STUNTMAN
Porra, foi a primeira palavra que pensou, estou de novo no hospital, que foi que fiz de errado? Levou um tempo para lembrar o que tinha acontecido.
Vinha de um teste de Dublê, Stuntman, de um filme sem classificação nenhuma, pelo visto o enredo era de última categoria. Como pude cair tão baixo, claro a idade pesava. Nisso vinha pensando, quando o outro carro se chocou contra sua caminhonete. Conseguiu sair da mesma, se deitando no asfalto quente. Então como num filme policial, viu em cima dele, um sujeito com uma arma. Que merda é essa, foi tudo que pensou. Escutou um tiro, apagou.
Agora na sua cabeça, perguntava outra vez, que merda é essa. A quinze dias antes tinham cortado o cabo do freio do seu carro, um velho Cadillac. A polícia não descobriu nada. Vinha descendo uma rampa, em direção a Los Angeles, justo para ir ao Studio, quando os freios falharam, não teve dúvida, era um exímio condutor, dublava muitas vezes os atores, em corridas loucas pelas ruas de San Francisco, ou de qualquer outro lugar que exigisse o enredo. Mas seu carro preferido. Porra isso era demais. Conseguiu saltar antes de bater numa árvore, para não atingir as pessoas que atravessavam a rua. Quando a polícia examinou o carro a pedido dele, viu que tinham cortado os freios. Fizeram milhões de perguntas, inclusive tinha passado dois dias com um dos braços no cabresto.
Agora essa, alguém que batia no seu carro, ainda por cima tentava mata-lo. Nada tinha lógica. Ele procurava se dar bem com todo mundo. Não devia um puto a ninguém, não jogava, não bebia, nem se metia em brigas. Viu no momento que a enfermeira entrava que na porta tinham dois policiais tomando conta. Ficou intrigado, não sou um personagem importante.
Depois que a enfermeira saiu, entrou um detetive, rindo com alguma coisa que um dos policiais tinha lhe dito.
Bom dia, pelo que vejo estás melhor. A pancada na tua cabeça, foi forte.
Perguntou pelo sujeito com a arma em cima dele?
Bom também está aqui no hospital, mas não abre o bico de maneira nenhuma, seu companheiro sim. Foram encarregados de te matar, não sabem porquê.
Sabemos que é a segunda tentativa, mas não o motivo.
Isso queria saber, porque estão atrás de mim, não devo nada a ninguém, não me meto em brigas, tampouco me lembro de ter inimigos.
Sim isso disseram todos do studio, que inclusive normalmente desenvolves amizades com os atores a quem dublas.
Só me faltava essa agora, já tenho dificuldade de encontrar trabalho, por causa da idade, imagina se sabem que alguém tenta me matar.
Acreditamos que estejam te confundindo com alguma pessoa. Teu nome é mesmo esse John Wayne Fernandez.
Sim, meu pai foi amigo, era dublê dele. Como ia sempre lá em casa, minha mãe tinha verdadeira adoração por ele. Quando meu pai morreu, nos ajudou.
Pela sua ficha, vejo que foi piloto na guerra do Vietnam?
Sim durante cinco anos, estive lá. Quando voltei, necessitava de algum trabalho, que mexesse com adrenalina. Resolvi seguir os passos de meu pai. Monto a cavalo muito bem, dirijo bem também, piloto aviões, seja qual for o tipo. Mas claro, os atores que eu dublava, a maioria hoje em dia fazem série de televisão, personagens que não necessitam de dublê.
Estivemos em tua casa, no Vale de San Fernando, tens a casa toda revirada, como se alguém procurasse alguma coisa.
Porra, nem dinheiro tenho por lá. Nunca guardo nada em casa, depois que uns malandros, entraram quando estava fora filmando.
Se lembrou imediatamente, o meu cachorro?
Infelizmente amigo, levou um tiro, está morto.
Filhos da puta, perco um velho companheiro. Ele fazia cinema, era super treinado, um dia fez uma cena errada, porque estava ficando surdo, o dono queria se desfazer dele. Desde então é meu companheiro.
Mas tem alguma coisa errada nisso, será que não estão me confundindo com outra pessoa? Comparem minha foto com alguém procurado pela polícia.
Soltando palavrões mentais, pobre cachorro, começou a dormir outra vez, viu que entrava o mesmo detetive com outro, este lhe tirava uma fotografia.
Será que ele tem razão? Levantamos toda sua ficha, esse sujeito está, mas limpo do que nada. Não encontramos nada sobre ele. Agora em menos de quinze dias é a segunda tentativa para mata-lo.
Vou mandar as fotos para o FBI, para a CIA, quem sabe, dizem alguma coisa.
No dia seguinte lhe deram alta, um carro da polícia o levou até sua casa.
Estou fudido, o Cadillac no conserto, vai sair caro arrumar, agora minha caminhonete? Terei que alugar um para poder me mover. Realmente nunca tinha andado de ônibus pela cidade, nem sabia como fazer. A não ser que mandasse arrumar sua velha moto. Estava encostada a mais de dois anos. Talvez fosse a solução. A tinha comprado, depois de um filme que a usava como dublê, do ator principal. Ficou com um defeito, a venderam barato. Tinha um vizinho seu que arrumava qualquer coisa, sempre dizia que estava esperando uma peça, gostava mesmo de fazer corpo mole.
Desceu do carro, com os vizinhos olhando. Já tinham arrumado a porta pelo menos, mas ao entrar lhe deu um desespero, não tinha nada inteiro dentro da casa, como se tivessem destroçado tudo, de propósito. Saiu pelos fundos, foi em direção a uma antiga casinha de jardim, transformada em deposito de coisas. Ali não tinham conseguido entrar, pois no último terremoto, umas caixas tinham caído, bloqueando a porta principal. A maioria das pessoas não sabia, que havia outra entrada pelo beco. Foi até la. Estava tudo bem. Pelo menos poderia dormir ali.
Abriu o cadeado, viu que tinham rompido um dos vidros da única janela. Caralho, tudo isso está me saindo mais caro que a encomenda.
Conseguiu desbloquear a porta, aproveitou para levar essas caixas cheias de coisas que não lhe interessavam mais, para o lixo no final do Beco. Num dos quartos, ainda havia um colchão inteiro. Ali tinha também uma velha geladeira, sempre com cervejas, para quando os amigos viessem fazer um churrasco.
Era cada vez menos gente nessas reuniões, a maioria a muito tinha abandonado já o ofício. Ele se resistia, porque gostava de sentir a adrenalina correndo pelo seu corpo. Nem fechou a casa, foi caminhando pelo beco, em sentido contrário, até aonde estavam a oficina de seu amigo. Perguntou pela moto?
Bom desta vez está pronta, lhe disse quanto custava.
Amanha te pago, por favor, verifique que o motor funciona direito, pois estou sem carro.
Nessa noite procurou numa das caixas da garagem, um capacete de moto, antigo que tinha usado em vários filmes, bem como uma jaqueta que tinha pertencido a um ator que já tinha morrido a tempos, uma dose extra de cocaína.
Enquanto passava cera, se lembrou das cenas desse filme, o galã, era famoso, ninguém sabia que era gay. As garotas suspiravam por ele. Muitas vezes entrou em algum lugar, escutava as garotas comentando, como ele era audaz, o que fazia com a moto nesse último filme. Inacreditável.
Mal sabiam que ele em momento algum tinha subido na moto, não sabia conduzir, lhe dava medo até as baratas. Mas tiveram uma boa amizade. Os atores gostavam dele, porque era incapaz de comentar qualquer coisa que visse nas filmagens, ou mesmo sobre a vida particular deles. Inclusive esse ator, uma vez lhe chamou a sua roulote, para saber se tinha alguma coisa de drogas. Pediu desculpa, mas não gosto de usar nada. O outro, examinou seu corpo duro, cheio de músculos, cicatrizes, abriu sua braguilha, puxou seu sexo para fora, se colocou de joelhos começando a chupar. Não disse nada, sabia quem era. Depois de levantou, disse rindo, a atriz principal essa idiota, agora vai gostar do meu beijo, nem vou limpar. Veja a cena, mas nada de rir. Viu a cena, a atriz realmente parecia gostar do beijo. Quando terminou, piscou o olho para ele. Dias depois disse que talvez ele fosse o par perfeito para ele, pois sabia ficar quieto.
Lhe disse claramente, que não pensava deixar que lhe chupasse mais. Tinha sido uma cortesia. Não ia dizer que tinha gostado. Podia acabar com sua carreira, afinal todos os dublês, eram machos.
Telefonou para um grande amigo seu que vivia em Carmel-by-the-Sea, numa maravilhosa casa cinematográfica, que tinha transformado em pousada. Esta casa tinha pertencido a um ator famoso. Seu amigo James, foi amante deste, até que morreu di AIDS, o cuidou até o final. Recebeu de herança essa casa. Atualmente vivia junto com um belo crioulo, como ele dizia, que cuidava da cozinha.
Perguntou se podia ficar uns dias por lá, precisavam de ver o mar, relaxar de tudo que estava acontecendo. Andou pela casa, preparou uma mochila, com calças jean, roupa de praia, ao mesmo tempo separou uma bota para usar com a moto.
De noite, apareceu de novo o detetive, dizendo que não tinha descoberto nada, porque o que estava no hospital, tinha piorado, estava morto. Pelo que sabemos era ele que combinava as coisas, o outro era um simples motorista.
Lhe deu seu número de telefone. Qualquer coisa me chame.
Tinha um celular jogado em algum lugar, desses de pré-pago, que nunca tinha usado, buscou nos escombros da casa, mas não encontrou. Quando ficou bem escuro, se vestiu todo de negro, colocou um casaco com um capuz, um boné, saiu pelo beco, foi até uma loja mais abaixo, comprou outro, carregou com o máximo, assim poderia desligar o outro. Antes copiou os telefones que poderia necessitar.
Voltou andando, passou diante da casa, viu o carro de polícia, com dois tipos comendo uma hamburguesa.
Porra nem isso tenho para comer, pois tinha atirado tudo da geladeira no chão.
Entrou na casa da vizinha pelo beco, era uma senhora fantástica, grande amiga sua, pediu que conseguisse alguém para atirar tudo que estava estragado dentro da casa, ele ia escapar alguns dias, depois se comunicaria com ela.
Não se preocupe, amanha mesmo chamo meu jardineiro mexicano, eles sempre aproveitam tudo. Dentro de sua casa na verdade não tinha nada importante, nem fotos tinha. Nunca tinha dado valor a isso, tirar fotos com os atores principais, para sair dizendo que os conhecia, que eram seus amigos.
Tudo que tinha, estava no banco, dinheiro depositado, numa caixa forte tinha as fotos de família, documentos da casa, passaporte, outros documentos.
Teria que dar entrada quando voltasse nos documentos para aposentadoria, o que seria uma merda, pois ganhava por filme que fazia. Sempre tinha pagado seus impostos, justamente para isso, se um dia tivesse que pedir aposentadoria, estava já tudo na mão de seu advogado. Talvez fosse isso o mais importante que tivesse na casa.
De manhã cedo, sabia que seu amigo levantava cedo, foi até sua oficina, entrou pela lateral, falou com ele, pagou, levando a moto. Este avisou que tinha saído com ela na noite anterior, deixei o tanque cheio.
Enfiou suas coisas nas duas bolsas de couro laterais, que tinha na parte traseira, se vestiu, colocou o casaco, um lenço negro, cobrindo seu nariz, o capacete, saiu pelo beco, parou um pouco antes, olhou para os lados. Nada, no carro de polícia, estavam os dois da noite anterior dormindo.
Melhor saio pelo outro lado do beco, dou uma volta maior, mas seguro. Assim fez, mas mudou de direção várias vezes, como via fazer nos filmes, para ver se não estava sendo seguido. Quando saiu de Los Angeles, parou num posto de gasolina, para ver se não estava sendo seguido, completou o tanque, foi até a lanchonete ao lado, pediu café, ovos com bacon. Sentou-se de tal maneira numa janela, que podia ver se aparecia alguém.
Nada. Retomou seu caminho, parando várias vezes para checar o mesmo, se estava sendo seguido.
Quando chegou a Carmel-by-The-Sea, foi direto a casa de James, enfiou a moto na garagem de uma das cabanas, já tinha combinado isso com ele. Tinha telefonado do novo celular, não queria ficar na casa principal, para não causar nenhum problema.
James estava igual como sempre, magro, musculoso, muito queimado do sol, cabelos compridos loiros. Se abraçaram, como sempre, dando um beijo na boca.
Que foi que te aconteceu?
Contou para ele, desconfio que estão me confundindo com alguém, por isso, preciso sair de circulação.
Bom estamos em baixa temporada, mas o mar está esplendido para fazer surf, sei que gostas disso. Não se preocupe, temos poucos hospedes, todos vieram fazer o mesmo, surfar.
Passou quinze dias surfando, o tempo estava ótimo, muito sol, uma suave brisa, a companhia de vários surfistas, que queriam paz. Gente de bem como dizia James, o que faziam em suas cabanas não lhe dizia respeito.
De noite algumas vezes, quando o vento não estava muito forte se sentavam ao redor de uma fogueira, escutando música, bebendo uma cerveja, alguns fumando maria, mas tudo em paz.
No meio desse tempo, um dia de chuva, foi a uma cidade a uns cem quilômetros, de um telefone de um posto de gasolina, chamou o detetive que queria saber aonde estava, não disse.
Descobriste algo?
Sim, um protegido do FBI, que está aguardando para prestar declaração num juízo, que envolve máfia, políticos, contrabando de armas e drogas. Fez uma operação plástica, ficou muito parecido contigo. Creio que estão te confundindo. O FBI quer te usar como doble dele para ir até o julgamento.
Ao caralho, que vou me prestar a isso, se me matam, o que ganho com isso?
Um serviço prestado a Nação.
Começou a rir, diga isso a todos que estiveram no Vietnam, na guerra do Golfo, em todas as merdas que o governo diz que é um serviço a Nação. Nem pensar.
Dias depois estava surfando com um grupo de conhecidos, estavam esperando a onda perfeita, quando um deles chamou a atenção para dois tipos de terno, gravata, deitados na duna, com algo que refletia. Um deles por negócios, sempre tinha um celular, protegido com uma funda especial. Avisaram a James, para chamar a polícia.
Foi justamente quando sentiram uma bala perfurando uma das pranchas. Nadaram todos ao contrário para estar mais distantes dos tiros. Até o ar nessa hora parecia estar parado, o mar subitamente se transformou numa imensa piscina. Viram de longe carros de polícia, jornalistas.
Foi quando surgiu uma onda imensa, todos de reboque nela até a praia. Os sujeitos alegavam que eram da CIA, mas não levavam nenhum documento.
Estavam algemados, quem estava filmando tudo era o James que conhecia os policiais, disse, coloque-se no meio dos dois, assim temos provas. Se negavam a falar.
Tinham um belo rifle com telescópio, então porque erraram. Tinham calculado mal, ou nem sabiam direito em quem atirar. Quando perguntou, um deles disse que era difícil, todos com o mesmo tipo de Neoprene, cabelos largos, loiros, era impossível identificar o objetivo, íamos dar cabo de todos.
Filhos da puta, foi o único que pode dizer.
Depois contou a todos ali reunidos, que era a terceira tentativa que mata-lo, mas que desta vez não ia deixar barato, já sabia do que se tratava. Um sujeito fez uma cirurgia estética, ficou muito parecido comigo. E testemunha protegida do FBI, este querem que eu seja seu dublê, para fazer as entrada triunfal no julgamento. Querem é me mandar a morte isso sim. Ainda tiveram a cara de pau de me dizerem que prestava um grande serviço a Nação. Já fiz isso na guerra do Vietnam, vi como voltaram a maioria dos meus amigos, nem pensar, que a Nação se vire sozinha. Ela é cumplice nisso tudo, por que como esses dois me encontraram?
No dia seguinte no café da manhã ficaram sabendo que os dois tinham sido assassinados na própria delegacia de polícia. O xerife não sabia explicar como.
Um dos surfistas, ali não se falava de profissão, nomes nada. Disse, tenho um programa de televisão, porque não te fazemos uma entrevista aqui mesmo. Assim mando colocar no ar justo essa noite. Concordou, já sabiam aonde estava, não tinha nada a perder, não ia ficar prisioneiro disso.
De tarde chegaram dois caminhões da televisão, no grande salão da casa, montaram como se fosse studio do apresentador. Este para dar ênfase, em vez de estar de terno e gravata, estava vestido de Neoprene. Contou o que tinha acontecido, em seguida, o apresentaram, também vestido de Neoprene, focaram bem sua cara. Então contou do primeiro atendado, cortaram os freios do carro, por sorte pude jogar o meu Cadillac contra uma árvore, depois jogaram um carro contra minha caminhonete, um sujeito ia atirar, mas não tinham visto um carro de policia estacionado perto, foi abatido pela mesma, duas vezes no hospital, agora esse episódio na praia. A polícia conseguiu descobrir que alguém, não tenho ideia quem seja, fez uma cirurgia estética, ficou parecido comigo. Estão me confundindo com essa pessoa. Trabalho de dublê a vida inteira, pode ver os filmes que fiz, minha cara nunca aparece, mas nos títulos sim. Me deixem em paz, por favor.
Quando pressionados pelos jornalistas, o FBI, disse que isso era verdade, besteira da testemunha, que queria ficar parecido com um ator, esse já tinha morrido, mas se esqueceram de seu dublê. O médico tinha sido assassinado, por isso tinham uma foto, de como tinha ficado, comparavam as fotos, eram quase iguais.
A solução que encontraram, foi que a testemunha, deu seu depoimento, somente com o Juiz, júri, advogados. O lugar tinha sido secreto. Portanto os acusados, foram condenados.
Mas nenhum reconheceu que tivesse mandado matar o dublê, claro, para ter mais um cargo a respeito.
Pela primeira vez, recebeu um convite para ter um papel, numa série de televisão, seria um policial das antigas, que gostava de surfar. Nas provas disse, sempre fui péssimo ator, por isso servia para dublê, nada mais.
Mas por um acaso se saiu bem. Uma parte era filmada numa praia relativamente perto da casa de James. Ali não tinha sido permitida, pois acabaria com a tranquilidade dos hospedes.
Na verdade, as sequencias que aparecia fazendo surf eram poucas, tinham gravado horas e horas, com sol, com chuva, tempo nublado, para poderem inserir nas gravações. Ele sempre com uma moto. Usava sua própria roupa. Fez sucesso, o outro ator, não gostou muito, mas teve que se aguentar. Séries eram diferentes, do que fazer um filme. Embora fosse um sistema paralelo, se filmava meses seguidos.
Foi juntando esse dinheiro, queria comprar uma casa na praia, para desfrutar de seus últimos dias. Dizia ao James, nunca tive filhos, relacionamentos não aguentavam muito, por culpa de sua necessidade de adrenalina.
James lhe aconselhou, apesar do tempo passado, consultar um psicólogo.
Demorou muito, pois um dia em cima da prancha, no meio de um grande temporal, se sentiu ao máximo, mas ao mesmo tempo uma dor na região do coração.
Quando foi ao médico, este disse que tinha tido um princípio de enfarto. Esse lhe explicou que a adrenalina que necessitava o levaria a morte. Melhor é consultares um psicólogo.
Chegou à conclusão que sim.
Um dos surfista lhe indicou um amigo que também era surfista, lá foi ele a primeira consulta. Era um dos companheiros lá da praia.
Um pouco mais jovem, mas com uma cabeça brilhante. Contou que tinha ido a guerra do Golfo, estive meses e meses em pleno deserto, nunca sabia o que aconteceria num instante seguinte. O surf tinha sido sua salvação, praia, mar que não tinha no deserto, amigos. Não era um psicólogo convencional. As vezes se sentavam na praia num sábado, conversavam sobre tudo. Desde sua infância, primeiro feliz, com artistas em casa. Depois tivera que viver numa escola católica, como interno, pago por John. Sua mãe, foi ser empregada doméstica em sua casa.
A solidão de um colégio interno, aonde sabes que não encaixas, pois não eres filho de pais ricos. Sem saídas para festas de aniversário, natal, ou qualquer outra comemoração. Quando tinha 17 anos se escapou, indo para o Vietnam, nunca verificaram que se era menor de idade. A paixão por aviões, o que talvez me salvou, é que quando bombardeias desde um avião, na verdade, não vês de perto a morte, destruição, isso escutava dos amigos quer batalhavam em terra. Mas a adrenalina era muito grande. Enquanto os amigos necessitavam ficar bêbados, se drogarem, não tinha essa necessidade, precisava ficar só, para me acalmar, como tu, encontrei isso no mar. Surfando, fico em paz comigo mesmo.
Durante tanto tempo fazendo de dublê, não me dei conta, que com o tempo fazia tudo no automático, não necessitava de emoção para fazer a cena, quem tinha essa emoção era o ator que não fazia nada, tinha que imaginar. Me dizia, ação, fazia o marcado automaticamente. Procurando proteger minha vida o melhor possível.
Claro o que me aborrecia, quando algum erro técnico, exigia que repetisse a cena muitas vezes. Isso não gostava.
Um dia o psicólogo lhe perguntou do ator, de quem todo mundo pensava que era amigo íntimo. Sem pudor nenhum contou o que tinha acontecido.
Entrei na roulote, senti que ele estava desesperado, por alguma coisa que lhe aumentasse a adrenalina para fazer a cena. Quando me perguntou se tinha drogas, ele sabia que eu não usava nada, como muitos companheiros. Sabia por que tinha me chamado, lhe deixei fazer o que queria. Mas quando quis algo mais, lhe disse que não. Não queria ter uma vida com alguém que é obrigado o tempo todo se esconder, sem poder dizer nem a si mesmo, sou assim, foda-se o mundo.
Nunca quis estar nesse lado do muro, ou tampouco em cima dele.
Quando falaram de vida sexual, reconheceu que nunca tinha amado a nenhuma pessoa verdadeiramente. Como não tive na minha infância, juventude, não sei me expressar nessas coisas. Naquela época todo mundo no Vietnam, fazia sexo ou com as prostitutas, ou com meninas que precisavam de dinheiro para levar comida para casa. Esse não foi o meu caso. Conheci um dia um garoto, que via que estava desesperado, como tinha aprendido a falar sua língua, perguntei o que se passava.
Disse que não sabia o que fazer, para levar dinheiro para casa, para alimentar seus irmãos, o pai tinha desaparecido no lado comunista, a mãe num hospital. Fui com ele ao mercado, compramos comida, me convidou para comer com eles. Depois quis me agradecer com sexo. Lhe disse que de maneira nenhuma. Lhe ajudaria se me deixasse ficar com um quarto da casa. Passei a pagar o aluguel, os ajudava, iam todos a escola. Quando começou a retirada, estava tentando conseguir papeis, para que pudessem vir, mas um bombardeio, matou todos na escola que estavam.
Pensei que ficaria louco, pois as poucas crianças que tinham saído, morriam em seguida pelas queimaduras. Procurei em vão por eles, mas não os encontrei.
Talvez por isso tampouco quis filhos. Me lembro dos dias que estava em terra, que em vez de ir aos bares, ficava com eles, falando da escola, comendo, rindo, com as histórias deles, ensinando a falar inglês, para um dia poder traze-los comigo. Mas tudo se frustrou. Em seguida voltei para cá, imediatamente me desligaram do exército, alguém ventilou que tinha vivido com uma família de lá. Isso me tornava suspeito, aluguei a casa do Vale de San Fernando, comecei a trabalhar para os studios, pilotando aviões, carros, motos, o que fizesse falta. Saltando de edifícios em chamas, tudo que fosse perigoso, necessitava dessa adrenalina.
Tive milhões, de acidentes, pernas, braços faturados, internações, apesar que o studio cobrissem tudo, nem sempre é agradável ficar meses sem poder fazer nada.
Agora a idade, os problemas decorrentes desses acidentes, me impedem de fazer o mesmo. A série, faço todas as cenas, há muito poucas na verdade perigosas. Ontem me chamaram para renovar por mais uma temporada, passo a ganhar mais, pois me torno o papel principal, essa temporada, será para descobrir, quem matou o ator principal, que quis sair da série a qualquer custo.
Vai fazer uma comedia em outra cadeia de televisão.
Gostava de conversar com Brent, o psicólogo, porque ele também se abria com ele.
Depois de largos papos, tinham o mar, surf para compartir, acabaram ficando amigos.
Nunca falavam de sexo entre eles, mas muita gente pensava que acontecia alguma coisa. Inclusive James, um dia lhe perguntou.
Lhe respondeu, se queria vender um pedaço de terra ali do outro lado da mansão, queria construir uma cabana que fosse sua, para viver lá.
Fizeram um acordo, esboçou a cabana nos longos papos com Brent, quando este comentou, o que falavam dos dois, o que ele pensava a respeito.
Primeiro riram, dois homens não podem ser amigos, confidentes, que logo necessitam de colocar sexo no meio. Creio que isso pode estragar tudo.
Quando a cabana ficou pronta, tinha um quarto especial para Brent, o mais importante era uma zona diferente que tinham feito, para as pranchas, os trajes de Neoprene. Tudo estava ali, inclusive um chuveiro, para tirar o sal.
James, sempre vinha no final da tarde ficar de papo com eles, o poderoso é belo crioulo, José, da Guiné Bissau, as vezes preparava carne num braseiro que faziam.
Os dois pensavam que apesar de nunca falarem no assunto que tinham um romance.
Realmente aconteceu, mas eram tão amigos, viram que isso estragaria tudo, seguiram como estavam.
Um belo dia, apareceu um diretor de cinema. Disse que tinha um roteiro, que gostaria que ele lesse. Na verdade, era a história do que tinha passado com ele, da confusão de pessoa, que quase o tinham matado. Queria que ele revisasse sua parte, fosse o ator principal.
Perguntou quem tinha escrito o roteiro?
Um dos detetives que acompanhou o caso, existe esse papel, mas ainda não temos um ator para ele.
Disse que James, se parecia muito ao detetive.
Quando falaram com James, porra eu nunca fui ator, dormi com um, mais nada, mas encaixava a perfeição no papel.
Revisou toda a parte que lhe tocava, inclusive os sentimentos que tinha tido, o fato de não entender o que lhe estava acontecendo.
A escapada para a praia, o susto na praia, programa de televisão, o fato de forçar que o FBI, resolvesse de outra maneira tudo.
O que mais gostou era que faria o papel duplo, seria os dois personagens, ele mesmo, mais a testemunha.
Viajaram depois fazendo aparições em programas de televisão, mas ansiava estar de novo com Bert, na casa de praia, na sua tranquilidade. O dinheiro ganho com a série, com o filme, lhe dava uma vida tranquila, tinha conseguido sua aposentadoria também.
Quando voltou, notou Bert melancólico. Quando lhe perguntou o que acontecia?
Foi honesto, nunca pensei em sentir tua falta, eres o melhor de minha vida.
O mesmo te digo Bert, estava louco para voltar para cá, sentia falta dos nossos papos no final do dia, de estar contigo.
Riram, estamos velhos para um romance desses de filmes, ou uma paixão arrebatadora, já não temos idades, para sairmos por aí, de mãos dadas como fazem os jovens de agora, ir pela noite de discotecas. Queremos tranquilidade como temos, o nosso surf.
Apesar dos anos, os dois tinham corpos estupendos para suas idades. Gostavam de explorarem isso, era um sexo consentido com muitas emoções.
O mesmo diretor do filme, os procurou, queria ele mesmo escrever um roteiro, para uma série, um detetive que andava de moto, mas que era gay, surfista, etc.
Porque não escreves os roteiros com ele Bert, pode ser interessante.
A série seria rodada em San Francisco, foi um sucesso, Bert se descobriu como escritor, a coisa funcionava. Existia química. As cenas perigosas ele mesmo fazia. Ainda se treinava diariamente. O primeiro capítulo foi apresentado num cinema, grátis, mas com um questionário, como as pessoas viam a ideia desse investigador fora do armário. No meio de muita besteira, também encontraram apoios, ideias interessantes. Nada tinha a ver com os primeiros tempos do bairro, das perseguições aos gays. Mas sim sobre a vida de agora, seus problemas, temáticas que evolucionavam. A vida gay em conjunto. Etc. James também participava, fazendo o papel de um chefe de polícia, dividido entre uma família antiga, ter saído do armário, sua nova vida com um capitão de polícia. Não havia afetação nas representações, eram tratados todos como pessoas normais.
O solitário personagem dele acabou ganhando prêmios. Ao final de cada temporada, o negócio era correr para a casa de praia, relaxar, fazer surf, não pensar no dia de amanhã, viver suas vidas tranquilamente, até a próxima, isso é claro se tivesse audiência.
Chegou à conclusão, que tudo que tinha acontecido, tinha mudado sua vida completamente. Não tinha ideia do que tinha acontecido com o outro, o perseguido com quem tinha sido confundido. Mas no fundo de uma certa maneira estava agradecido, por tudo ter mudado.
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