Estava orientando
a montagem de uma exposição retrospectiva de toda sua carreira, num momento
passou diante de uma coluna com espelho, automaticamente deu uma olhada,
continuava o mesmo. Cabelos longos, hoje
branco total, as sobrancelhas seguiam iguais amarelas, olhos azuis puros, sua
pele apesar dos tratamentos, seguiam igual, branca como a neve. As pessoas se fascinavam com isso, o fato
dele ser albino, ao mesmo tempo que seus quadros estavam cheios de cores. Hoje em dia já não usava rastafari, por uma
questão de tempo para cuidar, depois acabavam cheios de tinta.
Se poderia dizer,
que muita água tinha passado por baixo da ponte, as vezes tranquilas, outras
como uma torrente ou mesmo uma enchente.
Mas sempre considerava ao final que o passado, passado estava.
Olhou a capa de
uma revista ali jogada, riu, duas fotos, ele no inicio de sua carreira, outra
hoje, apesar dos anos, não sabia se pela pele, não tinha nenhuma arruga sua
pele era lisa, lembrava a de sua mãe, quando estava morrendo, podia estar cheia
de dor, as sua pele estava esticada.
Nunca tinha
descoberto de havia outro problema como o seu na sua família. Odiava recordar seu passado, sempre acabava
lhe doendo muito. Sentia uma falta de
sua mãe, até hoje não conseguia entender por que não quis cuidar do câncer que
tinha. Poderia estar viva, poderia ter
cuidado dele, dos irmãos, mas algo a
impedia de lutar mais.
Seu pai era todo
ao contrário, um polonês, que tinha chegado na vila em criança, acompanhado de
seus pais, uns 10 anos depois da segunda guerra.
Era um homem
totalmente fechado em si mesmo, agressivo, já levantava de mal humor, o melhor
era sair da frente dele.
Sua tia lhe tinha
contado mais ou menos a história, quando queria se aprofundar em algum detalhe
ela fugia as respostas.
Ela e sua mãe,
tinha nascido com uma diferença muito pequena, menos de um ano, podia passar
por gêmeas, pois eram idênticas. Uma
pele branca, olhos negros, cabelos negros crespos que ele tinha herdado, uma
boca larga com um sorriso imenso.
As duas tinha
conhecido seu pai, na escola, quando este chegou a vila, falando um inglês
horrível, enquanto todos os outros garotos lhe faziam bullying, elas ao
contrário, lhe ensinavam a falar direito.
Os pais dele eram
muito estritos, católicos daqueles de irem a missa quase todos os dias, o
pecado era uma coisa horrível para eles.
Elas ao contrário
nunca iam a igreja, não lhes incomodava o mínimo isso. Sonhavam sim as duas em irem embora da
vila. Seus pais, tinham um restaurante administrado
pela mãe, ele levava uma loja que vendia coisas para as fazendas, além de
tratores, coisas pesadas.
Quando chegou a
época de irem a universidade, foram embora as duas, sua mãe ficou na
universidade, sua tia, ao contrário, pegou o dinheiro que os pais tinham dado,
se mandou para a Europa, voltou depois que ele tinha nascido.
Sua mãe, mantinha
correspondência com seu pai, desde que chegara, ao ficar sozinha não parava de
reclamar, não gostava do que estava fazendo, queria voltar, no meio do segundo
ano, de repente lhe chamou disse que voltava, se ele queria casar com ela. Ele tinha sido sempre apaixonado pelas duas,
aceitou. Sete meses depois eu nasci,
para todo mundo um parto prematuro.
Mas ele ao ver aquela criança branca como leite, olhos azuis, cabelos
loiros quase brancos, me repudiou imediatamente, a questionou se era filho dele.
As crianças de 7
meses não nasciam do meu tamanho, sempre fui alto demais para tudo.
Levaram anos
brigando por minha causa, ele nunca se chegava ao meu lado, eu não existia na
casa, quando chegava bêbado, me chamava de bastardo. Não entendia de maneira nenhuma o que
queria dizer, quando perguntava a minha mãe, ela mudava de assunto.
Cresci sem
ninguém para brincar, viviam na fazenda originalmente de meus avos, uma casa
velha de madeira, que precisava sempre de uma pintura que não aparecia. Ele saia de manhã, voltada de tarde.
Dez anos depois, depois
de um dia que ele tinha chegado bêbado, segundo minha tia, a tinha agredido
sexualmente, nasceram os meninos, era divertido, os dois eram completamente
diferentes um do outro, um se parecia a ela, outro a ele. Um se chamou Matheus outro Thorpe, como meus
avôs, eram meus brinquedos, me apaixonei imediatamente por eles, mas meu pai
quando estava em casa, não permitia que eu me aproximasse.
Quando eles
tinham oito anos, ela descobriu que tinha um câncer, ficou quieta, não disse
nada a ninguém, nem a sua irmã que estava sempre pronta a escuta-la.
Minha tia já
nessa época não falava com meu pai, quando eles fizeram 10 anos, ela estava
muito mal, eu tinha 17, tive que deixar de ir a escola, para cuidar deles,
dela, os levava a escola, depois fazia compras, comida, colocava a roupa para
lavar, limpava a casa, se me sobrava algum tempo me dedicava a desenhar. Ela já não saia da cama, estava sempre ali de
olhos fechados, as vezes quando tinha muita dor, eu dormia ali aos pés da cama
em cima de um tapete.
Ele jamais
entrava no quarto, dizia que estava pagando pelos seus pecados que eram muitos,
tampouco cuidava dos meninos, creio que se acostumou que eu cuidasse deles,
tudo era comigo, aprendi a dirigir sozinho a velha camionete dela, os levava a
escola, fazia tudo que tinha que fazer, voltava correndo para casa, para ajudar
minha tia, que me ajudava a levanta-la, para trocar a roupa de cama, a
principio dar-lhe um banho, depois com o tempo, limpa-la com um pano
húmido. Minha mãe, não dizia nenhuma
palavra, ficava com a boca fechada.
Ele as vezes
chegava bêbado, abria a porta, lhe perguntando ainda não morreu, filha da puta.
Se eu estava
sentado segurando sua mão, se aproximava de mim, me dava um murro na cara, ou
com sua imensa mão me batia, bastardo, sempre agarrado a mamãe. Antigamente ela me defenderia, um dia
resolvi enfrenta-lo, me levantei, era mais alto do que ele, ia me dar uma
porrada, mas segurei sua mão, lhe disse na cara, isso se acabou covarde.
Sem querer vi
pelo canto dos olhos, ela sorrindo.
Uma semana antes
de morrer, eu estava ali segurando sua mão, ela me disse, ele não tem culpa,
realmente não eres filho dele. Conheci
teu pai verdadeiro num concerto de jazz, ele tocava o saxofone, era brilhante, era diferente dos outros do
grupo que eram negros. Usava o cabelo
como tu, mas era claro, tinha algumas manchas no corpo, dizia que estava
mudando de pele, depois descobri que era um albino. Nem sabia o que era. Me apaixonei, um dia despertei, tinha ido
embora, voltei me casei com este, pois não queria abortar. Mas não lhe disse nada, a culpa realmente
foi minha.
Não sei por que
chamou minha tia, lhe contou a verdade, lhe pediu um revolver que era do meu
avô que estava ali na cômoda, um dia desses ele vai tentar me matar, bem como
meu filho.
Estava cada vez
pior, podia passar um dia inteiro sem dizer uma palavra, a última vez que
escutei sua voz, foi para pedir que eu não deixasse os meninos a verem dessa
maneira, queria que guardasse a imagem dela bem.
Ao final era pele
e osso, ele ficou dois dias sem aparecer em casa, eu depois de todas as
tarefas, estava sempre com ela, as vezes me olhava sorrindo.
No dia anterior,
ele entrou no quarto de madrugada fazendo um escândalo, dizendo que não podia
dormir por culpa dos gemidos dela. Me
assustei, pois ela não estava gemendo, se aproximou da cama, me assustei, colou
os ouvidos nos lábios dela, era como se ela tivesse falado alguma coisa, se
afastou, mas antes me pegou desprevenido, me deu um murro na cara.
No dia seguinte
quando sai do armazém, dei de cara com o xerife, olhou minha cara, esse filho
da puta te pegou outra vez. Isso tem que acabar.
Nesse dia, minha
tia por problemas com o restaurante não pode ir, ao limpa-la, percebi o
revolver justo ao lado de sua perna, ia tira-lo dali ela o agarrou muito forte,
hoje ele vem matar-me, a ti também, defenda-se.
Coloquei os
garotos na cama, no quarto que compartiam comigo, que era embaixo do quarto de
minha mãe. Depois subi, me deitei ao
lado da cama, no chão, escutei o ruído que ele chegava, subiu as escadas como
qualquer outro bêbado, quando abriu a porta, trazia um revolver na mão, disse
desta vez vamos acertar as contas antes que morra. Lhe apontou o revolver,
institivamente, busquei o que ela tinha, o segurava, mas não tinha forças, a
ajudei a tirar debaixo dos lençóis, levantei o mesmo, com ela com o dedo no
gatilho, ele viu, riu, até para isso eres patética, atirou ela suspirou morreu,
eu aproveitei, apertei o dedo dela, acertando no meio da testa do filho da
puta.
Por instinto,
desci rapidamente, minha cama ficava pegada a porta, os meninos me viram como
se eu estivesse levantando da mesma. Que
foi isso falaram os dois ao mesmo tempo, apenas lhes disse, chamem nossa tia,
vou subir, vocês fiquem aqui.
Sabia o que ia
ver, mas fiquei quieto, Quando minha tia
chegou me viu ali parado na porta, na cama minha mãe, com todo sangue em volta,
ele caído no chão também num charco de sangue.
Ela ficou parada
ao meu lado, eu imaginei que isso ia acontecer um dia. Estavas aqui?
Não, estava
embaixo com os meninos, ele chegou fazendo escândalo como sempre, batendo
portas, os meninos se assustam, depois escutei os tiros. Mas, já era tarde, mandei avisarem a senhora,
porque sabia que ias avisar o xerife.
Realmente ele
chegou em seguida.
Me perguntou
sentado na cozinha com uma caneca de café na mão, se eu tinha visto alguma
coisa, repeti a mesma coisa, depois entendi que tinha que me apegar a essa
historia pois, não tinha outra. A
repeti, até não aguentar mais.
O que eles não
entendia era como ela tinha tido força de levantar o revolver, me perguntou se
sabia que estava ali. Lhe disse que
sim, mas que não me deixava tirar dali. Repetia uma e outra vez que a qualquer
momento ele viria para matarmos.
Depois de
enterra-los, minha tia me perguntou se eu queria levar o negócio dele, lhe
disse que não, que queria ir a Universidade, todos meus conhecidos tinham ido
embora, eu tinha ficado para trás, teria que recuperar o tempo perdido.
Ela concordou,
passamos a viver em cima do restaurante, eu continuei dividindo quarto com os
meninos. Eles queriam saber a verdade,
eu lhes contei tudo, não queriam que tivessem problemas posteriormente.
Minha tia me
contou que depois que os dois tinham nascido, ele tinha colocado na cabeça que
ela o tinha traído com dois homens, por isso eram diferentes.
Durante o ano que
estive afastado, estudei como se estivesse na escola, além de fazer desenhos, tinha
desenhado minha mãe se definhando como um exercício, ou porque me aborrecia de
estar ali, sem fazer nada.
No meio do ano,
fui aprovado, falei com minha tia, que iria embora, não aguentava mais estar
ali, me sufocava, aguentar o olhar de todo mundo em cima de mim. Quando
trabalhava na caixa registradora do restaurante, todos me olhavam com pena. Não tinha mais amigos, os da escola eram
menores do que eu, me sentia um peixe fora d’água.
Aonde queres ir?
Lhe dei o folheto
das escolas que gostaria de ir em NYC.
Te dou dinheiro,
mas terás que trabalhar, sei que isso não te assusta, creio que o dinheiro te dará para um ano ou
dois. Mas o resto é parte dos meninos,
para seu futuro. Na vila as coisas não
valiam muito, ela vendeu a fazenda, bem como o negócio do meu pai. Repartiu entre os três, os dos meninos
colocou no banco, me deu mais dinheiro, como um presente dela.
Me ajudou a pagar
para arrumar a caminhonete que usava, nesse tempo tirei bilhete de identidade,
carteira de motorista.
Peguei as poucas
coisas que tinha, tomei rumo a NYC, mal
sai da cidade, tive que parar, pois chorava, tudo o que tinha guardado, saiu
como uma catarata. Coloquei a
caminhonete na lateral da estrada, fiquei ali chorando, finalmente colocava
para fora tudo o que sentia.
Mas me contive,
segui em frente, tinha a direção de um conhecido de minha tia, que vivia no
Brooklyn, ele me disse que poderia usar
o quarto que tinha em cima da garagem. No dia seguinte me levaria a escola,
para ver como fazíamos. O quarto era
imenso, com um banheiro, pequeno, mas tinha um chuveiro, poderia me
apanhar. Paguei dois meses adiantado,
embora ele não quisesse aceitar dinheiro.
Ele vivia com sua
mãe, que estava doente na casa da frente.
Me contou que na verdade vivia em Manhatan, mas quem iria cuidar de sua
mãe.
Me levou primeiro
a uma escola, pois pensou que eu não sabia desenhar, a professora olhou meu
trabalho, me disse que não tinha nada a me ensinar, que eu fosse a Parsons, lá
sim poderia ir em frente.
Ele mesmo me
disse, não sabia que eras tão bom.
Na Parsons me
fizeram um teste, porque o semestre tinha começado, passei no teste, me disse
que fosse pagar a matricular, pegar a lista de material que necessitava.
O amigo de minha
tia Jim, foi legal comigo, disse que seu apartamento era ali perto, que eu
podia ficar com ele, pois a casa era longe.
Pelo menos alguém cuidava do apartamento, depois eu conseguiria alguma
outra coisa. Na loja que fui comprar o
material de pintura, vi um cartaz de que procuravam alguém para trabalhar, me
ofereci, teria aulas de manhã, tinha
umas cinco horas livres, me contrataram.
Já tinha dinheiro, além de
desconto no material que iria usar.
A primeira coisa
que fiz, já que a casa não era minha, foi forrar uma parede de plástico, para
não sujar, bem como o chão.
Nos dias
seguintes estava a pleno vapor, dormia no salão, já que o quarto seria meu
studio, comecei a receber informação, a trabalhar, a tentar entender a arte.
Nos domingos
falava logo cedo com os meninos, com minha tia, eles agora a ajudavam, afinal
não era tão jovem assim.
O que estranhei a
princípio era que sempre tinha alguém procurando pelo proprietário, eu só
respondia que não vivia ali, que tinha alugado o apartamento.
Um dia fui
abordado na rua por um sujeito imenso, desses que passam o dia inteiro no
ginásio, lhe disse o mesmo, que só tinha seu número de celular, nada mais.
No dia seguinte
este me ligou dizendo que não disseste aonde estava, pedi dinheiro emprestado
para cuidar da minha mãe, esses caras querem o dinheiro.
Quando o homem me
parou na rua outra vez, eu mesmo lhe
disse, creio que jogou o celular fora, pois não me atende, aluguei o
apartamento por dois meses, quando acabe vou embora daqui ninguém me deixa
trabalhar direito.
Me perguntou o
que eu fazia, lhe disse que pintava, abriu a camisa, perguntou se eu não o
queria como modelo. Lhe disse que não
fazia esse tipo de pintura.
Ele insistiu,
aceitei a contra gosto. Marcamos, logo
no primeiro dia, mal chegou, tirou a roupa toda, ficou nu.
O mandei se
sentar num banco, numa determinada posição, comecei a desenha-lo, fui mudando
de lugar para ver de outras posições, ao final, abriu as pernas, estava
excitado. Foi claro, queria fazer sexo
comigo, essa nossa diferença de cor me excita.
Lhe disse que nunca tinha feito sexo com outro homem.
Não se preocupe
te ensino, quando me viu nu, ficou impressionado com meu pênis, não o largou
mais, eu pensando que ia ser currado, tive outra experiencia.
Ficou aparecendo
várias vezes, conversava comigo, lhe impressionava o fato que eu sendo artista
não consumisse drogas.
Me disse esta
noite, que se continuasse me vendo, ia se apaixonar por mim, que não sabia se
isso era bom, para o que ele fazia, mas que não conseguia me tirar da cabeça. Eu não lhe disse nada, mas tinha arrumado um
outro apartamento, no sentido contrário deste.
Durante o dia,
ele nunca aparecia, me mudei rapidamente, tinha pouca coisa, além do meus
desenhos, poucas roupas, meu luxo era a caminhonete. Coloquei tudo em cima
desta, me mandei.
O melhor é que
este agora tinha garagem, assim pelo menos eu podia esconder a caminhonete, se
alguém me procurava por ela.
Semanas depois na
banca de revista da frente da loja que trabalhava, mostrava uma foto de um
assassinato, era o coitado, fiquei imaginando se eu estivesse junto, o chumbo
que teria recebido.
Nunca mais voltei
a ver o proprietário que me tinha ajudado, sabia que estava metido num marrom
de fazer gosto, dever dinheiro a máfia, não era nada fácil.
Creio que fui
criando sem ter muita noção um estilo próprio de trabalhar, isso parecia
agradar aos professores, na verdade
escutava suas orientações, as entendia, mas usava a minha maneira, descobri
depois que era isso que esperavam, orientar, mas que cada um fizesse a sua
maneira.
Sentia uma
dificuldade imensa de fazer amizades, tinha o tempo limitado, quando não estava
ali, estava na loja, depois estava no pequeno apartamento pintando.
Na escola estava
experimentando fazer um quadro grande, queria me sentir vivo fazendo isso, cada
um tinha uma parede para isso. A
principio não se via qual o meu objetivo, fui criando capas, já com o rosto da
figura em volume, quando estava com a textura que queria, comecei a desenhar o
rosto de minha mãe morrendo, como ela tinha ficado com a boca aberta, após
levar o tiro, querendo buscar ar. Estava tão concentrado, que não percebi que
os outros tinham parado de fazer o que estavam fazendo, estavam me olhando
trabalhar, dois professores me observavam.
Quando acabei, me
afastei, sem querer esbarei num colega que estava atrás de mim, que eu não
tinha visto. Me aplaudiram.
Os professores
balançaram a cabeça, como dizendo muito bem.
No dia seguinte,
quando entrei na sala, eu sempre chegava antes dos outros, para seguir
trabalhando, ali estava um homem bem vestido,
os cabelos impecáveis, todo uma figura, estavam ele, um dos professores de
costas para mim.
Quando me viram o
professor me apresentou, Ruben Gaultiery
tem uma galeria, no Soho, gostou do teu trabalho.
Mas ainda
sou um iniciante, preciso trabalhar
mais.
Isso, necessito
de mais quadros, não posso te lançar numa coletiva, pois vais acabar com os
outros.
Se me fazes 10
desses tamanhos, prometo te vender todos.
Sinto muito no
meu apartamento, não tenho espaço para isso, é um studio pequeno, é o primeiro grande que
faço, acho que o senhor está se precipitando.
O Ruben ria,
imagina encontrar um artista que tem a capacidade de ser honesto, reconhecer
que está começando.
Converse com teu
professor, me deu um cartão, tens uma semana para me responder, eu posso
arrumar um lugar para trabalhares.
O professor, era
daqueles pessoas que falavam o estritamente necessário. Quando vi o teu quadro vi o teu talento
nascendo, todos teus trabalhos anteriores, embora pequenos são bons, mas isso
te faltavam espaço para mostrar teus sentimentos.
Eu te arrumo um
lugar, pois se ele o faz, ficarás em dívida com ele, outra coisa, ele vai te
apresentar um contrato de exclusividade, não assine, ficarás para sempre preso
dele. Leve essa conversa que só estas começando. Mas faça a exposição. Ah antes que use como argumento que trabalhas
de tarde, eu sei que sim, tens dinheiro para aguentares pelo menos dois meses,
esse é o tempo que vais pedir a ele. Se
não tiveres eu empresto.
Nesse tempo todo,
tinha usado pouco o dinheiro que minha tia tinha me dado, bem como guardava a
maior parte do que ganhava na loja.
O dono me disse,
vai, se não acontecer nada voltas, as senhoras adoram ser atendidas por ti,
pois lhes explica o que devem usar.
Fui ver o local
com o professor, era um dos últimos, galpões que existiam ali no Village,
recebi de herança, estou negociando a venda, mas posso esperar você acabar de
preparar seu trabalho.
O senhor poderia
vir por aqui olhar o que estou fazendo?
Senão perderei a noção do tempo, o contato com gente, já não tenho
amigos, ficarei muito isolado.
Claro virei
sempre que possa.
Coloquei três
telas imensas na parede, fui preparando mais ou menos igual a todas, duas fiz
um fundo negro, pintei a cara do meu pai me chamando de Bastardo, quando
falava, era como o visse em câmara lenta. Aquela boca imensa, com os dentes
meio estragados pela bebida, os olhos amarelos, a fúria que tinha seu olhar.
O terceiro
desenhei o homem que tinha conhecido que tinha posado para mim, que nem sabia o
nome, mas aproveitei os desenhos, a foto dele no jornal, pois a tinha visto de
cabeça para baixo, o fiz sem roupa, numa diagonal do quadro, tudo era branco
negro, em vez de estar com os olhos fechados, como na foto do jornal, o fiz com
os olhos abertos, quando tínhamos sexo, chegava ao orgasmo. Era como um orgasmo na morte.
O professor tinha
uma maneira de comentar, balançava a cabeça, isso fazia que eu soubesse que
estava bem.
Um final de
semana me convidou para jantar, sei que não frequentas ambientes, mas precisas
conhecer gente de tua idade. Fomos a um
restaurante, que parecia um teatro de revista, entrava e saia gente que sequer
comia, somente alguns comíamos. Muita
gente vinha falar com ele, me apresentava, mas não me chamavam atenção. Entrou um homem muito alto, vestido de mulher
todo de azul, parecia um choque, pois se notava que tinha pelos no corpo,
perguntou ao professor se depois ia ver o show.
Venha com seu
namorado, apontou a mim.
Respondi
rapidamente, não sou seu namorado, sou seu aluno, não tenho namorados, mas
quero te pintar.
O outro puxou uma
cadeira, como é isso.
Quero te pintar
da minha maneira, vens ao studio, vês o meu trabalho, se aceita, te pinto, não
posso pagar muito.
Caralho esse
garoto, é incrível.
Incrível é o
talento que ele tem, disse o professor que estava olhando a cena, com um
sorriso na boca.
Ok, se vier ver
meu show, apareço no studio, ok
Lhe disse que
sim, prometo. Estendi a mão apertei, era a mão de um homem forte.
Depois de jantar,
de conhecer mil pessoas, que no momento seguinte já não me lembrava de quem se
tratava. Não conseguia tirar da cabeça
esse homem vestido de mulher, mas ao mesmo tempo tão masculino.
O professor, me
disse, vais gostar do show, não é o show típico de travestis.
Eu lhe disse que
nunca tinha visto nenhum, que nem sabia o que era.
O lugar do
espetáculo, era ali perto, hoje já não existe mais.
Um bar, com
mesas, um palco não muito grande, de repente apareceu aquele homem imenso
peludo, com uma tanga, contou duas piadas, a melhor coisa que me aconteceu hoje
foi conhecer uma pessoa, humana, sim porque vocês suas bichas descaradas, não
são humanas.
De repente
começou a cantar, quando terminou com sua voz potente, ficou meio em diagonal
aonde eu estava. Tirei da minha bolsa um lápis, um bloco comecei a desenhar
isso.
Mas era como se
eu estivesse ao seu lado,
Apareceram outros
atores, ele só voltou no final, agora vestido como estava antes, fazendo um
numero comum outro ator, que estava vestido de homem, muito afeminado, dado
momento, não sei como fazia, começava a cantar, mas como se estivesse comendo o
outro que estava de fraque. Era uma
mulher possuindo um homem.
Sua cara era de
uma maldade incrível, eu não parava de rabiscar, sobre o olhar atendo do
professor. Quando acabou o show, ele disse que devíamos esperar mais um pouco,
pois tinha muita gente saindo.
Por detrás chegou
alguém que bateu no ombro dele, olá meu irmão, como andas, esse menino não
prestou atenção no show.
Eu não podia
acreditar, aquele homem era ele. Comecei
a rir, ele perguntou qual era a graça.
Lhe contei se o
encontrasse na rua, não ia saber que era ele.
Obrigado isso é
um puto elogio, significa que sou bom no que faço, mas na verdade, sou irmão
mais velho dele. Ele sempre foi o
certinho da família, eu o ovelha negra.
O professor,
tirou o bloco que eu tinha embaixo do meu cotovelo, ele prestou atenção sim no
show, olhe.
Filho da puta
desse garoto, como podes ler minha alma. Apertou minha mão, amanhã mesmo
estarei lá.
Eu não podia
esperar amanhã, não podia deixar esse homem escapar. Lhe disse olhando na cara, não podíamos
começar hoje?
Ficou me olhando
serio de repente, o professor se afastou.
Não sabes com
quem estas te metendo? Isso pode ser
ruim para ti, sou essa pessoa que viste em teus desenhos.
Ah, estas
pensando que quero fazer sexo contigo, ainda é cedo para isso, não tenho muita
experiencia no assunto. Portanto o que
quero é outra coisa, tenho que fazer o que tenho na cabeça antes que me perca
em outras coisas.
Fomos para o
studio, quando entramos, ele só disse o local do meu pai. Um bom filho da puta.
Pedi que tirasse
a camisa, fui até o desenho, o que pensavas nessa hora, coloquei uns papeis
grande na parede, comecei a desenha-lo, ficamos assim até de manhã, fazia
calor, tirei a camisa, ele deve ter achado graça, eu era quase esquelético,
branco como uma parede, meus pelos do sovaco eram amarelos. Ficou me olhando, com um olhar de desejo,
pintei isso também. Lhe disse, tens uma
coisa incrível, teu olhar, tua maneira de olhar, transmite tudo.
Bom por hoje
acabamos, estou morto de cansado, um bom café agora iria bem, não achas.
Respondeu,
prefiro um beijo.
Me aproximei,
peguei sua cara passei a mão sujas de tinta por ela, o beijei, não imaginei que
ia me incendiar. Não conseguia parar.
Caralho, não era
para fazer isso. Mas não resisti, tirei sua roupa inteira, mergulhei nele, por
assim dizer. Quando terminamos estávamos
os dois sujos de tinta. Ficamos rindo.
Eu nunca imaginei
que um garoto que não soubesse fazer sexo, pudesse fazer tudo isso. A mil anos luz não tenho um sexo como esse.
Não nos largamos
mais, durante dez anos, mas depois conto.
Preparei os
quadros todos, ainda pintei dois de um negro que pedia dinheiro na
Washington Square, o desenhei ali na
praça, sentado, pedindo dinheiro, era um dândi velho, mas com classe. Perguntei se podia posar para mim, que lhe
pagaria. Me disse um preço, como dizendo
ele vai se negar.
Um era um fundo
branco, com ele como estava ali sentado, no outro o fundo era o céu cheio de
nuvens, como se ele estivesse prometendo para todo mundo o melhor de suas
vidas. No último dia me disse que eu
tinha uma coisa diferente das outras pessoas, tinha alma. Nunca mais o vi, o procurei o resto de minha
vida, mas não o encontrei.
Mas guardei isso
dele, me dizendo que eu tinha alma, não aceitou o dinheiro que tinha me pedido.
O professor levou
o Ruben Gaultiery para ver os quadros, ele ficou entusiasmado, eu não me
enganei. Tirou do bolso do casaco um
contrato, justo nesse momento entrava o Jael, meu namorado, dizendo eu sou o
agente dele, não assina nenhum contrato sem passar por mim, nem pelos
advogados.
Tirou um lápis de
uma de minhas caixas, foi riscando coisas.
Se quiseres fazer essa exposição, queremos um catálogo, cartazes pelos
lugares importantes em termos de arte, quanto a essa porcentagem de 50% nem
pensar, qualquer outra galeria ficaria com muito quiça com 15, o outro disse
20, ele é um desconhecido.
Ok, se
trabalhares direito, os próximos quadros estarão sempre em sua galeria, mas
nada de contrato.
Perfeito, vou
preparar tudo que me pediste Jael, eu te conheço não?
Não acredito,
acabo de chegar na cidade. Eu agora ia
dormir todos os dias na sua casa, nos dias que tinha show, eu ficava esperando
por ele no studio, até que vinha me buscar.
Não tens medo de
que saia com outro homem do show? Me perguntava sempre?
Não, porque sei
que me queres, como eu a ti. Olha Jael,
podes fazer isso qualquer hora do dia,
quando estou trabalhando, nem vou pensar em te vigiar, mas se descubro algo,
nunca mais vais me ver.
Um dia me
arrastou com ele a um médico, para fazermos exames, foi claro, tenho Aids, me
trato, viu que tenho cuidado, mas isso sempre é pouco. Se quiseres me deixar eu entendo, devia ter
falado no assunto no primeiro dia.
Nem podia pensar
em deixa-lo, ele era um raio na minha vida.
Nos exames, deu
que eu não tinha nada, mas me aconselharam como devia me comportar, isso
tínhamos feito desde o primeiro instante.
Eu ia com ele
visitar seus amigos no hospital, alguns em fase terminal, pedia licença
educadamente se podia desenha-los, queria fazer uma exposição, para arrecadar
fundos para o hospital, para aonde estava essa gente. Quando ele dizia isso, aceitavam.
Mas tinha um que
me olhava com horror, lhe perguntei por quê?
Me disse que nos
meus olhos via a morte, que essa pele, esses cabelos, parecia a morte andando
vestida de Rastafari.
Me sentei,
comecei a desenhar, lhe disse assim?
Mostrei, começou
a rir, até tossir, virou um grande amigo, saiu dali, seguimos amigos, porque se
recuperou. Jeremy Custer, um grande
escritor, dramaturgo, as vezes aparecia no studio, ficávamos os três
conversando coisas textos, quadros, ele dizia que eu conseguia ver a alma dos
outros. Acho que só quem viu a morte de
perto pode fazer isso.
Um dia contei aos
dois minha história, a cena do meu pai, minha mãe, como eu lhe dei o tiro no
lugar dela.
Ficaram em
silencio, Jeremy soltou que nesse momento eu tinha feito um pacto com o diabo,
pois o que pensava que era meu pai ia me matar, mas teus reflexos ganharam,
fizeste bem, um filho da puta sempre merece isso.
Minha tia tinha
vindo com os dois ver a vernissage, disse que quando jovem tinha vivido essa
vida, em Paris, fazia sucesso entre todo mundo.
Os meninos não se sentiram muito
a vontade vendo os quadros, parece que estou vendo mamãe na cama me disse Matheus,
pensei que ia me apaixonar pela cidade, mas a detestei. Quero ir para casa, eu entendia, eu já não
lhes inspirava confiança, entenderam minha pintura. Me evitaram o resto de minha vida, como se
eu os tivesse traído, os respeitei.
A vida seguiu,
quando fiz a segunda exposição, ao ser dedicada aos doentes, Ruben, convocou todos os jornalistas, pedia
divulgação era por uma boa causa, nem ele nem eu íamos ficar com um puto dessa
exposição. Tudo foi vendido, o valor
depositado em nome do hospital, para o tratamento da Aids.
Apesar da pressão
para fazer uma nova exposição, queria mudar de ar. Precisava sair de NYC, quando eu comentei com
o Jael, ele me perguntou o que queria fazer.
Talvez me
relaxar, ir a Paris, aos museus, beber na fonte, Londres, ou Berlin, vens
comigo.
A resposta dele,
foi franca, por nada do mundo te deixaria sozinho porque eres o ar que respiro.
Beber na fonte
para ele, significava aprender, observou tudo nos museus modernos, como o
Picasso, o Pompidou, depois em Berlin tudo que havia de moderno nas galerias.
Quando voltaram
no voo Jael, começou a passar mal, saíram do aeroporto em ambulância diretos
para o hospital, depois de todos os exames,
uma das medicações que ele tomava deixava de fazer efeito, agora vinha o mais
difícil, acertar com outra, foram dias de agonia no hospital, mas não saiu do
seu lado.
Eram capazes de se
entender pelo olhar. Um dia Jael lhe disse que não
queria ficar apodrecendo num hospital, como tinha visto seus amigos ficarem. Não entendeu ou não quis entender o que se
passava. Dois dias depois quando voltava
de comprar material para começar a trabalhar, visto que Jael saia do hospital,
o encontraram morto. Alguém tinha
levado para ele um revolver ao hospital.
Ninguém sabia,
ele estava aturdido, não conseguia entender.
Se lembrou da conversa, falou com os amigos dele, alguém tinha entendido
a mensagem, ninguém abriu a boca. Ele
estava profundamente abalado com tudo, ficou fechado no escuro do studio dois
dias sem sair, esperando uma luz, dormia ali mesmo no chão, o tempo todo sonhando com os 10 anos que
tinham convivido.
Quando se
levantou, começou a pintar um quadro que era um revolver, pela primeira vez
colocava umas palavras num quadro, será que resolve.
Passou semanas
pintando como um louco, todos estavam preocupados, ele só abria para o rapaz
que lhe levava comida. Um dia, foi
atender, atrás das embalagens estava o Jeremy Custer, venho te buscar, hoje é o
enterro do Jael, não podes faltar.
Quando viu o que
ele estava pintando, estas colocando toda tua agressividade para fora, isso
mesmo. O arrastou dali, contra sua vontade,
o levou para tomar banho, mas a casa do Jael, tudo lhe fazia lembrar o homem
que tinha amado tão loucamente.
O enterro ia ser
judeu, tinham feito a autopsia do Jael, a bala tinha destroçado seu crâneo, mas
nisso descobriram que tinha um tumor na cabeça, que sua vida não ia demorar
muito tempo.
Ele procurou
ficar a parte o tempo todo, essa quantidade de gente dando a mão, lhe ofendia,
lhe fazia mal, era como ver milhões de mãos tentando lhe agarrar.
No cemitério,
ficou afastado chorando, agora realmente tomava consciência que nunca mais o ia
ver. Ficou ali sentado num tumulo
qualquer chorando como uma Madalena, uma pessoa lhe estendeu um lenço, aceitou,
quando levantou a cabeça, estava ali um dos atores que trabalhavam com o
Jael. Sei o quanto ele te amava,
mas é impressionante ver como transformastes esse homem num ser
maravilhoso. Devo muito a ele, deixei de fazer shows, ele
disse que eu estava perdendo tempo, tinha talento para outras coisas. Me fez ver que podia ser algo mais, agora
estou estudando psicologia.
Ficaram ali
conversando, comentou o que sentia, perdi uma pessoa que amei desde o momento
que o vi, mesmo vestido de mulher, pude ver que por detrás estava um homem
fantástico.
Ele me dizia o
mesmo de ti. Mas ele sabia que se
ficasse vivo, a vida ia ser uma miséria, para ti, para ele. Tinha visto todos seus amigos morrerem, não
queria isso.
Eu entendi desde
a primeira vez que me disse, mas não sabia o que podia fazer, não sabia como
aliviar isso dele, na verdade tivemos uma viagem de despedida maravilhosa,
nunca poderei esquecer nada que vi com ele, as conversas, as discussões que
tínhamos a respeito do que víamos.
Eu acho que ele
sabia que era sua última viagem, pois me disse dias antes, se não vou, pode ser
que nunca mais veja o homem que amo.
Mas tens que
tocar para frente, lembre-se que o Jael, já tinha quase 65 anos, ele era muito
mais velho que você. Tinha vivido a
vida que tinha escolhido. Você ainda é
jovem, tens muito pela frente.
Lhe deu seu
número de telefone, quando quiser apareça no studio. Assim começo uma amizade que duraria sua
vida inteira. Agora saiam os três,
Jeremy, Coult, o arrastavam para jantar, ir a um cinema, ou mesmo a estreia de
um espetáculo, baseado na obra de Jeremy.
Assim foi se
reerguendo aos poucos. Pintou uns dois
quadros que era ele mesmo gritando, na verdade era um quadro em branco, com uma
boca escancarada gritando, os dentes, a língua as narinas , os olhos nada mais.
O outro era sobre
um sonho que ele tinha tido, como se fosse uma vingança, agora lhe tirava outra
vez uma pessoa que ele amava.
Tentou falar com
os irmãos, Thorpe estava estudando em San Francisco, Matheus levava o
restaurante na vila, cuidava da tia, não quis falar com ele de maneira nenhuma.
Não insistiu,
quem sabe o tempo acomodaria tudo.
Os dois últimos
quadros, foram comprados sem sequer passar pela galeria, todos os dois para um
museu Frances. Para muitos seria uma glória,
mas o dinheiro de um comprou um apartamento antigo, imenso num último andar,
como precisava de reforma, abriu todo um lado, deixando uma pequena parte, para
uma, sala, cozinha banheiro e um quarto, o resto era seu studio.
As vezes tinha
vontade de sexo, saia com os amigos, pelas discotecas, os dois riam dele pois
se fixava em homens parecidos com Jael.
Ele mesmo percebeu isso, começou a procurar o oposto.
Mas nunca
passavam de uma noite, não havia magia, nada que fizesse inclusive que a pessoa
ficasse para dormir.
Um dia vinha
andando pela rua, deu sem querer um encontrão com alguém que vinha carregado de
livros, se abaixou para ajudar, pedindo desculpas. Era mais ou menos de sua idade, loiro, olhos
verdes, atlético. O rapaz disse, eu sei
quem eres, caramba, adoro teus quadros.
O sorriso que tinha era cativante, começaram a conversar, foram tomar um
café.
Porra quiseram
ter isso todos os dias, conhecer uma pessoa especial. Ficaram de se ver, estuda jornalismo na
universidade. Mas não deu certo, quando
chegaram a cama, ele queria o Jael, foi uma merda, menos mal que o outro foi
esportivo. Eu entendo, as pessoas que
amamos, nos marcam para a vida.
Um dia
vagabundeando pela rua, para se relaxar, viu um cartaz de um grupo de jazz, um
que segurava o saxofone, parecia com a descrição que tinha dado sua mãe. Foi assistir sozinho o show. Como estava sozinho numa mesa, três rapazes
perguntaram se podiam sentar ali. Um
deles era filho do homem do saxofone. Lhe perguntou se queria conhecer seu pai,
podia apresenta-lo.
Disse que não, ir
buscar no passado, não ia fazer bem, pois teria que desenterrar muita coisa.
Fez um quadro,
que era como figuras recortadas, um homem tocando saxofone, tinha memorizado seus
movimentos, era como se a cada movimento a figura que começasse em negro fosse
se diluindo na tela, até ficar com duas mãos mais nada segurando o saxofone.
Isso era o seu
passado, se diluindo, nunca mais iria em busca do passado, nunca mais voltou a
vila, quando a tia morreu, mandou um ramo de flores, mas sequer telefonou aos
irmãos.
Seguiu sua vida
pintando, algumas vezes saia com alguém, mas seus dois amigos eram sua
companhia predileta.
Pelo menos uma
vez por semana, saiam para jantar, conversar, ou iam ao studio para ver o que
estava pintando. Quando teve uma
quantidade grande de quadros, chamou o Ruben, marcaram uma exposição. De novo foi um sucesso. Tudo vendido.
Ele sentia que
precisava se reciclar, não gostava de ficar parado no tempo, resolveu aprender
a fazer escultura, voltou a escola para isso.
Quando estiveram em Paris, tinham ido ao Museu du Quai Branly, aonde viu
muitas máscaras africanas, nem tinha tocado nessas fotos, procurou as
mesmas, começou a trabalhar em cima
disso. Misturando o como gostava de
trabalhar, dizia que a boca os olhos, as narinas das pessoas podiam dizer muita
coisa.
Começou a sair
pelas ruas procurando negros que se parecessem com mascaras, os desenhava, um
dia estava na Washington Square, ficou
fascinado por um estudante, seus traços pareciam terem sido cortados a faca,
ficou ali o desenhando, mudando de lugar para ter outras perspectiva, quando
escutou uma voz forte dizendo, fazes isso sem autorização, vou chamar a
polícia.
Não tinha visto
que ele tinha saído do banco aonde estava para se colocar ao seu lado.
Caramba, fico
mais bonito, pelos teus traços. Estendeu as mãos negras por fora, brancas na
palma, Jonathan ou Jonas Klayberg, mas minha mãe me chama de só
Jonas, é uma senhora fantástica.
Queres posar para
mim Jonas?
Caramba rapaz,
vai ser difícil, primeiro porque eu disse meu nome, me apresentei, mas tu não
disseste o teu.
Thobias Grunderk,
sou pintor.
Eu sei quem eres,
me lembro quando chegaste na universidade, com aquele cabelos imensos
rastafari, ainda perguntei a um colega, de aonde saiu essa peça.
Sou professor
aqui, dou aulas de direito, bem como de psicologia
criminal.
Estou perdido,
adeus, meus crimes todos virão a tona.
Se tenho tempo,
claro que posaria para ti, mas tens que fazer um retrato meu, para oferecer a
minha mãe, ela ia adorar. Tirou da carteira, uma foto dele, ao lado de uma
mulher branca, ah sou filho adotivo.
Passaram a se
encontrar ali na praça, até que um dia o levou ao studio, pediu que tirasse a jaqueta, bem como a
gravata, a camisa. O iluminou como gostava, começou a desenha-lo de todas as
maneiras. Sem saber, bem porque, num
desenho incluiu o menino que estava com a mulher branca. Seus olhos, sua maneira de olhar para ela.
Jonas quando viu
ficou de boca aberta, como sabes que eu estava pensando nisso, essa foto estava
guardada aqui a muito tempo, nunca mostrei para ninguém, porque pedem muitas
explicações, eu odeio. Você ao
contrário, olhou, guardou na tua cabeça, agora sai espontaneamente.
Quando Jonas
voltou de novo, ele tinha pintado um quadro, aonde Jonas criança, estava
sentado num banco de jardim, com a senhora, que ele tinha memorizado, com um
vestido cheio de flores, atrás olhando os dois Jonas adulto, de traje, gravata,
um olhar sério.
As lagrimas
rolavam na sua cara. Como chegaste a
isto?
Não sei, olhando
a ti. Nada mais.
Eres um caçador
de almas. Fez uma coisa que ele não esperava, se levantou, o abraçou, beijou
sua boca, foi um efeito devastador. Ficou sem folego.
Tinha encontrado
um novo amor. Os dois faziam um par
completamente diferente, ele tão branco, o outro tão negro. Quando
ele disse ao Jonas que era albino, primeiro ele não acreditou, lhe mostrou a
foto de sua mãe, ela me contou no seu leito de morte, que tinha tido uma
aventura, com um negro de uma cor distinta aos demais, que ele sem roupa era
como um homem branco, eu nasci assim, branco quase transparente.
Foram levar o
quadro para a mãe do Jonas, era uma senhora muito distinta, vivia numa zona
chic da cidade. A então é você que tem
sequestrado o meu filho. O abraçou,
beijou seu rosto.
Quando viu o
quadro, perguntou quem te falou nesse vestido, ele explicou que tinha visto nos
olhos do Jonas. Quando soube que ele na
verdade era albino, ria muito, podia pensar que eras sueco, da Noruega, ou
coisa parecida, mas que tivesses sangue negro nunca.
Agora ia com
Jonas todos sábados jantar na casa dela.
A princípio Jonas
só vinha dormir, mas foi ficando, gostava de estar estudando ou escrevendo
qualquer coisa, enquanto ele pintava ou desenhava.
Os outros dois
quadros do Jonas foram para a exposição, já marcados de vendidos, não queria
que ninguém tivesse o seu amado. Os deu de presente a ele.
Agora depois de
todos esses anos, estava esperando por ele, para entrar nas salas aonde faziam
a retrospectiva de sua vida. Estava
emocionado, Jonas sempre o acompanha em
tudo.
Viu que ele
chegava por detrás, o que estas fazendo aí escondido, aproveitando isso para
rever tua vida. Ele ofereceu seus
lábios, sim, exatamente isso, fazendo uma análise de tudo.
Entraram os dois
no salão do museu, aonde estava sendo sua retrospectiva, com obras que tinha
espalhados pelo mundo inteiro. Agora com
a idade, trabalhava mais devagar, fazia uns desenhos pequenos para depois
aumentar. Tinha sempre no bolso, um
bloco pequeno, um lápis. Nunca tinha
imaginado isso, essa necessidade de estar sempre captando pessoas.
Estavam os dois
casados oficialmente a meio ano, a mãe do Jonas, dizia que queria morrer
tranquila, sabendo que o filho estava bem casado com ele.
Comentou com ele,
pena que ela não está aqui.
Ia adorar,
conversar com essa gente toda. O quadro
do Jonas com ela, ocupava uma sala especial.
Pela primeira ver
tinha se recordado do Jael, sem sentir dor no peito.
A vida seguia,
agora em ritmo mais tranquilo.
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