lunes, 21 de febrero de 2022

WHIT OUT

 

                                                  WHIT  OUT

 

Outra vez, desta vez tinha perdido a paciência definitivamente, saiu do cenário, foi para seu camarim, sabia que a garota estava fudendo com o diretor, por isso a tinha escolhido para o papel, chegava todo os dias com cara de sono, sem saber o texto, a voz da mesma o irritava, menos mal que era o último filme do contrato, maldizia ter deixado nas mãos do seu agente assinar o contrato com a companhia.   Na noite anterior, retirou dele seu poder para isso, quando o mesmo lhe fez uma chantagem, lhe deu um murro na frente de todo mundo.

Esse disse que o ia processar, o pegou pelo colarinho, falou bem alto, esse senhor não é de confiança, isso num restaurante que estava lotado de jornalistas, começou a falar todos os podres que tinha o mesmo, quando se fartou dele, contratou um detetive.

O outro ficou branco, atreva-se a entrar com um processo contra mim, contarei mais coisas que sei sobre ti.

Fazia par romântico com a jovem atriz, quando o diretor veio falar com ele, soltou, se paras de fuder a noite inteira com ela, pode ser que consiga representar alguma coisa.  Ou trocas de atriz, prefiro filmar tudo já feito, mas com alguém que chegue aqui sabendo o texto, não uma que cada vez que diz uma frase olha para ti.    Podem me processar, me nego a filmar mais nenhuma cena, estou de saco cheio desse filme, uma merda.

Quem depois veio falar com ele foi um dos produtores, que tinha exigido que ele fizesse o filme.    

Isso é algum castigo, o diretor é uma merda, a garota outra, tudo bem tem o direito de sonhar com o estrelado, mas começa mal, dormindo com esse idiota.   Me nego a seguir filmando, o enredo podia ser interessante se não fosse esse idiota dirigindo.

Isso tudo tinha falado com a porta aberta, mal sabia que um dos jornalista do dia anterior estava do outro lado.

Se o roteirista pega o texto da uma volta por cima no mesmo, não me importo contracenar com uma atriz, mas que a mesma pelo menos tenha talento.   Sei que sou um cara que venceu no cinema pela estampa, pelo meu físico, mas fiz aulas, aprendi a falar, a me caracterizar, enfim já não sou o merda de um canastrão de como comecei, mas tem uma coisa, não fui para a cama com ninguém para subir na vida.

Quando tiverem isso resolvido, falem comigo, ah despedi ontem à noite o meu agente, por isso agora tudo é comigo.

Saiu batendo a porta deixando o produtor dentro, o jornalista o foi acompanhando, se dobrava de rir.

Jackson você é do caralho, quer me dar uma entrevista, público tudo o que você quiser.

Olhou de cima a baixo o sujeito, não era desagradável.  Soltou junte isso com o de ontem, publique, que será como jogar merda no ventilador.   Os atores deviam ter liberdade para poder escolher os seus trabalhos.  Não seus agentes fazerem negociatas com as grandes produtoras, para ganhar dinheiro.

E se não te aparece mais nenhum contrato?

Posso voltar ao meu antigo trabalho, voltarei a ser mecânico de carros como sempre fui desde jovem.

Que me ver trabalhando, siga-me, ele vivia talvez numa das casas mais modestas de Hollywood, odiava ostentação.    O levou até a garagem aonde tinha um carro que tinha comprado num ferro velho.  Lhe disse, esse carro, pertenceu a um ator, seu filho o destroçou, estou remontando o mesmo, pois amo os carros, mostrou o torno aonde refazia uma peça que não tinha encontrado, de fome meu querido não vou morrer.

Tirou a camisa, as calças, com o jornalista o fotografando, vestiu um macacão todo sujo de graxa seguiu trabalhando, na sua cara que até então estava de um homem furioso, surgiu um sorriso, tinha se relaxado.

Realmente foi como jogar merda num ventilador, o texto das duas coisas saia na primeira página do jornal, não parava de receber chamada de outros atores, que ele sequer conhecia, elogiando seu comportamento.   Achou melhor gravar uma mensagem, pois senão não poderia escrever.

Dias depois recebeu uma chamada do produtor, seria como ele quisesse, o diretor tinha sido despedido, bem como a atriz, começariam a rodar o filme outra vez, mudando o texto como ele dizia.

Ele tinha lido o livro antes, estava baseado numa história verdadeira, disse ao produtor, que perguntasse ao roteirista se tinha lido o livro, que ele sim.

Marcaram de se ver dois dias depois.   Nessa mesma noite, chegou o novo roteiro, estava melhorado, mas ainda não era bom.  No final, tinha um número de telefone, chamou, o roteirista se identificou.

Já sei, o que vais dizer, mas não me dão muita margem, fiz outro roteiro, mas acham que não é comercial.

Venha com ele até minha casa, lhe deu o endereço.

Quando esse chegou, ele estava terminando de colocar umas peças no motor.   Só um minuto que já te atendo.

O roteirista estava de boca aberta, pela simplicidade dele.

Colocou uma calças jeans, se limpou da sujeira que tinha, foram se sentar na cozinha da casa, fez um café, pegou o roteiro das mãos dele, um lápis que usava para anotar as compras, começou a ler, a fazer anotações na lateral.

Quando terminou, entregou o texto, se o melhoras nessas coisas até amanhã, faço filme.

O outro começou a ler, vão me matar se apresento isso.

Primeiro vamos comer.

Foi para a geladeira, começou a tirar coisas, preparou uma salada, perguntou se gostava de carne, como queria, preparou um prato para o outro, fez o mesmo para ele.  Sentou-se começou a comer, o outro quis argumentar, colocou um dedo na boca, fazendo silencio, coma.

Quando terminaram ele foi lavar a louça com o outro o olhando.

Só fez uma pergunta, tens algum texto teu bom?

Sim, tenho vários textos.

Pela reforma que fizeste nesse, se vê que sabes escrever, me mande dois que aches o melhor.

Nunca foram aprovados, os acham pesados para o cinema comercial.

Essa gente não sabe de nada.

O acompanhou até a porta.   Amanhã nos vemos.

Chegou ao studio no seu velho jeep como sempre, era outro que ele tinha reconstruído inteiramente, tinha ficado destroçado numa filmagem, ele viu, comprou a sucata.

Sentou-se na sala de reunião, numa ponta da mesa, que normalmente era do presidente da companhia, quando esse entrou, não se levantou, nem mudou de lugar, obrigando o mesmo a sentar-se na outra ponta.

O produtor, começou uma lenga, lenga cheio de palavras bonitas.

Ele se levantou, não vim aqui para escutar essas baboseiras, ontem vi outro roteiro, melhorado, falei como roteirista, se fazem as mudanças volto.

Até logo, da porta disse, podem me processar, alias meu advogado me disse que ganho fácil.

Foram eles que foram a sua casa, dizendo que estavam perdendo muito dinheiro por culpa dele.

Da próxima vez, contratem um iniciante para fazer essa merda, um coitado que ainda não tenha aprendido nada.

Bom vimos o novo roteiro, sabemos que você já leu, vamos fazer dessa maneira, falou quem seria a atriz.

Bom tudo bem, mas quero o roteirista acompanhando a filmagem.

Em dois meses acabaram o filme.   No dia seguinte despediram o roteirista, ele soube, não se preocupe, falou por telefone, aliás você me deve uma, cadê o texto que te pedi.

Te espero em casa, quero um parceiro para dar uma volta no meu carro novo.

Quando ele chegou disse, o carro ficou fantástico.

Deram uma volta, pararam num bar na praia para tomarem alguma coisa, não te preocupe, eu te ajudo.

Olhou diretamente na cara do Andrew, riu, mudaste, já não estás tenso como da primeira vez que te vi.

É que contigo é fácil falar, não ficas perdendo tempo.   Não sei se vais gostar do texto, o personagem principal é gay.

Me importa um caralho isso.

Voltaram para sua casa, ele tinha um pequeno escritório, abarrotado de livros, um dos meus passatempos, desde garoto.  Ler.

Indicou uma das poltronas, se sentou na outra, acendeu o abajur, colocou um óculos, começou a ler, com um lápis suspenso no ar.   Começou a anotar coisas nas laterais, depois pegou um bloco, seguiu fazendo, lhe pediu para se servir de whisky, disse aonde estava, seguiu lendo, as vezes parava para anotar coisas.

Andrew, me desculpe, mas é que andei fazendo um curso de literatura, depois um de escrita de roteiros.

Olha, sente-se aqui do meu lado, nesse pequeno escritório, tinha como mesa, uma que tinha encontrado no lixo, ele mesmo restaurou, devia ter sido uma mesa de cozinha de algum restaurante antigo, passou meses limpando, colocou depois de pronta um vidro por cima, assim protegia a madeira.

Veja, essa parte, falas de uma coisa dura, mas sem usar palavras como uma pessoa falaria, se fosse comigo, eu soltaria de imediato um “caralho”, parece que tens medo de usar palavras que as pessoas quando estão sobre pressão falam.

Veja nesse encontro do personagem, esta caramelizado, como se fosse um romance entre duas pessoas românticas, mas os dois não são, um é ladrão, o outro é um estafador, você acha que eles fariam isso, o mais fácil era que um lutasse contra o outro, para ver quem é o mais forte, quem come o cu de quem.

Andrew, se matava de rir, só podia esperar isso de ti.

Mas agora, nem pagar meu aluguel posso, não terei lugar para escrever.

Essa sala te basta, podes vir fazer isso aqui, porque irei montar esse filme, nem que gaste até o último tostão que tenho.

O levou para a parte de cima da casa, que era simples, mas os dois quartos era como suítes, com banheiros normais, nada de luxo.   Ele tinha comprado essa casa, reformado, com sua cabeça de homem.

Podes ficar aqui se quiseres, depois já veremos.

Venha vamos comer, porque fiz uma salada com peixes, mariscos, que encontrei hoje de madrugada no mercado.

Como de madrugada?

Tenho um problema para dormir, durmo o necessário, depois levanto muito cedo como fiz a minha vida inteira, tenho que trabalhar, fazer alguma coisa, só fico sentado aqui se estiver lendo um roteiro, ou um livro.

Ok, tenho que sair do apartamento que era do studio, até amanhã.

Depois de comermos, iremos até lá, trazes tuas coisas.

Por que fazes isso por mim?

Primeiro porque te meti no meio de uma briga minha, segundo porque gostei do texto.

Depois de comerem foram buscar as coisas do Andrew Nort, eram poucas coisas, para ele a mais importante era seu Laptop, além de uma velha impressora.

A principio pensou que Jackson quisesse alguma coisa com ele, mas viu que ele continuava seu trabalho como se nada tivesse acontecido, um dia lhe perguntou como conseguia tanta calma, respondeu que um dia tinha perdido tudo, por isso nada lhe preocupava.

Não entendeu muito a frase, pois o que sabia dele, era pouco, um ator com certa fama, não se falava de sua vida particular, tinham inventado uma história sobre seu passado, que numa recente entrevista ele tinha desmentido, isso tinha sido coisa do studio.

Agora estava livre para fazer o que quisesse.

Ao final do dia, vinha ver o que ele tinha escrito.  Tornava a fazer anotações que voltava a passar para ele.

Quando terminou o texto, disse, agora espere-me, no dia seguinte, tinha um envelope em cima do balcão da cozinha, para as despesas segundo ele.

Começou a trabalhar um segundo texto, já tinha agora uma linha de pensamento, quando volte vou lhe oferecer esse.

Voltou 15 depois, perguntou se podiam mudar a localização da história.

Claro que sim, isso podia ter acontecido em qualquer lugar.

Ok, vamos filmar em NYC, tens que rever o texto, adaptando para isso.

Tomaram um voo, para lá, ele tinha a chave de um apartamento, simples perto de Chinatown, se instalaram, o avisou que dentro de dois dias, tinham que falar com um diretor de cinema.

Esse quando leu o texto, ficou olhando seriamente a cara de Jackson, vais filmar isso?

Sim, mas tu serás o diretor.

Abaixou a cabeça, começou a ler atentamente o texto, quando acabou, perguntou qual o papel que ia fazer nisso?

Respondeu que o homem que abandona o outro, após um romance, era o segundo papel, não o primeiro.

Então quem vai fazer o papel principal?

Já verás.   Ele foi reunindo pessoas que sabiam que eram gays dentro do armário, que já não podiam mais.

Quando começaram a rodar o filme, na primeira reunião ele avisou que tinham menos de um mês para fazer, pois todos tinham compromissos.

O diretor se surpreendeu com Jackson filmado, metade de suas cenas, ele estava nu na cama, com outro homem, depois aparecia depois de alguns anos, mais gordo, meio calvo, arrependido da sua decisão, na verdade a parte romântica era só os primeiros 15 minutos do filme, depois era a derrocada de um homem que se achava atrativo, que conseguia levar qualquer um para a cama.     O homem pelo qual tinha sido apaixonado, a partir da mudança de época, era um professor da universidade, continuava tão sério como sempre.

Quando volta a aparecer, pois tudo na vida tinha lhe saído como uma merda, já não era a mesma pessoa.   O outro nem lhe reconhece quando o aborda na rua.  A partir desse momento o filme é ele contando para o outro sua degradação.  Um mal marido, homem perdido em si mesmo, que não para em emprego nenhum, pois no fundo nada lhe interessa.  Que tem encontros furtivos com outros homens, até que é rechaçado por já não ter o encanto que tinha antes.   A mulher o abandonou, levando seu filho, a única pessoa que ele no fundo ama.

O professor cuida dele, apesar de ter sida, até o final, tinha sido seu único amor na vida.

Quando viram o copião, o diretor disse, que ele acabava de ter-se construído como ator.

O filme antes passou em vários festivais, chamando muita atenção, conseguiram um distribuidor.   Numa entrevista, lhe perguntaram como tinham sido as cenas de sexo, ele muito sério, disse que reais, realmente tivemos sexo.

A cara do jornalista era de surpresa.

Vê querias que eu dissesse que era tudo uma mentira, cenas técnicas, etc.

Não seja preconceituoso, encare como um filme real, pois o personagem é quase verdadeiro, quantos não passaram por esta situação.

Embora os dois atores tivessem indicados para os Tony’s, ao Oscar, nenhum dos dois ganharam nada.

O Andrew vinha trabalhando sempre na segunda história, como se soubesse tudo que ele escreveria nas margens.   Quando lhe mostrou o texto, ele o leu inteiro, deu uma risada, filho da puta, me tirou o prazer de fazer qualquer comentário.

Já conheço tua cabeça com relação a isso.  O filme tinha dado lucros, ele deu a parte do Andrew, pegou o texto novo, analisou profundamente, as vezes meu amigo, acho que ficaria bem isso sim montar no teatro primeiro, porque todo o filme era simplesmente na mesma localização.  As poucas cenas que eram de exterior, podia ser gravadas passadas no fundo do palco segundo ele.

O mesmo diretor aceitou dirigir no teatro, que era sua formação original.  Alugaram primeiro uma sala para trabalhar o texto, o difícil estava ser conseguir um outro ator.

Tinha que ser uma pessoa mais velha do que ele, terem alguma coisa parecida.

Um dos que vieram fazer casting, era um ator caído em desgraça, tinha perdido toda sua carreira por causa das drogas.   Agora recuperado, queria voltar, mas fazendo teatro.

Os dois em cena, era difícil, ele mais jovem, um corpo fabuloso, o outro uma figura deprimente.

Era o famoso, olha como serás amanhã.

Ensaiaram dois meses, fizeram primeiro off-Broadway, era um tour de force entre os dois em interpretação, o público ao final, aplaudia de pé.

Quando estreou num teatro pequeno na Broadway, foi sucesso durante muitos meses.  Agora estamos prontos para transformar em filme.

O outro ator, pensava que escolheriam outro para fazer seu papel.    Acharam a localização, agora as cenas eram metade numa cidade pequena, a beira de um deserto, no meio do nada, resolveram filmar em branco e negro como antigamente, só no final, era como se a realidade fosse colocando cor nos personagens, tudo se passava num motel na beira de uma estrada que levava a lugar nenhum.

Um crítico dizia que no teatro, era fácil de aguentar, pois havia um distanciamento, não se vida perfeitamente as caras, mas ao ver os closes, era muito forte, recomendava que as pessoas tivessem estomago para ver.

Desta vez, ganharam dois prêmios, principalmente no texto. Os dois foram super aplaudidos no festival de Cannes, no de Berlin.

Ele já não era o ator que fazia filmes românticos.

Tinham estado discutindo vários textos, o Andrew, agora mais conhecido, lhe procuravam, ele foi honesto, se queres podes ir quando queiras.   Inclusive se falava que os dois tinham uma relação homossexual.    Nada mais longe da verdade.   Nunca tinham se tocado.

Quando numa entrevista na televisão, lhe fizeram essa pergunta, cortou o entrevistador, eu te pergunto como levas tua relação, falou o nome de um ator famoso.

Vê, se eu tivesse um relacionamento com ele, diria, mas é um dos meus melhores amigos, os dois fomos repudiados por Hollywood, unimos nossas forças para fazer bons filmes, podemos conversar de qualquer assunto, estudamos ideias, analisamos cada palavra de um texto.

Mas o dia que dormir com ele, vou te telefonar para dizer se foi bom ou não.

Agora uma pergunta, que tal é dormir com teu namorado.

No dia seguinte, as manchetes não eram se ele dormia ou não com o Andrew, mas com quem dormia o entrevistador.

Quase perdeu o programa, além que seu namorado, deu no pé, foi fazer um filme na França.

Discutindo com o Andrew, disse, é se fizéssemos um filme sobre isso, o quanto levar a vida tão escondida, pode afetar uma pessoa.

Estavam escrevendo juntos pela primeira vez, quando um belo dia, lhe chamaram por telefone, Andrew só o escutava dizendo sim, ok.  Vou, pode deixar.

Agora que confio em ti, venha comigo, verás de aonde sai, para ser como eu sou.

Tomaram um voo para Las Vegas, quando chegaram foram a um lugar de luxo, uma casa de prostitutas de luxo.

A cara do Andrew era de surpresa, pois Jackson não disse uma palavra durante o voo, apenas estava sentado com as duas mãos juntas, como se rezasse.

Quando os levaram para um quarto no último andar, tinha uma senhora deitada apoiada em muitos travesseiros, se via que tinha sido uma mulher linda, pois ainda conservava seus traços.

Jackson, correu até ele, perguntando o que tinha acontecido.

Quando a mulher abriu a boca, tiveram que rir.

Esse filho da puta do câncer teve que me pegar, mas o vencerei, nunca o deixarei que me mate, matarei eu a ele.

Era a mãe do Jackson, ele a tratou com todo carinho possível, perguntou se queria ir viver com ele.

Ela soltou uma risada com sua voz rouca, para que vou te dar trabalho, se nunca cuidei de ti.

Porque não vendes tudo isso, podes vir viver comigo em Los Angeles.

Mas filho, as pessoas vão falar.

Me importa uma merda, os dois tinham a mesma maneira de falar.

Ela concordou, vendeu tudo que tinha ali, a um grupo, foi de ambulância para a casa dele nas colinas de Hollywood. 

Era ele quem a levava ao hospital para a quimioterapia, os dois faziam com que se alimentasse direito.   Ela dizia que tinha recuperado dois filhos.

Mas seu corpo foi definhando, um dia sentou-se muito reta na cama, cantei vitória cedo demais, chegou a hora de acertar contas essa é a verdade.

Andrew, disse vou deixar vocês dois conversando.

Ela olhou para o Jackson, ele não sabe de nada?

Não, sempre achei que tinha que ser a senhora para contar.

No dia que disse que tinha recuperado dois filhos, era uma verdade, tu eres irmão do Jackson, de pais diferentes.   O pai do Jackson, conheci quando jovem, numa pequena cidade do interior, daquelas que o diabo esquece de passar.   Mas eu queria mais, era bonita, queria ser famosa, ser artista de cinema.   Um belo dia descobri que estava gravida, o tive, deixei com seu pai, que era o mecânico da cidade, roubei seu carro fui embora.

Oito anos depois te tive, mas não queria ser mãe, essa era a verdade, já sabia que seria uma péssima atriz, pois apesar de ser bonita, haviam mil outras como eu.

Me tornei uma prostituta de classe, sabia me comportar, escutar aos homens, até que resolvi montar um negócio.   Quando tu nasceste te dei em adoção a um casal que se parecia fisicamente com o homem com que tinha tido o relacionamento.

Depois fui para Las Vegas como sócia desse local, meu negócio era conseguir moças bonitas para acompanhar homens solitários, ou que necessitavam aparecer com uma mulher atraente, ou mesmo que fossem putas.

Foi ela quem financiou no nosso primeiro filme, me deu o dinheiro, porque sabia que eu tinha te encontrado.

Andrew tinha aprendido a querer essa mulher, foi franco, nesse momento, num filme trágico, o filho desprezado, sai batendo a porta, mas aprendi a te amar, conversar contigo.

Por isso achei estranho que tivesse perguntado se eu tinha alguma vez feito sexo com Jackson, nunca aconteceu nada entre a gente, ele me ajudou, agora entendo muitas coisas.

Os dois cuidaram dela, nos seus últimos dias, deixou todo o dinheiro que tinha para os dois, fazerem o que gostavam cinema, que ela nunca tinha podido fazer.

Depois do enterro, os dois se sentaram, falaram longamente sobre tudo, ele queria saber como o tinha encontrado.

Foi ela que me disse, teu nome, quem eram teus pais adotivos, nunca deixou de saber de nenhum dos dois.

Eu descobri, porque acabei sendo criado por sua irmã, quando esta morreu, descobrir as cartas que escrevia mandando dinheiro para me cuidar.

Meu pai, era um alcoólatra, eles nunca tinham sido casados, então se casou com uma mulher que apareceu pela cidade, tiveram vários filhos.

Minha tia tinha feito uma coisa, todo o dinheiro que ela mandava, guardava num banco, era uma mulher moralista.  Me deu acesso a esse dinheiro.  Esses anos todos trabalhei para meu pai, que me explorava, sempre me chamando de filho da puta.  Levei muitos anos para entender.

Quando estudava, me apaixonei por um companheiro de classe, sua família era a mais importante da cidade.   Quando ele foi embora para fazer universidade, um grupo de rapazes, me deu uma puta surra, pois eu era o mais bonito deles todos, mas eram muitos, acabaram me deixando desmaiado, então aproveitaram abusaram sexualmente de mim.

Passei vários dias no hospital da cidade ao lado, meu pai, disse que o melhor que eu fazia era ir embora, como minha mãe tinha feito, pois senão acabaria como ela, sendo uma puta.

Quando o advogado de minha tia me procurou, me deixava sua casa, bem como um pacote de cartas, dinheiro no banco.   Na carta me explicava, quem era minha mãe, aonde estava, claro estava nos envelopes, o dinheiro no banco.  Vendi sua casa, retirei o dinheiro do banco, como sabia quem eram os que tinha abusado de mim. Fui abusando de cada um, o que tinha sido o principal, quis me matar, mas eu o matei primeiro, fiz seu corpo desaparecer.

Para todos os efeitos eu já tinha ido embora da cidade, ninguém nunca suspeitou de mim.

Fui para Las Vegas, para conhecer minha mãe.   Você viu como ela era, fiquei deslumbrado com seu glamour, a maneira como tratava os homens que procuravam pelos serviços das mulheres que trabalhavam para ela, cuidava de cada uma como se fosse uma mãe.

Peguei o dinheiro vim para cá, comecei a estudar, a ler, fazer cursos de teatro, pois gostava, ao mesmo tempo trabalhava numa oficina de carros, um dia um desses caçadores de talentos me descobriu, aí foi fácil.

Quando te conheci, levei uma foto tua, para ela, me dizia que eres idêntico ao teu pai verdadeiro.   Foi quando te convidei para ficar aqui em casa.

Só voltei uma vez a cidade que tinha saído, foi para o enterro do meu pai, os caras que abusaram de mim, bem como os que eu abusei, tinham medo de se aproximar, a lastima foi encontrar o amor de minha juventude, casado, gordo, feio, decepcionado com sua própria vida, quando fizemos o nosso primeiro filme, me baseie nele para compor meu personagem.

Sei que ele viu o filme, porque me procurou, mas não representava mais nada para mim.

Se perguntas se tenho aventuras, te digo que não, mas simplesmente porque nunca encontrei uma pessoa que me apaixonasse.  Depois estava involucrado nisso, no nosso trabalho, para sermos respeitados.   Se quiseres agora desfrutar tua parte do dinheiro, escrevendo para outros atores, diretores, isso é contigo.    Por mim ficas aqui.

Estavam cansado dos últimos meses, resolveram fazer uma viagem.  Discutiram como sempre, tinham feito, analisado aonde gostariam de ir.

Acabaram indo para fazer uma grande viagem pelo Canadá, entraram por Vancouver, foram descendo até Toronto.

O diretor que tinha feito os dois filmes, os chamou, tinha comprado os direitos autorais de um livro, queria que eles dessem uma olhada.

Foram para NYC, os dois gostaram do texto.  Mas claro viram que era um livro póstumo, se surpreenderam, o autor do livro tinha morrido de aids a pouco tempo.

Os três começaram a trabalhar no texto, nesse tempo Marc Gregory, tinha deixado a tempo sua relação com um escritor.

Então passava o tempo todo com eles, quando lhe perguntou se queria fazer o papel do rapaz, disse que não tinha mais idade, mas foram conhecer o pai do mesmo James Jameson, que tinha acompanhado toda a doença do filho, era conhecido, por estar sempre presente no hospital aonde o filho tinha passado os últimos dias.

No livro, sempre mencionava o pai, mas ao conhece-lo pediram licença para incluir seu personagem com mais força.  Jackson, sempre se encontrava com ele para ir ao hospital, ou fazer alguma palestra, entre os dois nasceu um relacionamento.

Que ia pensar isso, lhe dizia, primeiro eu era homófono, quando soube que meu filho era gay, me revoltei, depois hoje penso que se o tivesse aceitado, orientado, hoje estaria aqui.

Mas ele me perdoou, pois sabia como tinha sido minha vida.   Agora estou contigo, penso que perdi tempo.

Ele decidiu fazer o papel do pai, o duro foi encontrar um ator que pudesse fazer o papel do filho, foi difícil, mas conseguiram.   

Notou que Marc se aproximava cada vez mais de seu irmão, quando reparou, os quatro era como dois casais.

O filme foi um sucesso, ele ganhou dois prêmios pelo papel de pai, bem como Andrew ganhou um Tony pelo texto.   Mas os Oscar continuavam fechados para esse tipo de filme, mesmo que fosse sério.

Como sempre pensava os relacionamentos era complicados, James um dia lhe soltou em plena cara que necessitava de espaço, voltou para sua antiga casa, para procurar um sentido para sua vida, aos poucos foi se afastando, Andrew lhe perguntou se não ia fazer nada para prendê-lo?

Nem pensar, uma pessoa estar contigo só por isso não vale a pena.

Estiveram os dois escrevendo, cada um, uma história diferente.

Jack escreveu basicamente sua história, desde jovem até que veio para Los Angeles, mas como sempre, depois foi mudando a história, retirando as partes que não interessavam, mas não queria falar do que tinha feito com os abusadores.

Justamente um dia, leu uma noticia nos jornais online, que um jovem tinha feito justamente isso, tinha se vingado dos seus abusadores, um a um, não tinha deixado pedra sobre pedra. Sua pena seria reduzida, pelo agravante do abuso, quando se descobriu que o mesmo grupo tinha feito isso mais vezes.

Conseguiu uma entrevista com ele.  Quando chegou ao presidio, encontrou um jovem extremamente musculoso, este lhe contou sua história, era fraco, um bom estudante, os mesmos, já o maltratavam a saída da escola.

Uma noite o cercaram quando voltava de seu trabalho num supermercado, entre todos abusaram dele, o deixaram pensando que estava morto, graças a uma vizinha, chegou ao hospital, seus pais tinham mais idade.  Tiveram que o operar por causa dos desgarros anal.

Seus pais se mudaram para outra cidade, mas seu ódio era tão grande, que nesse outra cidade, começou a ir ao ginásios a se preparar para sua vingança.    O fez um a um, ninguém conseguia descobrir quem era.  Pois já não vivia lá.  Matou a todos, cortava os genitais, o deixava enfiado na boca.

Um deles era filho do xerife, esse obrigou o filho a ficar na delegacia o dia inteiro, quando ele confessou ao pai, porque sabia que seus amigos estavam sendo assassinados, ficou horrorizado, pois pensava que o filho tinha sido bem educado.

No dia que este saiu para ir para casa de noite, o filho levou um tiro na cabeça.  Foi quando conseguiu capturar o jovem.

Esse confessou tudo, acabei com o último, minha vingança está feita.

Os dois escreveram o roteiro do filme, ele foi várias vezes levar o roteiro para o jovem ler. Quando este aprovou, Jack resolveu ele mesmo produzir, dirigir pela primeira vez um filme.

O duro foi encontrar o elenco, mas conseguiu, ao mesmo tempo o papel principal, era difícil, pois na primeira parte era uma pessoa frágil.

O filme foi considerado como cru demais, passou nos festivais, depois nos cinemas de arte, nenhum distribuidor se atrevia a exibi-lo nos cinemas.

Entrou depois em streaming num canal de televisão que sim atrevia a mostra-lo.  Com tudo isso, foi candidato a um Oscar, pela direção do filme, nem foi a gala, não lhe interessava, mas no último momento resolveu ir, pois o jovem tinha sido assassinado na prisão.  Pela primeira vez deu uma entrevista falando nisso.   Os abusos, os pais que pensavam que os jovens estavam bem educados.  a falta de perspectiva da vida numa cidade do interior, aonde muitos pensam nisso, o poder das classes dominantes.

Acabou ganhando o Oscar, que dedicou ao seu irmão, sua mãe que tinha acreditado nele, depois falou o tempo restante justamente nisso, dos abusos.

Quando o jovem reclama, ninguém o tinha escutado, nem o próprio xerife.  Há que escutar os jovens.

Recebeu uma carta de uma jovem que tinha sofrido coisa igual, agradecendo, finalmente me escutaram.

Receberam um texto de um jovem, que não colocava o nome, tinha deixado o texto na caixa do correio deles.

Quando leram, era estarrecedor, um jovem que tinha sido vendido pelos pais, para terem dinheiro para drogas, a pédofilos, o alugavam, quando chegou a uma idade que podia se defender, matou os pais, fugiu para o outro lado do pais, contava os detalhes de cada abuso, inclusive, quando aprendeu a ler, escrever, falava dos nomes dos homens que tinham abusado dele.   Consultaram um advogado para isso.

Quando consultaram a lista, viram que todas essas pessoas tinham sido assassinadas misteriosamente.   Junto com o texto, tinha uma nota, se puderem faça o filme, não me arrependo de nada.

Escreveram mil vezes o roteiro em parceria, a verdade era muito crua, pois ele descrevia os detalhes.   Um dia saíram para caminhar, para irem conversando.  Quando voltaram para casa, sentado no sofá encontraram um jovem.  Por um acaso era muito bonito.

Vi os textos em cima da mesa, li pelos menos os dois últimos, qual o problema?

Não estamos conseguindo jovens para fazer o papel, pois tudo é muito cru.

Se querem eu mesmo faço esse papel, mas o problema era encontrar um que fosse criança.

Como explicar isso a um ator criança?

Mas estamos batalhando. Só lhe perguntaram se tinha sido ele que tinha matado todos os pédofilos?

Sim, um a um, pois a partir de certa idade, memorizava o local, o endereço dos mesmos, nome tudo, anotava num papel, colocava escondido numa caixa, perto do lugar aonde vivíamos.

Meus pais, cheguei a denuncia-los, mas ninguém me fez caso.

Por isso num dia que estavam extremamente drogados, os enforquei, já tinha força suficiente para isso, depois desapareci.

As notícias estiveram uma semana nos jornais, depois ficou tudo por isso mesmo.

Foi quando comecei a me vingar, sempre era a mesma coisa, ninguém fazia nada.

Por isso escrevi a história.

Se levantou, se despediu, sumiu o mapa, eles começaram a buscar as notícias, conforme a época que ele tinha descrito, era uma verdade, foram entrevistar a polícia a respeito, o caso seguia em aberto, mas os pais eram drogados, nunca encontramos indicio que tinham um filho.

Quanto aos pédofilos, nos fez um favor.   Os policiais não sabiam que estavam sendo gravados.

Só um disse que a maioria dos pedófilos tinha sido denunciados, mas que sempre eram gente de dinheiro, que tinham advogados, que sempre conseguiam escapar.

Com o dinheiro que tinham começaram a preparar a produção.   Receberam um bilhete, indicando um jovem ator, quando falaram com este, disse que ele tinha passado pelo mesmo, que acabava de se livrar dos pais, que viviam as custas dele, desde jovem, explorando seu trabalho.  Queria fazer o filme.   Já tinha passado pelo escândalo, de ter que conseguir com 16 aos sua independência, ele mesmo tinha sido abusados várias vezes.

O problema continuava sendo a criança.  Nenhum juiz ia permitir um menor para fazer o papel, foi então que conheceram um desenhista, resolveram misturar ficção com a realidade, o ator falando dos primeiros abusos, imediatamente a cena passava a ser em desenho animado, mas totalmente cru, era como um choque entre a realidade, como imaginava a pessoa do abusos.

Foi um trabalho que era uma catarse.   Foi tremendo, meses de filmagem, em absoluto segredo.

Quando estreou no festival de Sundance, foi um impacto, porque os desenhos quando tomavam conta da tela, era impressionante sua crueza.

Rodou todos os festivais. Numa entrevista um jornalista perguntou por que se dedicava a fazer esse tipo de filme, porque nunca havia romance nos seus filmes.   Os outros jornalista começaram a rir do mesmo.

Não preciso responder verdade, se estão rindo da tua ingenuidade, é sinal de que não estás preparado para fazer perguntas.

Tinha acabado de lançar em circuito comercial o filme, foi um sucesso, mas talvez por ser tão cru, só o ator jovem foi indicado a concorrer, este deu uma entrevista, pedindo que seu trabalho não fosse premiado, pois se tornaria numa coisa banal.

Ganhou um prêmio, mas se negou a recebe-lo.

Ele com seu irmão, seguiram trabalhando, fazendo filmes que denunciavam alguma coisa. Não só a nível de sexo, mas de qualquer tipo de história que chegasse ao conhecimento deles.

Já tinham sua idade, quando leram nos jornais, a história de uma mulher policial, que durante anos tinha se drogado, feito misérias da sua vida pessoal, por não conseguir enfrentar o dia a dia de tanta miséria.

A entrevistaram numa clínica, esta contou como tinha começado, tinha sido ao trabalhar de infiltrada numa gang.  Que a policia depois simples mente bateram no seu ombro, ganhou uma medalha, ficou tudo por isso mesmo.

Mas era excelente no seu trabalho, cabeça dura, ia até resolver o caso.  Tinha visto tantos horrores que precisava de uma ajuda.

Conseguiram uma atriz que estava batalhando um papel interessante, depois de fazer mil vezes papeis românticos.  A transformação da mesma para fazer o papel foi impressionante.  Fez um sucesso absoluto no cinema, mas os críticos não gostavam do seu novo estilo de representar, tão cru.    Mas claro lhe choveram ofertas de trabalhos diferentes, agradeceu aos dois a oportunidade.

Seguiram suas vidas adiante, Jackson nunca mais manteve romances com ninguém, dizia que não se sentia bem, que a realidade sempre era outra.

Andrew depois que perdeu o Marc, para um câncer, que os dois tinham ajudado o outro até o final.  Sentia o mesmo, nunca mais estaria preparado para outro relacionamento.

Escreviam todos os dias, mas lhes faltava uma ponto de partida forte.

Algumas vezes entrevistaram alguém, motivo de alguma reportagem, mas essas pessoas não queriam ver suas vidas retratadas na tela.

Poderiam sim escrever uma história paralela, mas não era o que queriam.  Queriam retratar a realidade.

Foram se afastando disso tudo, Andrew escreveu um livro, contando desde sua infância, ao encontro com o irmão, foi um sucesso.  Depois outros dois.

Jackson, nunca esteve interessado em escrever livros.  Com quase 70 anos, disse que já tinha tido o suficiente.    Quando lhe perguntavam alguma coisa, dizia que estava fora de circuito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

lunes, 14 de febrero de 2022

JAGUARIBE

 

                                       JAGUARIBE

 

Agora depois de tantos anos vivendo fora do Brasil, voltava, finalmente os detetives tinha descoberto aonde sua mãe estava.  Queria vê-la, agradecer a saída que tinha dado para ele, uma nova vida.

Viviam no interior do Rio Grande do Sul, no final do país, nas terras de seu avô alemão, como descobriria depois, um fugitivo da justiça da segunda grande guerra, como muitos aliás nesse interior do Brasil.

Ele era o terror dos vizinhos, chegou com a mulher, uma austríaca, um filho pequeno, uma mão na frente, outra atrás, de repente, tinha dinheiro para comprar terras, ninguém sabia de aonde tinha tirado.

Comprou de um alemão, que a família toda tinha ido embora, pela dureza de trabalhar as vinhas.  Cultivavam uvas, a maneira alemã, para fazer vinho branco, mas não tinha muita saída.

Ele insistiu ano atrás ano, enquanto todo mundo passava aperto, ele nunca tinha problemas.

Quando meu pai ficou adulto, mal tinha ido a escola, quem lhe ensinou a ler, escrever foi sua mãe, mas falava um português carregado, como se tivesse chegado no dia anterior da Alemanha.

O obrigou a casar-se com a filha de um vizinho, que era solteira, tinha voltado a pouco tempo de Porto Alegre, para ajudar a família, era professora na vila mais próxima.  Ele queria sim aumentar suas terras, com as do vizinho que criava gado.

Meu pai, era um perfeito boneco nas suas mãos, fazia todas suas vontades.

Quando nasci, o velho ficou satisfeito, dizem que disse, um perfeito exemplar de raça ariana, mal sabia que a mulher do vizinho era uma mulata muito clara, mas claro a mesma já tinha morrido.

Minha avó, era uma mulher que nunca dizia uma palavra, pareciam que lhe tinha cortado a língua, ele a destratava na frente de todo mundo.

Eu escutava em pequeno todo mundo o chamar de filho da puta, quando pediu que eu dissesse avô, lhe disse filho da puta, se matou de rir.

Primeiro aprendi alemão, mas minha mãe só falava comigo em português, ele ficava furioso, mas ela o ignorava para tudo, continuou dando aulas, quando ela foi morar na casa deles, chegou o final do mês, ele pediu o seu salário, o mandou tomar no cu.

Ele começou a gritar, dizendo que meu pai devia dar uma surra nessa mulher que não obedecia, meu pai levantou os ombros, pois tampouco conseguia que ela o obedecesse.

A primeira vez que o velho ousou a levantar a mão para ela, ela estava cortando carne na mesa da cozinha, enfiou a mesma em sua mão apoiada na mesa.

Seu velho filho da puta, experimente outra vez, que lhe corto esses ovos nazistas, exibo em praça pública.

Ele nunca mais ousou nada com ela.   Ela incentivava meu pai se rebelar, mas ele tinha sido treinado pelo velho, para lhe obedecer.

Fui a escola, ia com ela todos os dias, passava pela casa de um vizinho, eram italianos, recolhia o filho deles,  Giovanni, íamos os três na caminhonete Ford que ela usava.  Na casa dele era igual, só falavam italiano, então instituiu, na caminhonete só falaríamos português, que ela ia corrigindo.

Éramos bons alunos, foi meu único amigo na minha infância, logo quando acabamos esse período escolar, ela nos levava até a vila, depois íamos de ônibus com outros garotos até uma cidade maior, a uns 40 quilômetros.  A tarde se não voltávamos de ônibus ela ia nos buscar.

Os dois sempre que podíamos, íamos tomar banho de rio, que passava justo na divisa das terras do velho, com a dos italianos.

Descobri o sexo com ele, adorava segurar meu caralho, colocar na boca, finalmente consegui enfiar aonde devia, ele delirava.    Um dia fui chegando ao rio, não tínhamos combinado, mas minha mãe me liberou, quando cheguei o vi dando o rabo para um peão de seu pai.

Eu fiquei de longe me masturbando, o homem viu.   Já não quis nada com ele, vinha pelo que via pendurado entre as minhas pernas.   Com ele descobri toda a sacanagem.

Mas acabou despedido, porque o pai do Giovanni viu o homem comendo seu cuzinho.

Ainda ficou uns dias ali perto do rio, escondido, eu lhe levava comida, ele me ensinou como fazer as coisas.

Giovanni a partir desse momento deixou de ir a escola, seu pai dizia se tinha tempo para fazer sacanagem, devia trabalhar.  Agora o via raramente, num domingo, quando fazia calor, no Rio tomando um banho, com o tempo ficou com um corpo perfeito, me deliciava dele.

Nunca o mencionava em casa, para não ter problema.

O velho agora ficava sentado na varanda, reclamando ora do calor, ora do frio, alguma coisa acontecia com ele, mas se negava ir ao médico.

Quando acabei o segundo ciclo, tinha 17 anos, minha mãe, vinha a um ano falando com meu pai, que eu deveria ir para Porto Alegre fazer a faculdade, ele como nunca tinha estudado, queria que eu viesse ajudar na fazenda.  Minha mãe dizia, que nem pensar.

Eu queria fazer Engenharia Mecânica, mas isso na época só em São Paulo ou Rio de Janeiro.

Nunca lhe perguntava, mas ela conseguia folhetos para que eu olhasse aonde queria estudar, dizia que tinha amigos em Porto Alegre.

O velho cada vez mais estava inchado, gordo ali sentado, gritando com meu pai, que abaixava a cabeça, ou com ela, mas isso é nada era a mesma coisa.

Um dia começou a gritar que na caixa que guardava dinheiro escondido, tinha desaparecido quase tudo.   Quando falou com ela, fez cara de santa dizendo que nem sabia que ele tinha dinheiro guardado, que deveria estar num banco.

Ele gritou que os bancos era de judeus, esses nunca veriam a cor do seu dinheiro.

Um final de semana que havia festa na vila, ela me disse, te prepare para ir para a universidade, não leve muita, coisa, depois compras o que necessitas.

Avisou meu pai que iriamos ajudar na barraca da escola.   De madrugada a vi se mexendo pela casa, deu uma medicina para o velho, depois saiu por detrás, abriu a caixa que ele tinha escondido, colocou tudo numa mochila que era minha, eu estava na cama, mas vestido para ir embora.

Subimos na velha caminhonete, o velho reclamou quem ia lhe dar o café da manhã, ela respondeu rindo, ao bunda mole do teu filho.

Saiu as gargalhadas, me disse, a vingança, quando é cozinhada em fogo lento, sempre sabe melhor.   Para que nunca te enganes na vida, saiba valer a tua vontade.

Paramos, recolheu uma caixa que tinha enterrado embaixo de uma árvore, me disse rindo mais dinheiro do velho filho da puta.

Me contou quem ele era na verdade, um oficial nazista que tinha se escondido ali, o pai dela também era, pois tinha se casado com uma mulata muito clara, pode ser que algum dia tenhas tu um filho negro.

Eu era loiro, alto, com corpo forte de trabalhar duro no campo, olhos azuis, mas tinha os cabelos loiros crespos.

Nunca poderás usar o nome de teu pai, pois acabaram vindo atrás deles, por isso não queria que fosses a universidade, mas esses filhos da puta não sabem com quem estão lidando, com uma descendente de escravos que sobreviveu a muitos abusos.

Contou de quem descendia sua mãe, de escravos que sempre tinha trabalhado na lavoura, era tinha sido a única que tinha saído para estudar, porque sua mãe, controlava seu pai.

Tinha borogodo, me explicou o que era.

Quando vi, entramos na estrada que ia para Porto Alegre, antes, parou a caminhonete, virou-se para trás dizendo, by, by filhos da puta.

Sabia que nunca mais voltaria para lá.

Chegamos tarde, já quase noite em Porto Alegre, paramos uma vez para colocar gasolina no carro.  Comprou sanduiches, coca cola que era a primeira vez que eu tomava, inclusive dei um arroto, ela riu muito.

Abriu a caixa que tinha recolhido, estava até a borda com dinheiro, depois minha mochila, tinha por cima uma muda de roupa para mim, o resto a todo era dinheiro.

Amanhã vamos a luta, na portaria do pequeno hotel, falou com uma pessoa, um amigo da época que estudava aqui, ele vai nos ajudar.   A tempo venho me comunicando com ele, para isso.

Ela tinha na sua bolsa os documentos da escola, em que eu tinha boas notas, mas me disse se apresentasse isso numa universidade, saberiam logo de quem é neto ou filho.

Seria uma merda, precisas meu filho pensar que agora serás livre para fazer o que quiser.

Talvez ela tenha visto que um dia meu avô me segurou, abaixou as minhas calças, ficou esfregando a mão no meu piru.

Ele fazia isso com meu pai.  Nessa noite ela disse que ele sempre tinha abusado do filho, tu serias a próxima vítima, mas tomei precaução, venho lhe dando a muito a tempo remédio para ratos, ele não vai durar muito tempo, pois esta sendo envenenado aos poucos.

Mas não podia esperar mais.  Conversei com teu pai, ele sabe de tudo, mas foi treinado para isso, fazer as vontades dele, na verdade nem sabe se é filho dele ou não.

Para todos os efeitos os documentos deles de entrada no Brasil, consta como filho, mas se negou a que lhe trocassem o nome, sempre teve orgulho disso.

Mas isso vamos mudar, tu deves ir para o Rio de Janeiro, eu disse ao teu pai que ia te mandar para São Paulo que a universidade era melhor, mas na outra, serás uma pessoa diferente com outro nome.

Me mostrou as cartas de Jarbas Jaguaribe, seu amigo, era professor na universidade, li todas, sempre terminava, dizendo minha querida, venha que eu te ajudo, bem como ao teu filho.

Numa das primeiras falava que agora era viúvo, finalmente minha mulher descansou, agora estou livre para viver minha vida.

Na verdade, eres filho dele, eu quando voltei, estava gravida, ele não podia fazer nada, pois sua mulher estava muito mal, o prendia com os dois filhos que tem.

Não te espante, pois es a viva imagem dele, por isso teu avô as vezes te olhava diferente, procurando de aonde tinhas tu esses traços.  O que te salvou sempre, que eres loiro, olhos azuis, porque senão ia desconfiar.

No dia seguinte de manhã, quando tomávamos café ele apareceu, era como me olhar num espelho, como seria daqui alguns anos.  Foi carinhoso comigo, coisa que o homem que pensava que era meu pai nunca tinha feito.

Nesse dia, fomos a um cartório de um amigo dele, passei a ser George Jaguaribe, no registro constava ele como meu pai, ela Marie Louise Klaus, seu nome de solteira como minha mãe, depois fomos a um lugar que administrava os currículos escolares, ele mudou tudo, manteve o nome das escolas, minhas boas notas, mas mudou o meu nome, assim não terás problemas.

No dia seguinte saímos para comprar uma maleta, bem como roupa para mim, nunca tinha tido roupas assim de boas, não eram de marcas, mas para mim eram excelentes.

Me deu um envelope, é a direção de uma prima, que vive no Rio de Janeiro, ela é enfermeira no Souza Aguiar, ficou viúva a pouco tempo, disse que te pode alugar um quarto, pelo menos para os primeiros tempos tudo bem.

Tinham aumentado minha idade nos documentos, para todos os efeitos eu tinha 18 anos.

Me colocaram num avião, por sorte minha mãe tinha criado um lugar para esconder o dinheiro, tinha repartido meio a meio.   Para a época era muito dinheiro, daria para estudar toda a universidade, ainda me sobraria, mas me disse para arrumar um emprego.

Era ainda o tempo dos aviões da Varig, que hoje em dia nem existe mais.  Tinha me dado dinheiro bem como o endereço, tinha o endereço deles, ficamos de nos escrever, abracei os dois agradeci meu pai o Jarbas Jaguaribe.

Me avisou, nos primeiros meses não nos escreveremos, mas resultou, que nunca iriamos nos comunicar.  Entendi depois por quê.

Fui para o endereço que tinham me dado, a senhora só me esperava para uns dois dias depois, me mostrou duas opções, o apartamento era grande, dos antigos, na rua Esteves Junior, 22 Laranjeiras, me mostrou um quarto, mas teria que compartir banheiro com ela, ou podia usar as dependências de empregados, eram dois quartos pequenos juntos, um banheiro normal, com chuveiro, uma pia, um cagador, melhor que a casa que vivíamos era.

Fiquei com esse, tinha uma entrada independente, uma outra chave se queria entrar para a cozinha, mas no Largo do Machado que estava perto, tinha aonde comer, desde um sanduiche, como uma comida completa, muitos restaurantes, além de um que adorava o Lamas.

Ela só entrava aonde eu vivia, para pendurar roupa lavada.

Mas eu fechava o quarto, tinha meu sistema, sabia se ela tentasse entrar, coisas da minha mãe.

Escondi bem o dinheiro nos primeiros dias, depois abri uma conta num banco, assim teria um talão de cheques, nessa época ainda não existiam os cartões de crédito.

Consegui passar nas provas, entrei na faculdade, era tudo que eu sonhava, era muito bom em matemática, além de um raciocínio especial dizia um dos meus professores.

Como me sobrava parte do dia, arrumei um emprego de meio expediente numa livraria ali no Largo do Machado, chegava em casa só para tomar um banho, descansar, me sentar para estudar, de manhã me levantava cedo, as vezes via a senhora uma ou duas por semana.

Um dia fazia um calor horrível, eu estava estudando, escutei um ruido estranho, resolvi encher uma garrafinha de água, para não tomar agua direto.

Entrei escutei pequenos gritos, quando me aproximei do quarto, ela estava sentada de costa, em cima de um mulato, ele me viu, mas fiz sinal de silencio, ela poderia ficar aborrecida comigo, mas tirei o pau para fora, para me masturbar, ele ficou me olhando sorrindo, senti que lhe dava prazer isso, ela teve seu orgasmo, caiu para o lado, dormiu, eu sai de fininho, ele me alcançou na cozinha, tinha um corpo estupendo, passou a mão pelo meu pau, dizendo garoto tens um instrumento especial.

Disse que tinha que estudar.

Ah eres o estudante que ela aluga a área de serviço, espere, foi buscar suas roupas, eu fechei a porta ficamos conversando, acabamos na cama, ele foi me ensinando coisas novas, adorava que eu mordesse seus mamilos, sentou-se em cima do meu pau, delirou, puta que pariu, eres muito gostoso, mas essa velha não sai do meu pé.   Ele era do parque de bombeiros ali perto do edifício.

Agora ficava me esperando os dias que sabia que ela estava no turno da noite, vinha ficar comigo, eu gostava porque ele era especial.  Foi quem me levou a primeira vez a praia, passou protetor solar nas minhas costas, dizendo que eu era muito branco.   Me apresentou alguns amigos que ficaram examinando, todos eram muitos discretos, mas um em particular me interessava, usava óculos, era diferente, depois me contou que era advogado num escritório no centro da cidade.  Fui conhecendo todo mundo.

Um dia ela o pegou sentado em cima de mim.  Fez um puto escândalo, então era por isso que ele não atendia as chamadas dela, descobri que lhe dava dinheiro para fuder com ela, mas comigo era grátis.   Com este viras uma puta.  Fora da minha casa.  Ele apanhou suas roupas, me fez um sinal que me esperava em baixo.

A mim me deu um prazo de dois dias para desaparecer, quando ela virou as costas, ele disse que me esperava no dia seguinte na praia.

O inverno estava chegando, tinha menos gente na praia, enquanto ele contava para os amigos, seu amigo, Duarte Cavalheiro, me disse que o apartamento ao lado do seu, um studio ali mesmo em Copacabana, me disse o preço, era quase o mesmo que pagava para ela, se conseguisse me transferir para a livraria de Copacabana, poderia pagar o aluguel, além de ter dinheiro para isso no banco, mas tinha sempre receio de usar esse dinheiro, sabe-se lá de aonde tinha saído.

Fui com ele ver o apartamento, gostei, falamos com o porteiro, me disse que o proprietário, uma senhora que vivia no primeiro andar, fomos até lá, paguei 3 meses de aluguel, me disse se quisessem sem moveis, ela mandava tirar, pois tinha outro apartamento vazio.

Fui olhar o outro, esse era especial, ficava de esquina, se podia ver a praia, a diferença era mínima, fiquei com esse.

Duarte me disse que estava de férias, podia me ajudar a conseguir os moveis.

Não se preocupe muito, pois aqui em Copa, tudo se consegue.

Se quiseres podes dormir em casa esses dias até teres tudo. Tenho um sofá cama.

O bombeiro não gostou muito, mas teve que engolir, em seco, pois se sentia culpado de eu ter perdido minha casa.

Mas eu não me preocupava, afinal, tinha um lugar só para mim.  Além de pagar quase a mesma coisa.  Na Barata Ribeiro, tinha um ônibus que me levava até a faculdade.

Duarte me disse, porque não vamos os três até lá, pega as tuas coisas, sai chispando de lá. Foi a melhor coisa que fiz. 

Ribeiro o bombeiro ia entrar de férias, ia para sua cidade visitar sua família.

Peguei minhas coisas, mas não deixei o endereço.  Me despedi do porteiro, esse me disse que mulher escandalosa, se mete com esses homens do corpo de bombeiro dá nisso.

Duarte me levou para sua casa, na verdade nunca dormi no sofá, dormi foi na cama dele, ele era diferente do Ribeiro, gostava de umas preliminares cheias de beijos, carinho, depois sim, esquentava os tamborins, gostava de fazer tudo.

O que eu gostava, era que ele era mais moreno, eu muito branco, parecia ter sempre a pele em chamas.

Me perguntou por que não ficava vivendo com ele?

Fui honesto, gostava de ter um lugar meu, para estudar, pensar, gostava do silencio, essas coisas que as pessoas vão adquirindo quando vivem sozinhas. 

Me ajudou a comprar uma cama para o apartamento, tudo o que eu precisava, seguiria durante um tempo comendo na rua, as vezes ele subia para dormir comigo, antes perguntava se não me incomodava. 

O inverno foi passando, eu adorava os dias de neblina, para caminhar na praia, o Ribeiro também aparecia, nos dias que estava livre, agora era bombeiro no Campo de Santana, ficava mais longe, mas aparecia.  Como eu dizia, estava bem abastecido de homens.

Seguia trabalhando no livraria, lá vendiam jornais, um dia vi numa manchete de O Dia, que na época era um desses jornais que se apertasse saia sangue.

Falava que dois homens tinham entrado na casa da senhora, que ela tinha saltado pela janela.

O porteiro que tinha sido agredido por eles, disse que eram altos, loiros, com uma gabardina, o que ele achava estranho, se não chovia.

Eu sabia, minha mãe tinha me avisado.  Será que o velho não tinha morrido.

Tinha o telefone da casa do Jarbas Jaguaribe, telefonei de um orelhão, a telefonista dizia que esse número não existia mais.  Fui a Biblioteca nacional, pedi jornais de Porto Alegre desde a época que tinha vindo.

Depois de muito procurar, se falava que o professor Jarbas Jaguaribe se tinha enfrentado com dois alemães, que tinha levado um tiro, mas que também tinha ferido os dois.

Que sua mulher tinha desaparecido.  Dias depois se falava de sua morte.

Fiquei chateado, mas não podia fazer nada.

Foi então que na universidade se falava de uma bolsa de estudos, para os Estados Unidos, para a Universidade de Massachusetts, o MIT, começava a dar seus primeiros passos.

Com as notas que tinha foi fácil, a bolsa era americana, eu passei fácil nas provas de língua.

Transformei meu dinheiro todo em dólares, mas nunca comprando no mesmo lugar, me davam inclusive o bilhete de avião.   Não disse nada a ninguém, nesses dias dormi com meus dois amantes, um dia com os dois ao mesmo tempo, foi uma festa.  Deixei uma carta na porta do Duarte, dizendo que por motivos pessoais tinha que ir embora, para o Rio Grande do Sul, o mesmo falei com o porteiro.    Fui para o aeroporto com meu passaporte, bilhete de avião, uma maleta pequena, um casaco de inverno nos braços, o fundo da maleta cheio de dólares.

Dias depois respirei relaxado.

No curriculum descobri, um dos professores tinha sido um físico nazista, mas todo mundo parecia encarar como uma coisa normal.  Melhor estar perto do bandido que longe.  Nunca falei com ele em Alemão, como todos falavam com ele em inglês, resolvi fazer o mesmo.

Três anos depois já fazendo especialização, me decantei por engenharia nuclear, foi um achado, tinha professores de todas as raças.   Levava minha vida sexual, totalmente separada de tudo.  Com uma nova bolsa de estudos, podia me dar o luxo de viver fora da Universidade, mas era discreto, pois sabia que ali todos prestavam atenção em tudo.

Gostava de gente simples, a maioria nem entendia o que eu estudava.  Não gostava de outros estudantes, pois esses falavam demais, bebiam demais, teorizavam muito.

Um dos meus professores, um japonês, me disse que eu tinha uma vantagem além dos outros, era aplicado, não ficava discutindo teorias, trabalhava.

Quando acabei tudo, podia escolher o que queria fazer, não havia no front, nenhum impedimento para fazer o que eu quisesse.  Os convites eram muitos, mas me interessei pela construção de uma usina Nuclear, na Inglaterra.  Pagavam bem, eu tinha um apartamento na cidade mais próxima, além de alojamento na obra.

Os finais de semana passava no meu pequeno apartamento, fiz amizade com um dos trabalhadores, que viria ser meu ajudante, ele era judeu.   Pensava sempre, ah se ele soubesse.

Um dia aconteceu de sairmos pela cidade, ele tinha bebeu muito, eu sempre era comedido nisso.  Não tinha como voltar ao alojamento, lhe ofereci minha casa, quando tirou a roupa, era musculoso, um pouco peludo sim, mas um corpo de fazer inveja a muita gente, ficou de cuecas, o coloquei no sofá cama, me puxou para ele, sempre quis te beijar.

No dia seguinte estava cheio de vergonha, lhe perguntei por quê?

O que eu ia pensar dele?

Nada, um homem com quem fiz sexo, nada mais, foi bom.

Não me lembro direito.

Rindo disse, deixa de ser sem vergonha, queres é mais, fizemos um sexo delicioso, agora ficava todos os finais de semana comigo.  Nunca tocávamos nos assuntos sobre Israel, que no momento sempre era complicado.  Me disse um dia que estavam procurando gente para ir construir uma usina em Israel. 

Vieram me entrevistar, pedi desculpas, mas queria ver o projeto terminado, faltavam vários meses.    Me esperariam.

Sabia que investigavam a fundo as famílias do entrevistado, fiquei esperando para saber o que iam descobrir.

Foi quando vieram falar, que meu pai, o Jarbas Jaguaribe tinha morrido numas circunstâncias estranhas.  Fui honesto, quando nasci, ele só me deu o nome, pois era casado, só estive com ele, antes de ir para a Universidade, depois nunca mais.

Me perguntaram pela minha mãe, lhes contei que era filha de um alemão, com uma mulata, mas que nunca tinha sabido nada da família dela.   Quando nasci, já tinham morrido seus pais.

Ficou por isso mesmo.   Talvez por terem ido investigar, parece que cutucaram um vespeiro, logo notei que estava sendo seguido na rua, não se aproximava, creio que ficaram esperando se eu falasse alemão.  Um dia um sujeito me provocou em alemão, lhe respondi o que queria em inglês.  Que não o entendia.   Me perguntou olhando bem na cara, não falas alemão?

Lhe disse que não, que nem tinha ideia, falava um pouco de Ídiche, por ter antepassado judio, nada mais, claro tinha aprendido alguma palavras com Samuel, meu namorado.

Não os vi mais por algum tempo.  O homem da entrevista, me disse que tinha visto alguns alemães me cercando?

Lhe disse que o cara tinha provocado uma briga comigo, como se estivesse bêbado, falava alemão, quando lhe respondi em inglês, me perguntou se falava alemão, lhe respondi em Ídiche, desapareceu.

Acabei aceitado o emprego, porque concordaram em contratar o Samuel, gostava da companhia dele.

Aprendi a língua, pois iria conviver diariamente com os operários, todos falavam a língua oficial.   Com Samuel, comecei ir a sinagoga de vez em quando, mas nunca me transformei num judeu.

Com os anos, passei a ter nacionalidade do pais, pois desenvolvia todo meu trabalho lá, passei ao mesmo tempo dar aulas de engenharia mecânica, ligada a física nuclear na universidade, a maior parte das aulas, por causa dos termos técnicos, falava em inglês.

Para todos os efeitos dividia apartamento com Samuel, nos completávamos, depois que ele viu que eu não ia me converter, deixou de me convidar, mas ele recuperou a religião de seus pais que não frequentava na Inglaterra.

Depois de 15 anos trabalhando lá, um dia um agente chegou perto de mim, perguntou se podia falar comigo.

Me falou outra vez do Jarbas Jaguaribe, tinha localizado um filho de seu primeiro matrimônio, este falou de minha mãe, que vivia com ele.  A entrevistamos, quando mataram o teu pai, o filho dele a acolheu no Rio de Janeiro, vive agora numa residência de pessoas de idade, em Jacarepaguá.

Agradeci a informação, entrei em contato com o meu irmão que não conhecia, se queres vir tudo bem, mas não vou falar, enquanto não chegares aqui, pois tem uma saúde um pouco delicada.

Me perguntou o que eu fazia?

Quando lhe contei, se interessou, era professor na UFRJ, perguntou se eu podia dar algumas palestras.  Ele percebeu que para mim falar português era complicado, pois tinha perdido muito do vocabulário, me disse que podia ser em inglês.

Embarquei, num voo da Air France, meu dinheiro seguia rendendo, pois levava uma vida modesta.  Quando começou a sobrevoar o Rio de Janeiro, eu parecia um turista que vem a primeira vez, queria ver as coisas que nem me lembrava mais.

Ele estava no aeroporto, éramos bem parecidos um com o outro, meus cabelos brancos agora se misturavam com os loiros, tinha uma juba, como de um cientista louco, mas o corpo forte, pois Samuel me obrigava a fazer exercícios.

Só me disse antes de partir, não arrume um namorado por lá, pois ficarei com ciúmes.

Eu ao contrário achava importante esse afastamento, pois depois de tantos anos juntos, o sexo era praticamente igual.

Meu irmão me abraçou, me levou para sua casa, vivia perto de aonde eu tinha vivido.

Respirar a maresia de um dia de neblina, para mim era fantástico.  Lhe expliquei que passava muito tempo no deserto, quando estava dando aulas, as vezes passava o dia inteiro fechado, mas que ia muito a praia em Tel Aviv, mas claro não tem esse cheiro.

Ele ao contrário detestava.  Vivia sozinho, me contou no caminho que tinha sido casado, mas foi um erro monumental.

Quando tua mãe veio viver comigo, me ajudou bastante, ela é uma pessoa fantástica para se conversar.   Mas agora com a idade, necessita de cuidados, ela mesma escolheu o lugar aonde queria viver.

Perguntei de seu outro irmão?

Bah esse vive pelo mundo, a última notícia dele, era que estava na Austrália, se casou por lá tem família, nunca pensa em voltar, já fui uma vez, fiquei tentado em dar aulas lá, mas gosto do Rio.

Quando minha mãe morreu, viemos os dois viver aqui, para fazer universidade, ele largou na metade, pois queria passar o dia inteiro fazendo surf.

Os dois tínhamos tido os mesmo professores, só que ele estava mais adiantado do que eu, quando lhe ofereceram a Bolsa para o MIT, ia se casar, por isso não foi.

Falamos muito, quando chegamos na sua casa, me apresentou o homem com quem vivia, me descobri muito tarde me disse ele.   Era um mulato alto, forte, também professor, dava aulas de arte na Escola de Belas Artes, viver de arte no Brasil é difícil.

Me perguntou como era em Israel, fui franco, não convivia muito com artistas, não sabia responder.

Depois do almoço fomos visitar minha mãe, era um pouco longe, ele avisou, ela tem princípio de Alzaimer, pode demorar para te reconhecer.

Quando me viu, ficou me examinando, de repente em sua cabeça deu um estalo, me chamou pelo meu nome verdadeiro, Franciskus, me apertou nos seus braços, lhe contei minha vida, mais ou menos, omitindo algumas coisas, quando disse que vivia em Israel, caiu na sua famosa gargalhada.  Todos vieram ver o que era, ela não parava de rir.

Seguiste meus conselhos, a vingança se cozinha devagar.

Voltava quase todos os dias para vê-la, agora já sabia como ir, pegava um taxi, dizia a direção, ficava a tarde inteira com ela, me segurando a mão, mas tinha dias que não me reconhecia em absoluto.  Um dia que estava com a cabeça bem, estávamos sentados no seu quarto, me disse, pegue a maleta em cima do armário, me mostrou recortes de jornais, ela tinha denunciado o velho depois que viu que ele não tinha morrido, vieram por ele, recebeu todo mundo a tiros, teu pai foi ferido, ele como para apagar um arquivo lhe deu um tiro na cabeça, mas um agente da Mossad o acertou.

Se quiseres podes recuperar a fazenda, a mantenho alugada, dou dinheiro para o filho do Jarbas, a irmã dele morreu, porque estava atrás de ti, por ordem do velho.

Lhe contei que antes de ir para Israel, tinham feito contato comigo, me disse que era impossível, pois todas as células daqui, terminaram, me foi mostrando como.

Então tinha sido um jogo da Mossad para que eu aceitasse o trabalho.

Agora ia a praia todos os dias, um dia domingo fui até aonde conhecia o Duarte, ao passar por um bar, escutei sua voz, falando com outra pessoa.

Estava sentado num bar, tinha os cabelos brancos, mas o corpo continuava o mesmo, falava com o garçon do bar, que brincava com ele, como era possível que ainda estivesse sozinho na vida, com a boa pinta que tinha.

Dei a volta, me sentei na frente dele.  As lagrimas corriam pela sua cara, filho da puta me disse, me largaste para trás.   Mas colocou a mão em cima da minha.  Contei tudo o que tinha feito na vida, aonde estava agora.   Sem querer lhe contei a verdade porque tinha ido embora, por medo de causar algum problema para os dois.

Me disse que o Ribeiro tinha morrido a muitos anos atrás de Aids, era um louco, queria estar sempre fazendo sexo, acabou mal.

Eu, como um idiota fiquei esperando, pois no teu bilhete, dizia que voltarias.

Tentei com outras pessoas, é verdade, mas ninguém era como tu.

Almoçamos juntos, lhe contei que tinha um companheiro, mas que com os anos, tinha ficado tudo igual, na verdade tinha um relacionamento com ele para não complicar minha vida.

Nessa noite dormimos juntos, ele agora, aposentado, vivia num apartamento melhor, foi uma coisa fantástica, como eu gostava de fazer sexo com ele, na verdade, sempre me lembrava dele, muitas vezes me masturbando.

Quando acabaram minhas férias tinha pensado muito, o projeto tinha terminado, eu só tinha as aulas na universidade, me faltavam só dois anos para me aposentar.

Fui ao consulado me identifiquei, perguntei se podiam fazer contato com um agente da Mossad, lhe dei seu nome, ficaram consultando vários canais.

Quando consegui falar com o homem que me tinha chamado para trabalhar em Israel, disse que tinha descoberto o que ele tinha feito para me convencer.

Ele riu a bessa, pensava que nunca ias aceitar.

Pois agora terás um trabalho maior, estou no Brasil, acabo de aceitar, trabalhar na Usina de Angra dos Reis, não voltarei, vou dar entrada aqui no consulado, para pedir minha aposentadoria de Israel.   Adeus, passei o telefone para o que me atendia, ele só balançava a cabeça.

Me disse, se eu não te convenço, ele aceita teu pedido.

Então por favor, vamos a papelada.

Escrevi uma carta ao Samuel, creio que a que mandei, cruzou com a que ele me mandava, dizendo que tinha conhecido alguém, que tinha se mudado de casa, para viver com essa pessoa.  Falava da acomodação dos dois, pedia perdão.

Fiquei rindo, comentei com o Duarte, não lhe tinha falado que ficava.

Fomos os dois viver depois de tudo resolvido, na Barra da Tijuca, levei minha mãe para viver seus últimos anos comigo, foi difícil, porque ela foi se apagando, as vezes pensava que Duarte que era seu filho, ele até gostava.

Os dois fazemos largas caminhadas pela praia, vivemos bem desfrutando do dinheiro que tinha aplicado por lá, além da minha aposentadoria.   Às vezes me convidavam para alguma conferência, mas dizia que não podia que tinha um compromisso importante.

Ele me perguntou que compromisso importante era esse?

Tu, não quero me afastar outra vez de ti.  Erámos dois coroas gostosos, conforme diziam quando nos davam uma cantada, mas tirávamos de letra.

Ficávamos rindo, mas não queria ninguém entre a gente.

Agora estamos à beira dos 70 anos, aprendemos inclusive a surfar, para nos ocuparmos, amamos o mar, continuo gostando dos dias de nevoeiro, para sentir o cheiro de maresia.