miércoles, 22 de enero de 2020

FIM DE CARREIRA


                                                   FIM DE CARREIRA



Ao se olhar no espelho, seu lado esquerdo estava perfeito, mas o direito nem tanto, tudo devido ao tiro que tinha levado na cara.  Seria preciso uma boa recuperação com uma cirurgia estética.

Ficou olhando esse lado do rosto, tinha visto pelo olhar das enfermeiras, que pensavam, coitado tá fudido.   Mas tudo o que ele via eram os dois lados de sua personalidade.  O lado que estava perfeito, simbolizava, o tipo bonito que conquistava todo mundo.  O outro lado parecia a cara real do seu interior, da sua alma negra como uma bela noite sem lua, em que a escuridão lhe permitia sair, sem que lhe reconhecessem.

Estava farto de tudo. Realmente não tinha esperado o tiro essa era a verdade.  O sujeito lhe apontou a arma, infelizmente era um garoto, se via que estava assustado.  Lhe pediu o celular, a carteira, seu tênis, suas calças.  Ele ficou parado olhando, como se estivesse falando com outra pessoa que não fosse ele mesmo.  Ainda fez um gesto para dizer, é comigo que estas falando?

Esse movimento assustou o garoto.  Ele caiu para trás, a distância era curta, por isso foi como se tivesse arrancado metade de sua cara.  Olhou desde o chão, ele tinha se mijado nas calças.  Ia lhe perguntar para que precisava disso.  Era para comprar drogas.   Olha o que ela fez comigo.

Mas não conseguia se mover.   O garoto saiu correndo, sem levar nada.  Alguém tinha escutado o tiro, olhou na janela, o viu jogado na sarjeta, chamou a polícia, evidentemente sem se identificar.  Afinal ser testemunha de acusação de alguma coisa no Brasil era uma merda.

Ainda tentou se sentar, acreditava que a pancada em sua cabeça, tinha sido forte.  Junto com a polícia, chegou uma ambulância.   Pensavam claro, vamos levar mais um para o necrotério. Mas nada, o sujeito estava vivíssimo da silva.  Ainda conseguiu tirar sua carteira, para que lhe levassem para o hospital que tinha direito.

Era de madrugada, imagina um serviço de emergência, as pessoas abrindo a boca, cansados de esperar. Os médicos loucos para irem para casa.   Mas quando o viram, alguns o reconheceram.  Fizeram o melhor que podia.  Depois é claro teria que ser com um cirurgião de estética. 

Agora pode ser que lhe desse um papel de drácula, ou algum outro personagem do terror.  Seu agente estava impaciente com o tempo que perdia diante do espelho.  O chamou a realidade, vamos que temos hora com o cirurgião plástico.  

Justo nesse momento, pensou, se isso me faz livrar de tudo que odeio, de que estou farto.  Não quero mais interpretar o galã, o garoto sonso, o de boa família.  Isso creio que se acabou.

Evidentemente que sua carreira de ator, tinha acabado no momento que tinha levado tiro. Mas em momento algum fez qualquer reclamação.   Quando a polícia veio lhe interrogar, para saber se podia reconhecer quem tinha feito esse estrago.   Disse somente, desci do taxi, mas estava escuro, eu cheio de drogas, creio que foi um mal-entendido.  Não tenho menor ideia de quem foi.  O agente de publicidade do canal, ficou furioso pois isso vazou.   Que ele dissera que estava extremamente drogado.   Não era uma mentira.  Vinha se drogando a meses, pois já não conseguia se mover sem isso.

As eternas repetições de personagens, os putos closes em sua cara, considerado o homem mais bonito do Brasil, tinha ido para o caralho. 

Quando falou com o cirurgião plástico, disse, só quero que arrume minha boca que esta torta, que me dificulta falar, o resto não me preocupa muito, o chamou para seu lado, não quero ficar mais bonito.  

Este o olhou assustado, pois imaginava que queria que recompusesse toda a beleza que tinha, isso significaria pelo menos umas quantas operações. 

Quando comentou isso, sua única pergunta foi, o que lhe pedi, quantas cirurgias representam.

Só uma, o mais simples é arrumar a boca torta, para falares direito, colocar um enxerto em cima de tudo que está aberto. Depois com o tempo, irmos reconstruindo o rosto.

Vamos a isso então.  O agente da emissora, disse que o melhor era falarem com outro cirurgião, mas ele olhou a este, apesar de jovem lhe inspirava confiança.  Tenho todo tempo do mundo para recuperar minha vida.

Uns vinte dias depois saiu da clínica, em momento algum, tinha sentido pressão para mudar o seu rumo.   Somente chamou a pessoa que cuidava de seu dinheiro.  Tinha dinheiro suficiente para  bastante tempo.  Ele nunca tinha gastado muito.   Inclusive com as drogas, na verdade lhe ofereciam.  Ia a uma festa, estavam todos cheirando, ou fumando um canudo.  Para que se preocupar.   O que sempre lhe preocupava, era quando bebia muito, nunca sabia quem ia encontrar na sua cama no dia seguinte.   Isso sim lhe molestava, ficava furioso com ele mesmo, porque nem sabia se tinha feito sexo ou não.  Realmente tinha como um buraco na sua cabeça.

As vezes era algum homem ou uma mulher, ou os dois ao mesmo tempo.

Se olhava no espelho, se perguntava, era isso que esperava de sua vida.  Estava farto, não tinham em momento algum imaginado isso.

Tinha ilusão, que foi desaparecendo com o tempo.  As vezes era necessário que o chamassem a realidade, pois se desconectava, talvez pelas drogas, do que tinha que dizer.  Sentia que sua cara articulava da mesma maneira sempre.

Tinha claro sua casa que tinha comprado com ilusão, pois adorava o mar, mas pouco a podia usar, era em Arraial do Cabo, tinha poucos vizinhos.  Tinha conseguido simplesmente desde que a comprara de um conhecido, passar uns 15 dias lá, entre novelas.

Chegou em casa, desceu do Uber, com chapéu, óculos de sol.  Entrou cumprimento o porteiro, que perguntou pela sua saúde.  O senhor não sabe o fuá que fizeram suas seguidoras aqui na frente.  Tínhamos que limpar a calçada todos os dias, por causa das velas. 

Devem ter pensado que morri.  Teria que sair desse apartamento porque era da emissora, não seu.  Mas isso lhe dava igual, tirando suas roupas, seus livros, nada era seu.

Separou a roupa que gostava, camisetas, dois blusões, roupa interior, sunga de praia.  Jogou tudo dentro de duas maletas, pegou uma mochila que estava com o laptop, o celular,   desceu pelo elevador de serviço para a garagem.  Esperava que seu carro funcionasse. Tinha a voz um pouco diferente, pois com a operação ainda não podia articular direito.  Antes de sair, olhou para o espelho, de qualquer maneira ele era outra pessoa.

No dia anterior tinha renunciado a renovar ser contrato, seu agente estava furioso, mas não era com ele, não queria passar por mais quatro operações. Queria tão somente sua vida de volta.

Passou num posto de gasolina, encheu o tanque, foi embora, não chamou ninguém,  Aliás, não tinha a quem chamar.  Esses amigos todos que tinha, eram companheiros de trabalho, nunca tinha tido intimidade com nenhum deles.

Era mais fácil considerar o pessoal que cuidava dele, maquiadores, cabelereiros, os ajudantes de vestiário porque esses cuidavam dele.

Sentiria falta da Marta, uma negra que quando ele estava no studio, era como sua sombra.  Ela sim cuidava dele, embora fosse paga para isso.   Foi visita-lo umas quantas vezes no hospital.

Contou as fofocas dos bastidores, como ele já tinha cenas gravadas da nova novela, tiveram que encontrar um substituto.      Outro como ele. Com estampa, mas uma merda como ator.

Não foi isso que sonhei para mim, essa era a verdade.  Tinha sido criado pelos avós, seus pais se separaram, cada um refez sua vida com outra pessoa, ele ficou para trás.  Seus momentos trágicos tinha sido justamente a perda dos avós um seguido do outro.   Encaixou justamente quando fazia sua primeira novela.   A pouco tempo a repetiam num horário da tarde, viu alguns capítulos que trabalhava. Teve que rir, que canastrão.  Estava no hospital, pediu a enfermeira para colocar em algum filme americano.

Sabia que as enfermeiras, sentiam lastima pelo que tinha lhe acontecido.   Ele ao contrário, se encontrasse aquele garoto outra vez, era capaz de lhe dar um beijo na testa em agradecimento.

Não tinha menor ideia do que ia fazer, mas ia viver sua vida.

Parou num supermercado a entrada da cidade, comprou as coisas que gostava de comer, um básico.  A casa tinha uma boa cozinha montada, podia cozinhar como sempre tinha feito, antes de ser famoso. 

O mais importante, era comprar café, coisas básicas, como arroz, ovos, hum pensou, um arroz com ovos fritos, ah quanto tempo não comia isso. Ficou com água na boca.

Chegou à casa, abriu a garagem, meteu o carro dentro, tirou as coisas, foi levando para a cozinha.   Tinha que ligar a geladeira, todos os aparelhos elétricos estavam desligados, abriu as janelas, o quarto ficava no andar de cima.  Ele gostava mesmo era do salão.   Tinha até uma lareira para o inverno.  Ele ia passar bem lá.    Subiu, abriu a imensa janela que cobria toda a extensão do quarto. Afastou bem as cortinas, ficou encostado na parede olhando o mar, quase dormiu ali em pé.  Fechou a janela, deixando uma fresta para entrar o ar.   Não tinha problemas, sem vizinhos na frente, nem dos lados, tinha liberdade. Uma das coisas que atraiam naquela casa. Sua intimidade.  Fez um café, sentiu o cheiro do mesmo. Riu lembrando do médico, que lhe disse que mais um tempo consumindo drogas teria que recompor o tabique nasal.

Adeus merdas.  Nesse dia, estava indo para casa cedo, pois percebeu que iria cair na cama, com um sujeito muito bonito, mas que já tinha passado nas mãos de muita gente.  Estou fora, mesmo meio drogado, escapou.

Isso de acordar sem saber quem estava ao seu lado também.  Chega de beber, drogas, menos o rock roll que ele gostava.

Não ia chorar o leite derramado, afinal ele também era culpado de muita coisa.  Como todos os jovens queria ser famoso.      Era bonito, queria a fama.                Mas tudo tem seu preço essa era a verdade, nua, crua.  As vezes lhe parecia divertido que algum companheiro ainda encontrasse tempo para se enamorar de alguém.   Outros viviam escondidos em seus armários, trancados a sete chaves.

Abriu as cortinas, depois as janelas do salão deixando o ar do mar entrar.  Respirou fundo, com a caneca de café na mão.   Foi tomando devagar, não tinha menor noção do que ia fazer. Mas uma coisa era certa, tinha que procurar outra profissão.

Riu para si mesmo, o melhor era que seu nome real, não era o usado na televisão, portanto não teria problemas com nada.   Ele agora era  o de sempre. Dave Njord, por isso era loiro, seus pais eram estrangeiros.  Alias naquele pais, quem não era emigrante, riu de um conhecido que gritava em bom som que era raça pura.  Se lembrava da cara dele, podia ser tudo menos raça pura.

Tinha ido ver o cirurgião antes de sair da clínica.  Era um tipo de uns 45 a cinquenta anos, fizeste bem em não aceitar todas as operações, dentro de cinco ou mais anos, terias que refazer todas, porque as cicatrizes começariam a aparecer.   As luzes do studio iriam te marcar.  O sol prejudica menos que essas luzes.   Lhe contou que ia para a casa de praia.  Como faço, penso em me bronzear.   O médico, tirou dois tubos de creme do armário, lhe entregou, passe isso, vá tomando sol na cara devagar, assim ficarás com a pele por igual.  Principalmente na zona do enxerto.

Abriu as maletas, colocou tudo dentro do armário, tirou roupa de cama, preparou a mesma, vestiu uma sunga, foi para o mar. Antes passou o creme, apesar de ser final de dia, não queria deixar a pele desprotegida.    Foi descendo as escadas que levavam a praia, sem cruzar com ninguém.  Se houvesse em toda extensão da praia, umas dez pessoas, seriam muitas.  Deixou a bermuda, com a camiseta, chapéu, óculos ali na areia, mergulhou, sentiu que a água lhe liberava de tudo, nadou um pouco, mergulhou naquela água limpa.  Depois ficou boiando, sem se importar com nada.

Pela primeira vez em muito tempo tinha vontade de rir, não as risadas de um texto, ou porque estava numa festa, contavam uma besteira todo mundo ria. Isso tinha acabado.

Voltou para a praia, tinha um homem parado ali perto de suas coisas. Na hora não entendeu.

Moço não deixe suas coisas assim, a praia esta vazia, embora não seja o Rio de Janeiro, tem malandro também.

Vi o senhor sair da casa, vais passar uma temporada,  eu sou pescador aqui, posso lhe trazer peixe fresco no tempo que estiver aqui.

Vou morar uma boa temporada aqui, a casa é minha.

Tenho a sensação de que já vi o senhor em algum lugar?

Não creio, sou novo por aqui, meu nome é Dave, ou David, como queira.

Sim gosto de peixe, de camarão,  pode trazer.

Se vestiu, secou a cara, colocou o óculos, chapéu.  Aonde posso tomar uma cerveja, esqueci de comprar. 

O rapaz, agora de perto o via melhor, devia ser mais jovem do que ele, muito queimado do sol, com os cabelos todos queimados.

Bom se o senhor sobe por ali, mais adiante, quem um barzinho, meio pé sujo, mas a cerveja é gelada.

Queres vir tomar uma cerveja.

Uma loira gelada, nunca se recusa não é verdade?

Eu nunca ia pensar que eras pescador, tens cara de surfista.

Também faço.  Vim para cá, por causa do surf.  Tive um acidente num campeonato, uma prancha bateu na minha cabeça, quase fui para o outro lado.   Se um americano, não me recolhe, tinha morrido.   Eu nasci aqui, tinha uma grana, comprei uma casinha, mais para lá, vim embora.   Me afastei de tudo, precisava de deixar de pensar nisso de campeonato atrás de campeonato, no fundo estava sempre sozinho. Entende.

Sim, comigo aconteceu o mesmo.   Me cansei do que fazia.

Estavam tomando já a cerveja,  mal chegaram ele o apresentou ao Tonho, é boa gente, quando estão os turistas, é melhor ser conhecido, pois ele tira a cerveja mais gelada prá gente.

Como é teu nome?

Dagoberto, Berto ou Dago, deixo a escolha das pessoas. Eres a primeira pessoa com quem tomo uma cerveja.  Não costumo conversar muito.  Gosto de ficar na minha.  Antigamente, gostava de fumar um baseado, mas não posso por causa de uma medicina que tomo.

Tenho sempre que sair ao mar com alguém, pois pode me dar um ataque epilético.  Graças a deus são rápidos. Não é perigoso.

Por isso vou com um velho pescar, ele não tem filhos, me adotou.  Com ele falo muito, talvez porque inspire confiança.

Ele coitado adora televisão, quando vou tomar uma cerveja com ele, sou obrigado a ver novelas. Diz que é mais fácil que ler um livro.

Eu acho tudo uma merda.   Ficaram os dois rindo.

Olhando bem de perto, se via que estava mal cuidado, mas que era bonito.  Quando tirou o boné que usava, para coçar a cabeça, viu que tinha uma cicatriz que atravessava toda uma lateral,  ali não tinha cabelos.

Ah, estas vendo a cicatriz, pensei em tirar. Depois pensei bem, para que. Assim me faz lembrar do tempo que era um campeão do nada.   Porque tiras o dinheiro, resta só o prazer da  água.

Isso eu tenho agora sem me preocupar.  Alias faço uma coisa que as pessoas aqui devem achar loucura, adoro tomar banho de chuva, no mar, a água fica quente.  Cai na besteira de fazer aqui na praia, fiquei nu, entrei na agua, não vi que tinham dois carros parados, na parte em cima.  Quando voltei os idiotas tinham chamado a polícia.  Mas de noite, quando faz muito calor, sempre dou um mergulho.  Noite de lua cheia então que maravilha.

Caramba, estou falando mais do normal.  Talvez seja porque me inspiras confiança David.

Só estas me escutando sem falar nada.

Gosto de escutar as pessoas. No que fazia, não tinha tempo para nada.  Agora por muito tempo terei tempo para pensar, até em voz alta, sem ninguém para me incomodar, me dar ordens.

Ainda não sei o que vou fazer da minha vida, mas pronto descubro.

Só tenha cuidado para não casar, eres bonitão, mas casar é uma furada.

Foste casado?

Quase, ia fazendo uma besteira, para provar a todo mundo que era macho.  Depois parei para pensar, sou macho quando aguento uma onda enorme, porque tenho que ficar provando que sou homem.  O mais importante é ser uma pessoa inteira.

Sim isso é verdade, o meu problema  Berto, é que me meti com muitas merdas, me perdi, de repente tudo estourou em minha volta, cai na realidade.

Entendo, gostei que me chamaste de Berto, é o diminutivo que mais gosto.

Voltaram andando, o outro sinalizou uma casa muito pequena lá em cima.  É quase um barraco, mas também não preciso mais que uma cama, um cadeirão para olhar o mar. Basta.

Quando quiseres, me chame para nadar, de noite se for o caso.

Amanhã tenho que levantar as cinco, senão íamos nadar hoje à noite.

Entrou em casa pensando, que simples falar com uma pessoa que não sabe quem sou, dentro em breve ninguém mais vai se lembrar de mim.

Olhou no espelho do banheiro como estava o enxerto.  Viu que estava normal.

Nunca tinha tido muita barba, mas agora, a tinha a meio fazer.  No hospital as enfermeiras faziam para ele, para não se machucar.

Fez um sanduiche, olhou aonde sentar, ele tem razão, um cadeirão é necessário.  No salão tinham poucos moveis, só um sofá que virava cama. Vou comprar um para aqui, outro para o meu quarto. Assim posso me sentar olhar o mar.

Ficou sentado na varanda de cima, comendo o sanduiche.   Quando olhou para baixo, lá estava o Berto.  Se quiseres mais tarde podemos tomar banho de mar.   Falei com o velho, está mal, não quer sair amanhã.  Diz que os ossos lhe doem, sinal que vai chover.   

Queres um sanduiche?

Não, vou para casa tomar um banho, mais tarde te chamo. Tchau David.

O viu subindo, pensou que interessante, diz que tem confiança em mim.

Nisso viu que ele caia no chão.  Desceu correndo, quando chegou perto viu que estava tendo um ataque.  Levantou sua cabeça que estava no chão, tirou a camiseta para apoia-la, lhe abriu a boca, colocou um troquinho de madeira que estava por ali.  Mas realmente foi rápido.

Merda, não devia ter tomado a cerveja, mas queria me enturmar contigo.

Não seja por isso, eu fiz a mesma coisa.  O ajudou a se levantar, gostou do contato da pele, o acompanhou até sua casa.  Quer ver como é pequena.  Na parede de fora, estavam várias pranchas de surf.   Uma pequena varanda, com um cadeirão desses que aguentam o sol, depois um retângulo relativamente grande, com uma cama perto de uma janela, uma arara com roupa de surf, camisetas, bermudas.  Do outro lado uma mesa pequena, com duas cadeiras, um fogão, uma geladeira. Nada mais.

Realmente está perfeita  Foi ao banheiro lavar a boca.  Assim não posso te beijar em forma de agradecimento.

Realmente lhe deu um beijo quando voltou. Tinha um sabor especial, passou a mão pelos seus cabelos.  Você é bonito demais. Mas o que gostei mesmo foi de falar contigo.

Colocou a cabeça no seu ombro, tava precisando disso, um ombro para encostar minha cabeça cansada.

Sentara-se fora nos degraus da escada da varanda, ficaram olhando o mar.  David, você me dá paz, não me deixe mais beber, cai muito mal.

Estou proibido uma série de coisas, menos trepar, comer, dormir, cagar, mijar.  O resto quase tudo.  Fico olhando para essas pranchas, tudo que posso fazer, é me deitar nelas, ficar olhando o céu.   Se entro com elas no mar, perco o equilíbrio, caio direto na água.

O mais engraçado, é que sou gay, desde garoto, comecei a fazer surf para estar perto dos outros garotos.  Mas nunca transei com nenhum.  São muito preconceituosos. Por isso ia me casar.  Mas depois pensei, para que, fazer uma garota infeliz, algum dia a iria trair com um homem, iria tudo a merda.

Mas de você gostei, quando te vi na água, pensei, esse garoto não é daqui, deixando tudo na praia, fui la vigiar.  Em momento algum me deste como um intruso. Sorriste, começaste a conversar comigo.  Os que sabem quem eu sou, ficam logo com cara de pena, a mesma coisa quando viste a cicatriz, não vi nenhum gesto ou cara de repulsa.  Tampouco quando te beijei agora mesmo.  Estava necessitado.  Você viu alguém correr para me socorrer, ninguém, só o velho faz isso.  Mas hoje tá lá do outro lado.   Eu ficaria ali, até passar, sem ninguém se aproximar.  Ou então se a praia estiver cheia, ficam todos em volta te olhando como um desgraçado.  Apesar que tomo remédio, não posso tomar nenhum forte, porque tem efeitos colaterais.  A coisa foi feia, fiquei quase dois meses em coma.

Bom deixa para lá não paro de falar.   Virou-se me beijou outra vez na boca, a sua era suave, depois colocou de novo a cabeça no meu ombro.  Hoje vou dormir tranquilo.

Nisso começou a chover, o puto velho tinha razão, ia chover. Tirou a camiseta velha, tinha um corpo fantástico, magro, mas musculoso, queimado do sol.  Seu primeiro impulso era tirar a camisa fazer o mesmo.  Não queria se levantar pois tinha o pau duro.  Ainda era cedo para ter algo assim.

Vou para casa deixei tudo aberto, vai entrar agua. A chuva tinha parado um momento.  Amanhã nos vemos.  Lhe deu um beijo na boca. Essa primeira noite necessito dormir sozinho ok.

Foi para casa, a cada tramo, se virava para trás, abanava a mão.

Tinha encontrado alguém com mais problemas do que ele, mas queria ter certeza das coisas, não queria fazer sexo, por fazer sexo.   Mas que tinha gostado do beijo, isso tinha.

Odiava ficar beijando as garotas nas novelas, era uma coisa gelada. Cenas de sexo então nem se fala.

Realmente a cortina do quarto estava toda molhada, mal chegou à chuva caiu com toda força. Fechou as janelas, tomou um banho quente, sentiu vontade de dormir. Afinal tinha o hábito no hospital de dormir cedo, ou melhor lhe davam uma medicação para dormir.

Deixou uma manta nos pés da cama, mas dormiu direto.  Acordou relaxado, era o primeiro dia livre de sua nova vida.

Escutou uma batida na porta, pensou que era o Berto, quando puxou a cortina era um senhor de cabelos brancos compridos.

Perdão, sou o pescador que diz o Berto.                Sou seu tio, mas se digo isso tenho que o ficar lembrando.   O Berto não dormiu, esta na varanda, enrolado num cobertor, esperando pelo senhor, pois tem medo de esquecer quem é o David. Esse é o seu nome, não é?

Sim, mas porque ia me esquecer?

É uma das sequelas do seu acidente, ele nunca se lembra quem estava com ele, pode lembrar as pessoas que estão sempre por perto.  Por isso quando fui lhe dar o remédio da noite que o faz dormir, ele não quis, me contou que o tinha conhecido, que o senhor tinha socorrido no seu ataque, que lhe tinha beijado. Que o melhor tinha deixado ele ficar com a cabeça no seu ombro.

Por isso não quer dormir.  Pode por favor ir até lá, ficar com ele um tempo, até que durma.

Claro que sim, mas não me chame de senhor, só de David.

Vestiu uma camiseta, óculos escuros, chapéu, o sol já estava a pino.

Quando chegou na varanda Berto abriu um sorriso imenso.  Vê tio, não me esqueci dele, agora posso dormir.  Ia dormir ali mesmo.  Mas o levantou, pegou a manta, o foi levando para dentro abraçado, ele ia com a cabeça no seu ombro.  Deita comigo, o velho fez um gesto afirmativo que sim.  Trouxe água, uma pastilha.  Ele tomou como um menino.  Se deitou na cama, bateu a mão ao seu lado, tenho que dormir assim, pois me acostumei no hospital. Ele se deitou ao seu lado, ficou encostado, em seguida estava dormindo. 

Esperou um pouco, lhe fazia bem saber que estava na cama com alguém, não uma pessoa que ele nem conhecia.  Que depois iria alardear para todo mundo, dormi com fulano.

Ele queria era paz de espírito, nesse momento o tinha.  Esperou um pouco, se levantou devagar, sem fazer ruído.  Viu que ele estava num sono profundo, com um sorriso na cara.

Saiu, sentado nas escadas estava o senhor.

Obrigado, senão ia ser um inferno o dia inteiro, não tenho mais idade para isso. Afinal tenho 85 anos.  Quando ele tem um ataque, fica difícil, por isso pago um menino para ficar o seguindo, o olhando, mas esse está doente estes dias.

Ontem me procurou depois que esteve contigo, estava eufórico, o que é muito difícil.  Disse que a muito tempo não falava assim com ninguém, que lhe inspirava confiança.

Ele teve uma vida muito difícil.   Era super ativo, os pais não o entendiam, uma inteligência nata. Seu pai é meu irmão.  Um idiota renomado.   Seus pais se separaram, ele passava cada dia numa casa.   Isso o confundia.  Se escapava para a minha, que ficava em frente a praia, no posto 6, ainda tenho o apartamento.  Então o levava para nadar no Arpoador.  Ele ficava como um louco vendo os garotos de sua idade surfando.  Lhe comprei uma  prancha, ninguém lhe precisou ensinar, já tinha aprendido só de olhar.  Agora fugia da casa do pai ou mãe que lhe correspondia aquele dia, passava o resto do dia dentro d’água.   Era impressionante, como sempre tivesse feito isso.   Houve um campeonato para os jovens.  Ele ganhou em duas categorias.  Ficou feliz, me agradeceu na hora da premiação, pois o tinha encaminhado.  Daí para os grandes campeonatos, foi um pulo, eu me aposentei, falei com meu irmão, que agora tinha outro filho, sua ex-mulher, a quem o novo marido não suportava um garoto hiper ativo dentro de casa.  Ele foi morar comigo.  Tinha seu quarto sempre em ordem, ficou mais calmo.  Mas o mar sempre foi sua paixão.  Eu também sempre amei o mar, mas gosto de pescar, ele as vezes diz para as pessoas que sou um pescador a quem ele ajuda.  Se fica o dia inteiro sem me ver, se confunde.

Uma parte da sua cabeça guarda tudo do passado, mas do dia anterior nada.  Por isso venho le dar o comprimido de noite, assim sabe quem sou eu de manhã.  Por isso não queria dormir.

O retiraram d’água no dia do acidente, praticamente morto, com a cabeça toda aberta.  Não foi culpa do outro rapaz. A onda era muito forte.   Ele vinha na frente liderando, quando a prancha escapou do outro que caiu, foi direto a sua cabeça.  O vídeo deu a volta ao mundo.  Nem assim seus pais, chamaram para perguntar nada.   Estávamos em San Diego, menos mal que o hospital era excelente.  Os organizadores cobriram todas as despesas, afinal tem seguro para acidentes.

Ficou mais de dois meses em coma, quase três, cinco operações, mas as sequelas são complicadas.  Uma medicação que lhe proíbe quase tudo, provoca os ataques, uma outra, que ele tenha que mijar mil vezes ao dia.  A única maneira dele dormir é tomando um comprimido, senão fica ansioso.  Eu quase fui a sua casa ontem a noite, mas me proibiu.  Me disse, se ele gostou de mim, voltará de manhã, vou esperar para não me esquecer dele.

Obrigado David, te olho, mas não me pareces estranho.

Tive um problema quase igual ao dele, tive que refazer parte da minha cara, por isso uso chapéu, por causa do sol. Eu o entendo, estou refazendo minha vida também.  Fiquei contente de o conhecer, o convidei para uma cerveja, como ele não disse nada pensei que podia beber.

Enquanto estiver por aqui, ajudo o senhor, não sei o seu nome?

Henrique Valadares, mas todos me chamam de Henry, porque sempre tive cara de estrangeiro.

Bom vou fazer comida, porque o comprimido, fara um efeito pequeno, normalmente tem que tomar dois comprimidos, mas só dei um.

Eu o ajudo, gosto de cozinhar.  Ficaram conversando, sobre peixes, ele abriu a geladeira, na parte do congelador, havia uns quantos.  Vou fazer uma sopa de peixe que ele gosta.

Duas horas depois Berto começou a se mexer na cama.  Deite-se do lado dele, assim saberá que estavas por perto.

Se deitou, Berto se virou na cama, deu de cara com ele, sorriu, alô, dormiste bem?

Sim, tu também.

Sim estavas comigo,  o abraçou, dormiu mais um pouco em seus braços.  Há muito tempo ele não sentia essa tranquilidade.

Voltou a acordar.  Bom dia homem conhecido.  O reconhecia, mas não se lembrava do nome, seu tio tinha explicado que nunca devia perguntar, sabe quem sou, lembra-se de mim, nada que lhe pudesse fica pensando, pois não se lembraria do nome.  Diga simplesmente David.

David, bom dia homem conhecido Berto.  Desta vez foi ele quem o beijou suavemente.

Ele disse ao seu ouvido, não vou fazer sexo contigo, porque sei que o velho esta ai.  Ficou rindo, ele me enganou, choveu ontem. Hoje tem sol.   Podíamos sair para pescar.

Nada disso, vamos nos levantar para comer, porque ele fez uma sopa de peixe.

É a sua melhor comida, quando despertava, parecia uma criança.  Se levantou espreguiçando, vou tomar um banho, lavar os dentes, já volto, não desapareça.

O Henry, sorria, fico feliz quando o vejo bem.  O que me preocupa, é que já tenho muita idade para cuidar dele.  Por sorte esse garoto me ajuda. 

Ele voltou feliz da vida, nu completamente,  seu corpo brilhava, todo molhado a luz do sol. Tinha na mão uma toalha, podes me secar. Estendeu a toalha.

Ficou meio sem jeito, porque tinha ficado excitado, mas fez o que ele lhe pedia. Como se não tivesse passado nada, vestiu uma bermuda, uma camiseta, estou pronto para mais um dia.

Tomaram a sopa juntos, ele ria, tinha vontade de lhe dar mil beijos. Mas tinha que tomar cuidado, nunca tinha se apaixonado na vida.

Depois ficaram sentados na varanda. Se lembrou que tinha colocado a máquina de lavar, queres vir a minha casa, tenho que colocar roupa para secar. Foram andando.

Ele ia em silencio, alguma coisa te preocupa Berto?

Sim, que eu me esqueça de ti.  Nisso vinha pensando, já imagino que o velho te contou que esqueço das pessoas.  Por isso fiquei te esperando, dizendo teu nome muitas vezes.  Não queria esquecer.

O ajudou a colocar a roupa para secar, depois lhe mostrou a casa. Quando chegaram ao quarto, ele o empurrou para a cama, Nessa quero dormir contigo.  A minha é pequena como a casa.

Rapidamente tirou toda a roupa ficando nu. Tirou a sua também, se deitou ao seu lado, tua boca parece ser tão suave, lhe beijava.  Mas te aviso, não sei fazer sexo direito.

Agora tinha medo, não sabia o que fazer, se relaxou, ficaram se beijando,  de repente, ele começou a se comportar como uma pessoa que sabia das coisas.  quando viram faziam sexo normalmente.  Me veio na cabeça que é assim que se faz.  Depois ficaram abraçados, ele dormiu outra vez agarrado a ele.  Quando despertou disse, David, foi bom fazer sexo contigo.

Estava sonhando contigo, me dizia seu nome é David, não posso esquecer.

Estava sorrindo. Sabe David, eu pensei durante um tempo que estava morto, aquela água toda em cima de mim.  Mas não estava vivo, quando acordei o velho estava ali, como sempre.

Ia se levantar da cama, só mais um pouco David.

Depois lhe disse, que se vestisse, que iam a cidade comprar cadeirões para colocar na varanda, de cima, outras para baixo.

Vais me levar contigo, tenho que avisar o velho.

Claro o avisamos, venha, saímos pela garagem.  Sentou-se no carro, sorrindo, foram até a casa do velho, lhe avisaram.  Este pediu que comprasse medicamentos, lhe deu as receitas, com dinheiro junto.

Eu tenho aqui, mas ele insistiu.  Temos dinheiro, apesar do aspecto que temos, há dinheiro suficiente.

Deixou que ele escolhesse os cadeirões, tinham que ser grande, pois ele gostava de se enroscar.  O homem ficou de entregar no dia seguinte logo cedo.

Foram a farmácia, depois tomar sorvetes, andar um pouco pela cidade.  Pareciam dois namorados.  Realmente estava feliz, nada mais de pesadelos de não saber quem estava na cama com ele.

Porque não dormes lá em casa hoje, assim amanhã, esperamos juntos os cadeirões?

Claro como dois namorados.

Levaram os medicamentos para o Henry, quando disse que ele ia dormir na sua casa, lhe deu um cartão com comprimidos, dois antes de dormir.

Comeram alguma coisa, ficaram conversando.  Sabe o chato David, leio um livro, no dia seguinte não me lembro da história, mas me lembro dos que lia antes.

Ficaram deitados na cama, abraçados, ele olhando sua cara.  Não eras muito feliz, verdade David.  Gosto quando me olhas, sorri para mim.  Sei que é só para mim.

Fizeram sexo, num determinado momento, se sentou em cima, dizendo, a você eu deixo me penetrar, mas tem que ser com essa coisa, não se lembrava do nome da camisinha.  Ai como uma criança, deixa que eu coloco.  Foi uma loucura, não sabia precisar o tempo, mas com ele tudo era suave excitante.  Tiveram um orgasmo juntos. O agarrava beijando.  Caramba foi a melhor coisa que me aconteceu.

Viu que estava com sonho, com uma toalha húmida o limpou.  Depois lhe deu  a pastilha, dormiram agarrados um ao outro.  Os dois tinham mania de dormir de lado. Se encaixavam.

Despertou de madrugada, sorriu, ele continuava a dormir.

De manhã, o olhou, primeiro disse, foi bom, foi bom David.  Já sabia quem ele era.

Temos que ir acordar o velho para ir pescar, esta um dia bonito, vou pedir que nos leve a uma praia para nadar.

Foram andando a casa do velho, este já estava com café pronto.  Assim não vamos pescar nada, que ajudantes, levantando tarde.

Tomaram café, foram descendo para a praia, ajudaram o Henry, colocar o barco na água, saíram.  Henry lhe piscou o olho, então dormiste bem hoje Berto?

Como os anjos, David me deu os comprimidos, me abrigou durante a noite, de manhã me lembrei dele em seguida.   Estavam em cima de um cardume de peixes, o Henry jogou uma rede, em seguida trouxeram muitos peixes para o barco.  Mais adiante havia uma praia vazia, sem casas, areia branca.   Minha praia preferida, quando foram se aproximando, tirou a bermuda, camiseta, nu mergulhou na água, Henry lhe disse, pode ir com ele. Fez a mesma coisa, mergulhou nu, ficaram nadando, seguindo o barco até a praia.  Se jogaram os dois na areia.  Descansaram um pouco, voltaram ao mar.

Isso sim é vida, pensou, uma pessoa que gosto, liberdade.

Quando saíram d’água, Henry tinha feito uma fogueira, estava enrolando dois peixes em folhas de bananeira, como fazem os índios. Fica ótimo. Ficaram os dois ali sentados nus, sem problema nenhum. Vigiem, que vou dar um mergulho. Quando Henry tirou a roupa, ficando nu, seu corpo para a idade era estupendo. Tinha pelos, por todo o corpo, brancos contrastando com a pele queimada do sol.

A partir de então, Berto viva na casa de David, era uma sintonia completa.  Estava sempre atento a que tomasse seus comprimidos,  já inclusive percebia quando estava para ter um ataque. Meses depois foi com os dois para uma revisão médica.  A coisa não foi bem, um dos escanares mostrou um vulto, logo abaixo das cicatrizes.  Examinado com cuidado, era uma massa que crescia rapidamente.  O médico foi sincero, se pode operar, extrair uma parte, mas impossível, mostrou uma parte, se cortamos aqui, se tornara um vegetal.

Claro Berto tinha noção de tudo. David chegou a suar frio, quando escutou isso tudo. Pode aguentar um ano, mas seus ataque serão mais frequentes, cada vez que bata com a cabeça ao chão, essa massa se deslocara, provocando um ataque maior.

Consciente disso tudo, voltaram todos calados para casa.  Não me importa, se posso seguir vivendo contigo, tudo bem.  Agora já não tinha problemas, sabia que estava sempre com o David.  Um dia muito consciente lhe disse, te amo, foi o melhor da minha vida, se para te encontrar tive que passar por isso, valeu a pena.   Agora, inverno, dormiam em baixo, para ele não ter que subir escadas, acendiam a lareira de noite, ficavam abraçados. 

A David, voltou o sentido de escrever o que tinha passado com ele.  Quando era jovem os professores elogiavam sua maneira de escrever.

Escreveu uma história similar a sua, mas com um final, mas trágico, baseado em pesquisas de jornais, artistas que surgiam, eram engolidos pela máquina, desapareceriam em seguida.

Falou com uma atriz que sabia que seu marido era editor, mandou o texto, este resolveu que o publicaria, mas com o seu nome verdadeiro.

Agora escrevia uma outra história, falando da perda de seus avós, que eram seus verdadeiros pais.  De fato, nem sabia aonde viviam seus pais verdadeiros.

Tinha comprado uma televisão, para o Berto se distrair, enquanto ele mergulhava em seus silêncios de escritor.  Fez isso porque percebia que ficava nervoso lendo um livro.  Quando chego ao final da página, não me lembro do começo, fico sem entender as histórias.   Os filmes em breve deixaram de fazer sentido, via os documentais de surf, ao que as vezes acabava chorando.   Um dia começou a gritar aflito, David correu até ele, estava vendo a si mesmo surfar. Na Austrália, um  vídeo antigo. As lagrimas corriam pelo seu rosto, se abraçou ao David, perdi tudo, mas tenho a ti.   Agora tinha que ter a atenção no que escrevia, ao mesmo tempo nele, tinha as vezes cinco ataques por dia.  Nenhum remédio conseguia controlar. Se notava ao lado da cabeça aonde estava a cicatriz, um volumem exterior.

Quando chegou o verão, mal podia se mover.  Pedia a David, me faça amor por favor, assim sinto que ainda estou vivo. Era difícil esse ato, mas o fazia.  Agora sabia o que era o amor por outra pessoa.

Quando o livro foi lançado, queriam que ele fizesse uma turnê pelo Brasil para lançar o livro, disse que era impossível, pois não podia abandonar a pessoa que vivia com ele.  Concordou em gravar um vídeo. Mas exigiu que só filmassem o lado que não o identificava com o ator  antes famoso.

Um mês depois Berto morreu dormindo,  sentou-se ao seu lado na cama, pela primeira vez pode chorar tudo o que sentia. Tinha verdadeira convulsão chorando.  Se perguntava, porque te encontrei, para te perder, isso é uma grande maldade.  Mandou um garoto avisar o Henry.  Esse ao contrário, só disse, finalmente descansou.  Consolou David, providenciaram sua vontade, ser cremado, que suas cinzas fossem lançadas ao mar, na praia que iam sempre.

David, a muito custo acabou o livro, dedicava um último capítulo ao Berto, como encontrar num reiniciar de vida, uma pessoa que vais perder menos de três anos depois.  O editor, em seguida aceitou o livro, pois o anterior tinha tido uma venda estupenda, principalmente entre os jovens que era dados como não assíduos aos livros.   Desta vez, primeiro fizeram um vídeo, com ele de frente.  Seus cabelos imensos, loiros, caindo pela cara, o vídeo só enfocava sua cara, a do lado bonito o outro não tanto.  Falava da perda dos avôs, do amor de sua vida.  Da luta por seguir o dia a dia, numa reconstrução de sua vida.

Logo descobriram que ele era o ator a tempos desaparecido, se negou a falar do assunto em todas as entrevistas.  Exigia que falassem do livro.  Em mais de uma entrevista, se levantou, foi embora.

Outro sucesso.  Queria escrever um falando dos dois.  Mas claro precisava do consentimento do Henry.   Iam sempre os dois a pescar.  Estavam os dois na praia, falou sobre isso, seria uma maneira de prestar minha homenagem ao homem que amei.   Não tem que me pedir licença, se vais contar a historia de vocês. 

Sabe Henry, o pior é despertar, procurando por ele na cama, despertar pensando se lhe dei os comprimidos para dormir o não.  Sonho conosco nesta praia, conversando.  O dia que  ele descobriu quem eu tinha sido, lembra-se.   Ele estava vendo uma telenovela, para não me perturbar, a via sem som.  Não me dei conta, o que era.  Aqui na praia, ficou me olhando, se levantou, foi olhar o lado bom. Beijou minha cabeça, disse o meu nome, em seguida o do personagem.  Na hora não me lembrava, mas quando voltamos para casa me mostrou a novela.

Eu ri muito, vimos um capítulo junto, depois de noite me dizia, vira o rosto para lá que quero fazer sexo com o outro, vou te trair com o personagem da novela.   Riamos muito disso.

Ele manteve seu sentido de humor até o final.   Dias antes de morrer, disse que tinha valido a pena, pois pela primeira vez tinha amado.  Eu lhe disse o mesmo.  Realmente nunca tinha amado ninguém.

Semanas depois teve que ir ao Rio, pois uma parte de seu rosto estava inflamado, foi ao cirurgião, ele não entendia por que depois de tanto tempo, havia uma pequena inflamação no implante.  Temos que verificar, se isso vai se estender.  Agora não era questão de salvar sua beleza. Mas sim sua articulação.  Acabou ficando um mês no hospital, se aborrecia enormemente.  Henry numa das visitas trouxe seu laptop, assim ele podia escrever.  Disse que tinha aparecido um rapaz, que viu as pranchas de surf, tinha perguntado se estavam para alugar.  Tinha competido com o Berto na Austrália,  está retirado.  Naquela época os dois ficaram amigos, conversavam muito, Berto lhe falava daqui, das águas limpas.  Veio para ver se o encontrava.  Está vivendo lá na cabana.  Vai sempre pescar comigo. 

Quando ficou bom, estava com a cara diferente, pois tinha sido necessário para recompor o pedaço que tinha tirado, retirar do outro lado do rosto um bom pedaço, tinha ficado com a cara esticada.  Tinha um certo problema de articulação que fazia que sua voz ficasse diferente.

Durante esse tempo, somente lhe visitava, o Henry, seu editor, as vezes sua mulher.  Quando lhe perguntava se ele não sentia falta de representar, dizia que nem pensar, nunca tinha sido tão infeliz como naquela época.

Porque não me escreves um monologo, para que eu represente.

Assim que tiver uma ideia, como tenho na cabeça a composição de um texto, o farei para ti.

Quando voltou, foi imediatamente ver o Henry, tinha esquecido completamente do novo morador da casa de Berto.  Ia subindo a encosta, levou um choque,  parecia estar vendo Berto em pé na varanda.  Henry que estava lá acenou para ele, mas o choque tinha sido tão forte que virou as costa, voltou para casa chorando.  Tirou sua roupa na praia, ficando de cuecas slip que podiam passar por uma sunga, mergulho esperando que a água do mar, acalmasse seu coração.

Quando saiu, estavam o Henry e o rapaz.

Eu imaginei seu choque, realmente de costa ele se parecia com o Berto.  Mas de perto, era diferente, usava óculos graduados, tinha os olhos verdes, a pele mais morena.

Falava um português muito carregado. Desculpa te perturbar, Henry me contou a história de vocês.   Ficaram ali na praia sentados, Henry examinou sua cara.  Estas outra vez diferente, como foi a última operação.

Mais dolorida, porque tiraram um pedaço daqui para colocar do outro lado.  Não aceitei os remédios para dor, tenho medo de me viciar.

Henry mandou seu garoto, ir buscar umas latas de cervejas para eles.  Ficaram ali horas falando,

Por que vieste atrás do Berto?

Uma larga história, quando o conheci, tínhamos o mesmo problema, estar dentro do armário, num ambiente totalmente machista.  Essa era a nossa conversa.   Estava interessado nele, mas me disse que se guardava para uma pessoa que pudesse viver com ele.  Eu fui para um outro campeonato, logo em seguida ele sofreu o acidente.  Levei muito tempo para descobrir aonde era esse lugar que ele falava.

Quando cheguei aqui,  não sabia que tinha morrido, me indicaram para falar com o Henry, que eu já conhecia.  Quando vi a cabana, pensei a casa dele.  Foi quando encontrei o Henry, que me contou o que tinha passado.  Fico feliz, porque ele teve a pessoa que queria, com a que sonhava.  Fui duas vezes com o Henry, para ele te ver, mas achei que tinha que esperar para te conhecer.

Pois é o médico me proibiu chorar, pois isso acontecia sempre que sonhava ou pensava nele.  Aproveitei esse tempo para escrever, contar nossa história desde o dia que cheguei aqui, que o conheci.  Falei abertamente dos meus sentimentos por ele.   Achei que com isso tinha suplantado tudo, mas ao te ver de costa, foi como uma bofetada na minha cara.

Henry trouxe peixe, fizeram  na cozinha de casa.  Conversou com os dois muito, apesar de estar ali tanto tempo, não conhecia muita gente.

Graham, tinha vivido por meio mundo, aonde houvesse uma praia para surfar, lá ia ele, até que num campeonato rompeu as duas rotulas.  Também tive que colocar próteses nos dois joelhos.

Gosto mais hoje de andar de barco com o Henry,  pescar. Ler, escrever.  Quando estas pelo mundo, fazendo surf, eres patrocinado, os prémios são teus, não tens tempo de gastar, nem precisa, é como uma aposentadoria quando paras.

As pessoas me perguntam pelos troféus, nunca tiveram importância, são peças que não levas nas tuas viagens.  Mandei tudo para a casa dos meus pais sempre.

Agora falavam sempre, saiam de barco, ele estava revisando o texto da história.  Pediu aos dois que a lessem para comentar.  Henry, devolveu, dizendo, não posso, creio que vou ter um enfarte se ler mais do que li.   É muito real.

Graham, leu, veio uma noite, lhe abraçou, chorou no seu ombro.   Vim para cá pensando em tentar encontrar o amor com o Berto, encontrei a ti. Deu-lhe um beijo, com sabor a sal das lagrimas.  Ele era mais alto, mais forte, me levantou, me levou para cama, para me amar.

Não resisti, precisava de carinho, sexo, sei lá.  Primeiro me senti traindo o Berto, mas me lembrei que já não estava ali.

Fui me acostumando que aquele homem viesse, dormir na minha cama, que me preparasse a comida.  Henry já não saia com o barco, se sentia velho.  Dizia aos dois, aproveitem vivam a vida.  Íamos a praia, que já estavam construindo algumas casas.   O paraíso vai ser perder.

Quando vimos, estávamos a cinco anos juntos.  Finalmente acabei o texto do monologo, a atriz leu, ficou louca por ele, sua reclamação, mas é um homem.  Não posso fazer isso.

Claro que pode.  Ela começou a ensaiar, mas criava um estereótipo do personagem, uma mescla de Henry, dos homens de minha vida.  A cena era imutável,  Um homem sentado, lembrando dos amores de sua vida.  O diretor, um dia me pediu, se podia fazer uma cena que ela não conseguia.  Eu sabia o texto, afinal o tinha lido milhões de vezes.  Me sentei no palco, como num estalo, saiu tudo, como eu imaginava o Henry que gostava de contar histórias, as risadas do Berto, as largas conversas com Graham, eu tentando me reencontrar. Mas não parei, fui falando até o final o texto.

Viu dizia ela rindo.  É ele quem tem que fazer isso.  Ela produzia o espetáculo.  Falou tanto que o Graham me disse, porque não fazes, isso tira o mal gosto da tua boca, de fazer televisão que não querias.

Aceitei, desde que usasse meu nome original.  Com esse nome ninguém me conhecia, minha cara era diferente.  As críticas nos jornais, falavam de um novo ator, que tinha inclusive escrito o texto.  Logo recebi convites para a televisão, mas me neguei, não precisava de dinheiro para minha vida tão simples.   Levaram muito tempo para descobrir quem eu era.  Mas era um assunto morto.

Quando acabou a temporada, um ator de São Paulo queria fazer o texto, disse que podia, era sempre dinheiro em caixa.   Mas tinha tirado o mau gosto de representar.  Agora tinha que viver minha vida com o Graham cuidar do Henry que estava muito velho.   Para que precisava de mais.  Mas a foto dos dois um dia na nossa praia, continua na mesa de cabeceira.

Eu dizia sempre, o homem que me fez ser quem eu era atualmente, realmente devia a ele ter-me reencontrado, ser eu mesmo sem dores, aceitando meu passado inodoro como eu chamava.

Agora era feliz.
















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