era produtora de moda, inclusive para o cinema, moderna, era pouco para defini-la, gostava de tudo que fosse novidade.  Quando tínhamos uma idade para entender por que não tínhamos pai, ela nos explicou.                              Estava farta de relacionamentos complicados, de homens que entravam, saiam de sua vida, num abrir e fechar de portas.   Estava com 30 anos, viu que nunca chegaria a casar-se, tampouco tinha vontade de despertar todos os dias com o mesmo homem.  Fazendo uma reportagem junto com uma jornalista, conheceu uma clínica de fertilidade, tinha encontrado a solução.

Já a mãe dos outros dois era uma alta executiva de uma empresa, tinha levado tanto tempo para chegar até sua posição atual, que não tinha tempo para homens, nem mulheres, tudo tinha que ser como tirar um sapato porque os pés estavam doendo, palavras dela.

As duas se conheceram na sala de espera da clínica, souberam que estavam gravidas, de gêmeos, ao contrário de minha mãe, os seus eram de óvulos diferentes.   Saíram para tomar um café para conversar.   Minha mãe, Mae, de Margareth, a dos outros dois Bessie Walter, mais conhecida como Walter, assim a tratavam na sua empresa, seria assim que os dois a chamariam.

Está tinha tudo organizado, quem ia cuidar dos garotos enquanto trabalhasse, o quarto já estava pronto.

Nossa mãe ao contrário, nem tinha pensado no assunto, já se veria, essa era sua maneira.

Nascemos os quatro no mesmo dia, na mesma clínica.  Os meninos de Walter eram diferentes, um era loiro, o outro moreno, um tinha olhos negros o outro azuis. Ela ficou encantada com isso, pois não teria trabalho em reconhece-los, nos dois ao contrário, éramos idênticos, cabelos castanhos, olhos verde escuro, como os da minha mãe,  num primeiro momento pensou em nos chamar de zip -  zap, todo mundo riu disso, mas acabamos levando os nomes de seu pai e de seu avô.  Albert e David, quando erámos garotos nossa distração, era a deixar confusa, por mais que as roupas eram iguais, as trocávamos, para confundi-la.   Um dia nos ameaçou, que ia mandar fazer uma tatuagem em cada um com os nomes.  Ficamos pedindo que sim, queríamos as tatuagens, eu como um louco, pois me atraiam os homens com tatuagem.

Talvez o doador, fosse um homem tatuado, pensava eu.

Não frequentamos as mesmas escolas, nem tínhamos amigos em comum, pois a situação financeira das duas era diferente, mas íamos aos aniversários, quando crescemos íamos ao mesmas colônias de férias.  Até que nos desentendemos de um deles, o mais agressivo, o loiro de olhos negros, ele era brutal, adorava pegar meu irmão, sabia o distinguir de mim, não sei como.  Albert sempre foi mais frágil do que eu, na escola, eu tinha sempre que protege-lo, por isso nos gozavam, pois, estávamos sempre juntos.   Menos na sala de aula, que as professoras nos colocava a uma boa distância.   Quando passamos a escolher nossa própria roupa, comprar a mesma com nossa mesada, tínhamos gostos completamente diferentes.   Ele gostava de uma camisa polo, calças jeans justas, jaquetas de equipe de beisebol, eu ao contrário, amava uma camiseta, calças mais largas, bermudas no verão, sempre escorregando pela bunda, tênis, cabelos compridos, se acabou a coisa de irmos por ai, como dois vasos iguais.

Minha mãe permitia perfeitamente isso.

No secundário, como queríamos carreiras diferentes, íamos juntos, mas fazíamos classe distintas, eu queria fazer artes, desenhava como um louco, gostava também de moda, queria ir para estudar na Parsons School of Design ou na FIT, Fashion Institute of Tecnology, quando consultei minha mãe, ela disse que a Parsons poderia me abrir outros caminhos.

Meu irmão ao contrário queria estudar direito, ser advogado, nunca entendi essa escolha, ainda brincava com ele, como um banana mole podia  ser um bom advogado.

A partir desse momento de definições, fomos nos afastando, tínhamos amigos diferentes, eu nem conhecia com quem saia.   O meu grupo era diversificado, tínhamos negros, amarelos, gays, lesbianas, heteros, enfim era mais colorido.  Riam de mim, pois não tinha me definido ainda, tinha experimentado fazer sexo com garotas e depois de um tempo com um garoto da turma, não saberia dizer qual tinha me gostado mais.

Albert chegava sempre tarde em casa, quando lhe perguntava aonde tinha estado, me dizia, cuide da tua vida que teu grupo é o pior da escola.   Mas minhas notas eram fantásticas, poderia escolher uma bolsa de estudos para qualquer universidade.

Mal começamos a universidade, mudamos para um apartamento maior, com três quartos, ele reclamava que não podia estudar, nem se concentrar com as minhas loucuras, eu ajudava minha mãe em alguns trabalhos, para ganhar um dinheiro por fora, ela se surpreendia, pois lhe entregava inteiro.  Para ajudar em casa, sabia que ter o luxo de ter um quarto só para mim, com uma mesa grande no centro para desenhar, projetar meus trabalhos, custava caro.

No final do primeiro ano, Albert desapareceu, passou uns cinco dias fora de casa, ficamos como loucos, não atendia o celular nada.   Convenci minha mãe de ir a polícia, foi ela que o encontrou num lugar cheio de drogados, totalmente grogue, ficou mais de uma semana no hospital.  Eu mesmo não podia entender o que se passava.   Tentei falar com ele, me dizia que eu não o entenderia.   Quando estava em casa, tinha sempre a porta do quarto fechada a chave, não permitia que ninguém entrasse.

Ficamos preocupados, minha mãe lhe conseguiu um psicólogo, mas só foi a uma seção, antes de desaparecer novamente. 

Desta vez minha mãe correu como uma louca a delegacia, fez a queixa, nesse dia não tínhamos visto sair, quem falou que roupa vestia foi o senhor que trabalhava na portaria, disse que tinha entrado num sedan negro, mas que não tinha visto a placa.

O foram encontrar semanas depois atirado numa lixeira, dentro de uma bolsa destas que usam para levar cadáveres, tinham lhe cortado a cabeça, bem como as mãos, os pés, mas estava tudo costurado, com pontos de linhas coloridas.

Foi um choque para minha mãe, chegamos então a certeza que ele estava metido em alguma coisa complicada, o que tinha logica, sendo ele uma pessoa certinha, ela mesma disse ao inspetor, se fosse ele, que vive no meio de artistas, gente considerada louca tudo bem, mas Albert era quieto, calmo, não tem lógica.   Antes que a polícia revisasse seu quarto, encontrei um diário, sabia que quando ela o encontrasse, o levaria, tirei uma cópia do mesmo, assim depois o leria.

Não deu outra, o diário foi levado embora.

Dias depois, me chamaram para perguntar se podia ir a delegacia, me fizeram sentar frente ao dito diário, para ler o mesmo, mas ele não citava nomes, agora entendia que saia com alguém que curtia sadomasoquismo, drogas duras coisas do gênero.

Fiquei chocado, pois espera um tempo para ler o mesmo.  O inspetor que levava o caso, me olhou curioso.  Vocês como gêmeos deveriam saber o que o outro fazia.

Eu fechei os olhos tentando me lembrar de coisas, lhe disse que quando tínhamos ido ao último acampamento de verão, ele já tinha um grupo diferente, que tinha voltado estranho desse acampamento.   Eu participei de coisas de teatro, de leitura, ele honestamente não sei o que fez, estava com uma turma de filhinhos de papai, sempre com brincadeiras brutas.  O que eu não entendia porque ele era mais frágil de nós dois.  Quando lhe cobrei porque não participava das coisas comigo, me disse que o que eu fazia eram coisas de gays.

Estou confuso, o senhor me desculpe, nem sabia que tinha essa roupa preta com a que foi encontrado, no último ano, estive trabalhando com minha mãe, em duas montagens de teatro, bem como num filme.  Quase não o vi.

Sim, ele fala disso, que sente que te perdeu de vista, que devia ter te escutado.

Me passou as últimas páginas.     Vou te passar uma parte do relatório, porque mesmo tua mãe sendo uma mulher moderna, creio que a afetara.   Ele tinha o anus dilacerado, creio que alguém vinha abusando dele sistematicamente. Talvez por isso usasse roupas negras.

Sai dali, com as pernas bambas, o inspetor me alcançou, me fez sentar num banco de uma praça, não podia imaginar meu irmão nisso.  Ele era tão certinho, quando o encontramos drogado, já tinha sido uma paulada, eu quando muito tinha fumado marijuana, nada mais.

Quando liberaram o corpo para enterrar, o caixão estava fechado, eram muitos os conhecidos de minha mãe, os poucos diferentes eram Walter com o que era moreno, lhe perguntei pelo seu irmão, levantou os ombros, desde os dezoitos se foi de casa, não sabemos nada dele, a policia o procurou, mas não temos ideia.

Ficou assim, depois que invadiu uma noite a clínica de fertilidade, para descobrir quem eram os homens que tinham doado o esperma.  Depois disso, nunca mais soubemos dele.  Eu não me interessei.   Nessa época o vi algumas vezes com teu irmão, aliás depois da colônia de férias os dois andavam juntos com essa turma de metidos a duros.

No dia seguinte, com a dúvida corroendo minha cabeça, fui falar com o inspetor, a respeito. Eu nunca tinha gostado do Joseph, ele sempre estava provocando confusão, preferia o Brian que era mais tranquilo, mas depois quando ficamos maiores, só nos encontrávamos na colônia de Férias.

Comentei o que tinha me contado o Brian, mas nem tinha ideia do que poderia ter unidos os dois, voltei a ler o diário, alguma coisa não encaixava, num determinado momento ele falava no judeu, que tinha sido um encontro que ele queria muito.  Disse ao inspetor, só pode ser isso, Joseph, judeu, mas não tenho certeza se a senhora Walter seja ou não judia.

Eles ficaram de procuras saber aonde andava o Joseph.

 

Quando me chamaram novamente, a coisa piorou, o Joseph, tinha morrido mais ou menos no mesmo dia que meu irmão.  Seu corpo não tinha sido reclamado, tinha sim desenhado num dos braços por isso o identificaram, uma numeração.  Que era do doador, sua mãe disse que um dia apareceu com essa tatuagem como se fosse um judeu, mostrou para ela, dizendo que sabia quem era seu pai. 

A coisa piorou quando foram checar na clínica, realmente coincidia o dia mais ou menos que o Brian tinha dito que sabia que o irmão tinha ido a clínica.  Mas não se lembrava da historia da tatuagem, o vi um momento, saindo carregando uma mochila, minha mãe chorando. Nada mais.

Na clínica levantaram o historial do doador, era um homem que atualmente estava ingressado num hospital psiquiátrico, era um catatônico, drogas e muitas outras causas, um militar retornado da guerra que não tinha se ajustado.  Pela foto, ele era igual ao Joseph.

Tinham roubado também todo o historial do uso do semem do doador,  revisaram a autopsia do que creiam que era o Joseph,  não encaixava a dentadura,  revisando todos cadáveres desconhecidos, encontraram mais dois, com a mesma tatuagem de números, o último encontrado dava para perceber que a tatuagem tinha sido feita, pós morte, todos tinham morrido da mesma maneira que meu irmão, todos eram gays.

No final reconheceram que nenhum era o Joseph.  Voltaram ao hospital, com uma ordem para saber se a pessoa tinha recebido visitas. Havia sim um mister Walter, uma semana antes do assassinato do meu irmão.

Quando a polícia, conseguiu por fim levantar a ficha militar do mesmo, descobriu que tinha sido por baixa desonrosa, tinham encontrado o mesmo numa orgia sadomasoquista, numa de suas folgas, totalmente drogado, com o anus dilatado ele algemado numa espécie de cadeira de couro suspensa. Segundo o laudo, estava totalmente drogado.

Agora começava a fazer sentido tudo isso. Mas aonde estava o Joseph?

Ninguém sabia.  Tudo que se sabia que estudava medicina, tinha abandonado os estudos, dai talvez a destreza em fazer o que tinha feito.

Minha mãe estava abalada, aceitou fazer um filme em Los Angeles para se afastar de NYC, eu tinham um trabalho novo, não podia ir.    Estava desenhando o figurino de um musical, era minha primeira oportunidade.   Voltava todos os dias tarde para casa, notei que estava sendo seguido umas duas vezes, falei com o inspetor.

Lhe disse meus horários, o ensaios eram pela noite, tinha que os acompanhar, para transformar a roupa em algo prático.

Uma das noites ao sair, nem bem tinha andado dois quarteirões quando me agarraram por detrás, me chamando de Albert.  Por sorte dois policiais a paisana, que estava cuidando de minha segurança, sem eu saber, conseguiram depois de muita luta pegar o agressor.

Era o Joseph.  Gritava Albert me perdoa, eu te amava, eras o melhor de mim, mas tinhas que dar exemplo aos outros.

Dois dias depois conseguiram finalmente interroga-lo como devia.  Todos os outros eram de um grupo que estava sempre na Colônia de férias, sem querer ele tinha descoberto que a maioria eram de mães solteiras, que tinha tido óvulos fertilizados na mesma clínica.  Juntos na última férias tinham feito uma orgia, o mais fraco tinha sido meu irmão, que tinha sofrido abuso de todos, mas ele não contava se apaixonar por ele.   Quando se reencontraram, voltaram a sair juntos.   Gostavam de praticar sexo duro, um com o outro.  Quando tomavam drogas as coisas iam além.   Quando encontramos meu irmão a primeira vez, tinham participado de uma orgia com os outros naquele lugar, o abandonaram, pois, pensavam que estava morto.

Foi quando descobriu do seu verdadeiro pai, no hospital roubou sua ficha médica, fazia o mesmo que eles, orgias a troco de dinheiro, drogas. 

Entendeu seu prazer, mas começou a matar um a um, os que tinham provado a morte do meu irmão.  Fazia igual, que tinham feito com ele.  Nos exames médicos, seus braços estavam cheios de picadas de agulhas.  Se negava a ver a mãe, bem como o irmão.   Pediu se podia me ver.

Quando me viu ficou me olhando e chorando ao mesmo tempo, se eu o amava, devia tê-lo protegido melhor, ele era o mais frágil do grupo, deixou tudo acontecer, porque me amava desde criança.  Tu sempre o defendeste, mas ele dizia que não te entendia, como podias ser igual a tua mãe, serem iguais fisicamente, mas que mentalmente ele não era igual a ti.

Eu o amava, mas chegou um momento que as drogas puderam conosco, as orgias foram cada vez mais pesadas, quando o mataram, pensei que tinha ficado louco, mas consegui juntar suas partes para colocar naquele saco.   Iam jogar em vários lugares, ele não merecia isso, me perdoe.

Eu o olhava, não conseguia entender, porque meu irmão, não me tinha falado comigo a respeito, eu tentaria ajuda-lo.   Foi o que lhe disse.

Ele não queria mais tua ajuda, era um homem, tinha direito a escolher seu caminho.

Minha mãe tinha resolvido não voltar a NYC, me perguntou se queria tentar Los Angeles, não tinha parado de trabalhar desde que chegara, encontrarei trabalho para ti.  Separe os livros que gostamos, tudo que aches necessário, as coisas de teu irmão acho melhor que desapareçam para podermos guardar só o que temos na memória.

Isso podia ela, mas eu, sabia de toda a história, embora não entendesse o porquê de algumas coisas.

Resolvi sair dali, tudo naquele apartamento me fazia me lembrar do meu irmão, quando ela conseguiu uma casa, me avisou, mandei tudo que tinha ali que fosse importante, tinha avisado para virem recolher os moveis restantes, bem como as roupas, coisas do meu irmão, no que afastei a mesa que usava para escrever, encontrei outro diário, falava principalmente de nós dois.

Avisei minha mãe, que iria acabar um trabalho, fiquei num hotel em Times Square lendo o mesmo.  A data que ele começava, era de um aniversário nosso, eu lhe dei esse diário como presente.  Pois o tinha encontrado escrevendo num caderno, pensei ele gosta de fazer um diário, fui e comprei um.

Ele começava dizendo que eu era uma pessoa que se podia esperar isso, o observava nos menores movimentos.  Sempre estava preocupado com ele, o defendendo, querendo resolver as coisas por ele.   Começava a falar do amor que sentia pelo Joseph, com uns doze anos, que os dois tinham se masturbado escondido dos outros, que gostava do sabor da sua boca.

Mais adiante falava da primeira penetração, o prazer que sentia com o Joseph. Os encontros escondidos que tinham em casa, quando eu estava na escola, minha mãe trabalhando fora, as descobertas de prazer que iam tendo. As saídas escondidas dos dois.  Depois quase no final, falava do abuso sofrido no acampamento.  Dizendo que se eu soubesse, ia chamar a polícia, ia ser um escândalo, embora achasse que ele mesmo tinha provocado essa situação.  Gostava da violência, já que ele não era forte.

Essa parte li chorando, como podia ser, o ponto que nós tínhamos afastado tanto.  Que eu só pensava em trabalho, era como minha mãe, nos realizávamos fazendo nosso trabalho.  Que quando estávamos fazendo algo, o resto do mundo deixava de existir.  No caso dele, era quando estava sendo violado, adorava a sensação de pertencer a todo mundo, que a violência o fazia extrapolar junto com as drogas.

Levei o diário comigo, em seguida comecei a ir a um psiquiatra, pois sentia que tudo isso estava me desequilibrando.   Minha mãe entendeu.   Me bloqueei tanto que não podia mais ter relações sexuais.   Tinha um medo horroroso, as cenas que tinha imaginado estavam em minha cabeça.

Tinha feito um trabalho para um diretor francês, esse me convidou para ir fazer outro em Paris, pedi perdão a minha mãe, mas precisava me evadir.

O studio me arrumou um apartamento, aonde na verdade ia dormir.  A filmagem levou quase seis meses, mas foi importante, pois me desliguei completamente de tudo.  O diretor dizia que eu era confiável, pois esquecia até quem eu era.   Minha assistente me tinha que lembrar de tomar banho, de dormir.

Quando acabou, senti um vazio imenso.   Agora precisava de um lugar tranquilo para passar um tempo. Um dos atores me ofereceu sua casa em Cap D’Antibes, me deu as chaves, fique tranquilo ninguém aparece por lá.

Foi como entrar no paraíso, esqueci de tudo, escrevendo nossa história, agora juntava a sua com a minha, me lembrava dos comentários das pessoas, como éramos idênticos.  Agora entendia que ele odiava isso, o fato de sermos fisicamente parecidos, tudo que ele tinha feito para ser diferente de mim.  De como nem minha mãe, nem eu percebemos nada, que ele precisava de uma ajuda de um psicólogo.   Depois de tanto pensar, como era um observador nato, alguns signos que tinha passado por alto, coisas de seu comportamento, alguma que outra agressividade com respeito a minha mãe, por nos ter parido a partir de alguém que ela nem sabia quem era. Sem se preocupar com o que podia acontecer conosco.  Ou alguma brincadeira que eu fazia, querendo fazer um retrato dos dois juntos, mas diferentes.  No fundo como ele me dizia, eu te amo e odeio ao mesmo tempo, porque sei que tens coragem de enfrentar a vida de peito aberto.  Vais vencer.

Quando o filme que tinha feito, ganhou um Cesar, eu um outro pelo figurino, bem como  cenário, surgiram mais convites, avisei minha mãe que ficaria mais tempo, se ela queria vir, mas claro estava metida num filme complicado.  Quando acabe irei.

Tinha aprendido a amar esse meio, desde pequeno, metido entre suas pernas, olhando como desenhava, imaginava alguma coisa.  Era capaz de ficar quieto muito tempo observando tudo, mas que Albert, nem se aproximava, as vezes chorava, querendo atenção, mas era eu quem ia abraça-lo como sempre, primeiro me empurrava, pois queria minha mãe, não seu irmão.

As lembranças do passado foram voltando, fui me lembrando de detalhes, o quanto ele odiava que nos colocassem na frente do espelho, para ver como estávamos iguais.   Odiava isso.

Eu ao contrário amava, o amava com todas minhas forças.

Um dia nas filmagens quando estava provando a roupa de um ator, que tinha inclusive conhecido no anterior.   Me disse, que era impressionante, como eu não prestava atenção, a nada a não ser o que estava fazendo. 

Te enganas, queres que te diga, que vens fliteando comigo desde o outro filme, que me convidaste para almoçar umas duas vezes.  Isso?

Ah, então não passei desapercebido. Me tornou a convidar para almoçar no seu apartamento no final de semana.

Aceitei a contragosto, mas fui claro com ele, não estou preparado para ir para a cama com ninguém.    Não faço sexo desde a morte de meu irmão.

Ficou me olhando, imagino que alguma coisa te traumatizou, sem querer me vi contando para ele, segurando um copo com Coca-Cola, ele só balançava a cabeça.

Te entendo, me contou dias depois alguns detalhes de sua vida, que tinha chegado aonde estava, primeiro se prostituindo, depois que conseguiu um bom papel, deixou de fazer isso, mas trabalhou duro.   Depois amei uma pessoa muito mais velha do que eu, que era um artista completo, pois não só atuava, escrevia, pintava, imaginava as cenas.  Quando morreu, fiquei seco, só voltei a me interessar por alguém, quando te conheci no outro filme, pensei, esse homem é completo.

Passamos a nos encontrar, sair juntos para jantar, fomos passar um fim de semana depois do final do filme, em sua casa em Saint-Malo, ele tinha herdado a mesma de seu amor.

Ali passávamos tempo conversando, eu escutando os planos dele de dirigir um filme, quando fui avisado que tinha mãe tinha tido um enfarte, que estava muito mal, foi comigo para Los Angeles, ainda a encontrei com vida.   O reconheceu em seguida, disse seu nome, obrigado, tome conta de meu menino.

Me pediu perdão, tinha noção que não tinha estofo para ser mãe, mas eu acalmei, devo tudo a senhora, comecei a falar quando ficava vendo como trabalhava, como aprendi a amar esse trabalho a partir dela, morreu sorrindo.

Levei suas cinzas para ficar perto do meu irmão, recolhi algumas fotos, me livrei de tudo, voltei para a França.  Fui cotado para outro Cesar pelo trabalho que tinha feito.

Mas desta vez o trabalho seguinte, foi dirigir junto com meu amante, o filme que tinha imaginado, discutíamos tanto tudo, que era capaz de imaginar as cenas completas, ele se admirava desse meu lado.

O filme foi um sucesso, foi também o lançamento dos dois como diretores.

Escrevi um texto baseado no que nos tinha acontecido, claro, mas mudando a história, de dois irmãos gêmeos, mas totalmente diferentes um do outros, desde a infância, como vão tomando caminhos opostos.

Minha gente pensou que era totalmente minha vida com meu irmão, disso só tinha tomado a ideia, não ia expor sua memória, para que falassem dela.

Nunca mais voltei ao Estados Unidos, pensar em ir a New York, era como pensar em tocar na ferida outra vez.   Agora que estava em paz, disfrutava do que a vida tinha me dado.

Quando não estávamos trabalhando, ficávamos em Saint-Malo, falávamos o dia inteiro sem parar, as pessoas não entendiam isso, mas nos completávamos.  Fizemos mais uns quantos filmes juntos, alguns ganhamos prêmios, outros só aplausos.  Isso bastava.

Escrevíamos alguns, juntos, quando ele quis contar sua história, escrevi por ele, como me tinha contado.   Foi um grande sucesso, a dirigimos juntos, como uma catarse.

Ao final olhando para trás, apesar de tudo posso dizer que fui feliz.  Sentirei sempre porque meu irmão não foi em frente, mas o amarei sempre.

 

 

 

 

 

 

 


    

lunes, 19 de octubre de 2020

Filho de Exu

 

                                              FILHO  DE   EXU

Os anos tinham passado rápidos como trovões de Xangô, mas ele se sentia jovem como sempre, dizia para todo mundo que um dia seu corpo murcharia, mas sua cabeça seguiria jovem.

Afinal era uma verdade, estava naquela época que as vezes um comentário, lhe fazia lembrar de alguma coisa.

Conversando com um jornalista sobre um livro que tinha escrito, falando do retorno de um escritor a pátria amada salve, salve.                 Tinha comentado que talvez fosse a história mais autobiográfica que tinha escrito, pois tinha incluído várias coisas suas na mesma. 

A pergunta do jornalista lhe pegou de calças curtas,  se ele tinha tido realmente esse romance com o chefe do tráfico da favela.

Na hora respondeu rapidamente que não, imagina, isso era uma história, nada mais, tinha se imaginando voltar ao Brasil, por isso tinha incluído formas suas de pensar.

O jornalista tinha insistido, nunca tiveste nada a ver com os chefes de tráfico de favelas, pois não é o único livro teu que cita os mesmo.

Bom pelo menos sei que lestes meus livros.  Cortou pelo sano.

Só no dia seguinte no avião, retornando a casa, foi que se tocou, porra estive mentindo durante a entrevista, justo ele que gostava de soltar coisas que não eram verdades, em respostas a perguntas cretinas.

Realmente não tinha tido nenhuma aventura com o personagem do livro, nem de longe.

 Mas romances sim.

Quando lhe tinham oferecido para trabalhar um tempo em Salvador da Bahia, a princípio tinha se negado a ir.  Não lhe agradava muito a ideia, bem como tinha um certo preconceito contra os baianos. 

No dia seguinte, começava o carnaval, queria mais depois de muito tempo preso num relacionamento que não levava a lugar nenhum, se esbaldar.  Tinha a casa cheia de amigos vindos de São Paulo, que tinha sido seu último pouso. 

Era conhecido por ser uma pessoa para consertar empresas, primeiro por sua maneira de trabalhar.  Se lembrava sempre de uma brincadeira de criança que era em forma de canção” Alemão batata, como queijo com barata” a maioria das crianças cantava isso, por causa do número de emigrantes alemães, claro a escola estava cheia por causa disto.                       Ele ao princípio se esqueceu quando cantava isso, que era filho de emigrantes.    Seus pais tinham chegado, vindos da Alemanha, justo dois anos antes da ascensão de Hitler.  Tinham horror a ideia nazista, tiveram que passar por judeus, para os deixarem em paz.   Tinha chegado como todos os outros emigrantes, com uma mão na frente outra atrás.   Foram trabalhar para um outro alemão, quando se falava em trabalhar, era trabalhar duro, sem direito a sábado e domingo.

Com o tempo conseguiram comprar umas terras, aonde cultivavam uma horta, gêneros de primeira necessidade, batatas não podiam faltar, pois era a comida diária da família. Sua mãe tinha galinhas, por isso também vendiam ovos na feira.   Seu pai tinha uma criação de abelhas, vendia também mel de primeira qualidade.  Foram prosperando, ele mesmo fez uma carroça, em que durante a semana ele, seus sete irmãos iam para a escola, na volta traziam alguma encomenda da cidade.

Ele era o mais inteligente da sua turma, suas notas eram sempre as melhoras.  Os professores chamaram seus pais, mas claro tiveram que ter um tradutor, já que falavam muito mal o português, nunca tinham tido tempo de aprender.  Além de que em sua casa todos falavam alemão.   Falando duas línguas tinha facilidade de aprender mais.  Por sorte, por ser uma cidade de imigrantes, o professor de Inglês, era nativo, bem como a de francês, então era aluno destacado dos dois.    Mais tarde isso lhe serviu para seguir em frente.

Quando ficaram maiores, seus pais tiveram que alugar uma casa na cidade, num bairro mais simples, contrataram uma mulher que cuidava  deles, outra alemã, eles todos seguiram em frente com seus estudos.  Da mesma maneira que tudo crescia, a cidade já tinha algumas faculdades, mas tudo que ele sonhava, era ir embora dali o que queria fazer não se ajustava a cidade.

Conseguiu a muito custo, trabalhando desde os 15 anos, juntar dinheiro para poder ir embora, não gastava um tostão fora do orçamento que tinha previsto para si mesmo.  Quando chegou no Rio de Janeiro, alugou um quarto na casa de uma senhora, enfermeira, que era alemã, conhecida de seus pais, na Rua Carlos Sampaio, ali perto da Praça da Cruz Vermelha, que era aonde ela trabalhava.   O tinha num regime de prisão.  Saia de manhã para a Faculdade na PUC, na Gávea, levava quase uma hora para chegar, mas depois ia trabalhar, primeiro conseguiu um emprego por ali mesmo, mais tarde ficou de vendedor numa loja.

No segundo ano, graça a um professor, conseguiu para trabalhar no Jornal do Brasil, no centro da cidade, começou entregando papeis, cartas, de mesa em mesa, depois aprendeu a fazer fotos como auxiliar do fotografo, ele lhe ensinou primeiro a revelar as fotos, dai foi um pulo para ficar atendendo a determinados jornalistas.   Já tinha um pequeno apartamento ali no mesmo lugar, me virava.  Algumas noites me escapava para o Campo de Santana, para arrumar uma foda.  Tive primeiro um amante que era do Corpo de Bombeiros, o sujeito era divertido, gostava de dançar na Estudantina Musical, me arrastava para a noite do centro da cidade.

Não durou muito porque o sujeito era uma verdadeira galinha, dizia que tinha que fuder todos os dias, porque senão não relaxava.

Acabou levando uma facada ali na Praça Tiradentes, numa briga que resolveu separar.

Logo como passei a ser responsável por mais áreas, me mudei para Copacabana.

Agora também escrevia uma coluna.  Fui conhecendo gente ao fazer fotos, tratava bem as pessoas, diziam que tinha uma educação diferente do pessoal do Rio de Janeiro.   Era muito educado, como ia explicar que minha mãe, tinha um lema, escreveu não leu, o pau comeu.

Não obedecias, levavas uma chinelada.

Me ensinou a não ter preconceito de cor, raças nada, somos todos iguais me dizia.

Isso me ajudou, eu tratava bem um rico, como um pobre, conversava da mesma maneira com uma madame da sociedade, como com  a domestica da casa.  Todos eram tratados bem por minha pessoa.

Então conseguia entrar em qualquer lugar, pois com o tempo sabiam que eu era respeitoso.

Comecei a escrever uma coluna de música pois, frequentava o Beco das Garrafas. Ali fiz amizades incríveis.  Quando fui para São Paulo, para registrar na coluna de Músicas, os grandes eventos da Musica Popular Brasileira, que nascia ali com toda sua força, tinha um campo vasto, consegui um pequeno apartamento no centro da cidade na Praça Franklin Roosevelt, ficava justo no meio, se ia para um lado estava a Rua Augusta, aonde tudo acontecia na época, do outro lado estava a Igreja N.S. da Consolação, aonde ia fora do horário de missas, para pensar, algumas vezes via tanta coisas loucas numa semana, desde assassinatos, a festa de sociedade, que precisava parar para relaxar a cabeça.   Deixei o escritório de São Paulo, muito bem montado.

Quando voltei para o Rio, aproveitei para escapar de um relacionamento horroroso que tinha, uma pessoa controladora, ciumenta, vingativa, muito baixo astral.

Descobri um apartamento em Niterói, em São Domingos, de frente para o mar, que me vinha de pérolas, pois bastava andar 10 minutos até as Barcas, tomar a mesma, lendo o jornal que trabalhava, assim via o que tinha escrito, se tinham publicado certo.

Vieram uns amigos de São Paulo para o carnaval, não queria de maneira nenhuma pensar na decisão que teria que tomar.  A ideia que tinha da Bahia, não me atraia, tinha ido de férias ou para cobrir alguma notícia.   Queriam que eu montasse o mesmo que tinha feito em São Paulo.

Queria outra coisa, mas as coisas nem sempre se escrevem em linha reta.

Estávamos nos divertindo com o carnaval, fui buscar uma bebida, estava morto de sede, senti que me empurravam para o chão, quando senti balas passando, olhei para cima, quem tinha  me jogado no chão era um negro imenso, só com uma tanga, tens que resolver tua situação, indo para a Bahia, poderás encontrar o terreiro de Exu.

Sempre me tinham dito que tinha um Exu de cabeça, que deveria ir a um lugar que só tratasse disso, nenhum pai de santo se atrevia.   Eu achava engraçado, eu branco como a neve, descendente de alemão, metido em candomblé.  A princípio não dei valor, mas quando comecei a desmaiar nos lugares mais estranhos, sempre que colocava roupa branca, resolvi prestar atenção.

Uma outra vez, estava saindo de uma discoteca em Copacabana, uma pessoa postada do outro lado da rua atirou, nunca entendi, a polícia disse que tinham se equivocado de pessoa, mas que alguém tinha me empurrado.

Balancei a cabeça concordando iria aceitar ir para a Bahia.  O pessoal dizia que me viam falando como se estivesse alguém na minha frente, devias estar bêbado, pois falavas sozinho.  Eles não tinham visto que o negro que me dava instruções.

Vá, seja tu mesmo como sempre, vais conseguir resolver o problema.

Quando cheguei em Salvador no final de Março, com carta branca dos diretores, primeiro era conseguir um escritório, montar o mesmo, depois comecei a entrevistar gente, logo entravam me tratavam como se tivessem visto no dia anterior.  Quando pedia um curriculum, iam falando os jornais que tinham trabalhado.

A empresa que tinha contratado para me ajudar a conseguir jornalista era uma merda, fiz um escândalo de fazer gosto, aliás quando se tratava de meter a boca, eu era o melhor.

Se no dia seguinte não me conseguiam candidatos em condições que fossem a casa do caralho.

Vi um negro, retinto, ali, sorrindo, enquanto escrevia a máquina.   Me alcançou na esquina, me convidou para um café.

Gosto do jeito do senhor, aqui ninguém leva nada a sério.   Me diga o que o senhor quer, que vou ver se consigo.

Lhe expliquei como trabalhava, queria gente séria, que não se escapasse a cada trio elétrico que passava na rua.  Gente que soubesse cobrir um caso de crime, outro que escrevesse sobre música.  Dei uma lista do que queria. 

De que cor quer o senhor contratar as pessoas?

Devo ter ficado de boca aberta com a pergunta.  O rapaz se chamava Alípio.

Me importa uma merda a cor ou raça de uma pessoa, lhe disse alto me exaltando, estas me ofendendo.    Olhe bem rapaz, sou filho de emigrantes, vivi sempre misturado com todo mundo, uma coisa que minha mãe me ensinou que somos todos iguais, que o esperma é igual a todo mundo, não sei se é verdade, que a raça, cor, credo importa um caralho.

Ele ria muito, era magro, desajeitado, feio, mas tinha uma maneira de falar educada.

Que merda estas fazendo naquele antro, porque vou lá falo, me mandam todos os brancos desta merda de cidade, idiotas.

Amanhã mesmo começo a levar gente, mas por conta própria.

Que formação tens tu garoto.

Bom minha avó que me criou, nunca me deixou em paz, enquanto eu não fiz uma universidade, fiz administração de empresas.

Mas que merda faz trabalhando de datilografo nesta puta empresa?

Foi o que consegui.

Bom a partir de amanhã, trabalhas para mim, tire essa roupa ridícula, imitando funcionário público, venha trabalhar, de camiseta ou camisa, veja como me visto.

Venha comigo agora conhecer o local.   Mostrei tudo para ele, aquela sala ali, pode ser a tua, quando eu for embora, porque não penso em ficar aqui.

No dia seguinte apareceu um homem desconcertante, era mais branco do que eu, disse que era francês, tinha sido professor da universidade, agora estava de férias permanente, me enjoei de pessoas que não prestam atenção a nada, acabo de editar esse livro em Paris.   Me passou o livro, quero trabalhar de jornalista, falando a verdade desse povo.  Jean Pierre Rasckai me fez rir a bessa, lhe perguntei quem o tinha mandado, ele sinalizou o Alipio, o melhor aluno que tive.

Lhe pedi que escrevesse isso, uma matéria sobre os alunos universitários da Bahia.

Me perguntou dentro de que pauta.

Tu escreves o que tens na cabeça, me dá igual. Já veremos.

Lhe indiquei uma mesa, foi, se sentou, enquanto eu folheava o livro, era muito interessante, tinha pedido ao Alípio, que queria saber o salário que os outros jornais pagavam.

Quando li o artigo escrito pelo Jean, que volta e meia tirava um bloco do bolso, para fazer uma consulta, já estava gostando.

Li o artigo de cabo a rabo, verdadeiramente, me levantei, apertei sua mão, disse ao Alípio, que queriam que mandasse para o Rio, falei com o presidente do jornal, que tinha me contratado, não quero que se corte nem uma virgula, senão pego o primeiro avião, abandono esse projeto.

Me avisou que tinha lido, que iria na primeira página do caderno de Cultura.

Estás contratado Jean Pierre, já podes começar a trabalhar, amanhã fazemos uma reunião, comecei a rir, não conseguia parar.   Estava acostumado a me reunir com todos os jornalistas logo pela manhã, para falar do projeto do dia.

Quando consegui me controlar, mudei, tomamos café os três juntos.

No outro dia apareceu um mulato sarará, se apresentou com Miguel dos Prazeres, sou músico, mas sou jornalista também, fiz o curso no Rio de Janeiro, já escutei muito falar do seu jeito de trabalhar.   Me trazia uma série de artigos, aqui me contratam principalmente para falar do Trio elétrico no Carnaval, os idiota só querem saber disso.

Indiquei outra mesa, me escreva sobre a cultura, a música baiana, os cantores que começam a aparecer.

Estava discutindo com Jean Pierre, queria saber o que pensava da influência do candomblé, se o pessoal que ia a Universidade ou estudava, acompanhava ou sabia a história disso tudo.

Lhe dei um gravador, ele se mandou.

Já na hora do almoço, estava com a barriga roncando, quando Miguel dos Prazeres, que via rabiscando, tornando a escrever me apresentou um artigo.  Li quase sem respirar, podia sentir no ar o que ele escrevia.   Fiz duas correções de gramatica, pois sabia que esses termos no Rio não seriam entendidos, lhe disse ao Alípio, mande para a mesma pessoa no Rio, vamos comer os três, na hora entrava, o Jean Pierre, o agarrei pelo braço, fui arrastando os dois, lhe apresentei o Miguel dos Prazeres, se conheciam de vista.

Fomos almoçar num restaurante que não tinha ido ainda, quem comandava era uma mulher interessante, alta, magra, uma mulata de deixar qualquer um doido.

Miguel dos Prazeres soltou, uma lastima, está aqui presa no restaurante da mãe, pois não consegue emprego.  Se formou em filologia, bem como literatura, mas ninguém contrata nada dessa área.

Nilceia, venha aqui minha filha, venha vou lhe apresentar o doutor Lud Kass.

Virei para ele, dizendo, doutor é o caralho, me levantei, me inclinei, Lud ou Ludwing Kass, ao seu dispor.

Ela já conhecia o Jean Pierre, foi, meu professor.

Ele imediatamente disse que ela escrevia muito bem sobre qualquer coisa.

Lhe perguntei sobre o que gostava de escrever, esperando que me dissesse culinária, ou coisa parecida.

Soltou, gosto de escrever sobre política, analisando os filhos da puta que governam nosso pais, nosso estado.

Pode me escrever um texto analisando os problemas do atual governo da Bahia.

Atual governo, isso é um império, a séculos governa o mesmo sem vergonha, com ligações em Brasília.

Me escreva sobre isso, mas análise fundamentada em provas ok.

Quando apareceu dois dias depois, pensei que não lhe interessa-se, me disse que pensou que era um gozação de minha parte.

Me deu o texto, escrevi essa noite, depois que Alípio voltasse ao restaurante para dizer que era a sério.

Li o texto, estava escrito a mão, lhe disse que passasse a máquina.  Lhe indiquei uma mesa.

Mandei o texto para o Rio, o presidente me chamou em seguida, se publicas isso, perdemos as propagandas desse filho da puta.  

Se não publicamos, perde um diretor de província que é muito bom.   Telefone para ele dizendo o que vamos publicar, se ele quiser dar uma entrevista para minha jornalista bem, senão estaremos andando atrás do cu dele.

O presidente que era de família fina, ficava horrorizado com meu palavreado.

Alípio que dividia a sala comigo, se matava de rir.  Quem vê o senhor, serio, lindo, loiro, nunca pode imaginar o que vai sair de sua boca.  Mas claro o senhor tem Exu de frente.

Como sabes disse Alípio?

Minha avó que lhe falei, é a mãe de santo do único terreiro da Bahia, que é só de Exu.

Fiquei sério, preciso falar com ela, urgente.

Ele disse, ui vai ser difícil, a meses teve um princípio de enfarte, está na casa de sua filha mais velha, que é católica, apostólica Romana.  Vou falar com ela.   

Ainda lhe disse, falta uma pessoa, que fale do que acontece nos restaurantes, coisas de turismo, esse milongas. 

Ele riu, quando fazia isso, todos os dentes ficavam a mostra, como se fosse morder.  Tenho um conhecido que faz isso, mas é gay.

Qual o problema, eu também sou.

O senhor é gay?

Sim, porque algum problema, vai dizer agora que tem medo de que te ataque aqui nessa sala pequena.

Porque ninguém diria, pela sua maneira de se comportar.

Que eu seja gay, não implica que seja amaneirado, cheio de trejeitos, apenas gosto de fazer sexo com outro homem como eu.

Ele ria a não poder mais, eu aqui preocupado, pois meu amigo tem um azar incrível, quando descobrem que é gay, o colocam no olho da rua.

Vamos telefona pra ele  já.

Quando apareceu o Carlos, os outros olharam, vinha com uma roupa super colorida, foi logo dizendo, bem alto, eu sei que minha roupa é bonita, eu mais ainda.

Realmente a roupa chamava atenção, ele muito mais, tinha 1,90, mulato claro, olhos verdes garrafa, os cabelos quase brancos, descobri depois que era albino.

Riu muito quando eu me levantei, lhe apertei a mão, lhe disse meu nome, me fale de ti, tirou uma série de reportagens que tinha feito, mas só me querem como free Lancer, escrevendo as mesmas bobagens que falam de Salvador, isso já me cansou, pior quando me veem em pessoa, não lhes interesso, pois sou muito colorido segundo alguns para não me chamar de gay.

Mas ele não tinha trejeitos nenhum. 

O que gostaria de escrever de Salvador.  Só sobrava uma mesa, aquela pode ser tua, escreva o que lhe saia da casa do caralho, fale tudo sem papas na língua, mas se lembre só de uma coisa, quando usar um termo muito baiano, escreva ao lado como se diz no Rio de Janeiro.

Ele riu, mostrando uns dentes branquíssimos, que me deu até inveja.

Alípio ficou me observando.   Quando lhe chamei, me disse, não vais me meter em nenhuma arapuca não é seu sem vergonha.

Amanhã Alípio, quero na sala de reuniões, tinha montado uma sala para entrevistas, com uma mesa grande, quero os contratos em cima da mesa, já tenho os salários que me destes, vou ajustar, um meio termo, entre aqui e o Rio de Janeiro.

Li o texto que me trouxe o Carlos, achei ótimo, falava disso, das pessoas que chegam a Salvador querendo ver tudo que os jornais dizem, mas que esses lugares esta maquilado, que deviam sim conhecer os lugares que vivem as pessoas dali.  Citava uma série de lugares, restaurantes, bares, bares gay’s, enfim uma artigo como Deus manda.

Estava conversando com ele, quando tocou o telefone, escutei o Alípio dizendo, no momento está numa entrevista.    Não senhor, não posso interromper.  O senhor Lud Kass, não gosta de ser interrompido, nem pelo próprio papa.

Se o senhor quiser posso marcar uma hora para ele atender o senhor amanhã. 

Entendi que era o governador, ou alguém perto dele.  

Que ele vá até aí, espere vou olhar na sua agenda.  Tapou o telefone, é o governador, sobre o artigo da Nilceia.

Lhe escrevi num bloco, só vou se ele der uma entrevista para a Nilceia.

Escutei um grito do outro lado do telefone.

Desligou, disse que vai falar com o presidente do jornal.

Carlos, olhava achando demais, ele se matar de rir.

O senhor está cutucando onça com vara curta.

Se ele reclama, eu volto para o Rio, esse idiota não sabe que sou de Exu, adoro uma briga.

Exu, não combina com o senhor.

Primeiro pare de me chamar de senhor, detesto esses protocolos, não queres que antes de te contratar te mande a merda não é.  Acabou de ler o conteúdo do que tinha escrito, Alípio pode mandar para o Rio.

Quando chamaram do Rio, era o presidente as Gargalhadas, te chamou de todos os nomes possíveis, nem sabia que existiam tantos palavrões assim na vida.  Mas lhe disse que tinhas carta branca para montar o jornal como quisesse, inclusive contratar quem quisesse, ele disse que mandou um rapaz, que mal o entrevistaste porque não tinha curriculum.  

Como se alguém mandado por ele devia ter curriculum.

O que ele queria era alguém aqui prestando atenção.

Chamou todo mundo, perguntou se alguém tinha rabo preso com o governador, ou o prefeito, que dava no mesmo, era um lacaio do mesmo.

Nem pensar, disseram todos.

Digo isso, porque se descubro como o cu de vocês sem vaselina.  Desculpe Nilceia, é à minha maneira de falar, acostuma-te.

Bom amanhã as nove reunião, na mesa estará o contrato de cada um, com o salário, espero que queriam trabalhar comigo.

Qualquer coisa sempre falem comigo, gosto muito de uma briga.

Alípio lhe chamou a sala, minha avó acaba de chamar, disse que tem que fazer uma firmeza para o senhor.  Melhor a reunião ser rápida, pois nos quer na casa de sua filha as 10 da manhã.

Nesse momento o chefe do jornal que escrevia sobre turismo telefonou dizendo que tinha amado a matéria, pediu duas coisas dele, que falasse da noite de Salvador, dos restaurantes a beira mar, daqueles que se pode ir comer bem, sem gastar muito dinheiro.

Passei para o Carlos o pedido. 

Já ia sentar para escrever, deixa para amanhã, me surgiu um problema, tenho que sair com o Alípio logo de manhã, vamos inaugurar a puta sala de reuniões.

Cada um recebeu o seu contrato, leiam de cabo a rabo, para ver se está tudo bem, são todos iguais, mas atenção ao salário.    Pode ser também que eu me dê o direito de pedir que escreva sobre algum outro assunto.   Nunca pedirei nada que não saiba que possam fazer.

Cada um olhou o salário, sorriram, a única que ficou o a caneta no alto foi a Nilceia, lhe perguntou se não achava melhor esperar como ia ficar a situação.

Quero que você escreva um artigo, falando do que aconteceu, que o Governador, se sentiu incomodado com a reportagem, sinal que não disseste nenhuma besteira, que pulou por cima de tudo como costuma fazer, para reclamar junto a diretoria no Rio de Janeiro.

Quero tudo isso em cima da mesa na hora que chegue.  A Jean Pierre, escreva um artigo, porque a maioria dos professores se acomodam por serem funcionários públicos.  Miguel, quero um artigo sobre tudo que há por detrás do Trios Elétricos, que tanto fazem carnaval, como campanha para os deputados, senadores, governador, todos tem rabo preso, descubra tudo que podes ok.

Esse batia a mão em cima da mesa, o Kass tens um caralho de fazer gosto.

Rindo lhe disse, está ao teu dispor, qualquer coisa te mostro. 

Todos ficaram rindo.

Nesse dia fui para o hotel que estava no Farol da Barra, com cuidado, sabia que ao tocar no estabelecido, sempre era um problema.

No dia seguinte, quando o Alípio chegou, estava nervoso, disse que sua avó tinha pedido que ele tomasse cuidado.

Pegaram um taxi, apesar de que não era longe.  Ficaram esperando a tia dele sair de casa. Mal ela entrou num ônibus, eles subiram.

A senhora que abriu a porta era um mimo, baixinha, cabelos pixaim já bastante brancos, negra como um carvão.  Beijou o neto, o atraiu a ela, com uma saudação de candomblé, fez o mesmo com ele.    Menino mal chegas vais fazendo uma confusão do caralho.

Vó, se a tia escuta a senhora falando assim, a interna.

Essa filha me está colocando de saco cheio, na segunda-feira se o médico me disser que estou bem, mando a merda, prefiro ficar na casa da tua mãe.  Ela já deve estar chegando.

A mãe do Alípio chegou carregada com três bolsas grandes.  Era igual a ele, se apresentou, logo disse, finalmente alguém descobriu que meu filho é inteligente.

A velha, cortou dizendo, logo puxas o saco, fazendo uma feijoada daquelas que só tu sabes fazer.   Trouxeste tudo que pedi?

Sim, tá tudo aqui, minha senhora.

A mãe se vestiu rapidamente com as saias do candomblé, a filha lhe arrumou um turbante vermelho na cabeça, como se fosse uma coroa.

Foram para uma varanda fechada, que não dava para nenhum apartamento, a velha mandou que ele tirasse toda a roupa, não fique acanhado, já vi muito piru negro, branco, amarelo, na minha idade já não faz diferença.   A filha já tinha trazido um banho de descarrego de sua casa, porque se minha irmã descobre qualquer coisa, faz um escândalo de dar dó. Acaba chorando.

A velha começo a falar em Yoruba, ele imediatamente viu o negro que tinha visto no carnaval, estava ali rindo, na sua cabeça foi dizendo, aonde chegas esparramas confusão, como eu.

 

Ah teu Exu está aqui, consegues vê-lo, ele já te salvou umas quantas vezes, tens que escutar mais a ele, deixar que te ajude, foi ele que me pediu para fazer isso.

Começou a fazer o descarrego total, de repente apareceu com um olho de boi, imenso, claro estamos acostumados a ver um olho de boi no animal, mas fora dele, era diferente.  O colocou no meio de sua testa, disse para segurar, que olhasse aonde estava o Exu, para que esse fizesse uma firmeza, a partir de hoje sempre o verás perto de ti.                 Menos é claro na hora da sem-vergonhice, isso ele não quer nem saber.

Depois que tudo acabou, ele perguntou quanto era.  Ela lhe respondeu, que pagasse a filha o que tinha comprado, que depois quando ele fosse na Ilha com o Alípio, no próximo sábado, ai faremos um trabalho maior.   Mas cuidado.   

Agradeceu muito.

Não tenha medo desse homem, grita muito, faz escândalo, mas é um corno manso, quando alguém fala mais alto que ele, fica com o rabo entre as pernas, mas é vingativo.   Diga a ele que eres filho de Exu.  Ele entenderá.

Quando chegaram no escritório, todo mundo, fez que estava sentido o cheiro que ele tinha, no caminho tudo que tinham usado, foi colocado numa encruzilhada.

O telefone não parou de tocar, o Carlos atendeu, disse que o senhor não estava, que estava fazendo uma entrevista com o juiz Federal que está na cidade investigando alguma coisa.

Segundos depois o telefone tocou outra vez, Alípio atendeu, disse que ele estava no meio de uma reunião, sobre a reportagem que tinham acabado de fazer.  Espere um momento, vou ver se pode falar consigo.

Bom dia, como vai o senhor, interrompeu o homem que tinha entrado direto no assunto, quero avisar ao senhor que minha mãe sempre dizia que sempre dizemos bom dia, boa tarde ou boa noite quando atendemos alguém.

Ah o senhor quer dar uma entrevista?

Sobre que assunto o senhor quer falar, da sua tentativa de me pressionar, não funciona, até me faria um favor, pois iria embora dessa terra, mas não irei muito rápido, pois sou filho de Exu, tenho uma obrigação para fazer.

Bom falarei com a pessoa que fez o artigo, verei se está disponível, amanhã ou depois, aviso vamos os dois falar com o senhor.

Desligou o telefone.   Está manso.

Me deixa ler o artigo que escreveste, todo mundo já terminou?

Todos correram para suas mesas para terminar.   Tinham cara de bem humorados.

Leu o artigo, mandou passar imediatamente para o Rio de Janeiro, bem como para São Paulo que tinha uma edição de tarde, conhecia muito bem quem tinha ficado no seu lugar, o tinha treinado ele mesmo.

Este chamou por telefone rapidamente, rindo a bessa, rapaz como gostas de confusão.  Vou publicar no anexo daqui agora a tarde.   Já vi que fizeste como aqui, contrataste uma mulher para a parte política.

Vais gostar também do que contratei para escrever sobre turismo, essas coisas, tem uma cabeça maravilhosa.   Alias tive sorte, depois de todos os merdas que tive que entrevistar, inclusive um que vinha indicado pelo governador, com certeza queria ter um pé aqui dentro.

Fique em paz meu irmão.

Todo mundo pensava que eram irmãos, pois eram muito parecidos, inclusive ao dizer palavrões, era filho de imigrantes como ele, só que poloneses.

Carlos convidou todo mundo para a inauguração de um boteco, de uma parente dele, mas avisou, fica embaixo da favela.     Foram todos, aquilo estava fervendo, como dizia o Carlos, imagina saber que a primeira ronda de cerveja é grátis, todo mundo aparece, lhe apresentou sua parente, uma negra enorme, com um sorriso de orelha a orelha.   Quando soube que tinha contratado seu sobrinho, lhe estalou dois beijos na cara.    Um bom menino, o senhor vai ver.

Ele estava esperando uma mesa para sentar, quando foi sentar-se apareceu um homem moreno de sua altura, com os cabelos muito esticados com goma.

Sinto muito, mas estava esperando essa mesa, estou cansado, trabalhei duro hoje.

O outro soltou, pelo seu cheiro, creio mais que estiveste tomando um bom banho de descarrego também.  

Riu muito, isso também, mas não se preocupe, podes sentar-se comigo, os meus conhecidos estão fora fumando, estão se conhecendo melhor, pois os acabei de contratar.

Perguntou o que ele fazia.

Lhe explicou que tinha vindo do Rio, para fundar a filial do jornal, tentaram me enfiar goela a baixo uma série de energúmenos, odeio gente tonta, ficaram conversando os dois como velhos amigos,  lhe contou o que tinha acontecido com o governador, o idiota não sabia que sou filho de exu.

Eu também disse o outro, imagina que coincidência.   Só tem um porém fui expulso do terreiro porque me meti no que não devia, mas valeu porque todo mundo pensa que tenho corpo fechado.

Tinham já tomado duas cervejas, o melhor que tinha conversado todo esse tempo um olhando nos olhos do outro, com os joelhos encostados, estava inclusive de pau duro.

Trocaram cartões com número de telefone, perguntou seu nome?

Mais tonto não pode ser, José Campogrande.  Olhou meio de viés, viu que seu exu, falava com um outro tão negro como ele, riam.

Se afastou um pouco, o outro também, comentaram alguma coisa, ele pediu a conta, Lud disse que não se preocupasse, ele pagava, só pelo prazer de falar com alguém tão agradável.

Apertaram as mãos, quando ele saiu, viu que seu Exu, ia atrás dele.

Mal o rapaz saiu, seu pessoal se acercou a mesa.  Alípio logo soltou, chefe como o senhor gosta de confusão.

Por quê?

Sabe quem é esse?

Menor ideia, olhou o cartão, só tinha o nome, um número de telefone.  José Campogrande.

Pois esse é o chefe do tráfico de drogas aqui do morro, bem como de metade de Salvador.

Nisso entrou um de seus homens pelo visto, lhe entregou um bilhete, abriu ficou rindo, se alguém te encher o saco me telefone, mando dar um sumiço.

Passou para os outros, então já sabem, me provoquem, vocês vão ver com quantos paus se faz uma canoa.

A partir desse dia, quando alguém reclamava ele dizia ao Alípio, chama o Campogrande.

Mal chegou ao hotel, tomou um banho, fez a ligação, já estou no hotel, foi um prazer imenso te conhecer.   Não pense que descobrir o que eres, me impressiona, gostei da pessoa. Vamos ver se podemos nos ver.

Que hotel estás.

Farol da Barra, ainda não encontrei nenhum apartamento como quero, tranquilo, mas que eu possa ver o mar, tudo que me mostram é uma merda.

Claro com essa cara de gringo que tens, pensam logo em te enganar, amanhã vou pedir a uma moça minha conhecida que te mostre um apartamento, se gosta, depois nos falamos.

Ainda ficaram um tempo falando.

De repente Campogrande falou, estas de pijama, ele disse que não, estava nu, sempre durmo assim.

Adoraria ver-te nu, deve ter um corpo interessante.   Posso ir?

Sim, podes vir.

Tempo depois bateram na porta, ele tinha fechado as cortinas pois da rua se podia ver dentro do apartamento.

Entrou, ele tinha colocado uma bermuda.

Me enganaste, disseste que estavas nu?

Riu, não seja por isso, tiro, se você tirar tua roupa também.

Viu que ele tirava um revolver que estava metido nas calças.

Nunca se sentiu tão livre com uma pessoa que não precisava fingir o que não era.

Quando terminaram, Campogrande soltou, caralho, até o sexo contigo é igual, forte como uma tormenta.

Ficaram um tempo ainda, tenho que ir embora, pois disse aos meus homens que ia até a casa da minha mãe.   Nós veremos, se gostas do apartamento, será ótimo, pois tenho um no mesmo edifício.

Foi duro se separarem, gostaria de dormir contigo, mas não posso.

Não se preocupe, dizem que ronco muito.

No outro dia quando chegou ao trabalho, Nilceia disse que o próprio governador tinha telefonado para ela, pedindo para dar uma entrevista.  Fiquei de consultar minha agenda depois chamaria sua secretária.

Diga que amanhã podes, pelo que soube, ele no final de semana vai para uma casa que tem na praia.  Mas terá que ser aqui, não no seu conforto.

Combinou com o pessoal, que cada um escrevesse uma pergunta que gostaria de fazer ao governador, mas tirou de sua pasta, um gravador pequeno que tinha comprado uma vez que visitou os Estados Unidos.  Dizem que é usado por detetives, vê se consegue mais uma fita, pois só tenho essa,  vou limpar, mas gostaria de ter uma de reposto.

Alípio saiu para conseguir uma igual.

Prepare a sala, coloque flores, como se fosse receber uma personalidade, uma jarra de agua bem fria, ou garrafinhas dentro de um coisa com gelo, assim cada um pode pegar o que quer.

Só isso, nada de frescura.

Depois se sentou com eles, para falar como ia ser, como ele é prepotente, vai querer falar o que lhe interessa, mas isso é uma entrevista, tens que ser dura com ele, vai te tentar engambelar, mas nada de fraquejar, qualquer coisa fazes assim, tenha tua mão esquerda sobre a mesa, bates com o dedo indicador na mesa, saberei que tenho que entrar.

Quero ver todas as perguntas, bem como teus argumentos.

Caralho, soltou ela, mal começo, já estou brigando com o Governador.

Uma coisa disse ele, quando alguém nos chamar para um entrevista na televisão, iremos todos, somos um grupo, aqui estamos como os três mosquiteiros, todos por um, um por todos.

A risada foi geral, mas todos colocaram as mãos umas sobre as outras.

Seu Exu já lhe tinha avisado o que ia acontecer, chamou o Alípio a parte, não conheces ninguém da televisão que poderia vir, gravar tudo isso.

Não, mas tenho uma filmadora, presente de minha avó, meio antiga, mas funciona.  Se podes trazer hoje, podemos experimentar.

Prepararam tudo, o Governador, apareceu com um assessor, bem como um capanga. Não notou na gravadora, nem tampouco na câmera de vídeo.  Não deu a mão a ninguém, viu apenas que estavam todos com blocos, com um papel ao lado.

Venho aqui receber as desculpas necessárias para melhorar nossas relações.

Como? Perguntou a Nilceia, em nenhum momento ficou isso explicito.

Bom, deduzo por ser a única mulher aqui, que a senhora escreveu o artigo, minha filha lugar de mulher é em casa, criando filhos para o futuro da Bahia.

Só não esperava o que ela lhe respondeu.

Então é por isso que sua filha se suicidou, porque o senhor a mandou ficar em casa, pois não servia para nada.

Ficou vermelho como um pimentão, o que faço ou deixo de fazer no âmbito familiar, não interessa a ninguém.

Então tampouco deve interessar ao senhor que uma mulher que tem duas Universidades, quando o senhor não tem nenhuma, possa trabalhar, criticar seu trabalho mal feito com o estado, com a cidade, verdade?

A mim me interessa um pimento o que a senhora pensa, eu sou o comandante em chefe da Bahia.

Caramba não sabia que estávamos novamente dentro de um regime militar, para que o senhor fosse comandante em chefe, esse só pode ser o Presidente da República, ninguém mais, a não ser que o senhor pretenda governar todo o imenso Brasil, desde Salvador de Bahia.

Ele chegou a se engasgar.

O senhor fez toda essa confusão por causa de um artigo, em que mostro o total desgoverno da província, porque o senhor manda, desmanda como se fosse a casa da mãe joana, o povo que se lasque.

O povo vota em mim, quando não o faz eu os compro com besteira, são como os nativos destas terras que venderam em troca de bijuterias que trouxe Cabral.  

Ou seja, o senhor acha que o povo só serve para enfeite em seu governo.

Minha família está nessa província a muito séculos.

Ela sorriu, bateu como dedo na mesa, Lud atacou, embora não tenhamos apertado as mãos cordialmente, creio que o senhor se engana, recebi desde meu diretor presidente do Rio de Janeiro sua arvore Genealógica, sua família, vem de escravos, sabemos que o senhor não toma sol, para não ficar moreno.  Além do que o senhor só pode se referir aos séculos, se fala do tempo que seus ancestre viveram em Africa.

Ele se levantou de um salto.  Não vim aqui para ser ofendido.

Não é essa minha intenção, veja bem, eu também sou filho de emigrantes, tenho orgulho disto, se meus antepassados tivessem vindos de Africa, eu citaria isso com orgulho.

Mas o senhor veio aqui na verdade para que?

Quero que deixem de me criticar, aqui nesta província mando eu.

Bom o senhor pode pensar assim, mas o tempo dos coronéis já acabou a muito tempo, se o senhor olhar, na verdade se engana, pois não manda nada, está rodeado de gente que puxa o seu saco, faz todas suas vontades, mamando nas tetas do Governo Federal.

A partir de hoje, cada verba que chegue de Brasília, estaremos olhando se ela foi realmente usada para o devia ser, ou se foi gasta na sua casa de campo, na praia, que o senhor construiu dentro de terras do Governo Federal sem licença de ninguém.

Estamos publicando isso amanhã no Jornal do Rio de Janeiro, inclusive mencionando os seus cumplices em Brasília, o senhor sabe que o Presidente lê nosso jornal, bem como todo mundo sabe que tem horror a sua pessoa, pois em todos atos oficiais, ele se nega a lhe apertar a mão, pois diz que é de um negro sujo.

O governador espumava, o capanga, colocou a mão sobre a arma, ele se levantou calmamente, disse ao ouvido do mesmo, sou filho de Exu, amigo de fulano, traficante, vais te atrever. Saia imediatamente da sala.

Como se atreve dar ordens ao meu empregado?

No meu local de trabalho mando eu. Lhe avisei de quem sou filho nada mais.

Aviso ao senhor que não se atreva a tocar nenhum dedo em meus funcionários, pois o senhor é conhecido por fazer desaparecer quem não lhe interessa.

Uma lastima, que o senhor tenha cagado a entrevista, tínhamos muitas perguntas, que quem sabe poderia melhorar sua figura.

Dispara Carlos Mendonça, ele escreve sobre turismo,  seu último artigo não só foi publicado no Rio de Janeiro, bem como em várias revista da rede do jornal.

Fala de um Salvador, que o turista não conhece.  

O governador foi se sentando aos poucos. Respirando fundo, com o seu assessor, lhe batendo no ombro para que ficasse calmo.

Governador, o senhor manda limpar o Pelourinho, pintar todas as casas, tirar todas as putas, malandros de lá, o mesmo fez na Praia do Forte, em todos os lugares turísticos, mas fez uma coisa, como varrer a merda para baixo do tapete, pois o turista sai do Pelourinho, na volta da esquina, se esbarra com malandros coniventes com a polícia local, rouba, abusa dos turistas, o mesmo com relação as putas, a mais antiga profissão do mundo, desde que existe Salvador, temos putas de todas as raças.   Mas os turistas gostam muito das nossas negras.

Então correm o risco, já que não estão num lugar seguro como o Pelourinho, serem assaltados, esfaqueados, mas essas notícias nunca saem nos jornais, pois o senhor não permite.

Pode me explicar este ato de varrer a merda para baixo do tapete?

Ele estava de novo furioso.

Já disse, eu mando na cidade, faço o que quero.

Me explique como então, que essas casas de putas, que tinham proprietários, as mesmas foram parar na mão de assessores do senhor, sem pagar um tostão aos verdadeiros donos, não sei se sabe, mas a polícia federal está investigando o mesmo.

Olha, seu moleque de merda, aqui mando eu, a polícia federal vai fazer o que eu quero, pois tenho podres do presidente, de toda essa cambada de Brasília nas mãos.  Aqui faço o que quero.

Aliás o senhor com essa roupa parece que é gay?

Com muito orgulho, não sou como seu filho que anda por Salvador, fazendo sexo com todos os negros, depois se esconde atrás de uma mulher que o senhor arranjou.

Meu filho não é gay.

Bom isso posso fazer uma reportagem, entrevistando, começou a citar nomes, pessoas que o senhor ofereceu um belo cheque para esquecer o que aconteceu.

Agora ele quase espumava.

Então venho aqui para receber desculpas, recebo mais ofensas.

Quem disse ao senhor que íamos dar desculpas?

Ele apontou ao seu assessor.

Esse senhor, pode lamber muito bem seus ovos, não estamos aqui para ficar elogiando suas falcatruas, mais bem critica-las, falar com o presidente do Jornal, fica feio, porque eu tenho carta branca para tudo aqui, inclusive publicar o que quero.

Se levantou, fez um sinal ao seu assessor, vamos embora, seu idiota.

A senhor, quero lhe avisar que a entrevista foi gravada, não só em som, como em vídeo, publicaremos tudo isso.

Ele deu um tapa na cara do assessor, estas fudido, me enganaste dizendo que iam se dobrar ante mim.

Desligaram tudo, ficaram rindo. 

Tire uma cópia de tudo, mande para o Rio de Janeiro, para o presidente, vai ficar furioso que eu tenha usado o que ele me mandou em confidencia, mas não importa.

Depois descubra qual banco que tem cofres de segurança, vamos guardar isso a sete chaves, com várias copias.    Primeiro, mande para todos os canais de televisão do Rio, São Paulo, Brasília, polícia federal. Bem como a gravação para as rádios daqui da capital que sejam inimigas dele, cópias para o Rio de Janeiro, rádios de São Paulo, ele vai ver com quantos paus se faz uma canoa.

Todo mundo ajudando o Alípio.

A não ser que alguém tenha medo, pode pedir demissão se for o caso.

Todos riram, nunca estivemos melhor.

Quando saíram da sala, ele ligou para o Campogrande, pediu se podia mandar proteção para seu edifício, bem como para cada um dos seus jornalistas.

Que foi que aprontaste? 

Vens de noite, te conto tudo.

Avisou aos pessoal, pedi ajuda ao meu amigo José Campogrande, ele vai mandar um capanga para cada um. 

No dia seguinte, no Rio de Janeiro, em Brasília, São Paulo, não se falava em outra coisa, os jornais que eram contra o Governador em Salvador, incialmente estavam receosos de publicar, mas quando viram em canal nacional a entrevista, foram à luta.

Vieram entrevistar o Lud Kass.  Se sentou na mesma sala com todos seus ajudantes, dizendo não temos nada a esconder.  Este senhor chegou aqui, se esqueceu que o tempo dos coronéis acabou, veio acompanhado de um jagunço, de um baba ovo, querendo que pedíssemos desculpas por uma reportagem da senhorita Nilceia, ainda teve a ousadia de dizer que lugar de mulher era em casa.   Ora vejam, por isso a Bahia não vai em frente.

Soube que o Tribunal Superior, mandou investigar quais os juízes da cidade que estão acobertando os documentos sobre as casas do Pelourinho.   A nome de quem estão, porque os processos de restituição, estão no Tribunal Superior.

Inclusive, ajudado por cidadãos reais da cidade Santa de Salvador da Bahia, temos todos os documentos falsificados, quais os cartórios, bem como quais os amigos do Governador receberam o beneplácito disso, inclusive, que ele fez uma festa para comemorar isso, que agora era donos de Salvador, que fariam o mesmo na Baixa do Sapateiro.

Salvador ficou em polvorosa.

Do Rio o presidente do Jornal lhe ligou, esse é o meu menino, tá vendo como eu sabia a quem escolher para ir para Salvador.   Outros diretores que têm rabo preso com políticos, não gostaram, um inclusive disse que ficava imaginando se eu te mandasse para Brasília como seria.

Lhe respondi, que seria igual jogar merda no ventilador, mas tamanho gigante.

A polícia federal invadiu a casa da praia do Governador, colocou todo mundo para fora, isso tudo filmado pelos canais de televisão do Rio de Janeiro.  Em Brasília se abriu sindicância sobre as últimas verbas, para saber se estavam sendo aplicadas realmente aonde tinham sido solicitadas.

Foi um fuzuê desgraçado.

José Campogrande, tinha um apartamento que usava ao lado do seu, de noite pulava uma mureta, para ficar com ele, gostavam de ficar sentados na varanda conversando, olhando o mar, nunca lhe perguntava sobre o que fazia.

Mas um dia lhe disse, quero que um dia subas a favela com tua brigada, que façam uma reportagem a respeito.   Vendo drogas sim para os filhinhos de papai, para o pessoal que tem dinheiro, lá em cima, é proibido consumirem drogas, os que se atrevem, coloco para correr. Aos que tem famílias, mando dar um corretivo, pois estão roubando o futuro de seus filhos.

Depois os dois iam para a cama, se entendiam super bem.  Aliás nunca tinha se encontrado assim com ninguém.  José inclusive lhe disse que como não podia sair com ele abertamente, que ele podia ter namorados.

Sinto muito meu garoto, mas me nego a isso, gosto é de poder disfrutar da tua companhia, das nossas conversas.

Numa segunda-feira, sem avisar, pararam a Kombi que tinha agora, com o logotipo do Jornal, na parte baixa da favela, viu um dos homens que conhecia, pois as vezes ficava guardando o prédio, em que vivia, pediu que avisasse ao senhor José Campogrande, que vinham fazer uma matéria sobre a favela,  enquanto este subia como um foguete, pediu a um outro, que os fosse guiando para cima. 

Tinha ensinado ao Alípio a fazer fotografia, mas agora também tinha uma câmera de Vídeo presente do presidente do jornal, ele ia ora fotografando, quando alguns dos jornalistas parava para falar com alguém, primeiro fotografava, depois com autorização da pessoa, gravava o vídeo.

Quando ele viu José Campogrande chegando deu ordem, não o fotografem, nem tampouco gravem vídeo dele, nem da gente que o acompanhe.

Foram subindo, agora os jornalistas iam na frente, eles atrás.

Me arrumaste uma cilada, pois me deixaste de calças curtas, pois não posso montar nenhuma mentira, verdade seu malandro.

Gosto de ti, meu amigo, mas meu trabalho, é minha vida.

Depois lhe entrevistaram sem vídeos, tampouco gravação, falou como funcionava seu mando na favela.   Aqui não esta permitido consumir drogas, o que o faz, tem que ir embora.

Tinham visitado a escola, aonde os professores, diziam o mesmo, ninguém se aproxima de nenhum garoto para que venda drogas.  Somos professores, que o Governador expulsou das suas escolas originais, por não falarmos bem dele.

Aqui encontramos crianças sedentas de saber, a maioria leva a sério o que estuda.  A cada um que tem as notas mais altas do semestre, o chefe faz um presente. Nada demais, mas um incentivo para que siga em frente.

A reportagem foi excelente, o presidente só reclamou que não tinha nenhuma foto do chefe do tráfico.  

Só se eu fosse um idiota.  Colocaria em risco sua vida.

Todos eles agora, se esmeravam por ter boas matérias para mandar para o Rio de Janeiro, sejam entrevistando pintores, escultores, mães de santo, enfim o mundo de Salvador.

Um ano depois, Alípio treinado por ele, era seu braço direito.   Mas o melhor que nesse tempo, tinha começado a frequentar o terreiro de sua avó, na Ilha de Itaparica, seus finais de semana eram sagrados.  Se esquecia da vida dedicado ao culto de Exu.

Ela dizia que ele estava se preparando, para que quando partisse para o mundo, que seu Exu fosse totalmente preparado para estar com ele.

Em particular lhe agradecia o que tinha feito pelo seu neto.   A mãe do Alípio era a Mãe Pequena do terreiro, dizia, ninguém deu por esse menino, é feio como eu, mas tem um coração gigante, bem como uma inteligência impressionante.

Um dia saiu do trabalho, disse ao Alípio que queria conversar com ele em particular.  Achou que o melhor lugar era sua casa.  Se sentaram os dois na varanda, cada um com uma lata de cerveja bem gelada.

Me fale de seus sonhos Alípio?

Puta merda, isso é um interrogatório como o que me faz minha avó, sempre.   Nunca imaginei estar fazendo realidade meus sonhos.  Trabalhar contigo, é o máximo, sei que breve iras embora, fico pensando que tudo bem que me escolheste para ficar aqui, dirigir o Jornal, mas na verdade acho o Miguel dos Prazeres, ou mesmo o Jean Pierre, diria mais, a Nilceia é mais bem preparada para isso.  Descobriste uma mulher com dois caralhos bem postos.

Meu sonho, seria segui a ti, para teu novo destino.    Não sei quais teus planos, mas vive dizendo que iras embora.

O prometido é que se eu conseguisse o que fiz, poderia escolher meu próximo destino, quero ir para a Europa, cobrir grandes notícias internacionais.   Não me interessa América do Norte, não faz meu gosto, gostaria de viver me Bruxelas, aonde a Europa está montando sua grande Capital, de lá posso me mover para aonde queria.  Ou Paris, ou Berlin.  Dois pontos podem ser bons, Paris, pois de lá posso me mover basicamente para qualquer lugar do mundo, aonde esteja acontecendo alguma coisa.    Mas quero que sabias, isto fazemos correndo o risco de vida.  Há as guerras, evidentemente que estas aconteceram, podemos sair feridos, fudidos, outras coisas mais.

Se queres vir comigo, tudo bem, mas tem que consultar com o travesseiro.  Escutaram uma voz do outro lado.   Garoto, eu não duvidaria nenhum minuto, em colocar minha vida nas mãos desse homem.   José Campogrande, saltou a mureta, foi até a cozinha, pegou uma cerveja, se sentou no chão, rindo para os dois.

Escutei metade da conversa, Alípio, confesso que fiquei com uma puta inveja, não duvidaria nenhum minuto, em ir com ele até o inferno, mas infelizmente meu destino é aqui.  Tenho minha mãe, para cuidar, sou o único da família.

Fale com a tua, essa Mãe Pequena, de quem gosto muito.  Sinto lastima ter sido expulso do terreiro, mas um dia volto.

De gozação, mas antes de ir embora, aconselho aos dois a fecharem seus corpos.  Ria a não poder mais.

Os Exus podem te empurrar, ou te cuidar, mas bala é bala.

No sábado foram a Ilha de Itaparica, a avó de Alípio, sentou-se com ele, foi claríssima, esse teu relacionamento pode ser prejudicial, não para ti, mas para o outro, estão desconfiando dele, o difícil é que esse meu filho se perdeu, se vosso relacionamento o fosse colocar no caminho, bem, pois contigo ele mostrou seu lado bom.    Mas o dinheiro fácil para ele sempre foi importante.    Vais me dizer que tem princípio, mas infelizmente sua vida será curta, como todos que pensam que são eternos.

Na segunda-feira, foram para o Rio De Janeiro foi no primeiro avião, levando com ele o Alípio, sentou-se com o diretor presidente, meu tempo acabou, agora chegou a hora de cobrar o que me prometeram, senão irei trabalhar para a Agencia Reuters, pois me convidaram, lhe passou a carta, que o convidava para uma entrevista em Paris, analisava todo seu trabalho que tinham acompanhado.

Tudo bem, escolha a cidade, te pagamos tudo, mas terás que ser fiel.

Mais uma condição, levo comigo o Alípio, ele não sabe ainda, mas é o homem de campo que preciso comigo, um pessoa inteligente, sabe se virar, além de falar inglês e Francês, confio plenamente nele.

Quero muito conhece-lo.

Pois está aí fora.

A cara de surpresa do diretor presidente foi espantosa, não esperava que aquele homem feio, magricela, negro ainda por cima, fosse o homem que seu preferido falasse.

Lud, dirigiu a conversa em francês, Alípio imediatamente seguiu seu chefe, lhe fez uma série de perguntas, pegou as notícias que estavam em cima da mesa, vindas da Europa, principalmente do funcionamento da comunidade europeia, pediu que ele analisasse.

O outro ficou de boca aberta, pois eram notícias que ainda não tinham sido publicadas, a análise foi aguda.

Me rendo disse ao Lud.

Dentro de uma semana volto para o Rio, deves mandar o diretor do jornal, examinar os candidatos, nos dois preferimos a Nilceia, pois é uma mulher de coragem.  Foi ela que enfrentou o governador.

Foram tirar o passaporte do Abílio, pois em Salvador demorava muito.  Compraram passagem, antes de decidir aonde vamos viver, vamos visitar as cidades para poder analisar aonde será melhor.

Não escondeu do José Campogrande que ia embora, lhe disse, sinto muito, mas sempre soubemos que não teríamos futuro. Se despediram em grande estilo.

Ia sentir falta dele, mas tinha que seguir seu rumo, tinha entendido a mensagem, que a ele lhe faltava pouco tempo de vida.   Que ele não tinha futuro ali.

Arrumou seus poucos pertences, se desfez do que não lhe interessava, deixou tudo para o José, pois tinham o mesmo corpo, inclusive livros, pois ele gostava de ler.

Antes foram ao terreiro na Ilha de Itaparica, se despediram de todos, ele agradeceu muito ter sido recebido no meio deles.  Fez uma oferenda a todos Exus dali, esperando contar sempre com a proteção deles.

No aeroporto, se despediram do pessoal da redação, realmente a chefe iria ser a Nilceia, que lhe agradeceu profundamente ter mudado sua vida do avesso.

Posteriormente a indicaria para trabalhar na Agência Reuters, se encontrariam em Paris anos mais tarde.

No Rio, se despediu dos amigos, resolveu liquidar seu apartamento entre os amigos, estava completamente desapegado de coisas materiais, não queria nada.  Assim seria sua vida agora, nunca mais guardaria nada, livros, roupas, tudo poderia sempre encontrar o que necessitasse.

Ficaria conhecido por ter um uniforme de trabalho.   Uma Sahariana, de jeans, calças do mesmo estilo, camiseta, botas, o resto para ele era supérfluo, mesmo que fosse uma entrevista com um chefe de estado, seria sempre assim.   Aliás os dois tinham o mesmo uniforme.

Sempre seriam confundidos como um casal, nada mais longe da verdade, os unia além dos espíritos, uma amizade profunda, confiança absoluta.

Fizeram de tudo, escolheram ficar em Paris, mas dali se moviam para aonde fosse necessário, foram fazer reportagem de guerra, no oriente, ocidente, aonde tivesse algo importante, iam. Quando a matéria não interessava ao Rio de Janeiro, vendiam para alguma Agência, repartiam o que ganhavam.

A Reuters, seguiu os convidando.  Quando o Diretor Presidente se aposentou, deixaram de representar o jornal, na verdade os contatos que tinham eram melhores, aceitaram trabalhar para a Reuters, como companheiros como sempre, falavam o tempo todo em francês, se esquecendo com o tempo de falar em português.

Quando lhe pediam para cobrir alguma notícia do Brasil, principalmente de política, sugeriam a Nilceia.   Sua mente aguda, seguia lhe encantando.

Na verdade, era talvez a única que tinha percebido o relacionamento dele com o José Campogrande, foi ela que lhe avisou que tinha morrido.   Não havia provas, o corpo tinha desaparecido.   A verdade só saberia anos depois.

Quando foram a guerra na Bósnia, quase perdeu uma perna, levou um tiro, apesar de como sempre ter levado um empurrão.   Justamente sua sorte foi o Alípio estar ali.  O arrastou até uma ambulância da cruz vermelho, continuou trabalhando, mas tarde foi vê-lo no hospital.

O avisou, Alípio, cuidado, a coisa está muito louca, nunca sabemos com que bando estamos falando.

Quando ele ia ser transladado pela Cruz Vermelha, para a Alemanha, chegava uma ambulância, com o corpo dele.   Fez a maior confusão, pois queria que levasse o corpo do amigo com ele.

Em Berlin, conseguiu que seu corpo fosse levado para o Brasil, precisamente para a Ilha de Itaparica. 

Escreveu uma carta para Nilceia, falou com ela por telefone, antes de fazer uma operação muito séria.  Diga a sua mãe que sinto muito, mas eram os riscos.

Quando esteve em recuperação, se sentiu completamente sozinho, tinha sido o melhor amigo, companheiro de sua vida.  Se entendiam com um simples olhar, entre eles, não havia necessidade de falar muito.

Essa camaradagem, ele perdia.   Sabia que ele tinha uma namorada em Paris, sabia o nome, o endereço.    Pediu que a agência se comunicasse com ela.  Que lhe passasse o telefone que queria falar com ela.

Quando voltou para Paris, foi procura-la, andava de bengala, bateu na porta, surgiu uma mulher lindíssima, o fez entrar, no salão, havia uma série de fotos dos dois juntos, eram as pessoas mais diferentes uma da outra.   Ela tinha sido uma famosa manequim, que tinha se retirado cedo da carreira, se dedicava a escrever livros para crianças com sucesso.

Chorou muito nos ombros dele, esse menino me salvou a vida, quando o conheci estava perdida, todos só viam em mim, minha beleza, com ele podia falar de tudo que sentia, me entendia.   Sempre estava falando no senhor.    Como o tinha descoberto, a chance que tinha de acompanha-lo, como dividiam tudo.   Uma vez brincando, lhe disse que ele devia estar apaixonado pelo senhor.

Riu muito, sempre falam isso da gente, mas melhor amigo impossível.

Agora era ele que chorava tudo que não podia ter feito. 

Tinha agora uma situação, boa, quase não gastava dinheiro, os gastos sempre corriam primeiro por conta do Jornal, depois pela Agência Reuters, os artigos que não queriam, vendiam ao melhor postor.    Viviam como sempre tinha vivido num apartamento pequeno, a não ser nos primeiros meses tinha compartido apartamento com Alípio, mas em seguida cada um tinha o seu, com uma pequena distância um do outro.

Um dia conversando com um outro jornalista, esse disse que estava farto de tudo, que agora iria escrever para séries de televisão, que era o que estava na moda.

Sonhou com o Alípio, sobre uma aventura que tiveram, de ir a Angola, desentranhar as relações que tinham o presidente do Brasil, com o de Angola, dois tipos da mesma laia.  Alípio por ser negro, além do seu físico, ninguém dava por ele, conseguia material, fazia amizade com os que o governo explorava para manter o fluxo de dinheiro, que vinha do Brasil, para determinadas coisas, que acabava tudo na conta do presidente de Angola, nunca era feito nada a respeito.

Relataram os dois juntos, o tudo, tiveram que sair escondidos de Luanda, escondidos, num caminhão, pois estavam sendo perseguidos, cruzaram a fronteira do Congo, metidos entre fardos de material suspeito. Mas conseguiram chegar a Kinsasa, aonde puderam pegar um avião para voltar.   Escreveu toda a história, inclusive analisando todo material que tinham, algumas coisas não tinham usado na reportagem.    O livro foi editado com sucesso, ele mesmo fez a tradução para o Alemão quando lhes interessou.

Mandou o mesmo para a mãe do Alípio, para que ela sentisse orgulho do filho.

Tempos depois contou uma série de acontecimentos que se passaram em Moçambique, aonde estiveram à beira da morte, mas quando começaram a falar em português, se salvaram, o melhor era como tinha tirado do pais, toda a reportagem, as fotografias, voando de Maputo, que ele chamava de “vem cá meu puto”, para Antananarivo, aonde passaram duas semanas fazendo fotografia, como se estivessem de férias.

Sempre tinha pensado que lá seria um lugar ideal para viver.

Soube que a avó do Alípio, estava muito mal, com os dois livros embaixo do braço, voou através de Lisboa para Natal, de lá conseguiu um voo para Salvador.  Carlos Mendonça o esperava no aeroporto, a senhora estava sendo velada no Terreiro, ele chegou, foi abraçado por todos, sentia lastima de não ter podido chegar a tempo de vê-la com vida.  A mãe do Alípio que era agora a responsável pelo terreiro, disse que não fazia diferença, que tinha estado em coma uma semana, nunca voltou a si.  Tinha sim deixado uma carta para ele, pois quando leu o livro sobre seu neto tinha-se emocionado.

Leu a carta, no final do dia, chorou muito, voltou no dia seguinte para a cerimônia do enterro, ela seria cremada, suas cinzas ficariam no grande Iroco que existiam ali no terreiro.

Ele ajudou com todas as despesas, sentia-se observado todo tempo, agora o terreiro tinham mais gente jovem.

Depois de tudo, uma semana depois, estava fazendo uma obrigação para Exu, como agradecimento desses anos todos, quando tudo terminou, escutou uma voz nas suas costas.

Ela sempre dizia que um dia voltarias, embora ela não pudesse te ver.

Era o José Campogrande.  Ficou surpreso, o via diferente, só seus olhos eram os mesmos.

Fiz uma plástica, como ela me recomendou quando a procurei, pois me sentia perdido, me ajudou todo esse tempo, basicamente vivo aqui cuidando dos Exus, das quartinhas, como uma Yao, estudando, quando li seu livro, morri de inveja do Alípio, que deixou tudo para trás, para te seguir.

Ele me procurou antes de ir embora, me incentivando a romper com tudo, para ir atrás de ti, mas lhe disse, que tua vida estava marcada, pouco sobrava de espaço para outra pessoa.

Tens alguém?

Nunca mais tive ninguém depois de ti, a princípio alguma aventura, mas depois me cansei, disso tudo.  Essa eterna busca de uma pessoa que pudesse substituir outra que me fez feliz pela primeira vez, embora fosse tudo escondido.  No nosso relacionamento, nunca fomos a um cinema, a um restaurante, estávamos sempre fechados entre quatro paredes.  Eu saia ganhando, pois tinha tempo para viver o meu trabalho, mas tu estavas preso com tuas coisas, sempre na surdina da noite, quando pulava aquela mureta, para se refugiar no meu apartamento.   Nunca me esqueci das noites passadas naquela varanda, conversando, nunca tinha tido isso com ninguém, tampouco tive depois.

O mundo hoje corre mais rápido, estamos sempre com a sensação, que temos um cachorro, querendo nos morder o calcanhar.

Pois é encontrei aqui a paz que buscava.

Vives como sempre em Paris?

Não a dois anos, me mudei para uma casa numa praia pequena em Les Calanques, não tem sequer nome, um caminho de terra batida, mas de uma paz imensa.  Sabes contínuo o mesmo, não preciso de muito.  Quando necessito vou até Cassis, faço as compras, depois volto para casa.   A luz é uma merda, escrevo outra vez em máquina de escrever, daquela portáteis de antigamente.

Ficava escuro, o pegou pela mão, venha comigo, logo por detrás do terreiro, havia uma cabana, vivo aqui.   Ficaram ali abraçados, sentados no chão da sala, até que escureceu totalmente, se beijaram, foi como um balsamo que estivesse necessitado.  Se amaram como faziam antes, chorou agarrado a ele, pelo Alípio, por tudo que tinha perdido. 

Quando se acalmou, lhe perguntou por que não vinha com ele, não penso em voltar para o Brasil, daqui irei para Natal outra vez, de lá embarcarei para Lisboa, Marseille, finalmente estarei em casa.   Queres vir?

Vou falar com minha mãe, agora chefe do terreiro, só posso ir se ela me liberar.

Dormiram agarrados uma ao outro, coisa que nunca tinham feito, quando despertou, José disse que ele tinha mentido, não roncas como dizias.

Só ronco quando estou cansado demais.   Mas estar agarrado a ti, me faz feliz.

Foi falar com a chefe do terreiro, voltou com um sorriso na cara, me disse que estou liberado, que já paguei tudo que devia a Exu, ele me libera porque vou estar contigo.

Tiveram que usar o Carlos Mendonça para conseguir um passaporte e documentação para ele, afinal estava morto a muito tempo.   Desta vez ficou esperando por ele, para ter certeza de que iria mesmo.

Se despediram do terreiro, com uma cerimônia muito bonita.  Ele avisou a senhora do terreiro, que quando ele morresse, suas cinzas vinha para cá, aonde ele tinha se encontrado com seu Exu.

Foram embora, não tiveram problemas nenhum

José Campogrande, dizia que o lugar aonde estava sua casa, era um paraíso. Podiam passar semana sem ver ninguém, mesmo no verão, pouca gente sabia como chegar a cala aonde estava a casa.

Então a paz era perfeita.    Muitos anos depois José voltou fazendo o mesmo trajeto, para trazer suas cinzas, nunca mais saiu do terreiro.