LIONEL
Me chamo Lionel
Davis, minha infância acabou no dia que minha mãe morreu, ou foi assassinada,
ou como acreditei durante todos esses anos, que tinha fugido com tio Bill.
Durante todos
esses anos, estive com minha mente bloqueada por uma série de manobras do meu
pai, afinal nem sei se é ou não, me fez acreditar que minha mãe tinha fugido
com tio Bill, seu sócio no consultório de psiquiatria que os dois tinham.
Eu adorava o tio
Bill, era como um companheiro para mim, ao contrário de meu pai, era uma pessoa
divertida, já meu pai, uma pessoa que parecia todo o tempo que estivesse
brigando com o mundo. Não me lembro se
alguma vez me abraçou ou fez um carinho.
Eu tinha uns 9 anos
quando tudo aconteceu, até então, quando os dois começavam a discutir, ele me
mandava para meu quarto, mas eu me sentava no alto da escada, ficava escutando,
só ele falava. Sempre reclamava de tudo,
nunca nada estava bom.
Seu prazer era
humilhar minha mãe, que ele não servia para nada, claro o único que salvava era
que era imensamente rica, o que acabava atirando na cara dele, dizendo que se
não fosse ela, ele estaria na merda.
Ao contrário do
que muitos pensariam, era uma loira sim, mas de burra não tinha nada. Foi o que salvou a mim bem como seu
patrimônio.
Quando foi dada
como desaparecida, ele se esbarrou que não podia tocar no dinheiro dela, bem
como em suas propriedades. Tinha também
um testamento, que havia que esperar que eu tivesse 18 anos.
Nunca a
encontraram, mas tampouco uso de cartões de créditos, dos dois. Nunca houve rastros.
Na casa de Tio
Bill, foi a mesma coisa, nada fora do lugar, só seu carro tinha desaparecido.
Quando soube
disso, meu avô materno, conseguiu minha guarda, mas claro, era velho demais
para criar um garoto. Me meteu num
colégio interno, meu pai nunca vinha me visitar, a única pessoa que aparecia no
meu aniversário, natal, era uma irmã dele, com quem não se dava, quando ela
morreu, deixou de aparecer qualquer pessoa.
Só sai desse
internato, quando estive para ir a universidade, não sabia muito bem o que
fazer com minha vida, era bom aluno em tudo, conversava com meu tutor, mas
apesar de gostar de muitas coisas, não sabia bem o que queria.
Um dia tudo estourou,
muito cerca de aonde vivíamos, existia um rio, tínhamos ido muitas vezes fazer
pick nick numa lugar que tinha praia, logo em seguida, diziam que a
profundidade do rio era espantosa.
Mas começaram a
construir uma barragem elétrica, desviaram o curso do rio, quando as aguas
abaixaram, encontraram o carro do tio Bill, com os dois dentro, só que cada um
tinha uma bala na cabeça. As balas
pertenciam a uma arma de meu pai. Ele
fugiu assim que soube que tinham encontrado o carro, mas claro, foi com uma
amante, ela o denunciou a polícia, porque em seguida se tornou violento com
ela.
Me liberaram da
escola, pois tinha terminado o curso antes do tempo. O advogado que levava as coisas de minha mãe,
me acolheu eu sua casa. Fui com ele ao
julgamento.
O homem que
pensava que era meu pai, esta ali sentando, olhando para a superfície da mesa,
sem levantar a cabeça.
Quando foi
interrogado se veio abaixo. Ele e tio
Bill, tinham sido amigos desde criança, estudaram a vida inteira juntos, na
faculdade os dois se apaixonaram pela minha mãe, ela era de família rica, meu
pai, vinha de uma família de classe média, tio Bill era o único que tinha
estudado sempre com bolsas de estudo, pois sua família tinha se arruinado a
muito tempo. Do outro lado nas cadeiras, vi seus pais, nunca os tinha visto,
não eram tão velhos como tinha pensado.
Dias antes,
tinham me retirado sangue para fazer um exame de ADN, que usariam no
julgamento. No interrogatório, seu
advogado o colocou como uma pessoa sofrida, enganado pela mulher, pelo seu
melhor amigo, durante anos.
Quando o fiscal
começou a interrogar antes deles, uma série de amantes que ele tinha tido, logo
vimos que ele era propenso a violência, todas diziam que na cama era um
banana. O pior foi quando apareceram
dois homens, com uma pinta horrorosa, se viam que tinham as sobrancelhas
perfiladas, usavam unhas grandes, cabelos grandes, quando se identificaram,
foram perguntados pelo fiscal, os dois eram travestis, tinham sido amantes
dele. Disseram que ele gostava que o
pegassem pelos seus pecados, mas no final apareceu o pior, um que vinha vestido
de mulher, pois andava assim, disse que ele tinha sido agressivo, quando ele
resolveu se transformar em mulher, tinha um apartamento que tinha colocado em
seu nome, que tinha vendido o mesmo, para fazer a operação, quase me matou de
pancada, fiz uma denuncia é claro, mas ninguém me deu atenção. Me dizia sempre que o filho não era dele.
Depois do
primeiro dia, conversei com o advogado de minha mãe, que me fez me sentar com o
fiscal, contei tudo que me lembrava, das eternas discussões dos dois, que ele
tentava humilhar minha mãe, ela lhe jogando na cara que ele só a queria pelo
seu dinheiro.
Inclusive era
proprietária do prédio aonde tinham a consulta.
Que quem me tratava bem era o Tio Bill, era o único que demonstrava me
querer. Quando vinha jantar, me colocava
na cama, me contava histórias, me dava um beijo na testa.
No dia que tudo
aconteceu, vi que ele pegava minha mãe, depois saíram os dois, no dia seguinte
me disse que os dois tinham fugido.
Nesses anos
todos, nunca tinha me visitado, eu sentia falta sim do tio Bill, dele nenhuma,
nunca tinha feito um carinho, nada.
Só te chamaremos
para depor de for necessário, não tens que passar por isso.
Sabiam que ele
estava sem dinheiro, que a casa estava empenhada, bem como o edifício do
consultório, ninguém sabia como tinha conseguido o dinheiro.
Finalmente o
fiscal o chamou para depor, foi um horror, depois das amantes, dos travestis,
ele estava um frangalho de pessoa. Primeiro contou uma porção de mentiras, que
tinha me protegido desses dois, que eram amantes desde o tempo da universidade.
O fiscal lhe
perguntou se tinha certeza de que era seu filho?
Disse que sim,
que ia sempre me visitar no colégio, que nunca tinha me faltado nada.
O advogado teve que
me segurar na cadeira, pois eu queria gritar que era mentira.
Quando o fiscal
soltou, que pelas provas de ADN, eu não era filho dele, mas sim do Bill, ele
ficou furioso, perdeu os papeis, como se dizia, até isso eles me roubaram.
Tinha se casado
com minha mãe, durante um período que Bill estava no exército, tinha sido dado
como desaparecido, ela estava grávida, isso atestava um documento que estava em
poder do advogado. Meu avô materno, era
um judeu muito rico, a tinha obrigado a se casar com separações de bens, ou
seja ele não tinha direito a nada. Por
isso nunca tinha podido aceder ao que ela tinha.
Uma miserável
seguiu falando, uma loira puta como todas as outras putas que apareceram aqui.
Todas mereciam
morrer, lástima que só matei essa puta que era minha mulher.
Não houve como o
fazer parar, ele disse que a tinha feito ir a casa do Bill, que tinha feito os
dois entraram no carro, tinha dado um tiro na cabeça de cada um, jogado o carro
no rio na parte mais profunda. Olhou
em minha direção, nesse momento me livrei desse bastardo, apontou para mim.
O que ele não
esperava era que eu ficasse em pé, lhe grita-se assassino, me roubaste o que
mais gostava na vida, meu querido tio Bill, bem como minha mãe, que vá para o
inferno.
Ele abaixou a
cabeça, nesse momento se fez uma grande confusão. O juiz interrompeu o julgamento, mandou que
me levassem ao seu gabinete, fui como fiscal, com os dois advogados. Contei
tudo que sabia, que era mentira, que ele nunca tinha ido me visitar, que tinha
passado todos esses anos preso na escola, nunca saindo para nada.
Virei para o
juiz, perguntei se podia me considerar como maior, para me livrar dele.
Isso será outro
processo, mas não vejo por que não.
Terás que seguir em frente.
Eu confessei que
tinha pensado que realmente tinham fugido, porque os dois sempre se mostraram
carinhosos um com o outro na minha frente.
Bill sempre segurava sua mão na hora de ir embora, lhe dava um beijo.
Quando sai, me
apresentaram os meus avôs, os pais do Bill, me abraçaram com lagrimas nos
olhos. Eram pessoas simples, se quiseres
vir viver conosco, será um prazer.
Ele era a viva
imagem do Bill, que agora sabia que era meu pai. Me agarrei a ele, chorei
muito.
Depois nessa
noite jantaram na casa do advogado, enquanto eu não fosse independente, não
podiam fazer nada. Contei como o Bill
se comportava comigo, as histórias que me contava, como me colocava na cama, o
beijo que me dava na testa, esse outro, nunca se aproximou de mim.
Como dizia o
advogado, era tudo como se fosse uma novela de mau gosto, tudo porque ele
queria se casar com ela, pensando que seria rico.
No último dia do
julgamento, seu advogado nem sabia o que dizer, porque já tinha perdido a
causa. Ele foi condenado a cadeia perpétua,
sem direito a pedir liberdade.
Não fez nenhum
movimento, tinha envelhecido uns 20 anos de um dia para o outro, ombros
curvados, seguia olhando o tampo da mesa, passou por mim na saída, eu lhe virei
as costas.
Tinha matado meu
pai, minha mãe.
Dois dias depois,
o juiz assinou minha independência, o advogado com um tabelião levaram na
frente dele, o testamento dela, havia uma carta para mim, que coloquei no
bolso, existiam muitas propriedades, que vinham do meu avô, inclusive seu
imenso apartamento em Chelsea em NYC, além de dinheiro no banco, do parte de
meu avô havia uma caixa forte que também me pertencia, que eu só tinha direito
a abrir quando fizesse 18 anos, eu calculava com o dinheiro que receberia,
teria dinheiro por muitos anos.
Nos dias
seguintes, tiramos documentos de identidade, eu assumiria o sobrenome de minha
mãe, me passava a chamar Lionel Stainer, não queria levar o dele de maneira
nenhuma.
Deixei passar
pelo menos duas semanas, falava todos os dias com meus avôs, eles viviam em
Filadélfia, eu lhes disse que logo iria visita-los.
Só então, tive
coragem de ler a carta. Quando fores
maior de idade, saberás que foste fruto de um amor muito grande. Eu me apaixonei pelo Bill, logo que o vi,
mas claro incluía seu amigo que sempre estava junto. Quando Bill foi chamado para ir para o
Vietnam, não houve maneira de escapar, meu marido sim, conseguiu. Mal Bill embarcou, descobri que estava
gravida, fiquei quieta, mas ele descobriu.
Nem um mês depois Bill foi declarado desaparecido em combate, ele me
convenceu a me casar com ele, para que tivesses um sobrenome, que não te
chamassem de bastardo. Ele sabia o que
era isso, pois não era filho do homem do qual levava o nome, o que descobri
depois que era uma maneira de me enganar, não era verdade.
Anos depois
quando recuperaram o Bill, ele quando voltou era um trapo de homem, tinha sido
prisioneiro durante anos, era um cadáver ambulante, mas quando te viu, sorriu,
disse que tu eras igual a ele quando criança.
Começou então um largo tratamento, que nunca soube quando ia
acabar. Pois seus traumas eram muito
grande, pensei em pedir divórcio para cuidar dele, me disse que infelizmente já
não tinha capacidade de amar mais, tinha perdido tudo. Que a única coisa boa era te ver.
Por isso quando
vem aqui em casa, gosta de ficar brincando contigo, contar histórias, te
colocar na cama. Mas fora isso, sua
casa, é pequena, vive num quarto, que mais parece uma cela de um monge, não
suporta muita gente junta, lhe dá medo.
Me diz sempre que
bem ou mal, ele tem um pai que o criou.
Por mais que lhe explique que ele nunca se aproxima de ti, que te engole,
porque senão não tem a vida que pediu a deus, com nosso dinheiro.
Agora Bill, esta
melhor, tomei coragem, vou pedir o divórcio, não quero mais viver essa mentira,
quero ter uma família com o Bill, ele nos ameaça de acabar conosco, te deixar
sem pais, já falei com o advogado, ele nunca poderá se nos acontece algo, tocar
no dinheiro que será para o teu futuro.
Teu avô meu pai,
leva muito mal esse assunto, pois nunca gostou dele, tampouco gosta do Bill,
diz que tem problemas demais com o que lhe aconteceu na guerra.
É uma verdade,
poderia ser um homem violento, mas se transformou num homem frágil, está
dividido, tem medo de causar problemas para ti. Te ama muito, mas seu medo de não controlar
sua neurose é muito grande.
Não importa, eu
te amo demais meu filho, foste filho desse amor imenso que sinto por ele.
Beijos, tua mãe.
Ela sempre me
dizia como te pareces ao teu pai, eu olhava o outro, não consigo mencionar seu
nome, nunca me pareci com ele.
Sou loiro como
ela, como o Bill, tenho os olhos dos dois, azuis, sou tão alto como ele era.
Fui visitar meus
avôs, agora podia me mover sozinho, já tinha posse de meu dinheiro, aluguei um
pequeno apartamento, não queria viver no que tinha sido do meu avô, que era
imenso, imagina tinha vivido sempre num quarto normal no colégio, os quartos
ali eram imensos.
Agora entendia o
Bill, ele devia viver numa cela, porque sabia que não precisava mais do que
tinha.
A casa dos meus
avôs era muito simples, no quarto dele, estava igual segundo ela, nunca mudei
nada, ali estavam seus troféus, de estudante, a maioria não eram de esporte,
mas sim de debates que participava, era muito inteligente.
O velho me disse,
que quando voltou, era assustador, ela pele e osso, nem sabiam como podia se
manter em pé. Levou anos para poder
comer direito, se comia demais vomitava.
Tinha pesadelos
horrorosos, pois dizia que o acordavam de noite para tortura-lo, durante o
tempo que este aqui, passou a dormir num quarto em cima da garagem, mas podíamos
escutar seus gritos de madrugada, me levaram até lá. Era um quarto pequeno, com
uma cama simples, alguns livros em cima da mesa de cabeceira, um livro grande
em cima da mesa que usava para estudar, embaixo da janela, tinha um livro sobre
como criar um filho.
Disse aos meus
avôs que dormiria ali esses dias, queria estar perto dele, se podia sentir seu
cheiro. Ela chorou muito, me contou que
quando me viu a primeira vez, chegou aqui chorando, que nunca tinha pensado em
ter um filho tão bonito. Lhe perguntei
se te ia reclamar, ele disse não posso, como vou cuidar de um filho se não
consigo cuidar de mim mesmo, dos meus pesadelos.
Me deixaram ali
sozinho, abri o livro, era um desses que falam das crianças desde que nasce, a
margem estava escrito, não estive presente quando tudo isso aconteceu, como
posso recuperar.
Depois haviam
folhas soltar, eram pensamentos dele, de como podia fazer que eu o amasse.
Será que um dia
me aceitará como pai.
Em outras paginas
soltas, estava o que eu tinha conversado com ele nesse dia, como era minha
risada, como o tinha feito feliz, ao deixar que me colocasse na cama, que lhe
tinha falado que gostava demais disso.
Nessa noite
sonhei com ele, sorria para mim, estava feliz.
Passei muito
tempo com os velhos, eram gente simples, se espantavam como eu podia gostar de
estar ali, contei como era minha vida no colégio, como era meu quarto, que como
Bill, eu gostava de ler, que basicamente tinha lido todos os livros da
biblioteca.
Que me dava muito
bem com o cozinheiro, bem como o que era meu orientador, para o resto eu era o
aluno perfeito, que absorvia todas as matérias.
Poderia inclusive
me candidatar a uma bolsa de estudos na universidade, estava adiantado.
Mas confessei que
não sabia o que fazer ainda, precisava de tempo para pensar.
Quem me deu de
uma certa maneira uma solução, foi meu avô, me contou que Bill, tinha um sonho
desde jovem, de ir pelo mundo, aprender coisas, seu sonho na verdade era a
arte, mostrou dois desenhos dele, tem uma caixa, cheia de desenhos de ti.
Quando abri a
caixa, ali estavam um estojo de aquarela, bem como cadernos de pintura, todas
as páginas, tinha meu rosto, rindo, chorando, pedindo alguma coisa, as vezes
tinha uma anotação, perdi tudo isso.
Muitas fotos minhas.
Fiquei com os
pequenos pinceis, bem como o estojo de aquarela, me deram os cadernos, que
levei comigo.
Me despedi deles,
disse que ia realizar o sonho do Bill, antes de ir à universidade, tiraria um
ano sabático, para conhecer os lugares que ele gostaria de ter ido.
Falei com o advogado,
fomos ao banco, me deram um cartão de credito de estudante, assim eu poderia ir
me movendo.
Tinha encontrado
nessa caixa, uma série de guias turísticos velhos, os ordenei por época que
tinha comprado, quais eram os seus interesses, tinha inclusive pequenos papeis
que dizia o que queria conhecer.
Comecei por
Berlin, comprei um bilhete de avião, me informei bem numa agência, a vendedora
que me atendeu, me falou do tipo de hotéis que os jovens como eu faziam, eram
hotéis dedicados a estudantes, como eu poderia ir me movendo, viajando de trem,
sem pressa.
Assim fiz,
visitei os museus, as pessoas riam, pois os guias turísticos eram velhos, mas
não me importei, segui o que estava ali, se descobria alguma coisa nova tudo
bem.
Comecei a formar
na minha cabeça, a ideia de arte, tinha estudado história da arte na escola,
mas claro eram informações sem muita profundidade, o que fiz foi comprar umas
cadernetas Moleskine, anotava tudo que via, analisava o mesmo, quando chegava
no hotel, existiam habitações compartidas, mas sempre pedia uma para mim em
solitário, gostava do meu espaço, não queria compartir, durante o café da
manhã, escutava o que iriam fazer durante o dia, mas quando chegava a noite que
começavam a beber, a pensar em festa, eu sequer tinha curiosidade, não queria
me perder, antes de realizar meus sonhos.
Me sentava no
silêncio do quarto, escrevia minhas impressões das coisas que tinha visto
durante o dia, alguma coisa que gostaria de ter falado com o Bill. Comparava
sua anotações com o que tinha visto.
De Berlin, fui a
Praga, foi uma viagem de trem fantástica, de lá fui para a Itália, fui
conhecendo todos os lugares que ele pensava.
Ria as vezes sozinho, pois me lembrava de suas anotações.
Via os outros da
minha idade em grupo, mas não me interessava, falava com eles, mas o que queria
era ir ao meu ritmo, alguns bebiam demais, depois vomitavam, eu pensava que
absurdo, depois quando falavam criticavam a maneira das pessoas viverem, pois
não tinha nada a ver com América, então achavam um absurdo. Pensavam esses quando voltem, jamais se
lembraram do que viram.
Tiravam sim
muitas fotos, pensei em comprar uma câmera mas preferia, fazer pequenos
desenhos nos meus cadernos Moleskine, escrevia todas as conversas idiotas que
escutava, para depois pensar a respeito.
Quando cheguei a
Roma, fui obrigado a ficar num hotel maior, mas nada de luxo, escutava os
turistas falando, pensava, os da minha idade serão estes amanhã, que se fixam
em detalhes idiotas, sem olhar como vivem, como pensam os daqui. Eu preferia conversar com as pessoas nos bares,
restaurantes, os que não eram turísticos, para entender como levavam a vida,
como pensavam.
Fui até o sul, ao
final da bota, como dizem que forma Itália, voltei pelo litoral, era pleno verão
todos iam a praia, não era meu campo de batalha, gostava de praias vazias,
aonde pudesse estar sozinho, acabei entrando na França pelo sul. Fui conhecendo
tudo que Bill tinha sonhado, agora era meu sonho, me divertia, comecei a
conhecer gente, falava bem o francês, pois meus professores tinham sido bons,
bem como amava a maneira deles cozinharem.
Todas as semanas
falava com meus avôs, queria saber como estavam, falava do que tinha visto, dos
sonhos de meu pai, agora conseguia chamar Bill de meu pai.
Meu avô falou que
o psicólogo com o qual fazia terapia, tinham um diário que ele tinha deixado
para o outro ler, tinha demorado a encontra-los, mas estava lá para mim quando
quisesse.
Quando cheguei a
Paris, era aonde tinha mais anotações do Bill, estava ali tudo que ele tinha
sonhado conhecer, fiz isso primeiro, depois fui visitando os museus, parei numa
loja para comprar mais Moleskine, escutei a conversa de dois jovens, eram
estudantes de belas artes, fiquei curioso, perguntei aonde era, foram me
mostrar, se fizeram de guias pela escola, até que um professor perguntou o que
eu fazia ali. Lhe expliquei que era
Americano, que ainda não tinha me decidido, mostrei o Moleskine, aonde tinha
desenhado várias coisas que tinham me chamado a atenção durante a viagem, claro
era tudo em tamanho pequeno, buscou na sua sala uma lupa, disse que era
incrível o que eu fazia em tamanho pequeno, que eram excelentes meus
esboços. Podia me apresentar para o
semestre seguinte.
Fiquei feliz,
quando falei com meu avô, ele me disse que minha avô não estava bem a tempos,
que estava num hospital, que o tratamento era caro. Desliguei falei imediatamente com o advogado,
iria para lá, mas que a transferissem para um bom hospital, que tivesse do
melhor.
Minha bagagem era
pequena, tinha sim muitos Moleskines, tinha sempre viajado com o justo.
Tomei o primeiro
voo, pela primeira vez viajei em primeira classe, pois era aonde tinha lugar.
Cheguei de
madrugada em NYC, fui direto para Filadélfia, ela agora estava no melhor
hospital da cidade, num quarto particular, ele estava com ela, segurava sua mão
amorosamente.
Me abracei a ele,
que chorava, ela estava entubada, estava em coma.
Voltou a si dois
dias depois, abriu os olhos, me viu, confundiu com meu pai Bill, sorriu,
morreu.
Foi duro para
ele, mas fiquei ali ao lado dele. No
enterro, não tinha muita gente, ele sorriu tristemente dizendo que a maioria
dos amigos tinham morrido.
Depois perguntei
o que ele queria fazer, ficar vivendo ali, ir viver comigo, o que pensava em
fazer. Quero ficar aqui, o médico me
disse que ele estava muito fraco, fiquei ali com ele, arrumei um professor de
desenho, mostrei meus pequenos esboços, o homem ficou impressionado, eu achava
graça, pois os tinha feito sem pretensões nenhuma.
Arrumei uma
senhora que vinha limpar a casa, fazia comida para os dois, nos acostumamos a
ficar horas sentados lado a lado na pequena sala, fui contando minha viagem
para ele, as vezes lia o que tinha escrito, comparando as anotações de meu pai
Bill, com as minhas, ele se matava de rir, ele sempre teve muita imaginação.
O senhor imagina,
num museu em Paris, me peguei falando com ele, pois mencionava um quadro que
ele parecia gostar muito, quando vi as pessoas me olhava, pois eu ia comentando
como via o que ele tinha mencionado, mas eu o via igual. Acabei tendo uma gargalhada, pois iam pensar
que estava louco. Teria adorado fazer
esse viagem com ele. Mas sentia a presença
dele sempre.
Estar com meu avô
facilitava, pois Bill era realmente muito parecido com ele. Me entregou o diário que o psicólogo tinha
entregado. Li somente duas páginas, há
muito sofrimento nessa parte, não fui capaz de ler tudo.
Nessa noite li as
primeiras páginas, ele descrevia a jaula que tinha vivido muito tempo, primeiro
com outros homens, à medida que esse foram morrendo, ele foi ficando sozinho,
ao final, dizia que tinha conversado muito com ele mesmo, que os guerrilheiros,
pensavam que ele estava louco. Um deles
o tinha ensinado a falar a sua língua, conversava com esse. Mas também era o mesmo que os superiores
mandavam torturar, depois vinha até a jaula, pedia perdão.
Chorava segurando
sua mão, mas quando se aproximava alguém, o maltratava, foi esse homem que o
liberou, meu pai o tinha ensinado a falar inglês, atravessou a selva toda com
ele, se escondendo, as vezes o tinha carregado. Eu já não devia pesar nada, pois me
carregava como quem carrega um boneco.
Quando chegaram perto de um acampamento o deixou, desapareceu, depois o
procurei quando acabou a guerra, mas nunca o encontrei, dizia seu nome. Talvez tivesse sido morto.
Contava da aldeia
que vivia, como tinha sido recrutado para ser guerrilheiro, os americanos
tinham matado toda sua família, sua mulher, seus filhos, mas ele achava que
Bill era boa pessoa, pois quando ele chorava, este secava suas lagrimas com os
dedos.
Não morri, só por
causa desse homem, devo minha vida a ele.
Depois a volta,
os pesadelos, as torturas, foi então que me lembrei que ele não tinha unhas,
tinham arrancado todas, seus dedos eram diferentes, alguns completamente
torcidos, mas me fazia bem seus carinhos.
Quando soube que
eu era seu filho, chorei como um condenado, que vontade tinha de poder
abraça-lo como fazia quando era garoto.
Meu avô escutou
que eu chorava, veio ficar perto de mim.
Me abraçou, cantou uma canção que ele cantava quando me colocava na
cama.
Pela primeira vez
tinha ódio do homem que me tinha arrebatado tudo isso.
Mas o
interessante que ele não o culpava, procurava entender.
O mais terrível,
foi ler que quando minha mãe quis fazer sexo com ele, explicar que era
impossível, tinham lhe arrancado o escroto, ainda deram o mesmo para um
cachorro sarnento que estava por ali.
Contava o medo que passou a ter dos cachorros quando se aproximavam
dele. Não tinha ereção nenhuma, não era
mais um homem, mas o outro não entendia isso, um dia lhe mostrei para que visse
do que eu falava, que não devia ter receio de mim.
O que aconteceu o
deixou chocado, que o outro tinha abaixado, colocado seu membro na cara, o
beijado. Foi quando me confessou que
tinha me amado desde que me conhecia, que ansiava que eu fizesse sexo com
ele. Depois riu amargamente, agora nem
fazes com ela, nem comigo.
A pergunta se ele
sabia disso, porque o tinha matado, bem como a ela.
Pediu ao
advogado, se podia conseguir que falasse com ele.
Ficou horrorizado
quando o viu, era um caco de pessoa, segundo soube depois estava viciado em
drogas, tinham abusado dele ao princípio, mas agora era tratado como um lixo.
Falou do diário
do Bill, levou um susto, quando perguntou se falava bem dele.
O amei desde o
primeiro dia que o vi, quando éramos jovens uma vez fizemos sexo, depois ele
nunca mais quis, dizia que iria destruir nossa amizade. Buscava todos os homens que se pareciam com
ele, me humilhava para ele me querer, mas quando conheceu tua mãe, ficou
loucamente apaixonado, vê-los juntos era uma tortura. Quando desapareceu, fiquei como louco a
princípio, nos apoiamos um no outro.
Mas quando nasceste, ela te olhava de uma maneira que eu não suportava,
sabia que ela via o Bill em ti.
Depois comecei a
chegar tarde em casa nos dias que ele ia te ver, imaginava os dois fazendo
sexo, era uma tortura, até o dia que ele me mostrou seu corpo, todo marcado
pelas torturas que tinha sofrido. Queria
beijar cada ferida, mas ele não deixou, me explicou que jamais poderia fazer
sexo.
Mas ela queria ir
embora com ele, contigo, me deixando para trás, dizia que não suportava mais
estar comigo, sabia do que eu andava fazendo, andando com putas, com homens que
se parecessem a ele.
No julgamento só
apareceram os trasvestis, mas na verdade houve muitos homens na minha
vida. Te mandei para um colégio, ou
melhor disse ao teu avô, que não suportava tua presença, pois eras parecido com
Bill, tinha medo de abusar de ti. Por
isso nunca fui te ver, saber que tinha matado meu melhor amigo, mas não
suportava a ideia de que eles quisessem viver sem mim.
Quando estava
muito perdido, ia me sentar na beira do rio, ficava conversando com os dois, me
escondia para me masturbar, me lembrando da única vez que fizemos sexo.
Me perdoe, embora
não seja digno disso. Tenho Aids, não
vou viver muito mais.
Lhe disse que o
perdoava, pois imaginava viver como ele tinha vivido.
Nesse época meus
desenhos ficaram negros, tinha escutado muita miséria, muito ódio, todas as
coisas más do mundo. Talvez por isso
nunca me aproximava de ninguém.
Meu avô me
aconselhou a ir a um psicólogo, pois me escutava as vezes chorando de noite.
Aceitei seu
conselho, comecei a conversar com um senhor, fui falando tudo que tinha vivido,
a solidão que tinha vivido na época da escola, a dificuldade de me aproximar
inclusive com os da minha idade. Lhe
disse que não tinha experiência sexual nenhuma, que não me sentia atraído por
ninguém.
Com o tempo fui
melhorando, segundo meu professor, meus desenhos foram ficando mais claros, fiz
meu primeiro quadro, um retrato do meu avô, ele ficou emocionado.
Meu professor
dizia que eu deveria ir fazer um curso numa escola de Belas Artes, mas não
queria deixar meu avô sozinho. Um dia
ele não se despertou, fiquei ali parado, chorando, pois tinha perdido o último
elo com o meu passado.
Chamei o meu
advogado que veio imediatamente, o enterramos ao lado de minha avó, bem como
aonde estavam as cinzas de minha mãe, do Bill.
Ele tinha vendido
o apartamento do meu avô em NYC, dizia que alugar era jogar dinheiro fora,
tinha o feito por um bom preço, colocamos isso numa conta, que eu pudesse usar
mais fácil.
Embora a casa do
meu avô paterno agora era minha, me deixou de herança, eu voltaria a viver lá
um dia.
Fui passar uma
larga temporada estudando na escola de Beaux Arts de Paris, aluguei um studio,
aonde pudesse viver, fui conhecendo gente, me obrigando a sair, só não fazia
uma coisa, não bebia, nem consumia drogas, quando me cobravam lhes explicava
que não era a minha.
Nem sentia
curiosidade.
Um dia estava
trabalhando num quadro na escola, o professor me apresentou o dono de uma
galeria, foram até meu studio, viram tudo que eu tinha, me ofereceu uma
exposição, foi assim que comecei a ser conhecido, Lion Stainer.
Tinha transporto para
a tela, todo os sofrimentos do meu pai, isso impressionou muita gente, quando
me entrevistaram fizeram perguntas a respeito, respondi sinceramente, que tudo
se baseava nos diários de meu pai, do seu sofrimento como prisioneiro vietcong.
Fiz mais duas
exposições, sobre outros assuntos que gostava, foi quando me apaixonei pela
primeira vez.
Um homem se
aproximou, disse que tinha conhecido meu pai na universidade. Disse que nunca tinha se aproximado, pois os
três formavam um grupo fechado.
Começamos a
conversar, fomos jantar, ele era muito mais velho do que eu, mas me apaixonei
assim mesmo, ele a principio se assustou, mas não me importei, voltei para
viver com ele nos Estados Unidos.
Vivemos juntos até ele morrer.
Mandei reformar a
casa do meu avô em Filadélfia, de tanto tempo fechada as paredes estavam mal,
na reforma, transformei o andar de cima num grande studio aberto, passei a
viver lá. De vez em quando fazia alguma exposição.
Sentia falta do
meu companheiro, pois se uma das coisas que fazíamos muito era conversar, ele
tinha ficado muitos anos trabalhando para o governo americano, nas embaixadas,
tinha um bom relacionamento, me apresentou muita gente do meio de arte, pois
tinha sido adido cultural fora do pais.
Alguns me
criticavam, pois pensavam que estava com ele por dinheiro, ele se matava de
rir, dizia que eu era milionário, o que era pobre era ele.
Trabalhava nessa
época como se tivesse febre, meu trabalho foi mudando, era uma maneira
diferente de ver a vida. As cores de repente apareceram em meu trabalho, cada
vez foram ocupando mais e mais espaço.
Ele adorava, eu
dizia que ele era isso para mim, vida.
Quando ele morreu
eu tinha 40 anos, pensei nunca mais vou amar assim. Tinha vivido com ele desde meus 26 anos, era
muito tempo. Nunca tinha feito sexo com
mais ninguém, tampouco sentia necessidade.
Alguns se
aproximavam de mim por interesse, graças a deus eu percebia de imediato.
Tinha um amigo
seu, que vinha sempre ao studio conversar comigo, dizia que admirava o amor que
eu tinha por ele.
Um dia de
surpresa me apresentou seu filho, ele era gay, mas tinha sido casado
antes. Começamos a sair, ele pensava
muitas coisas como eu, sentia que sua mãe o tinha pressionado muito para odiar
seu pai, que isso o tinha feito perder tempo de viver com um homem a quem
amava.
Um dia começamos
a brincar, acabamos fazendo sexo. Ele
se achava heterossexual, nunca tinha imaginado nada disso, no dia seguinte
disse que tinha que pensar, sumiu uma semana sem dar notícias.
Um dia voltou,
disse que não tinha conseguido me tirar da sua cabeça, começamos a viver
juntos, saímos com seu pai, este tinha uma agenda impressionante, pois adorava
uma festa, ir dançar, a nós não, gostávamos de estar no nosso canto, lendo,
escutando música, um agarrado ao outro.
Quando fui para Filadélfia,
ele conseguiu ser transferido para lá.
A principio
estranhou um pouco, mas estávamos perto de NYC, quando queríamos escapávamos um
final de semana, mas avisava ao pai, queremos estar contigo, não com um bando
de gente.
O pai me agradecia,
fazer feliz ao seu filho.
Vivemos juntos
até hoje, agora temos quatro filhos adotivos, tivemos que ampliar a casa,
imaginava meus avôs como estariam contentes com isso, escutar ruídos de
crianças pela casa.
A vida seguiu em
frente como sempre, nada para nunca.