lunes, 15 de junio de 2020

NEVER - NUNCA


                                               

Estava orientando a montagem de uma exposição retrospectiva de toda sua carreira, num momento passou diante de uma coluna com espelho, automaticamente deu uma olhada, continuava o mesmo.  Cabelos longos, hoje branco total, as sobrancelhas seguiam iguais amarelas, olhos azuis puros, sua pele apesar dos tratamentos, seguiam igual, branca como a neve.  As pessoas se fascinavam com isso, o fato dele ser albino, ao mesmo tempo que seus quadros estavam cheios de cores.   Hoje em dia já não usava rastafari, por uma questão de tempo para cuidar, depois acabavam cheios de tinta.
Se poderia dizer, que muita água tinha passado por baixo da ponte, as vezes tranquilas, outras como uma torrente ou mesmo uma enchente.  Mas sempre considerava ao final que o passado, passado estava.
Olhou a capa de uma revista ali jogada, riu, duas fotos, ele no inicio de sua carreira, outra hoje, apesar dos anos, não sabia se pela pele, não tinha nenhuma arruga sua pele era lisa, lembrava a de sua mãe, quando estava morrendo, podia estar cheia de dor, as sua pele estava esticada.
Nunca tinha descoberto de havia outro problema como o seu na sua família.  Odiava recordar seu passado, sempre acabava lhe doendo muito.  Sentia uma falta de sua mãe, até hoje não conseguia entender por que não quis cuidar do câncer que tinha.   Poderia estar viva, poderia ter cuidado dele, dos irmãos,  mas algo a impedia de lutar mais.
Seu pai era todo ao contrário, um polonês, que tinha chegado na vila em criança, acompanhado de seus pais, uns 10 anos depois da segunda guerra.
Era um homem totalmente fechado em si mesmo, agressivo, já levantava de mal humor, o melhor era sair da frente dele.
Sua tia lhe tinha contado mais ou menos a história, quando queria se aprofundar em algum detalhe ela fugia as respostas.
Ela e sua mãe, tinha nascido com uma diferença muito pequena, menos de um ano, podia passar por gêmeas, pois eram idênticas.  Uma pele branca, olhos negros, cabelos negros crespos que ele tinha herdado, uma boca larga com um sorriso imenso.
As duas tinha conhecido seu pai, na escola, quando este chegou a vila, falando um inglês horrível, enquanto todos os outros garotos lhe faziam bullying, elas ao contrário, lhe ensinavam a falar direito.
Os pais dele eram muito estritos, católicos daqueles de irem a missa quase todos os dias, o pecado era uma coisa horrível para eles.
Elas ao contrário nunca iam a igreja, não lhes incomodava o mínimo isso.  Sonhavam sim as duas em irem embora da vila.  Seus pais, tinham um restaurante administrado pela mãe, ele levava uma loja que vendia coisas para as fazendas, além de tratores, coisas pesadas.
Quando chegou a época de irem a universidade, foram embora as duas, sua mãe ficou na universidade, sua tia, ao contrário, pegou o dinheiro que os pais tinham dado, se mandou para a Europa, voltou depois que ele tinha nascido.
Sua mãe, mantinha correspondência com seu pai, desde que chegara, ao ficar sozinha não parava de reclamar, não gostava do que estava fazendo, queria voltar, no meio do segundo ano, de repente lhe chamou disse que voltava, se ele queria casar com ela.  Ele tinha sido sempre apaixonado pelas duas, aceitou.   Sete meses depois eu nasci, para todo mundo um parto prematuro.    Mas ele ao ver aquela criança branca como leite, olhos azuis, cabelos loiros quase brancos, me repudiou imediatamente,  a questionou se era filho dele.
As crianças de 7 meses não nasciam do meu tamanho, sempre fui alto demais para tudo.
Levaram anos brigando por minha causa, ele nunca se chegava ao meu lado, eu não existia na casa, quando chegava bêbado, me chamava de bastardo.     Não entendia de maneira nenhuma o que queria dizer, quando perguntava a minha mãe, ela mudava de assunto.
Cresci sem ninguém para brincar, viviam na fazenda originalmente de meus avos, uma casa velha de madeira, que precisava sempre de uma pintura que não aparecia.   Ele saia de manhã, voltada de tarde.   
Dez anos depois, depois de um dia que ele tinha chegado bêbado, segundo minha tia, a tinha agredido sexualmente, nasceram os meninos, era divertido, os dois eram completamente diferentes um do outro, um se parecia a ela, outro a ele.  Um se chamou Matheus outro Thorpe, como meus avôs, eram meus brinquedos, me apaixonei imediatamente por eles, mas meu pai quando estava em casa, não permitia que eu me aproximasse.
Quando eles tinham oito anos, ela descobriu que tinha um câncer, ficou quieta, não disse nada a ninguém, nem a sua irmã que estava sempre pronta a escuta-la.
Minha tia já nessa época não falava com meu pai, quando eles fizeram 10 anos, ela estava muito mal, eu tinha 17, tive que deixar de ir a escola, para cuidar deles, dela, os levava a escola, depois fazia compras, comida, colocava a roupa para lavar, limpava a casa, se me sobrava algum tempo me dedicava a desenhar.   Ela já não saia da cama, estava sempre ali de olhos fechados, as vezes quando tinha muita dor, eu dormia ali aos pés da cama em cima de um tapete.
Ele jamais entrava no quarto, dizia que estava pagando pelos seus pecados que eram muitos, tampouco cuidava dos meninos, creio que se acostumou que eu cuidasse deles, tudo era comigo, aprendi a dirigir sozinho a velha camionete dela, os levava a escola, fazia tudo que tinha que fazer, voltava correndo para casa, para ajudar minha tia, que me ajudava a levanta-la, para trocar a roupa de cama, a principio dar-lhe um banho, depois com o tempo, limpa-la com um pano húmido.    Minha mãe, não dizia nenhuma palavra, ficava com a boca fechada.
Ele as vezes chegava bêbado, abria a porta, lhe perguntando ainda não morreu, filha da puta.
Se eu estava sentado segurando sua mão, se aproximava de mim, me dava um murro na cara, ou com sua imensa mão me batia, bastardo, sempre agarrado a mamãe.   Antigamente ela me defenderia, um dia resolvi enfrenta-lo, me levantei, era mais alto do que ele, ia me dar uma porrada, mas segurei sua mão, lhe disse na cara, isso se acabou covarde.
Sem querer vi pelo canto dos olhos, ela sorrindo.
Uma semana antes de morrer, eu estava ali segurando sua mão, ela me disse, ele não tem culpa, realmente não eres filho dele.  Conheci teu pai verdadeiro num concerto de jazz, ele tocava o saxofone,  era brilhante, era diferente dos outros do grupo que eram negros.  Usava o cabelo como tu, mas era claro, tinha algumas manchas no corpo, dizia que estava mudando de pele, depois descobri que era um albino.  Nem sabia o que era.   Me apaixonei, um dia despertei, tinha ido embora, voltei me casei com este, pois não queria abortar.   Mas não lhe disse nada, a culpa realmente foi minha.
Não sei por que chamou minha tia, lhe contou a verdade, lhe pediu um revolver que era do meu avô que estava ali na cômoda, um dia desses ele vai tentar me matar, bem como meu filho.
Estava cada vez pior, podia passar um dia inteiro sem dizer uma palavra, a última vez que escutei sua voz, foi para pedir que eu não deixasse os meninos a verem dessa maneira, queria que guardasse a imagem dela bem.
Ao final era pele e osso, ele ficou dois dias sem aparecer em casa, eu depois de todas as tarefas, estava sempre com ela, as vezes me olhava sorrindo.
No dia anterior, ele entrou no quarto de madrugada fazendo um escândalo, dizendo que não podia dormir por culpa dos gemidos dela.  Me assustei, pois ela não estava gemendo, se aproximou da cama, me assustei, colou os ouvidos nos lábios dela, era como se ela tivesse falado alguma coisa, se afastou, mas antes me pegou desprevenido, me deu um murro na cara.
No dia seguinte quando sai do armazém, dei de cara com o xerife, olhou minha cara, esse filho da puta te pegou outra vez. Isso tem que acabar.
Nesse dia, minha tia por problemas com o restaurante não pode ir, ao limpa-la, percebi o revolver justo ao lado de sua perna, ia tira-lo dali ela o agarrou muito forte, hoje ele vem matar-me, a ti também, defenda-se.
Coloquei os garotos na cama, no quarto que compartiam comigo, que era embaixo do quarto de minha mãe.   Depois subi, me deitei ao lado da cama, no chão, escutei o ruído que ele chegava, subiu as escadas como qualquer outro bêbado, quando abriu a porta, trazia um revolver na mão, disse desta vez vamos acertar as contas antes que morra. Lhe apontou o revolver, institivamente, busquei o que ela tinha, o segurava, mas não tinha forças, a ajudei a tirar debaixo dos lençóis, levantei o mesmo, com ela com o dedo no gatilho, ele viu, riu, até para isso eres patética, atirou ela suspirou morreu, eu aproveitei, apertei o dedo dela, acertando no meio da testa do filho da puta.
Por instinto, desci rapidamente, minha cama ficava pegada a porta, os meninos me viram como se eu estivesse levantando da mesma.   Que foi isso falaram os dois ao mesmo tempo, apenas lhes disse, chamem nossa tia, vou subir, vocês fiquem aqui.
Sabia o que ia ver, mas fiquei quieto,  Quando minha tia chegou me viu ali parado na porta, na cama minha mãe, com todo sangue em volta, ele caído no chão também num charco de sangue.
Ela ficou parada ao meu lado, eu imaginei que isso ia acontecer um dia. Estavas aqui?
Não, estava embaixo com os meninos, ele chegou fazendo escândalo como sempre, batendo portas, os meninos se assustam, depois escutei os tiros.  Mas, já era tarde, mandei avisarem a senhora, porque sabia que ias avisar o xerife.
Realmente ele chegou em seguida.
Me perguntou sentado na cozinha com uma caneca de café na mão, se eu tinha visto alguma coisa, repeti a mesma coisa, depois entendi que tinha que me apegar a essa historia pois, não tinha outra.   A repeti, até não aguentar mais.
O que eles não entendia era como ela tinha tido força de levantar o revolver, me perguntou se sabia que estava ali.   Lhe disse que sim, mas que não me deixava tirar dali. Repetia uma e outra vez que a qualquer momento ele viria para matarmos.
Depois de enterra-los, minha tia me perguntou se eu queria levar o negócio dele, lhe disse que não, que queria ir a Universidade, todos meus conhecidos tinham ido embora, eu tinha ficado para trás, teria que recuperar o tempo perdido.
Ela concordou, passamos a viver em cima do restaurante, eu continuei dividindo quarto com os meninos.   Eles queriam saber a verdade, eu lhes contei tudo, não queriam que tivessem problemas posteriormente.
Minha tia me contou que depois que os dois tinham nascido, ele tinha colocado na cabeça que ela o tinha traído com dois homens, por isso eram diferentes.
Durante o ano que estive afastado, estudei como se estivesse na escola, além de fazer desenhos, tinha desenhado minha mãe se definhando como um exercício, ou porque me aborrecia de estar ali, sem fazer nada.
No meio do ano, fui aprovado, falei com minha tia, que iria embora, não aguentava mais estar ali, me sufocava, aguentar o olhar de todo mundo em cima de mim. Quando trabalhava na caixa registradora do restaurante, todos me olhavam com pena.   Não tinha mais amigos, os da escola eram menores do que eu, me sentia um peixe fora d’água.
Aonde queres ir?
Lhe dei o folheto das escolas que gostaria de ir em NYC.
Te dou dinheiro, mas terás que trabalhar, sei que isso não te assusta, creio  que o dinheiro te dará para um ano ou dois.  Mas o resto é parte dos meninos, para seu futuro.   Na vila as coisas não valiam muito, ela vendeu a fazenda, bem como o negócio do meu pai.  Repartiu entre os três, os dos meninos colocou no banco, me deu mais dinheiro, como um presente dela.
Me ajudou a pagar para arrumar a caminhonete que usava, nesse tempo tirei bilhete de identidade, carteira de motorista. 
Peguei as poucas coisas que tinha, tomei rumo a NYC,  mal sai da cidade, tive que parar, pois chorava, tudo o que tinha guardado, saiu como uma catarata.  Coloquei a caminhonete na lateral da estrada, fiquei ali chorando, finalmente colocava para fora tudo o que sentia.
Mas me contive, segui em frente, tinha a direção de um conhecido de minha tia, que vivia no Brooklyn,  ele me disse que poderia usar o quarto que tinha em cima da garagem. No dia seguinte me levaria a escola, para ver como fazíamos.    O quarto era imenso, com um banheiro, pequeno, mas tinha um chuveiro, poderia me apanhar.  Paguei dois meses adiantado, embora ele não quisesse aceitar dinheiro.
Ele vivia com sua mãe, que estava doente na casa da frente.  Me contou que na verdade vivia em Manhatan, mas quem iria cuidar de sua mãe.
Me levou primeiro a uma escola, pois pensou que eu não sabia desenhar, a professora olhou meu trabalho, me disse que não tinha nada a me ensinar, que eu fosse a Parsons, lá sim poderia ir em frente.
Ele mesmo me disse, não sabia que eras tão bom.
Na Parsons me fizeram um teste, porque o semestre tinha começado, passei no teste, me disse que fosse pagar a matricular, pegar a lista de material que necessitava.
O amigo de minha tia Jim, foi legal comigo, disse que seu apartamento era ali perto, que eu podia ficar com ele, pois a casa era longe.  Pelo menos alguém cuidava do apartamento, depois eu conseguiria alguma outra coisa.    Na loja que fui comprar o material de pintura, vi um cartaz de que procuravam alguém para trabalhar, me ofereci,  teria aulas de manhã, tinha umas cinco horas livres, me contrataram.   Já tinha dinheiro, além de desconto no material que iria usar.
A primeira coisa que fiz, já que a casa não era minha, foi forrar uma parede de plástico, para não sujar, bem como o chão.
Nos dias seguintes estava a pleno vapor, dormia no salão, já que o quarto seria meu studio, comecei a receber informação, a trabalhar, a tentar entender a arte.
Nos domingos falava logo cedo com os meninos, com minha tia, eles agora a ajudavam, afinal não era tão jovem assim.
O que estranhei a princípio era que sempre tinha alguém procurando pelo proprietário, eu só respondia que não vivia ali, que tinha alugado o apartamento.
Um dia fui abordado na rua por um sujeito imenso, desses que passam o dia inteiro no ginásio, lhe disse o mesmo, que só tinha seu número de celular, nada mais.
No dia seguinte este me ligou dizendo que não disseste aonde estava, pedi dinheiro emprestado para cuidar da minha mãe, esses caras querem o dinheiro.
Quando o homem me parou na rua outra vez,  eu mesmo lhe disse, creio que jogou o celular fora, pois não me atende, aluguei o apartamento por dois meses, quando acabe vou embora daqui ninguém me deixa trabalhar direito.
Me perguntou o que eu fazia, lhe disse que pintava, abriu a camisa, perguntou se eu não o queria como modelo.  Lhe disse que não fazia esse tipo de pintura.
Ele insistiu, aceitei a contra gosto.  Marcamos, logo no primeiro dia, mal chegou, tirou a roupa toda, ficou nu.
O mandei se sentar num banco, numa determinada posição, comecei a desenha-lo, fui mudando de lugar para ver de outras posições, ao final, abriu as pernas, estava excitado.  Foi claro, queria fazer sexo comigo, essa nossa diferença de cor me excita.  Lhe disse que nunca tinha feito sexo com outro homem.
Não se preocupe te ensino, quando me viu nu, ficou impressionado com meu pênis, não o largou mais, eu pensando que ia ser currado, tive outra experiencia.
Ficou aparecendo várias vezes, conversava comigo, lhe impressionava o fato que eu sendo artista não consumisse drogas.
Me disse esta noite, que se continuasse me vendo, ia se apaixonar por mim, que não sabia se isso era bom, para o que ele fazia, mas que não conseguia me tirar da cabeça.  Eu não lhe disse nada, mas tinha arrumado um outro apartamento, no sentido contrário deste.
Durante o dia, ele nunca aparecia, me mudei rapidamente, tinha pouca coisa, além do meus desenhos, poucas roupas, meu luxo era a caminhonete. Coloquei tudo em cima desta, me mandei.
O melhor é que este agora tinha garagem, assim pelo menos eu podia esconder a caminhonete, se alguém me procurava por ela.
Semanas depois na banca de revista da frente da loja que trabalhava, mostrava uma foto de um assassinato, era o coitado, fiquei imaginando se eu estivesse junto, o chumbo que teria recebido.
Nunca mais voltei a ver o proprietário que me tinha ajudado, sabia que estava metido num marrom de fazer gosto, dever dinheiro a máfia, não era nada fácil.
Creio que fui criando sem ter muita noção um estilo próprio de trabalhar, isso parecia agradar aos professores,  na verdade escutava suas orientações, as entendia, mas usava a minha maneira, descobri depois que era isso que esperavam, orientar, mas que cada um fizesse a sua maneira.
Sentia uma dificuldade imensa de fazer amizades, tinha o tempo limitado, quando não estava ali, estava na loja, depois estava no pequeno apartamento pintando.
Na escola estava experimentando fazer um quadro grande, queria me sentir vivo fazendo isso, cada um tinha uma parede para isso.   A principio não se via qual o meu objetivo, fui criando capas, já com o rosto da figura em volume, quando estava com a textura que queria, comecei a desenhar o rosto de minha mãe morrendo, como ela tinha ficado com a boca aberta, após levar o tiro, querendo buscar ar.    Estava tão concentrado, que não percebi que os outros tinham parado de fazer o que estavam fazendo, estavam me olhando trabalhar, dois professores me observavam.
Quando acabei, me afastei, sem querer esbarei num colega que estava atrás de mim, que eu não tinha visto. Me aplaudiram.
Os professores balançaram a cabeça, como dizendo muito bem.
No dia seguinte, quando entrei na sala, eu sempre chegava antes dos outros, para seguir trabalhando,  ali estava um homem bem vestido, os cabelos impecáveis, todo uma figura, estavam ele, um dos professores de costas para mim.
Quando me viram o professor me apresentou,  Ruben Gaultiery tem uma galeria, no Soho, gostou do teu trabalho.
Mas ainda sou  um iniciante, preciso trabalhar mais.
Isso, necessito de mais quadros, não posso te lançar numa coletiva, pois vais acabar com os outros.
Se me fazes 10 desses tamanhos, prometo te vender todos.
Sinto muito no meu apartamento, não tenho espaço para isso,  é um studio pequeno, é o primeiro grande que faço, acho que o senhor está se precipitando.
O Ruben ria, imagina encontrar um artista que tem a capacidade de ser honesto, reconhecer que está começando.
Converse com teu professor, me deu um cartão, tens uma semana para me responder, eu posso arrumar um lugar para trabalhares.
O professor, era daqueles pessoas que falavam o estritamente necessário.  Quando vi o teu quadro vi o teu talento nascendo, todos teus trabalhos anteriores, embora pequenos são bons, mas isso te faltavam espaço para mostrar teus sentimentos.
Eu te arrumo um lugar, pois se ele o faz, ficarás em dívida com ele, outra coisa, ele vai te apresentar um contrato de exclusividade, não assine, ficarás para sempre preso dele. Leve essa conversa que só estas começando.   Mas faça a exposição.  Ah antes que use como argumento que trabalhas de tarde, eu sei que sim, tens dinheiro para aguentares pelo menos dois meses, esse é o tempo que vais pedir a ele.  Se não tiveres eu empresto.
Nesse tempo todo, tinha usado pouco o dinheiro que minha tia tinha me dado, bem como guardava a maior parte do que ganhava na loja.
O dono me disse, vai, se não acontecer nada voltas, as senhoras adoram ser atendidas por ti, pois lhes explica o que devem usar.
Fui ver o local com o professor, era um dos últimos, galpões que existiam ali no Village, recebi de herança, estou negociando a venda, mas posso esperar você acabar de preparar seu trabalho.
O senhor poderia vir por aqui olhar o que estou fazendo?   Senão perderei a noção do tempo, o contato com gente, já não tenho amigos, ficarei muito isolado.
Claro virei sempre que possa.
Coloquei três telas imensas na parede, fui preparando mais ou menos igual a todas, duas fiz um fundo negro, pintei a cara do meu pai me chamando de Bastardo, quando falava, era como o visse em câmara lenta. Aquela boca imensa, com os dentes meio estragados pela bebida, os olhos amarelos, a fúria que tinha seu olhar.
O terceiro desenhei o homem que tinha conhecido que tinha posado para mim, que nem sabia o nome, mas aproveitei os desenhos, a foto dele no jornal, pois a tinha visto de cabeça para baixo, o fiz sem roupa, numa diagonal do quadro, tudo era branco negro, em vez de estar com os olhos fechados, como na foto do jornal, o fiz com os olhos abertos, quando tínhamos sexo, chegava ao orgasmo.   Era como um orgasmo na morte.
O professor tinha uma maneira de comentar, balançava a cabeça, isso fazia que eu soubesse que estava bem.
Um final de semana me convidou para jantar, sei que não frequentas ambientes, mas precisas conhecer gente de tua idade.   Fomos a um restaurante, que parecia um teatro de revista, entrava e saia gente que sequer comia, somente alguns comíamos.   Muita gente vinha falar com ele, me apresentava, mas não me chamavam atenção.  Entrou um homem muito alto, vestido de mulher todo de azul, parecia um choque, pois se notava que tinha pelos no corpo, perguntou ao professor se depois ia ver o show.
Venha com seu namorado, apontou a mim.
Respondi rapidamente, não sou seu namorado, sou seu aluno, não tenho namorados, mas quero te pintar.
O outro puxou uma cadeira, como é isso.
Quero te pintar da minha maneira, vens ao studio, vês o meu trabalho, se aceita, te pinto, não posso pagar muito.
Caralho esse garoto, é incrível.
Incrível é o talento que ele tem, disse o professor que estava olhando a cena, com um sorriso na boca.
Ok, se vier ver meu show, apareço no studio, ok
Lhe disse que sim, prometo. Estendi a mão apertei, era a mão de um homem forte.
Depois de jantar, de conhecer mil pessoas, que no momento seguinte já não me lembrava de quem se tratava.  Não conseguia tirar da cabeça esse homem vestido de mulher, mas ao mesmo tempo tão masculino.
O professor, me disse, vais gostar do show, não é o show típico de travestis.
Eu lhe disse que nunca tinha visto nenhum, que nem sabia o que era.
O lugar do espetáculo, era ali perto, hoje já não existe mais.
Um bar, com mesas, um palco não muito grande, de repente apareceu aquele homem imenso peludo, com uma tanga, contou duas piadas, a melhor coisa que me aconteceu hoje foi conhecer uma pessoa, humana, sim porque vocês suas bichas descaradas, não são humanas.
De repente começou a cantar, quando terminou com sua voz potente, ficou meio em diagonal aonde eu estava. Tirei da minha bolsa um lápis, um bloco comecei a desenhar isso.
Mas era como se eu estivesse ao seu lado,
Apareceram outros atores, ele só voltou no final, agora vestido como estava antes, fazendo um numero comum outro ator, que estava vestido de homem, muito afeminado, dado momento, não sei como fazia, começava a cantar, mas como se estivesse comendo o outro que estava de fraque.  Era uma mulher possuindo um homem.
Sua cara era de uma maldade incrível, eu não parava de rabiscar, sobre o olhar atendo do professor. Quando acabou o show, ele disse que devíamos esperar mais um pouco, pois tinha muita gente saindo.
Por detrás chegou alguém que bateu no ombro dele, olá meu irmão, como andas, esse menino não prestou atenção no show.
Eu não podia acreditar, aquele homem era ele.  Comecei a rir, ele perguntou qual era a graça.
Lhe contei se o encontrasse na rua, não ia saber que era ele.
Obrigado isso é um puto elogio, significa que sou bom no que faço, mas na verdade, sou irmão mais velho dele.   Ele sempre foi o certinho da família, eu o ovelha negra.
O professor, tirou o bloco que eu tinha embaixo do meu cotovelo, ele prestou atenção sim no show, olhe.
Filho da puta desse garoto, como podes ler minha alma. Apertou minha mão, amanhã mesmo estarei lá.
Eu não podia esperar amanhã, não podia deixar esse homem escapar.  Lhe disse olhando na cara, não podíamos começar hoje?
Ficou me olhando serio de repente, o professor se afastou.
Não sabes com quem estas te metendo?   Isso pode ser ruim para ti, sou essa pessoa que viste em teus desenhos.  
Ah, estas pensando que quero fazer sexo contigo, ainda é cedo para isso, não tenho muita experiencia no assunto.  Portanto o que quero é outra coisa, tenho que fazer o que tenho na cabeça antes que me perca em outras coisas.
Fomos para o studio, quando entramos, ele só disse o local do meu pai.  Um bom filho da puta.
Pedi que tirasse a camisa, fui até o desenho, o que pensavas nessa hora, coloquei uns papeis grande na parede, comecei a desenha-lo, ficamos assim até de manhã, fazia calor, tirei a camisa, ele deve ter achado graça, eu era quase esquelético, branco como uma parede, meus pelos do sovaco eram amarelos.  Ficou me olhando, com um olhar de desejo, pintei isso também.  Lhe disse, tens uma coisa incrível, teu olhar, tua maneira de olhar, transmite tudo.
Bom por hoje acabamos, estou morto de cansado, um bom café agora iria bem, não achas.
Respondeu, prefiro um beijo.
Me aproximei, peguei sua cara passei a mão sujas de tinta por ela, o beijei, não imaginei que ia me incendiar. Não conseguia parar.
Caralho, não era para fazer isso. Mas não resisti, tirei sua roupa inteira, mergulhei nele, por assim dizer.  Quando terminamos estávamos os dois sujos de tinta.  Ficamos rindo.
Eu nunca imaginei que um garoto que não soubesse fazer sexo, pudesse fazer tudo isso.  A mil anos luz não tenho um sexo como esse.
Não nos largamos mais, durante dez anos, mas depois conto.
Preparei os quadros todos, ainda pintei dois de um negro que pedia dinheiro na Washington  Square, o desenhei ali na praça, sentado, pedindo dinheiro, era um dândi velho, mas com classe.   Perguntei se podia posar para mim, que lhe pagaria.  Me disse um preço, como dizendo ele vai se negar.
Um era um fundo branco, com ele como estava ali sentado, no outro o fundo era o céu cheio de nuvens, como se ele estivesse prometendo para todo mundo o melhor de suas vidas.  No último dia me disse que eu tinha uma coisa diferente das outras pessoas, tinha alma.   Nunca mais o vi, o procurei o resto de minha vida, mas não o encontrei.
Mas guardei isso dele, me dizendo que eu tinha alma, não aceitou o dinheiro que tinha me pedido.
O professor levou o Ruben Gaultiery para ver os quadros, ele ficou entusiasmado, eu não me enganei.  Tirou do bolso do casaco um contrato, justo nesse momento entrava o Jael, meu namorado, dizendo eu sou o agente dele, não assina nenhum contrato sem passar por mim, nem pelos advogados.
Tirou um lápis de uma de minhas caixas, foi riscando coisas.   Se quiseres fazer essa exposição, queremos um catálogo, cartazes pelos lugares importantes em termos de arte, quanto a essa porcentagem de 50% nem pensar, qualquer outra galeria ficaria com muito quiça com 15, o outro disse 20, ele é um desconhecido.
Ok, se trabalhares direito, os próximos quadros estarão sempre em sua galeria, mas nada de contrato.
Perfeito, vou preparar tudo que me pediste Jael, eu te conheço não?
Não acredito, acabo de chegar na cidade.  Eu agora ia dormir todos os dias na sua casa, nos dias que tinha show, eu ficava esperando por ele no studio, até que vinha me buscar.
Não tens medo de que saia com outro homem do show? Me perguntava sempre?
Não, porque sei que me queres, como eu a ti.  Olha Jael, podes fazer  isso qualquer hora do dia, quando estou trabalhando, nem vou pensar em te vigiar, mas se descubro algo, nunca mais vais me ver.
Um dia me arrastou com ele a um médico, para fazermos exames, foi claro, tenho Aids, me trato, viu que tenho cuidado, mas isso sempre é pouco.  Se quiseres me deixar eu entendo, devia ter falado no assunto no primeiro dia.
Nem podia pensar em deixa-lo, ele era um raio na minha vida.
Nos exames, deu que eu não tinha nada, mas me aconselharam como devia me comportar, isso tínhamos feito desde o primeiro instante.
Eu ia com ele visitar seus amigos no hospital, alguns em fase terminal, pedia licença educadamente se podia desenha-los, queria fazer uma exposição, para arrecadar fundos para o hospital, para aonde estava essa gente.   Quando ele dizia isso, aceitavam.
Mas tinha um que me olhava com horror, lhe perguntei por quê?
Me disse que nos meus olhos via a morte, que essa pele, esses cabelos, parecia a morte andando vestida de Rastafari.
Me sentei, comecei a desenhar, lhe disse assim?
Mostrei, começou a rir, até tossir, virou um grande amigo, saiu dali, seguimos amigos, porque se recuperou.  Jeremy Custer, um grande escritor, dramaturgo, as vezes aparecia no studio, ficávamos os três conversando coisas textos, quadros, ele dizia que eu conseguia ver a alma dos outros.  Acho que só quem viu a morte de perto pode fazer isso.
Um dia contei aos dois minha história, a cena do meu pai, minha mãe, como eu lhe dei o tiro no lugar dela.
Ficaram em silencio, Jeremy soltou que nesse momento eu tinha feito um pacto com o diabo, pois o que pensava que era meu pai ia me matar, mas teus reflexos ganharam, fizeste bem, um filho da puta sempre merece isso.
Minha tia tinha vindo com os dois ver a vernissage, disse que quando jovem tinha vivido essa vida, em Paris, fazia sucesso entre todo mundo.   Os meninos não se sentiram muito a vontade vendo os quadros, parece que estou vendo mamãe na cama me disse Matheus, pensei que ia me apaixonar pela cidade, mas a detestei.  Quero ir para casa, eu entendia, eu já não lhes inspirava confiança, entenderam minha pintura.   Me evitaram o resto de minha vida, como se eu os tivesse traído, os respeitei.
A vida seguiu, quando fiz a segunda exposição, ao ser dedicada aos doentes,  Ruben, convocou todos os jornalistas, pedia divulgação era por uma boa causa, nem ele nem eu íamos ficar com um puto dessa exposição.   Tudo foi vendido, o valor depositado em nome do hospital, para o tratamento da Aids.
Apesar da pressão para fazer uma nova exposição, queria mudar de ar.  Precisava sair de NYC, quando eu comentei com o Jael, ele me perguntou o que queria fazer.
Talvez me relaxar, ir a Paris, aos museus, beber na fonte, Londres, ou Berlin, vens comigo.
A resposta dele, foi franca, por nada do mundo te deixaria sozinho porque eres o ar que respiro.
Beber na fonte para ele, significava aprender, observou tudo nos museus modernos, como o Picasso, o Pompidou, depois em Berlin tudo que havia de moderno nas galerias.
Quando voltaram no voo Jael, começou a passar mal, saíram do aeroporto em ambulância diretos para o hospital,   depois de todos os exames, uma das medicações que ele tomava deixava de fazer efeito, agora vinha o mais difícil, acertar com outra, foram dias de agonia no hospital, mas não saiu do seu lado.
Eram capazes de se entender pelo olhar.                    Um dia Jael lhe disse que não queria ficar apodrecendo num hospital, como tinha visto seus amigos ficarem.  Não entendeu ou não quis entender o que se passava.  Dois dias depois quando voltava de comprar material para começar a trabalhar, visto que Jael saia do hospital, o encontraram morto.   Alguém tinha levado para ele um revolver ao hospital.
Ninguém sabia, ele estava aturdido, não conseguia entender.  Se lembrou da conversa, falou com os amigos dele, alguém tinha entendido a mensagem, ninguém abriu a boca.  Ele estava profundamente abalado com tudo, ficou fechado no escuro do studio dois dias sem sair, esperando uma luz, dormia ali mesmo no chão,  o tempo todo sonhando com os 10 anos que tinham convivido.
Quando se levantou, começou a pintar um quadro que era um revolver, pela primeira vez colocava umas palavras num quadro, será que resolve.
Passou semanas pintando como um louco, todos estavam preocupados, ele só abria para o rapaz que lhe levava comida.  Um dia, foi atender, atrás das embalagens estava o Jeremy Custer, venho te buscar, hoje é o enterro do Jael, não podes faltar.
Quando viu o que ele estava pintando, estas colocando toda tua agressividade para fora, isso mesmo.  O arrastou dali, contra sua vontade, o levou para tomar banho, mas a casa do Jael, tudo lhe fazia lembrar o homem que tinha amado tão loucamente.
O enterro ia ser judeu, tinham feito a autopsia do Jael, a bala tinha destroçado seu crâneo, mas nisso descobriram que tinha um tumor na cabeça, que sua vida não ia demorar muito tempo.
Ele procurou ficar a parte o tempo todo, essa quantidade de gente dando a mão, lhe ofendia, lhe fazia mal, era como ver milhões de mãos tentando lhe agarrar.
No cemitério, ficou afastado chorando, agora realmente tomava consciência que nunca mais o ia ver.   Ficou ali sentado num tumulo qualquer chorando como uma Madalena, uma pessoa lhe estendeu um lenço, aceitou, quando levantou a cabeça, estava ali um dos atores que trabalhavam com o Jael.        Sei o quanto ele te amava, mas é impressionante ver como transformastes esse homem num ser maravilhoso.   Devo muito a ele, deixei de fazer shows, ele disse que eu estava perdendo tempo, tinha talento para outras coisas.  Me fez ver que podia ser algo mais, agora estou estudando psicologia.
Ficaram ali conversando, comentou o que sentia, perdi uma pessoa que amei desde o momento que o vi, mesmo vestido de mulher, pude ver que por detrás estava um homem fantástico.
Ele me dizia o mesmo de ti.  Mas ele sabia que se ficasse vivo, a vida ia ser uma miséria, para ti, para ele.  Tinha visto todos seus amigos morrerem, não queria isso.
Eu entendi desde a primeira vez que me disse, mas não sabia o que podia fazer, não sabia como aliviar isso dele, na verdade tivemos uma viagem de despedida maravilhosa, nunca poderei esquecer nada que vi com ele, as conversas, as discussões que tínhamos a respeito do que víamos.
Eu acho que ele sabia que era sua última viagem, pois me disse dias antes, se não vou, pode ser que nunca mais veja o homem que amo.
Mas tens que tocar para frente, lembre-se que o Jael, já tinha quase 65 anos, ele era muito mais velho que você.   Tinha vivido a vida que tinha escolhido.  Você ainda é jovem, tens muito pela frente.
Lhe deu seu número de telefone, quando quiser apareça no studio.   Assim começo uma amizade que duraria sua vida inteira.   Agora saiam os três, Jeremy, Coult, o arrastavam para jantar, ir a um cinema, ou mesmo a estreia de um espetáculo, baseado na obra de Jeremy.
Assim foi se reerguendo aos poucos.  Pintou uns dois quadros que era ele mesmo gritando, na verdade era um quadro em branco, com uma boca escancarada gritando, os dentes, a língua  as narinas , os olhos nada mais.
O outro era sobre um sonho que ele tinha tido, como se fosse uma vingança, agora lhe tirava outra vez uma pessoa que ele amava.
Tentou falar com os irmãos, Thorpe estava estudando em San Francisco, Matheus levava o restaurante na vila, cuidava da tia, não quis falar com ele de maneira nenhuma.
Não insistiu, quem sabe o tempo acomodaria tudo.
Os dois últimos quadros, foram comprados sem sequer passar pela galeria, todos os dois para um museu Frances.   Para muitos seria uma glória, mas o dinheiro de um comprou um apartamento antigo, imenso num último andar, como precisava de reforma, abriu todo um lado, deixando uma pequena parte, para uma, sala, cozinha banheiro e um quarto, o resto era seu studio.
As vezes tinha vontade de sexo, saia com os amigos, pelas discotecas, os dois riam dele pois se fixava em homens parecidos com Jael.  Ele mesmo percebeu isso, começou a procurar o oposto.
Mas nunca passavam de uma noite, não havia magia, nada que fizesse inclusive que a pessoa ficasse para dormir.
Um dia vinha andando pela rua, deu sem querer um encontrão com alguém que vinha carregado de livros, se abaixou para ajudar, pedindo desculpas.   Era mais ou menos de sua idade, loiro, olhos verdes, atlético.   O rapaz disse, eu sei quem eres, caramba, adoro teus quadros.  O sorriso que tinha era cativante, começaram a conversar, foram tomar um café.
Porra quiseram ter isso todos os dias, conhecer uma pessoa especial.  Ficaram de se ver, estuda jornalismo na universidade.   Mas não deu certo, quando chegaram a cama, ele queria o Jael, foi uma merda, menos mal que o outro foi esportivo.  Eu entendo, as pessoas que amamos, nos marcam para a vida.
Um dia vagabundeando pela rua, para se relaxar, viu um cartaz de um grupo de jazz, um que segurava o saxofone, parecia com a descrição que tinha dado sua mãe.   Foi assistir sozinho o show.   Como estava sozinho numa mesa, três rapazes perguntaram se podiam sentar ali.  Um deles era filho do homem do saxofone.  Lhe perguntou se queria conhecer seu pai, podia apresenta-lo.
Disse que não, ir buscar no passado, não ia fazer bem, pois teria que desenterrar muita coisa.
Fez um quadro, que era como figuras recortadas, um homem tocando saxofone, tinha memorizado seus movimentos, era como se a cada movimento a figura que começasse em negro fosse se diluindo na tela, até ficar com duas mãos mais nada segurando o saxofone.
Isso era o seu passado, se diluindo, nunca mais iria em busca do passado, nunca mais voltou a vila, quando a tia morreu, mandou um ramo de flores, mas sequer telefonou aos irmãos.
Seguiu sua vida pintando, algumas vezes saia com alguém, mas seus dois amigos eram sua companhia predileta.
Pelo menos uma vez por semana, saiam para jantar, conversar, ou iam ao studio para ver o que estava pintando.  Quando teve uma quantidade grande de quadros, chamou o Ruben, marcaram uma exposição.   De novo foi um sucesso.  Tudo vendido.
Ele sentia que precisava se reciclar, não gostava de ficar parado no tempo, resolveu aprender a fazer escultura, voltou a escola para isso.  Quando estiveram em Paris, tinham ido ao Museu du Quai Branly, aonde viu muitas máscaras africanas, nem tinha tocado nessas fotos, procurou as mesmas,  começou a trabalhar em cima disso.    Misturando o como gostava de trabalhar, dizia que a boca os olhos, as narinas das pessoas podiam dizer muita coisa.
Começou a sair pelas ruas procurando negros que se parecessem com mascaras, os desenhava, um dia estava na Washington  Square, ficou fascinado por um estudante, seus traços pareciam terem sido cortados a faca, ficou ali o desenhando, mudando de lugar para ter outras perspectiva, quando escutou uma voz forte dizendo, fazes isso sem autorização, vou chamar a polícia.
Não tinha visto que ele tinha saído do banco aonde estava para se colocar ao seu lado.
Caramba, fico mais bonito, pelos teus traços. Estendeu as mãos negras por fora, brancas na palma,  Jonathan ou Jonas  Klayberg, mas minha mãe me chama de só Jonas,  é uma senhora fantástica.
Queres posar para mim Jonas?
Caramba rapaz, vai ser difícil, primeiro porque eu disse meu nome, me apresentei, mas tu não disseste o teu.
Thobias Grunderk, sou pintor.
Eu sei quem eres, me lembro quando chegaste na universidade, com aquele cabelos imensos rastafari, ainda perguntei a um colega, de aonde saiu essa peça.
Sou professor aqui,  dou aulas de direito, bem como de psicologia criminal.
Estou perdido, adeus, meus crimes todos virão a tona.
Se tenho tempo, claro que posaria para ti, mas tens que fazer um retrato meu, para oferecer a minha mãe, ela ia adorar. Tirou da carteira, uma foto dele, ao lado de uma mulher branca, ah sou filho adotivo.
Passaram a se encontrar ali na praça, até que um dia o levou ao studio,  pediu que tirasse a jaqueta, bem como a gravata, a camisa. O iluminou como gostava, começou a desenha-lo de todas as maneiras.  Sem saber, bem porque, num desenho incluiu o menino que estava com a mulher branca.  Seus olhos, sua maneira de olhar para ela.
Jonas quando viu ficou de boca aberta, como sabes que eu estava pensando nisso, essa foto estava guardada aqui a muito tempo, nunca mostrei para ninguém, porque pedem muitas explicações, eu odeio.  Você ao contrário, olhou, guardou na tua cabeça, agora sai espontaneamente.
Quando Jonas voltou de novo, ele tinha pintado um quadro, aonde Jonas criança, estava sentado num banco de jardim, com a senhora, que ele tinha memorizado, com um vestido cheio de flores, atrás olhando os dois Jonas adulto, de traje, gravata, um olhar sério.
As lagrimas rolavam na sua cara.  Como chegaste a isto?
Não sei, olhando a ti. Nada mais.
Eres um caçador de almas. Fez uma coisa que ele não esperava, se levantou, o abraçou, beijou sua boca, foi um efeito devastador. Ficou sem folego.
Tinha encontrado um novo amor.   Os dois faziam um par completamente diferente, ele tão branco, o outro tão negro.   Quando ele disse ao Jonas que era albino, primeiro ele não acreditou, lhe mostrou a foto de sua mãe, ela me contou no seu leito de morte, que tinha tido uma aventura, com um negro de uma cor distinta aos demais, que ele sem roupa era como um homem branco, eu nasci assim, branco quase transparente.
Foram levar o quadro para a mãe do Jonas, era uma senhora muito distinta, vivia numa zona chic da cidade.   A então é você que tem sequestrado o meu filho.   O abraçou, beijou seu rosto.
Quando viu o quadro, perguntou quem te falou nesse vestido, ele explicou que tinha visto nos olhos do Jonas.   Quando soube que ele na verdade era albino, ria muito, podia pensar que eras sueco, da Noruega, ou coisa parecida, mas que tivesses sangue negro nunca.
Agora ia com Jonas todos sábados jantar na casa dela.
A princípio Jonas só vinha dormir, mas foi ficando, gostava de estar estudando ou escrevendo qualquer coisa, enquanto ele pintava ou desenhava.
Os outros dois quadros do Jonas foram para a exposição, já marcados de vendidos, não queria que ninguém tivesse o seu amado. Os deu de presente a ele.
Agora depois de todos esses anos, estava esperando por ele, para entrar nas salas aonde faziam a retrospectiva de sua vida.   Estava emocionado,   Jonas sempre o acompanha em tudo.
Viu que ele chegava por detrás, o que estas fazendo aí escondido, aproveitando isso para rever tua vida.  Ele ofereceu seus lábios, sim, exatamente isso, fazendo uma análise de tudo.
Entraram os dois no salão do museu, aonde estava sendo sua retrospectiva, com obras que tinha espalhados pelo mundo inteiro.  Agora com a idade, trabalhava mais devagar, fazia uns desenhos pequenos para depois aumentar.  Tinha sempre no bolso, um bloco pequeno, um lápis.  Nunca tinha imaginado isso, essa necessidade de estar sempre captando pessoas.
Estavam os dois casados oficialmente a meio ano, a mãe do Jonas, dizia que queria morrer tranquila, sabendo que o filho estava bem casado com ele.
Comentou com ele, pena que ela não está aqui.
Ia adorar, conversar com essa gente toda.  O quadro do Jonas com ela, ocupava uma sala especial.
Pela primeira ver tinha se recordado do Jael, sem sentir dor no peito.
A vida seguia, agora em ritmo mais tranquilo.










  





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