RETRACE
Agora concordava
quando diziam, que com a idade as pessoas se lembravam do passado, as vezes com
detalhes, mas do presente, nem o que tinham acabado de comer.
Ele não estava
tanto para isso, pois era capaz de recordar tudo, mas o mais interessante, era
que realmente agora, que dispunha de tempo, trabalhava menos nos textos,
conseguia se lembrar de coisas do seu passado, mas não os nomes, ou a cara da
pessoa.
Escutou Dora, ou
Doralice, sua melhor amiga o chamando para entrar, pois estava anoitecendo
começava a esfriar.
Mas claro estava
preparado para isso, sempre tinha amado ver o nascer, bem como o por do sol, como
sempre dizia com ele as águas passavam por debaixo da ponte, levando toda a
merda que podia ter feito em sua vida.
Não usava outra frase “muita água passou por debaixo da ponte” para
dizer do tempo.
A o puto tempo,
riu pensando na sua juventude, que o tempo não passava, ele queria escapar da
sua família, não queria ser como eles, no marasmo da vida em uma cidade
pequena, queria sim sair pelo mundo.
Sua escapatória era os livros, bem como o cinema, agora podia dizer que
as cidades com que tinha sonhado, tinha estado ou vivido nelas.
Tinha realizado
seus sonhos, bem como inventado outros quando se deu conta que não tinha mais
nenhum para conquistar.
Dora sempre dizia
que ele como inventor de coisas, era um mestre, tinha sim inventado, se
reinventado ao longo de sua vida mil vezes.
Se lembrou de um filme, “o homem das mil caras” ficou rindo
sozinho por isso. Se passasse alguém na
praia ia pensar que estava louco.
Sua preocupação
nessa época era ser ele mesmo, estava farto das convenções da pequena cidade.
Ao caralho
soltou, isso era uma verdade, era sua palavra preferida, soltar um sonoro
caralho.
Quando finalmente
conseguiu fugir por assim dizer, com a desculpa de ir estudar fora, foi sem
auxílio de ninguém. A suas parcas
economias tinham que durar, a sorte que quando fez suas primeiras amizades na
universidade, um tinha conseguido um emprego de meio expediente, através de seu
pai que era coronel, com jeitinho, conseguiu uma vaga para ele, mas sempre
teriam em cima deles, os que estavam ali a anos, mas a verdade era que eles
trabalhavam os outros coçavam o saco, como todo bom funcionário público. Aprendeu o serviço, com a única pessoa que
parecia trabalhar ali, uma senhora.
Alias as senhoras, sempre cuidavam dele a vida inteira, talvez porque
como descobriria mais tarte era de Nanã Baruque com Olorúm, tinha estudado
profundamente sobre isso ao largo da sua vida.
Quando uma das senhoras que trabalhavam ali, achou engraçado, porque
como eles trabalhava na parte da tarde, o raro era que era de Londres.
Esta o arrastou
um dia sábado, que ia consultar um Babalorixá, muito famoso. Vinha do Brasil,
atendia numa casa do Bronx. Ele
desconhecia todo esse mundo, sua família era Católica Apostólica Romana, mas
não ia nunca a igreja, mas tudo era motivo para dizer que era pecado. Ele tomou consciência muito cedo que adorava
tudo que era pecado.
Bom, isso
acontece com os que vão ficando velho, divagam, mudam de assunto como trocam de
cuecas.
O Babalorixá,
jogou para ele, ficou parado, tornou a recomeçar tudo, rezando, prestando a
atenção total no que fazia, tornou a fazer.
Riu pedindo desculpas, mas é raro essa combinação numa pessoa tão jovem
como tu. Aqui diz que eres filho de Naná Burukú, com Olorúm, que segundo o Ifá
são os primeiros, mas o mais interessante é que tens a ela de frente, não ao
contrário, por isso estava aqui recomeçando o jogo várias vezes. Lhe explicou, o que se passava.
Tens alguma
pergunta?
Contou que na
verdade tinha vindo acompanhando a senhora, que não gostava muito de saber como
ia ser o futuro, querer saber o número premiado de loteria, achava que a vida
tinha que ter surpresas.
Só posso te dizer
a curto prazo que sua vida sempre será um eterno reinventar-se, o que será o
sal de tua vida, a fara interessante a qualquer nível. Que aprenderás a conviver com a solidão, que a
abraçaras como uma velha amiga. Qualquer
coisa, sempre faça isso, o levou para fora, embaixo de uma árvore, lhe deu uma
cuia de água, mostrou como devia fazer. Isso significa que queres a proteção, com essa
conjunção, terra/água, de onde sai a vida.
Uma coisa muito importante, confie sempre em tua intuição, pois com essa
conjunção, sempre vai atrair para perto de ti, pessoas que estão perdidas. Confie em ti mesmo. Outra coisa, vão te dizer que por culpa
dessa conjunção tens alma de velho.
Isso é uma grossa mentira, pois vejo aqui que vens de outro lugar, não
me dizem de onde, mas eres novo nesse planeta.
Talvez tua missão
seja justamente essa, atrair as pessoas, ajudar a quem precisa, mas te digo uma
coisa que está aqui, mostrou como estavam posicionadas duas pedras diferentes,
bem como duas pequenas conchas imperfeitas.
Jogou uma três vezes, sempre caiam na mesma posição. Vê, poderia tentar fazer algum truque, mas
eles confirma isso. Dizem que aprendas a
ajudar, quem realmente quer se ajudado, pois muitos pedem ajuda, ficam esperando
que faças tudo por eles, como não conseguem ir em frente, dirão que tu eres o
culpado.
Tinha toda razão,
tinha acontecido muitas vezes, até que aprendeu a separar o joio do trigo.
Depois passou por
causa disso, a ser um grande filho da puta.
Ria muito com isso, até que assumiu se era isso que diziam dele, soltava
logo na cara das pessoas, “cuidado, sou um grande filho da puta” isso logo
assustava as pessoas.
Sua vida toda
tinha sido um eterno recomeçar da estaca zero, mas sem medo, pois sabia que a
ele tocava isso, que para realizar seus sonhos, tinha que usar caminhos
diferentes.
Um dia escutou
uma entrevista com um grande arquiteto, que dizia que amava as curvas, pois que
as linhas retas eram muito chatas. Ele achava
o mesmo, mas gostava mesmo eram dos zig-zag que podia fazer com sua vida.
Ia até um certo
ponto, dizia, até aqui vou, se sigo isso será uma chatice total.
O mesmo era com
seus homens, tinha passado pela sua vida, mas nunca chegou à certeza dos que
usavam uma palavra que lhe parecia sem sentido “amor”. Isso não sabia, jamais tinha pensado nisso,
morrer de amor por ninguém. Gostava, mas
essa besteira nunca tinha cometido.
Escutou um ruído
atrás dele, da porta Dora soltou, meu velho, sempre o chamava assim, desde
quando se conheciam a muitíssimos anos atrás.
O tempo está maluco, vais ficar aí sentado.
Só até o sol,
mergulhar na água fazendo ruído.
Estás maluco meu
velho, foi se embora rindo como sempre fazia.
Sem querer se
lembrou da primeira vez que pensou que tinha encontrado alguém, mas em seguida
pensou, vou ver no que vai dar. A pessoa
contou sua vida, era complicado, ao mesmo tempo que estava completamente
perdida, não sabia como direcionar sua vida.
Tentou, mas não funcionava, pois os sentimentos desencontrados que tinha
dentro dele, era difícil.
Quando era
garoto, sua mãe ficou viúva, semi analfabeta, tudo que conseguiu enquanto pode
foi se prostituido, o foi levando adiante assim. Manter uma casa, mas claro agora a idade
tinha lhe chegado, era uma puta velha, atendendo a homens velhos, que na
verdade queriam mais uma amiga para compartir alguns momentos. A senhora não aceitou isso, o filho que
tinha acompanhado a vida inteira essa confusão, tinha sido inclusive abusado
por alguns dos homens que ela levava para casa, pois era bonito. Se confundia, ao mesmo tempo que lhe gostava
ser desejado, queria alguém que o amasse, no caso alguém que lhe desse carinho,
mas confundia isso com fazer sexo, como forma de retribuição.
Quando percebeu
isso, ao mesmo tempo que o via ir de flor em flor, procurando isso, sem saber
realmente o que queria. Ficou com pena,
as pessoas vieram lhe contar, lhe vi com fulano, ou com sicrano. Ele sabia que iria assim pela vida. Quando tentou falar, lhe respondeu mal, faço o
que quero o corpo é meu.
Lhe explicou em
que se confundia.
Olhou bem minha
cara, só porque me das carinho, procura me entender, não significa que me amas
realmente. Eu quero isso, alguém que me
ame com loucura.
Deixou de
aparecer, o encontrava pela noite, sempre acompanhado de pessoas diferentes, a
última vez que o viu, estava completamente drogado, no banheiro de uma boate,
tentando vomitar, o ajudou, se virou, ficou olhando serio para mim, ao final
soltou, o que podia ter sido mas não foi.
Saiu sem dizer olá ou obrigado por me ajudar a vomitar. Desapareceu no mundo. Um conhecido muitos anos depois contou que
tinha morrido sozinho num hospital com Aids.
Bom com a
maldita, como todos chamava a Aids naquela época, perdeu muitos conhecidos,
amigos queridos, pessoas que tinham passado pela sua vida.
Entre os 24/30
anos, deu muitos tombos de um lado para outro.
Mas sem reclamar, dizia sempre a Dora, que já era sua amiga, quando
caias, caia de frente é mais fácil levantar, se caíres de bunda levarás mais
tempo. Outra que ela odiava quando
dizia, que ele era como os gatos, suas merdas ele cobria rapidamente, pois
assim não fediam.
Aos trinta, mudou
radicalmente, muita gente estranhou, chegou a hora dizia ele, a famosa crise
que os homens têm aos 40, ele teve aos 30.
Aos 29 começou gradualmente a se fechar a repensar sua vida, foi tomando
consciência que esses dez anos, tinha sido como uma grande festa ao que ele
tinha ido separando o que gostava, do que não gostava, estudando isso ou
aquilo. Justamente nessa época pode
juntar tudo que tinha estudado, para refazer sua vida, entrou numa empresa que
precisava de alguém com bagagem no que ele dominava muito bem a moda.
Sempre tinha tido
uma maneira particular de se vestir, nunca tinha seguido moda nenhuma, ele
fazia a sua, o resto era resto, mas tinha aprendido como se devia estampar, jogo
de cores, pesquisar desenhos, tendências.
Era ferrenho defensor, que em moda não se cria, tudo se copia, se
recriava. Se lembrava do tempo que
devorava os catálogos da Sears que sua mãe sempre recebia. Ao contrário dos outros que viviam com a moda
Europeia, sua primeira base tinha sido a moda americana de pós guerra. Aonde as roupas com volume, eram importantes
pois gastavam mais tecidos, faziam as empresas crescerem. Ao chegar na grande cidade, tinha aprendido
sobre a Europeia, bem como estudado a fundo quando estudou figurinos nas escola
de teatro. Uniu os trapos, vamos dizer
assim.
Era capaz de
misturar tendências, criando outras. Logo foi absorvido pelo seu trabalho, que
era montar um equipe que funcionasse, que pudesse, criar estampas, desenhos,
que entendesse de estamparia industrial, os foi treinando, mas não tinha tempo
para um romance.
Nessa época
conheceu muita gente, a famosa foda de uma noite, mas que no dia seguinte se o
viam na rua, mudavam de calçada, o chamando de filho da puta, pois quando
queriam algo mais, soltava logo que não tinha tempo.
Chegou a um ponto
que dizia, que adorava estar sozinho, que a solidão, lhe fazia companhia,
conversava com ela. Era uma verdade,
preferia, ficar sentado no sofá confortável de sua pequena casa, com um copo de
whisky na mão, pensando em coisas que queria fazer, escutando suas músicas
prediletas. Era outra coisa que o unia
a Dora, pois esta podia ter sido uma cantora, mas o que amava mesmo era a
música para ela mesma.
Nesse período que
poderia dizer que tinha sido excelente, também não tinha tempo, porque preferia
ficar desenhando de noite em sua casa, ou fazendo cursos para aprender novas
técnicas. Hoje seria diferente, tudo
vinha quase mastigado pelos computadores.
Mesmo assim, era
capaz de montar um padrão, para uma grande máquina de estampar, usando sua
lógica. Via que os mais jovens por
isso, se repetiam muito, acreditavam que seu traço era único, se aferravam a
isso, como se fossem deuses.
Ele ao contrário,
tinha os desenhadores que admirava, pois a cada coleção de moda, eram capazes
de se reinventar. Quando tomou
consciência disso, passou a fazer o mesmo, buscar dentro das técnicas, novas
maneiras de mostrar criatividade.
Talvez por isso,
tinha trabalhado até a pouco tempo, quando disse basta, na verdade só atendia
uns poucos, para se distrair. Mas claro,
seus clientes ficaram velhos como ele, passando suas fabricas para os filhos,
os netos, esses queriam inovações, mal sabia que isso que acabavam produzindo
eram copias mal feitas de coisas passadas.
Mas tinha aceitado, nunca dizia nada, pensava “para que vou gastar minha
saliva”.
Os mais jovens
pensavam que eram os reis, mas nada, estavam era cegos, as tendências nunca duravam
mais que um simples suspiro. Havia que
manter a máquina a todo vapor para poder sobreviver, por isso muitos negócios
iam a pique.
Ele mesmo tinha
trabalhado para empresas que subsistiram até que os diretores foram
substituídos por mais jovens ou se aposentaram, porque estavam de saco cheio de
aguentar o trabalho, depois de tantos anos trabalhando como loucos, quando
paravam, em seguida batiam as botas, poucos se reinventavam.
Ele a partir dos
30 tinha feito uma coisa, a cada coisa que inventava ou criava, ia fazendo um
arquivo. Quando parou, lançou um livro,
primeiro o criticaram, depois descobriu que estava sendo usado nas escolas de
artes, nas de designers. Alguma vezes o
convidavam para fazer palestras. Quando
ao final do assunto perguntava se alguém tinha alguma pergunta, escutava
idiotices, isso cansava.
Uma vez lhe
perguntaram se sabia usar computadores?
Riu, soltou,
desde os primeiros quando havia que saber programar, para fazer um desenho
tosco. Mas os programas que existe hoje,
eu usei as cobaias deles, mas hoje o faço como exercício. De maldade, pediu para colocarem seu portátil
de última geração, construído especialmente para ele, por um velho amigo que
tinha feito isso a vida inteira.
Olhou para a
pessoa que tinha perguntado, que se achava na última moda. Veja, achas que estas na última moda não é,
olhe isso, tens que treinar tua memória, isso se usou na década dos noventa,
ano tal, buscou um arquivo, abriu, olhe basicamente o mesmo que estas usando,
só mudaram as cores.
Se foi você que
construiu esta estampa, consultaste o manual tal e tal, no meu livro, está na página
tal. Estou te observando todo esse
tempo, na tua cara está escrito, esse velho vem aqui falar dessas merdas todas,
em que eu sou o rei. Te digo, ser rei,
sem reinado e sem coroa existem muitos.
Ser rei é se manter atual, usando tua própria cabeça, recriando a ti
mesmo, não aos outros.
Os aplausos
finalmente foram muitos, o professor veio agradecer, para o ano espero que
tenhas um tempo para vir aqui.
Meu caro, perdes
o teu tempo, talvez o ano que vem, as maquinas estejam elas mesmas desenhando
os padrões, ignorando o homem que vai vestir, como dizendo, coloque isso seu
idiota, estas ai para isso, seguir o que eu faço, não o que você quer. Se tiveste prestado atenção realmente no meu
livro, teria lido a primeira página que digo, que estar na moda é não seguir
nenhuma tendência, o famoso fundo de armário.
O seu era imenso,
o dia que morresse segundo Dora, os homeless iam amar. Bem como dizia dele
atualmente que ele um cu inquieto, nunca estava parado.
Estar com alguém
tinha passado pagina, já não tinha paciência para algumas besteiras, tinha até
tentado, mas chegou a conclusão que estar sozinho, saber viver bem consigo
mesmo, isso sim era o essencial.
Estava realmente
sozinho a bem mais de 20 anos, podia considerar os melhores de sua vida, tinha
trabalhado em Paris, para uma das maiores casas de moda. Karl era duro de
pelar, mas ele o entendi a perfeição, quando lhe mostrava um desenho, dizia sua
ideia, ele sabia aonde encontrar esse tecido, o que era necessário para esse
caimento.
Quando esse
morreu, disse, até aqui vou, estava farto de viver em Paris, quando dizia isso
olhavam para ele como dizendo, está louco, a gente sonhando com isso ele
querendo cair fora, claro já tinha passado do tempo de aposentadoria.
Agora trabalhava
para se distrair, para duas editoras, de amigos seus, fazendo capas de livros,
ou ilustração para alguma história. Mas
agora usava o laptop, bem como seu próprio banco de imagens.
Karl sempre lhe
dizia, se todos tivessem esse banco de imagens que tens, além dessa memoria, estariam
ricos, creio que devia mandar guardar teu cérebro, para implantar em alguém com
talento, pois isto é cada vez mais raro.
Quando aparece algum, logo se crê o rei do mundo, quando mal sabe o
quanto a glória é efêmera se a pessoa não sabe se inventar.
Uma vez o
chamaram para dar um curso numa das escolas de moda mais interessantes como se
falava no momento. Perguntou se podia
selecionar os alunos. O olharam
espantados, mas raciocinou, não tenho tempo para perder, com os que acho que
são o supra sumo, mas na verdade não passam de um batido sem graça.
O deixaram
experimentar, apareceram 40 candidatos, selecionou 20, depois cortou para 10,
isso só conversando. O que mais lhe
interessou foi justamente um rapaz, que não sabia desenhar, sabia reciclar
padrões, fazer mudanças. Lhe alertou
durante o curso inteiro, tens que pensar, não só seguir teu instinto, há que
juntar os dois, senão não dá certo.
Não deu outra,
foi contratado para uma casa de moda, duas coleções depois se retirou, estava
exausto, tinham lhe sugado o que tinha de criatividade, já se repetia.
Veio falar com
ele.
Na tua
entrevista, me disseste que estampavas camisetas, que querias ir além. Eu se fosse você, abria um negocio assim, lhe
explicou, uma boutique efêmera, como está na moda, preparas digamos 100
camisetas, peças únicas, tamanho único, as estampas, ganhas dinheiro, guarda
uma parte, cria outra coleção devagar, faz de outra maneira, assim por diante,
mas sempre com essa ideia de coisas efêmeras, camisetas, que se podem usar com
qualquer tendências, tive segundo Dora de ser caridoso, o deixou olhar o
armário que tinha de camisetas. Aqui
deve ter umas trezentas pelo menos que eu criei ao longo do tempo, mas só as
melhores, quando descubro alguma que alguém copiou, as descarto, dou de
presente.
O rapaz ganhou
muito dinheiro fazendo isso, acrescentou uma linha de foulard, de tecidos
estampados um a um por ele. Eram disputados, pois sabiam que eram peças únicas.
Um dia veio lhe
agradecer a ajuda. Só lhe disse uma
coisa, nunca caias na conversa de alguém que diz que quer ser teu sócio, para
te lançar no mundo, vai sim te explorar, depois cuspir no primeiro momento que
falhes.
Um dia encontrou
com ele num vernissage da Dora, que nessa época pintava. Tinhas razão, estão atrás de mim com ofertas
loucas, para que deixe de fazer boutiques efêmeras, para que abra uma cadeia de
boutiques, quando digo não sobem a oferta.
Tenho vontade de fazer o seguinte, eu mesmo aceitar a oferta, fazer a primeira
fantástica, vender a minha parte na marca, desaparecer, ganhar o dinheiro, sem
usar o meu nome, depois os mandar a merda.
Ficaram os dois
rindo como loucos, ainda se virou para mim me dizendo, se tivesses minha idade
ia te arrastar para a cama, te levar a loucura.
De brincadeira
lhe disse, topo, mas se fores tu que se apaixone por mim, não tenho culpa, o
levei para a cama, esperava que um homem de 60 anos, não podia com ele, ao
final estava pedindo mais. Passou a me
chamar sempre, mal sabia que estava desmontando minhas coisas para ir embora.
Mas o filho da
puta, fez o que tinha dito, os que entravam com dinheiro, ele tinha cinquenta
por cento do nome da marca, abriram uma boutique em cada esquina, no meio do
segundo ano, preparou uma coleção, na surdina vendeu sua parte, tinha estudado
muito bem o contrato que tinha. Se
mandou, desapareceu no mapa. O
encontrei em NYC, rindo a bessa, fiz o que disseste, além da segunda parte que
me disseste na cama, levei todo meu dinheiro para fora. Agora estou fazendo uma
pausa.
Tentarei alguma
coisa como fiz lá das boutiques efêmeras, teve que arrumar um bom advogado,
pois a papelada exigida era imensa, não valia a pena. Foi rapidamente cantar em outra freguesia.
Depois de um
tempo trabalhando na Vogue, quando vi que tinha um bom pecúlio, comprei essa
casa em Fire Island, aonde eu podia ver o nascer do sol, bem como o por do sol,
bastava mudar de varandas, as duas
estavam abertas no verão, fechadas no inverno.
Nem fazia muito
calor, tampouco quando nevava, acendíamos dessas lareiras modernas de metal que
no verão se podia desmontar, mas só fizemos isso uma vez, dava muito trabalho,
eu odiava esse tipo de trabalho, Dora também.
Para muitos
passávamos por um casal aberto, eu dizia que a coisa mais próxima de sexo que
tivemos foi uma vez que tínhamos tomado um porre de vinho na Itália, dormimos
na mesma cama, de manhã nos examinamos para ver se tínhamos ao menos tirado a
roupa, estava intacta, respiramos aliviados, porque estragar nossa amizade.
Quando voltei,
ela também deixava Paris, tinha acabado de romper um romance, que ela achava
que seria eterno. Eu dizia que as
coisas eram eternas enquanto duravam.
Me disse que
tinham se acabado as paixões, mas para ela isso era combustível para pintar,
criar coisas, se não estava louca por alguém não fazia merda nenhuma.
Por isso agora se
dedica a pequenos desenhos, lhe passava ilustrações que me pediam, a situação
tinha invertido, eu pintava quadros grandes.
Alguns pedia
explicações. Eu dizia simplesmente que
tinha voltado ao princípio da minha vida, tinha começado pintando, agora
voltava ao princípio, o círculo tinha se fechado.
Quando fiz uma
exposição na ilha em pleno verão, se venderam todos os quadros, pois tudo era
papel, isso tinha sido assim a vida inteira.
Se as pessoas vissem meu arquivo de papeis, com desenhos, esboços de
aquarela, ia dizer esse homem está louco.
Quando fiz 75, me
propuseram fazer uma exposição sobre meu trabalho. Uma retrospectiva como chamava isso. Lhes disse que não, que pensava em trabalhar
mais 10 anos pelo menos.
Alguns riram,
como dizendo esse velho pensa em seguir na ativa até os 85 anos.
O ano passado fiz
uma exposição em NYC, com 95, tinha me sobrepassado. O único problema era que era mais lento,
pintava com dizia quando me saia do caralho, quando me dava na telha, ou quando
tinha uma ideia de que pensava que não tinha executado ainda.
Um dia comecei a
pintar um quadro, já estava quase terminando o mesmo, quando Dora entrou,
olhou, ficou rindo, saiu sem dizer nenhuma palavra, foi buscar uma foto minha
ao lado de um quadro, era o mesmo.
Caímos na gargalhada, a senhora que cuidava da casa uma mexicana veio
ver do que estávamos rindo. Mas não
entendeu, só soltou, dois velhos loucos.
De propósito,
coloquei na exposição com o título de Replayed, quem comprou perguntou por que
do título, perguntei se tinha olhado o catálogo, disse de passagem, peguei um
lhe mostrei tinha duas fotos, a 15 anos atrás posando com o primeiro quadro,
agora com a cópia. Mas cobrava mais caro pelo novo, virou anedota, tive que
contar num programa de entrevista como tinha sido. Sonhei a noite inteira comigo pintando um
quadro, me levantei para ver o nascer do sol, depois fui para o studio com uma
garrafa térmica de café, fui pintando, quando estava quase terminando,
pensando, como pode ser isso, tenho a sensação que está muito fácil pintar
isso. Dora entrou olhou, riu, foi buscar uma foto do mesmo. Rimos muito, ou seja eu tinha sonhado com o
primeiro trabalho, mas me esmerei em melhorar textura, o material é diferente,
mas deixei o que tinha feito. Um “revival”
sempre é mais caro, pois o fazemos melhor.
Ainda soltei uma
coisa, que agora me importava uma merda dizer.
Se a primeira foda foi boa, é melhor deixar como está, a não ser que a
pessoa tenha mais possibilidade. Porque
as vezes a segunda é um fiasco.
A plateia veio
abaixo. O apresentador me chamou a
atenção, como podia falar essas coisas assim no ar, mas falou rindo. Lhe disse, no alto dos meus 95 anos, mando o
politicamente correto tomar no cu, coisa mais chata.
No dia seguinte
os poucos quadros que não tinham vendido desapareceram. Algumas pessoas que tinham quadros meus,
aproveitaram para vender mais caro do que tinha comprado.
Ou seja, valia
alguma coisa ainda. Meu segundo livro,
que percorria todo o percurso desde meu primeiro trabalho na escola de arte,
até o atual, foi vendido como um livro de memorias, a maioria das pessoas que
tinham comprado esses trabalhos, tinha morrido, os herdeiros claro me deixaram
fazer as fotos, para depois vender os mesmos por uma fortuna.
Pensei devia ter
pedido uma comissão, para ganhar algum.
Dora me soltou, para que, tens o suficiente para chegar aos 105. Fiz o sinal da cruz para ela. No inverno agora ficava difícil fazer alguma
coisa, a artrose tinha torcido meus dedos, um médico veio um dia ver se era
verdade como eu lhe dizia que desenhava ou pintava. Ficou de boca aberta. Pois realmente fazia o que tinha dito,
amarrava um troço de camiseta velha na mão, encaixava o pincel, ou um lápis, usava
a mão não os dedos para fazer meu trabalho.
Isso era interessante pois ficavam diferentes.
Agora preparava
outra exposição, pois no verão, tinha sido muito produtivo. Já não vinham
muitos amigos nos visitar, 99% já estavam a sete palmos baixo terra.
Eu, bem como a
Dora, já tínhamos feito o testamento, queríamos que nossas cinzas fossem
jogadas ali na praia aonde víamos o pôr do sol. Ela ria da maldade que dizia, se os filhos
da puta dos herdeiros, resolvessem simplificar fazer isso no nascer do sol.
Volto para enfiar
o dedo no cu deles, soltava. Riamos a
bessa. Dora sempre tinha tido a mania
de representar a cena. Erámos capazes
de ficar horas representando a cena do coitado do herdeiro, sentando com muita
pose, de repente sentindo um dedo no seu cu.
Dolores que nos
cuidava, diziam, fiquem aí rindo como loucos, passa alguém os considera como
tal, vão os dois para o psiquiátrico, eu perco meu emprego.
Ele ficou com
aquilo na cabeça, o sobrinho de Dora era basicamente o herdeiro deles, casado
com uma mulher rica, viviam em Paris, ela bem o mal o tinha criado, a última
vez que os tinha visitado, disse a mesma coisa, que os dois pareciam uns loucos,
ele tinha feito uma brincadeira com ele que não gostou, foi embora pegando
primeiro ferry.
A um ano atrás
apareceu um rapaz procurando por ele, quando Dolores o levou até o studio, levou
um susto, era como ele, quando jovem.
Se apresentou
como neto do seu irmão. Estava estudando
arte em NYC, tinha conseguido seu endereço com o dono da galeria, aonde tinha
feito sua última exposição. Ele tentou
falar com o senhor, mas ninguém atendia o celular.
Ele soltou para
ver a reação do rapaz, seu sentido de humor.
Tenho medo de atender, ser algum amigo que já morreu, está chamando um
fantasma. O rapaz se matou de rir, estou
imaginando a cena, representou como ele faria.
Tinha uma bolsa,
cheia de desenhos, o dono da galeria, diz que são como pinturas vintage, mas
estou melhorando. Mostrou para ele, o
deixou olhando seus papeis, enquanto olhava o quadro que ele pintava.
Gosto das cores
que o senhor usa, são fortes, tem personalidade.
Sim, trabalho
sempre com as cores que mais gosto, a cada dois meses vou a NYC comprar ou peço
que me mandem.
Me fale de meu
irmão?
Posso ser honesto
com o senhor?
Claro, não só
pode como deve.
Nunca entendi
porque o odeia tanto, esta sempre falando mal do senhor, me lembro quando era
criança, que voltamos a viver com a Bisavó, que queria desmontar o quarto que
era do senhor, ela se negou, disse que era o quarto do seu filho querido. Se mudou de quarto, ficou vivendo até o final
nele, antes de morrer me deu a chave, que levava num cinturão velho que
segurava suas saias.
Olha essa foto,
tirou da carteira uma foto, aqui ela estava com quase 110 anos, lucida
completamente, abria a porta quando estávamos os dois em casa, para me mostrar
seu quarto, dizia que eu era sua cara.
A primeira vez
que meu avô me pegou desenhando, jogou tudo no fogo da lareira, caderno, lápis
tudo.
Fiquei olhando de
boca aberta sem entender, ela na sua cadeira de rodas, se aproximou, segurou a
minha, disse baixinho, é a inveja que ele sempre teve do irmão, por ter coragem
de ir embora.
Me contou, que o
senhor tinha ido embora, num dia que os dois estavam levando os bois para um
pasto da montanha, para aguentarem o verão, que embaixo é sempre seco.
Contava assim,
peguei meu filho pequeno, o coloquei na caminhonete, lhe dei uma caixa de metal
que guardava minhas economias, o levei até a cidade, comprei um bilhete de
ônibus para ele ir para NYC, lhe disse para não voltar, fizesse sucesso ou não,
que sua vida não era aqui.
Que ela seguia
seu rumo pelas revistas que conseguia, me mostrou todas ali guardadas no seu
quarto.
Minha mãe,
escutou a história, meu pai, quanto mais eu crescia, me dizia que devia ser uma
maldição, pois eu estava cada vez mais perecido contigo.
Sim é uma
verdade, levei um susto quando te vi, parecia estar vendo a mim mesmo quando
jovem.
Dora estava
fazendo a siesta, quando se levantou, os viu conversando na varanda, riu muito,
é como ver o passado falando contigo.
Ele foi passar o
dia, passou uma semana, ensinou muitos truques de pintura para ele, depois foi
ver uma pequena exposição que ele fazia.
O tinha ido buscar no Ferry.
Contou que trabalhava durante o dia de vitrinista na Macy`s, dividia
apartamento com um amigo, no Bronx. Vou levando. Tinha vendido bastante quadros, apesar da
falta de publicidade.
Ele tirou seu
celular, chamou um amigo que era crítico de arte no NY Times, perguntou o que
estava fazendo. Sabia que ele vivia ali
perto, pediu que viesse ver uns quadros.
O dono da galeria quase lambeu os pés do crítico.
Ele passeou a
galeria inteira com o amigo de braço dado, assim não tinha que usar a bengala.
Os quadros eram
pequenos, como Jerry explicou, era o que podia pintar no seu quarto.
Quando soube que
era seu sobrinho, soltou, esse filho da puta é teu tio. Podia ter-me avisado antes.
O senhor por
favor não fale isso, pois quero vencer por mim mesmo.
Claro garoto.
Abriu o seu celular, disse o nome de um fotografo conhecido, disse aonde
estava, mexa essa bunda, venha fazer umas fotos para mim.
Primeiro fez uma
matéria com o Jerry, falando de um novo talento na praça, depois se documentou,
disse ao dono da galeria, quando acabe a exposição me avise. Fez uma outra reportagem, sob o título, uma
nova geração, falando do sobrenome de família deles, com uma foto dos dois.
Sem querer o crítico
tinha uma foto dos começos dele, a publicou também, bem como um trecho de sua
primeira entrevista.
Ele quando saiu
da exposição, perguntou aonde ele comprava tinta?
Ah tio, eu compro
aonde for mais barato.
Venha comigo, foi
a loja que era cliente toda a vida, agora mandavam levar para ele a Fire
Island. Apresentou como seu sobrinho, só
vais fazer uma coisa, mande uma fatura para meu advogado, debite na minha conta
tudo que ele precisar. Fizeram como um
cartão de crédito como ele tinha.
Jerry, chorou,
abraçado a ele.
Pare menino que
vais manchar de rímel meu casaco que é de Pierre Cardin.
Depois foi com
ele ao seu apartamento, era numa rua não importante do Village, mas nem por
isso valia menos atualmente. Subiram num
monta carga. Quando voltei para NYC,
comprei esse apartamento, aqui vivia, pintava, trazia meus últimos homens para
fuder.
Hoje vou ter que
dormir aqui, veja ali esta o quarto que usava a Dora, quando estava na cidade,
ela sempre viveu fora daqui.
Dormimos aqui,
mais tarde saímos para jantar.
No dia seguinte
de manhã, foi com ele ao seu advogado, passou o apartamento para seu nome, para
que não tivesse problema, agora tens material, bem como um lugar para
trabalhar.
No dia anterior,
tinha recebido o catálogo de sua nova exposição, na galeria que ele sempre
expunha, bem como uma crítica do NY Times. Falando de seu trabalho, sem
mencionar o tio.
Tinha mostrado da
primeira vez um desenho de sua avó, sentada no quarto que era seu, com milhões
de papeis que ele colocava na parede.
O tinha reproduzido em tamanho grande, com o título, berço de artistas.
Tinha sido sua
primeira obra comprada por um museu.
Dizia essa semana vou até aí, ver o senhor.
No dia seguinte,
antes que Dora se levantasse, isso queria dizer quase na hora do almoço, se
arrumou, pediu a Dolores que o levasse até o ferry.
Em NYC, estava
lhe esperando um dos rapazes que trabalhava para seu advogado, colocou 80% de
seu dinheiro, em benefício de seu sobrinho, 20% em nome da Dolores, afinal a
pobre os aguentava a muito tempo. Deixou
um envelope com o nome do sobrinho, explicando o que devia fazer, sabia que
preparava outra exposição, lhe dizia que em seguida deveria ir para Paris, o
dinheiro era para isso. Aproveite tua
vida.
Voltou no último
ferry, Dolores como boa guardiã, o estava esperando, vinha com uma bolsa da
loja de material de pintura, tinha encomendado, dizendo que devia esperar na
entrada do ferry. Assim tinha uma desculpa.
No dia seguinte
se levantou tarde, estava cansado, já não tinha idade para tanto.
Se lembrou quando
chegou a cidade, que a alemã o tinha levado a um Babalorixá, do Brasil que
estava cidade. Riu muito da lembrança,
dizia que viveria muito, isso era normal na sua família, pelo que o sobrinho
tinha falado da sua mãe, tinha sido assim.
Ele no fundo já
estava farto de inventar coisas para viver, se lembrou de quanto se deu conta
que tinha realizado todos seus sonhos, que tinha tido que inventar outros para
conseguir sobreviver sem cair em depressão, tinha sido sempre um homem de
sonhos. Ia inventando um atrás do outro,
até o momento. Só não tinha conseguido
realizar um, encontrar uma pessoa que amasse, ou quisesse profundamente.
Mas isso o homem
tinha dito para ele. De quem é filho, nunca te apegaras a ninguém. Apesar de Dora ser sua melhor amiga, terem
convivido anos e anos, havia períodos que mal se viam, falavam por telefone, ele
foi primeiro para Paris, com o trabalho, as vezes a chamava de madrugada, ela
atendia porque era ele.
Mas se ela
morresse amanhã, sabia que o sobrinho ia encher seu saco, ele pensava que a
casa dali era dela. No seu testamento
tinha deixado para Dolores, que sempre tinha vivido ali com eles, mas enquanto
Dora vivesse podia estar ali.
Dora na verdade
tinha gastado todo o dinheiro que tinha ganho com seus trabalhos, a partir que
deixou de pintar, pois se cansava, dizia que tampouco tinha vontade, seu
dinheiro foi minguando, pois sempre soltava alguma coisa para os luxos do
sobrinho. Achava que ele ia deixar o seu
também para o sobrinho. Mas fingia que
sim, mas nunca tinha gostado do sujeito, tinha vivido sempre as custas da tia,
depois da mulher que era rica.
Que se apanhe
pensou.
Nessa noite,
conversou com Dora que tinha aproveitado a ida a NYC para reparar uma
injustiça, fui mudar um pouco meu testamento, deixei algo para Dolores, afinal
nos aguenta.
O apartamento ela
sabia que tinha passado para seu sobrinho neto.
Nessa noite,
depois de ver o por do sol, disse que não tinha fome, tomou um chá, com os
biscoitos que fazia Dolores, uma receita que levava marijuana, que era
relaxante para dormir.
Se arrumou todo,
com uma das roupas mais escandalosas que tinha, inclusive umas babuchas de seda
bordada, que ganhou de um dos melhores amantes que teve, um marroquino.
Antes de deitar,
tomou todos os comprimidos de duas caixas de remédios fortes para dormir. No
dia seguinte, sentado no cadeirão do seu quarto, viu como Dolores vinha
desperta-lo.
Saia correndo
para o telefone, para chamar o médico da vila.
Ele quando chegou
só teve que fazer o atestado de óbito.
O duro foi ver
Dora se derrubar. Podia ler seus
pensamentos, esse filho da puta, tinha prometido que só morria depois de mim.
Estava mais
preocupada, quem a faria rir agora, saiu dali dizendo a Dolores que avisasse o
advogado, pois ele sabia como tinha que ser o enterro desse velho filho da
puta.
Ela mesma chamou
o Jerry, lhe disse que viesse como advogado, pois esse com certeza vinha numa
lancha.
Ela se comoveu,
quando o rapaz, ficou sentado no cadeirão segurando a mão do tio, mentalmente
pensando, na sua avó, agora sei que vão estar juntos, sorriu imaginando como ia
ser a conversa. Contou a Dora, estou
imaginando ele conversando com sua mãe, vai ser uma conversa completamente
louca, pois ela tinha o mesmo sentido de humor dele.
No dia seguinte
chegou o caixão, o iam levar para incinerar, depois as cinzas voltariam para
serem jogadas no mar. Aqui esta no papel
Jerry, no pôr do sol.
Dora soltou o que
ele falava, se alguém jogasse do lado que o sol nascia, ele voltaria para
enfiar o dedo no cu, eternamente. Jerry
se matou de rir, com lagrimas nos olhos.
Eu venho trazer, a senhora precisa de alguma coisa.
Ela sorriu
pensando, até nisso esse garoto é como ele, é a pergunta que ele sempre me
fazia desde jovens, se eu precisava de alguma coisa.
Não, estarei bem
aqui com a Dolores, o advogado diz que a semana que vem virá ler o testamento,
pois não tenho vontade de ir a NYC, me sinto perdida na cidade.
Ele andava pela
casa, se sentia mais jovem, quando se via no espelho, era como ver o Jerry, puta
merda pensava, devia ter trazido uma maleta para mudar de roupa, ria muito com
a ideia. Dora que estava sentada na outra poltrona riu, soltou para Dolores,
ele deve estar reclamando que não levou roupa suficiente para o outro
lado. Sempre foi um Dandy. Com suas
roupas fundo de armário como chamava. Teremos que mandar agora tudo para os
homeless, ou se o Jerry que tem o mesmo corpo que ele, quiser.
Sabe Dolores,
sempre me impressionou isso, eu fui ficando velha gorda, mas ele apesar de tudo
mantinha sua linha, nunca engordou nenhum gramo. Tem roupa no seu armário, que teve ter quase
a sua idade, ria e chorava ao mesmo tempo.
Eu o conheci
assim, era meio caipira, fui a uma festa de um vernissage de uma amiga da
escola de Belas Artes, quando o vi, fiquei de boca aberta, aquele rapaz
altíssimo, com uma roupa completamente diferente de todo mundo ali. Jesus, pensei esse homem é um escândalo
ambulante, ele se chegou perto de mim com uma taça de champagne, para que
feches a boca, bonita. Ficamos conversando, se interessou por mim, foi
apresentando as pessoas que interessavam, ao meu ouvido dizia, o resto é resto,
mas esses tem o poder na arte em suas mãos.
Dias depois foi conhecer meu studio de merda, mas me incentivou a seguir
em frente, eres melhor que a tua amiga.
Logo conseguiu que eu fizesse minha primeira exposição, o primeiro dinheiro
que ganhei com arte. Anos depois me
levou para Paris, quando já tinha um lugar para mim em seu apartamento. Me apaixonei por uma francesa louca, com
quem vivi anos, ele nunca se intrometeu, nos encontrávamos quando ele podia,
para conversar, mas nunca com ela junto, a odiava. Essa mulher é porca. Pior era que era mesmo, mas estava
apaixonada. Me dizia perdes tempo com
essas idiotas, devias primeiro amar a ti mesma.
Levei muito tempo
para dar o braço a torcer, reconhecer que ele tinha toda a razão. Ele nunca perdia seu tempo. Pior era se alguém se aproximava dele para viver
as suas custas, mandava rapidamente a merda.
Começou a rir, o único que viveu com ele anos, foi o marroquino, Ahmed,
que aguentava todas suas loucuras, no bom sentido e claro, trabalhar como um
louco, chegar em casa morto de cansado, beijava o Ahmed, lhe dizia me fazes um
cafune, dormia nos braços dele.
Ahmed, era
médico, sempre estava cansado, um dia lhe deu na louca, voltou para seu pais,
pois dizia que ali, nunca iam o reconhecer como um bom médico. Foi a única vez que o vi chateado por
alguém. Mas claro depois o trabalho o
engoliu outra vez. Passou anos
sozinho. Creio mesmo nunca mais teve
ninguém assim.
Ele ali sentado
ao lado delas, sorriu, era uma verdade, tai, talvez tenha amado esse homem, fui
atrás dele no Marrocos, anos depois, quando me viu ficou emocionado. Foi me visitar no hotel que eu estava, mas me
disse que não podia me apresentar a sua família, pois tinha se casado tinha
filhos. Agora estou estável, não quero
estragar o que tenho. Mas dormiu todas
as noites que ele esteve no Marrocos juntos.
Afinal pediu para ele ir embora, pois ia ficar difícil se separar dele
outra vez.
Obedeci a contra
gosto, pois eram as férias que não tirava em muitos anos.
Foi o único homem
que fui atrás, me lembro que fui ao deserto, peguei uma cuia de barro, fiz o
que me ensinaram a fazer para Naná Baruque. Água e terra se misturando, voltou para
Paris, retomou sua vida.
No dia seguinte, veio
Jerry, o advogado, trazendo a urna, esperaram o entardecer, viram Jerry rezando
por ele na beira da praia, Dolores ainda soltou, a água deve estar um gelo,
pois já era o outono.
Ele fez
exatamente o que seu tio tinha pedido na carta. Inclusive a música que pediu
para cantar que ele não entendia nada.
Quando voltou
Dora, lhe perguntou se queria as roupas do seu Tio, ele riu a bessa, vou virar
um Dandy como ele.
Se sentaram no
salão, ele abriu o testamento, explicava a Dora que não deixava nada para seu
sobrinho, porque sabia que ele tinha dinheiro.
Deixava seu
dinheiro 80% para o Jerry, contanto que ele fizesse o que tinha em sua carta,
20% para Dolores, para seguir cuidando dela, bem como a casa quando ela
morresse.
Dolores, chorava
muito. Pensei que as vezes ele nem me
notava. Mas sabia que não era verdade,
entrava no studio com um chá, com seus biscoitos de maria, no maior silencio,
quando ia saído ele dizia, obrigado Dolores.
A mim nessa carta
além de me orientar como queria que eu fizesse, que falasse com Naná Baruque,
que não sei o que é, que o levasse com ela.
Disse o que ia
fazer, não queria ficar sentado numa cadeira de rodas como sua mãe, que as
pessoas em volta falassem como se ele não existisse. Já tinha realizado mil sonhos, agora ficava difícil
inventar outros.
Me deixou
dinheiro para que eu fosse para Paris triunfar na capital do mundo segundo ele.
Que só voltasse
quando estivesse na crista do mundo.
Pelo menos vou tentar.
Quando a notícia
saiu nos jornais, o sobrinho da Dora apareceu, porque não me chamaram para a
leitura do testamento. Dora já estava
farta de mamarem em suas tetas.
Porque ele não
deixou nada para ti, aliás estas fudido como ele dizia, meu dinheiro acabou
também agora vivo aqui de favor, pois a casa ele deixou para a Dolores.
Essa mexicana vai
herdar a casa, que devia ser tua por direito.
Sim para que não
me pusesse num asilo para velhos, para ficares com ela, gostaria muito que
falasse bem da Dolores, com educação, que nunca tiveste. Por favor vá embora.
Saiu furioso,
batendo a porta.
Ela se virou para
Dolores, ele nunca se enganou com meu sobrinho, sempre disse que seria assim. Quando contrariado sempre batia a porta, me
encheu o saco a vida inteira, nunca foi capaz de fazer como o Jerry, que a
primeira coisa que fez foi me perguntar se precisava de alguma coisa.
Morreu semanas
depois dormindo. Pediu num bilhete que
suas cinzas tivessem o mesmo destino do amigo.
Jerry e Dolores
assim fizeram.
Jerry levou as
roupas do tio para seu apartamento em NYC, as pessoas paravam para o olhar na
rua, era uma moda totalmente nova. Era
um fundo de armário de várias gerações, pois muita coisas ele tinha comprado nos
antiquários, ou brechós da vida.
Depois de sua
exposição, da bela reportagem que foi feita a respeito, tinha um quadro do tio,
que ele levou depois para o apartamento.
Embarcou para Paris, já com contrato de uma galeria de arte, mandou um
bilhete de avião para sua mãe ir a sua primeira exposição na Cidade Luz. Ao seu pai nunca mais o viu.
Dolores reformou
um pouco a casa, a transformou, alugava quartos no verão, no inverno ficava ali
curtindo sua vida, as vezes tinha sensação de que os dois estavam ali sentados
com ela, vendo o pôr do sol.
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