lunes, 20 de septiembre de 2021

RETRACE -

 

                                        RETRACE

 

Agora concordava quando diziam, que com a idade as pessoas se lembravam do passado, as vezes com detalhes, mas do presente, nem o que tinham acabado de comer.

Ele não estava tanto para isso, pois era capaz de recordar tudo, mas o mais interessante, era que realmente agora, que dispunha de tempo, trabalhava menos nos textos, conseguia se lembrar de coisas do seu passado, mas não os nomes, ou a cara da pessoa.

Escutou Dora, ou Doralice, sua melhor amiga o chamando para entrar, pois estava anoitecendo começava a esfriar.

Mas claro estava preparado para isso, sempre tinha amado ver o nascer, bem como o por do sol, como sempre dizia com ele as águas passavam por debaixo da ponte, levando toda a merda que podia ter feito em sua vida.  Não usava outra frase “muita água passou por debaixo da ponte” para dizer do tempo.

A o puto tempo, riu pensando na sua juventude, que o tempo não passava, ele queria escapar da sua família, não queria ser como eles, no marasmo da vida em uma cidade pequena, queria sim sair pelo mundo.     Sua escapatória era os livros, bem como o cinema, agora podia dizer que as cidades com que tinha sonhado, tinha estado ou vivido nelas.

Tinha realizado seus sonhos, bem como inventado outros quando se deu conta que não tinha mais nenhum para conquistar.  

Dora sempre dizia que ele como inventor de coisas, era um mestre, tinha sim inventado, se reinventado ao longo de sua vida mil vezes.   Se lembrou de um filme, “o homem das mil caras ficou rindo sozinho por isso.   Se passasse alguém na praia ia pensar que estava louco.

Sua preocupação nessa época era ser ele mesmo, estava farto das convenções da pequena cidade.

Ao caralho soltou, isso era uma verdade, era sua palavra preferida, soltar um sonoro caralho.

Quando finalmente conseguiu fugir por assim dizer, com a desculpa de ir estudar fora, foi sem auxílio de ninguém.  A suas parcas economias tinham que durar, a sorte que quando fez suas primeiras amizades na universidade, um tinha conseguido um emprego de meio expediente, através de seu pai que era coronel, com jeitinho, conseguiu uma vaga para ele, mas sempre teriam em cima deles, os que estavam ali a anos, mas a verdade era que eles trabalhavam os outros coçavam o saco, como todo bom funcionário público.   Aprendeu o serviço, com a única pessoa que parecia trabalhar ali, uma senhora.  Alias as senhoras, sempre cuidavam dele a vida inteira, talvez porque como descobriria mais tarte era de Nanã Baruque com Olorúm, tinha estudado profundamente sobre isso ao largo da sua vida.   Quando uma das senhoras que trabalhavam ali, achou engraçado, porque como eles trabalhava na parte da tarde, o raro era que era de Londres.

Esta o arrastou um dia sábado, que ia consultar um Babalorixá, muito famoso. Vinha do Brasil, atendia numa casa do Bronx.  Ele desconhecia todo esse mundo, sua família era Católica Apostólica Romana, mas não ia nunca a igreja, mas tudo era motivo para dizer que era pecado.   Ele tomou consciência muito cedo que adorava tudo que era pecado.

Bom, isso acontece com os que vão ficando velho, divagam, mudam de assunto como trocam de cuecas.

O Babalorixá, jogou para ele, ficou parado, tornou a recomeçar tudo, rezando, prestando a atenção total no que fazia, tornou a fazer.  Riu pedindo desculpas, mas é raro essa combinação numa pessoa tão jovem como tu. Aqui diz que eres filho de Naná Burukú, com Olorúm, que segundo o Ifá são os primeiros, mas o mais interessante é que tens a ela de frente, não ao contrário, por isso estava aqui recomeçando o jogo várias vezes.   Lhe explicou, o que se passava.

Tens alguma pergunta?

Contou que na verdade tinha vindo acompanhando a senhora, que não gostava muito de saber como ia ser o futuro, querer saber o número premiado de loteria, achava que a vida tinha que ter surpresas.

Só posso te dizer a curto prazo que sua vida sempre será um eterno reinventar-se, o que será o sal de tua vida, a fara interessante a qualquer nível.  Que aprenderás a conviver com a solidão, que a abraçaras como uma velha amiga.  Qualquer coisa, sempre faça isso, o levou para fora, embaixo de uma árvore, lhe deu uma cuia de água, mostrou como devia fazer.  Isso significa que queres a proteção, com essa conjunção, terra/água, de onde sai a vida.   Uma coisa muito importante, confie sempre em tua intuição, pois com essa conjunção, sempre vai atrair para perto de ti, pessoas que estão perdidas.   Confie em ti mesmo.   Outra coisa, vão te dizer que por culpa dessa conjunção tens alma de velho.      Isso é uma grossa mentira, pois vejo aqui que vens de outro lugar, não me dizem de onde, mas eres novo nesse planeta.

Talvez tua missão seja justamente essa, atrair as pessoas, ajudar a quem precisa, mas te digo uma coisa que está aqui, mostrou como estavam posicionadas duas pedras diferentes, bem como duas pequenas conchas imperfeitas.  Jogou uma três vezes, sempre caiam na mesma posição.  Vê, poderia tentar fazer algum truque, mas eles confirma isso.  Dizem que aprendas a ajudar, quem realmente quer se ajudado, pois muitos pedem ajuda, ficam esperando que faças tudo por eles, como não conseguem ir em frente, dirão que tu eres o culpado.

Tinha toda razão, tinha acontecido muitas vezes, até que aprendeu a separar o joio do trigo.

Depois passou por causa disso, a ser um grande filho da puta.   Ria muito com isso, até que assumiu se era isso que diziam dele, soltava logo na cara das pessoas, “cuidado, sou um grande filho da puta” isso logo assustava as pessoas.

Sua vida toda tinha sido um eterno recomeçar da estaca zero, mas sem medo, pois sabia que a ele tocava isso, que para realizar seus sonhos, tinha que usar caminhos diferentes.

Um dia escutou uma entrevista com um grande arquiteto, que dizia que amava as curvas, pois que as linhas retas eram muito chatas.   Ele achava o mesmo, mas gostava mesmo eram dos zig-zag que podia fazer com sua vida.

Ia até um certo ponto, dizia, até aqui vou, se sigo isso será uma chatice total.

O mesmo era com seus homens, tinha passado pela sua vida, mas nunca chegou à certeza dos que usavam uma palavra que lhe parecia sem sentido “amor”.   Isso não sabia, jamais tinha pensado nisso, morrer de amor por ninguém.  Gostava, mas essa besteira nunca tinha cometido.

Escutou um ruído atrás dele, da porta Dora soltou, meu velho, sempre o chamava assim, desde quando se conheciam a muitíssimos anos atrás.  O tempo está maluco, vais ficar aí sentado.

Só até o sol, mergulhar na água fazendo ruído.

Estás maluco meu velho, foi se embora rindo como sempre fazia.

Sem querer se lembrou da primeira vez que pensou que tinha encontrado alguém, mas em seguida pensou, vou ver no que vai dar.  A pessoa contou sua vida, era complicado, ao mesmo tempo que estava completamente perdida, não sabia como direcionar sua vida.  Tentou, mas não funcionava, pois os sentimentos desencontrados que tinha dentro dele, era difícil.

Quando era garoto, sua mãe ficou viúva, semi analfabeta, tudo que conseguiu enquanto pode foi se prostituido, o foi levando adiante assim.  Manter uma casa, mas claro agora a idade tinha lhe chegado, era uma puta velha, atendendo a homens velhos, que na verdade queriam mais uma amiga para compartir alguns momentos.   A senhora não aceitou isso, o filho que tinha acompanhado a vida inteira essa confusão, tinha sido inclusive abusado por alguns dos homens que ela levava para casa, pois era bonito.  Se confundia, ao mesmo tempo que lhe gostava ser desejado, queria alguém que o amasse, no caso alguém que lhe desse carinho, mas confundia isso com fazer sexo, como forma de retribuição.

Quando percebeu isso, ao mesmo tempo que o via ir de flor em flor, procurando isso, sem saber realmente o que queria.  Ficou com pena, as pessoas vieram lhe contar, lhe vi com fulano, ou com sicrano.   Ele sabia que iria assim pela vida.  Quando tentou falar, lhe respondeu mal, faço o que quero o corpo é meu.

Lhe explicou em que se confundia.  

Olhou bem minha cara, só porque me das carinho, procura me entender, não significa que me amas realmente.  Eu quero isso, alguém que me ame com loucura.

Deixou de aparecer, o encontrava pela noite, sempre acompanhado de pessoas diferentes, a última vez que o viu, estava completamente drogado, no banheiro de uma boate, tentando vomitar, o ajudou, se virou, ficou olhando serio para mim, ao final soltou, o que podia ter sido mas não foi.     Saiu sem dizer olá ou obrigado por me ajudar a vomitar.   Desapareceu no mundo.    Um conhecido muitos anos depois contou que tinha morrido sozinho num hospital com Aids.

Bom com a maldita, como todos chamava a Aids naquela época, perdeu muitos conhecidos, amigos queridos, pessoas que tinham passado pela sua vida.

Entre os 24/30 anos, deu muitos tombos de um lado para outro.  Mas sem reclamar, dizia sempre a Dora, que já era sua amiga, quando caias, caia de frente é mais fácil levantar, se caíres de bunda levarás mais tempo.  Outra que ela odiava quando dizia, que ele era como os gatos, suas merdas ele cobria rapidamente, pois assim não fediam.

Aos trinta, mudou radicalmente, muita gente estranhou, chegou a hora dizia ele, a famosa crise que os homens têm aos 40, ele teve aos 30.  Aos 29 começou gradualmente a se fechar a repensar sua vida, foi tomando consciência que esses dez anos, tinha sido como uma grande festa ao que ele tinha ido separando o que gostava, do que não gostava, estudando isso ou aquilo.   Justamente nessa época pode juntar tudo que tinha estudado, para refazer sua vida, entrou numa empresa que precisava de alguém com bagagem no que ele dominava muito bem a moda.

Sempre tinha tido uma maneira particular de se vestir, nunca tinha seguido moda nenhuma, ele fazia a sua, o resto era resto, mas tinha aprendido como se devia estampar, jogo de cores, pesquisar desenhos, tendências.  Era ferrenho defensor, que em moda não se cria, tudo se copia, se recriava.    Se lembrava do tempo que devorava os catálogos da Sears que sua mãe sempre recebia.  Ao contrário dos outros que viviam com a moda Europeia, sua primeira base tinha sido a moda americana de pós guerra.  Aonde as roupas com volume, eram importantes pois gastavam mais tecidos, faziam as empresas crescerem.  Ao chegar na grande cidade, tinha aprendido sobre a Europeia, bem como estudado a fundo quando estudou figurinos nas escola de teatro.    Uniu os trapos, vamos dizer assim.

Era capaz de misturar tendências, criando outras. Logo foi absorvido pelo seu trabalho, que era montar um equipe que funcionasse, que pudesse, criar estampas, desenhos, que entendesse de estamparia industrial, os foi treinando, mas não tinha tempo para um romance.

Nessa época conheceu muita gente, a famosa foda de uma noite, mas que no dia seguinte se o viam na rua, mudavam de calçada, o chamando de filho da puta, pois quando queriam algo mais, soltava logo que não tinha tempo.

Chegou a um ponto que dizia, que adorava estar sozinho, que a solidão, lhe fazia companhia, conversava com ela.  Era uma verdade, preferia, ficar sentado no sofá confortável de sua pequena casa, com um copo de whisky na mão, pensando em coisas que queria fazer, escutando suas músicas prediletas.   Era outra coisa que o unia a Dora, pois esta podia ter sido uma cantora, mas o que amava mesmo era a música para ela mesma.

Nesse período que poderia dizer que tinha sido excelente, também não tinha tempo, porque preferia ficar desenhando de noite em sua casa, ou fazendo cursos para aprender novas técnicas.   Hoje seria diferente, tudo vinha quase mastigado pelos computadores.

Mesmo assim, era capaz de montar um padrão, para uma grande máquina de estampar, usando sua lógica.    Via que os mais jovens por isso, se repetiam muito, acreditavam que seu traço era único, se aferravam a isso, como se fossem deuses.

Ele ao contrário, tinha os desenhadores que admirava, pois a cada coleção de moda, eram capazes de se reinventar.  Quando tomou consciência disso, passou a fazer o mesmo, buscar dentro das técnicas, novas maneiras de mostrar criatividade.

Talvez por isso, tinha trabalhado até a pouco tempo, quando disse basta, na verdade só atendia uns poucos, para se distrair.  Mas claro, seus clientes ficaram velhos como ele, passando suas fabricas para os filhos, os netos, esses queriam inovações, mal sabia que isso que acabavam produzindo eram copias mal feitas de coisas passadas.   Mas tinha aceitado, nunca dizia nada, pensava “para que vou gastar minha saliva”.

Os mais jovens pensavam que eram os reis, mas nada, estavam era cegos, as tendências nunca duravam mais que um simples suspiro.   Havia que manter a máquina a todo vapor para poder sobreviver, por isso muitos negócios iam a pique.

Ele mesmo tinha trabalhado para empresas que subsistiram até que os diretores foram substituídos por mais jovens ou se aposentaram, porque estavam de saco cheio de aguentar o trabalho, depois de tantos anos trabalhando como loucos, quando paravam, em seguida batiam as botas, poucos se reinventavam.

Ele a partir dos 30 tinha feito uma coisa, a cada coisa que inventava ou criava, ia fazendo um arquivo.   Quando parou, lançou um livro, primeiro o criticaram, depois descobriu que estava sendo usado nas escolas de artes, nas de designers.  Alguma vezes o convidavam para fazer palestras.   Quando ao final do assunto perguntava se alguém tinha alguma pergunta, escutava idiotices, isso cansava.

Uma vez lhe perguntaram se sabia usar computadores?

Riu, soltou, desde os primeiros quando havia que saber programar, para fazer um desenho tosco.  Mas os programas que existe hoje, eu usei as cobaias deles, mas hoje o faço como exercício.   De maldade, pediu para colocarem seu portátil de última geração, construído especialmente para ele, por um velho amigo que tinha feito isso a vida inteira.

Olhou para a pessoa que tinha perguntado, que se achava na última moda.  Veja, achas que estas na última moda não é, olhe isso, tens que treinar tua memória, isso se usou na década dos noventa, ano tal, buscou um arquivo, abriu, olhe basicamente o mesmo que estas usando, só mudaram as cores.

Se foi você que construiu esta estampa, consultaste o manual tal e tal, no meu livro, está na página tal.  Estou te observando todo esse tempo, na tua cara está escrito, esse velho vem aqui falar dessas merdas todas, em que eu sou o rei.    Te digo, ser rei, sem reinado e sem coroa existem muitos.   Ser rei é se manter atual, usando tua própria cabeça, recriando a ti mesmo, não aos outros.

Os aplausos finalmente foram muitos, o professor veio agradecer, para o ano espero que tenhas um tempo para vir aqui.

Meu caro, perdes o teu tempo, talvez o ano que vem, as maquinas estejam elas mesmas desenhando os padrões, ignorando o homem que vai vestir, como dizendo, coloque isso seu idiota, estas ai para isso, seguir o que eu faço, não o que você quer.  Se tiveste prestado atenção realmente no meu livro, teria lido a primeira página que digo, que estar na moda é não seguir nenhuma tendência, o famoso fundo de armário. 

O seu era imenso, o dia que morresse segundo Dora, os homeless iam amar. Bem como dizia dele atualmente que ele um cu inquieto, nunca estava parado.

Estar com alguém tinha passado pagina, já não tinha paciência para algumas besteiras, tinha até tentado, mas chegou a conclusão que estar sozinho, saber viver bem consigo mesmo, isso sim era o essencial.

Estava realmente sozinho a bem mais de 20 anos, podia considerar os melhores de sua vida, tinha trabalhado em Paris, para uma das maiores casas de moda. Karl era duro de pelar, mas ele o entendi a perfeição, quando lhe mostrava um desenho, dizia sua ideia, ele sabia aonde encontrar esse tecido, o que era necessário para esse caimento.

Quando esse morreu, disse, até aqui vou, estava farto de viver em Paris, quando dizia isso olhavam para ele como dizendo, está louco, a gente sonhando com isso ele querendo cair fora, claro já tinha passado do tempo de aposentadoria.

Agora trabalhava para se distrair, para duas editoras, de amigos seus, fazendo capas de livros, ou ilustração para alguma história.   Mas agora usava o laptop, bem como seu próprio banco de imagens.

Karl sempre lhe dizia, se todos tivessem esse banco de imagens que tens, além dessa memoria, estariam ricos, creio que devia mandar guardar teu cérebro, para implantar em alguém com talento, pois isto é cada vez mais raro.   Quando aparece algum, logo se crê o rei do mundo, quando mal sabe o quanto a glória é efêmera se a pessoa não sabe se inventar.

Uma vez o chamaram para dar um curso numa das escolas de moda mais interessantes como se falava no momento.   Perguntou se podia selecionar os alunos.  O olharam espantados, mas raciocinou, não tenho tempo para perder, com os que acho que são o supra sumo, mas na verdade não passam de um batido sem graça.

O deixaram experimentar, apareceram 40 candidatos, selecionou 20, depois cortou para 10, isso só conversando.  O que mais lhe interessou foi justamente um rapaz, que não sabia desenhar, sabia reciclar padrões, fazer mudanças.   Lhe alertou durante o curso inteiro, tens que pensar, não só seguir teu instinto, há que juntar os dois, senão não dá certo.

Não deu outra, foi contratado para uma casa de moda, duas coleções depois se retirou, estava exausto, tinham lhe sugado o que tinha de criatividade, já se repetia.

Veio falar com ele.

Na tua entrevista, me disseste que estampavas camisetas, que querias ir além.  Eu se fosse você, abria um negocio assim, lhe explicou, uma boutique efêmera, como está na moda, preparas digamos 100 camisetas, peças únicas, tamanho único, as estampas, ganhas dinheiro, guarda uma parte, cria outra coleção devagar, faz de outra maneira, assim por diante, mas sempre com essa ideia de coisas efêmeras, camisetas, que se podem usar com qualquer tendências, tive segundo Dora de ser caridoso, o deixou olhar o armário que tinha de camisetas.  Aqui deve ter umas trezentas pelo menos que eu criei ao longo do tempo, mas só as melhores, quando descubro alguma que alguém copiou, as descarto, dou de presente.

O rapaz ganhou muito dinheiro fazendo isso, acrescentou uma linha de foulard, de tecidos estampados um a um por ele. Eram disputados, pois sabiam que eram peças únicas.

Um dia veio lhe agradecer a ajuda.   Só lhe disse uma coisa, nunca caias na conversa de alguém que diz que quer ser teu sócio, para te lançar no mundo, vai sim te explorar, depois cuspir no primeiro momento que falhes.

Um dia encontrou com ele num vernissage da Dora, que nessa época pintava.  Tinhas razão, estão atrás de mim com ofertas loucas, para que deixe de fazer boutiques efêmeras, para que abra uma cadeia de boutiques, quando digo não sobem a oferta.  Tenho vontade de fazer o seguinte, eu mesmo aceitar a oferta, fazer a primeira fantástica, vender a minha parte na marca, desaparecer, ganhar o dinheiro, sem usar o meu nome, depois os mandar a merda.

Ficaram os dois rindo como loucos, ainda se virou para mim me dizendo, se tivesses minha idade ia te arrastar para a cama, te levar a loucura.

De brincadeira lhe disse, topo, mas se fores tu que se apaixone por mim, não tenho culpa, o levei para a cama, esperava que um homem de 60 anos, não podia com ele, ao final estava pedindo mais.  Passou a me chamar sempre, mal sabia que estava desmontando minhas coisas para ir embora.

Mas o filho da puta, fez o que tinha dito, os que entravam com dinheiro, ele tinha cinquenta por cento do nome da marca, abriram uma boutique em cada esquina, no meio do segundo ano, preparou uma coleção, na surdina vendeu sua parte, tinha estudado muito bem o contrato que tinha.   Se mandou, desapareceu no mapa.   O encontrei em NYC, rindo a bessa, fiz o que disseste, além da segunda parte que me disseste na cama, levei todo meu dinheiro para fora. Agora estou fazendo uma pausa.

Tentarei alguma coisa como fiz lá das boutiques efêmeras, teve que arrumar um bom advogado, pois a papelada exigida era imensa, não valia a pena.   Foi rapidamente cantar em outra freguesia.

Depois de um tempo trabalhando na Vogue, quando vi que tinha um bom pecúlio, comprei essa casa em Fire Island, aonde eu podia ver o nascer do sol, bem como o por do sol, bastava mudar de varandas,  as duas estavam abertas no verão, fechadas no inverno.

Nem fazia muito calor, tampouco quando nevava, acendíamos dessas lareiras modernas de metal que no verão se podia desmontar, mas só fizemos isso uma vez, dava muito trabalho, eu odiava esse tipo de trabalho, Dora também.

Para muitos passávamos por um casal aberto, eu dizia que a coisa mais próxima de sexo que tivemos foi uma vez que tínhamos tomado um porre de vinho na Itália, dormimos na mesma cama, de manhã nos examinamos para ver se tínhamos ao menos tirado a roupa, estava intacta, respiramos aliviados, porque estragar nossa amizade.

Quando voltei, ela também deixava Paris, tinha acabado de romper um romance, que ela achava que seria eterno.    Eu dizia que as coisas eram eternas enquanto duravam.

Me disse que tinham se acabado as paixões, mas para ela isso era combustível para pintar, criar coisas, se não estava louca por alguém não fazia merda nenhuma.

Por isso agora se dedica a pequenos desenhos, lhe passava ilustrações que me pediam, a situação tinha invertido, eu pintava quadros grandes.

Alguns pedia explicações.  Eu dizia simplesmente que tinha voltado ao princípio da minha vida, tinha começado pintando, agora voltava ao princípio, o círculo tinha se fechado.  

Quando fiz uma exposição na ilha em pleno verão, se venderam todos os quadros, pois tudo era papel, isso tinha sido assim a vida inteira.   Se as pessoas vissem meu arquivo de papeis, com desenhos, esboços de aquarela, ia dizer esse homem está louco.

Quando fiz 75, me propuseram fazer uma exposição sobre meu trabalho.    Uma retrospectiva como chamava isso.   Lhes disse que não, que pensava em trabalhar mais 10 anos pelo menos.

Alguns riram, como dizendo esse velho pensa em seguir na ativa até os 85 anos.

O ano passado fiz uma exposição em NYC, com 95, tinha me sobrepassado.  O único problema era que era mais lento, pintava com dizia quando me saia do caralho, quando me dava na telha, ou quando tinha uma ideia de que pensava que não tinha executado ainda.

Um dia comecei a pintar um quadro, já estava quase terminando o mesmo, quando Dora entrou, olhou, ficou rindo, saiu sem dizer nenhuma palavra, foi buscar uma foto minha ao lado de um quadro, era o mesmo.   Caímos na gargalhada, a senhora que cuidava da casa uma mexicana veio ver do que estávamos rindo.   Mas não entendeu, só soltou, dois velhos loucos.

De propósito, coloquei na exposição com o título de Replayed, quem comprou perguntou por que do título, perguntei se tinha olhado o catálogo, disse de passagem, peguei um lhe mostrei tinha duas fotos, a 15 anos atrás posando com o primeiro quadro, agora com a cópia. Mas cobrava mais caro pelo novo, virou anedota, tive que contar num programa de entrevista como tinha sido.  Sonhei a noite inteira comigo pintando um quadro, me levantei para ver o nascer do sol, depois fui para o studio com uma garrafa térmica de café, fui pintando, quando estava quase terminando, pensando, como pode ser isso, tenho a sensação que está muito fácil pintar isso. Dora entrou olhou, riu, foi buscar uma foto do mesmo.   Rimos muito, ou seja eu tinha sonhado com o primeiro trabalho, mas me esmerei em melhorar textura, o material é diferente, mas deixei o que tinha feito.   Um “revival” sempre é mais caro, pois o fazemos melhor.

Ainda soltei uma coisa, que agora me importava uma merda dizer.   Se a primeira foda foi boa, é melhor deixar como está, a não ser que a pessoa tenha mais possibilidade.   Porque as vezes a segunda é um fiasco.

A plateia veio abaixo.   O apresentador me chamou a atenção, como podia falar essas coisas assim no ar, mas falou rindo.   Lhe disse, no alto dos meus 95 anos, mando o politicamente correto tomar no cu, coisa mais chata.

No dia seguinte os poucos quadros que não tinham vendido desapareceram.  Algumas pessoas que tinham quadros meus, aproveitaram para vender mais caro do que tinha comprado.

Ou seja, valia alguma coisa ainda.   Meu segundo livro, que percorria todo o percurso desde meu primeiro trabalho na escola de arte, até o atual, foi vendido como um livro de memorias, a maioria das pessoas que tinham comprado esses trabalhos, tinha morrido, os herdeiros claro me deixaram fazer as fotos, para depois vender os mesmos por uma fortuna.

Pensei devia ter pedido uma comissão, para ganhar algum.    Dora me soltou, para que, tens o suficiente para chegar aos 105.   Fiz o sinal da cruz para ela.  No inverno agora ficava difícil fazer alguma coisa, a artrose tinha torcido meus dedos, um médico veio um dia ver se era verdade como eu lhe dizia que desenhava ou pintava.  Ficou de boca aberta.   Pois realmente fazia o que tinha dito, amarrava um troço de camiseta velha na mão, encaixava o pincel, ou um lápis, usava a mão não os dedos para fazer meu trabalho.   Isso era interessante pois ficavam diferentes.

Agora preparava outra exposição, pois no verão, tinha sido muito produtivo. Já não vinham muitos amigos nos visitar, 99% já estavam a sete palmos baixo terra.

Eu, bem como a Dora, já tínhamos feito o testamento, queríamos que nossas cinzas fossem jogadas ali na praia aonde víamos o pôr do sol.     Ela ria da maldade que dizia, se os filhos da puta dos herdeiros, resolvessem simplificar fazer isso no nascer do sol.

Volto para enfiar o dedo no cu deles, soltava.  Riamos a bessa.   Dora sempre tinha tido a mania de representar a cena.   Erámos capazes de ficar horas representando a cena do coitado do herdeiro, sentando com muita pose, de repente sentindo um dedo no seu cu.

Dolores que nos cuidava, diziam, fiquem aí rindo como loucos, passa alguém os considera como tal, vão os dois para o psiquiátrico, eu perco meu emprego.

Ele ficou com aquilo na cabeça, o sobrinho de Dora era basicamente o herdeiro deles, casado com uma mulher rica, viviam em Paris, ela bem o mal o tinha criado, a última vez que os tinha visitado, disse a mesma coisa, que os dois pareciam uns loucos, ele tinha feito uma brincadeira com ele que não gostou, foi embora pegando primeiro ferry.

A um ano atrás apareceu um rapaz procurando por ele, quando Dolores o levou até o studio, levou um susto, era como ele, quando jovem.

Se apresentou como neto do seu irmão.  Estava estudando arte em NYC, tinha conseguido seu endereço com o dono da galeria, aonde tinha feito sua última exposição.  Ele tentou falar com o senhor, mas ninguém atendia o celular.

Ele soltou para ver a reação do rapaz, seu sentido de humor.  Tenho medo de atender, ser algum amigo que já morreu, está chamando um fantasma.  O rapaz se matou de rir, estou imaginando a cena, representou como ele faria.

Tinha uma bolsa, cheia de desenhos, o dono da galeria, diz que são como pinturas vintage, mas estou melhorando.    Mostrou para ele, o deixou olhando seus papeis, enquanto olhava o quadro que ele pintava.

Gosto das cores que o senhor usa, são fortes, tem personalidade.

Sim, trabalho sempre com as cores que mais gosto, a cada dois meses vou a NYC comprar ou peço que me mandem.

Me fale de meu irmão?

Posso ser honesto com o senhor?

Claro, não só pode como deve.  

Nunca entendi porque o odeia tanto, esta sempre falando mal do senhor, me lembro quando era criança, que voltamos a viver com a Bisavó, que queria desmontar o quarto que era do senhor, ela se negou, disse que era o quarto do seu filho querido.  Se mudou de quarto, ficou vivendo até o final nele, antes de morrer me deu a chave, que levava num cinturão velho que segurava suas saias.

Olha essa foto, tirou da carteira uma foto, aqui ela estava com quase 110 anos, lucida completamente, abria a porta quando estávamos os dois em casa, para me mostrar seu quarto, dizia que eu era sua cara.

A primeira vez que meu avô me pegou desenhando, jogou tudo no fogo da lareira, caderno, lápis tudo.

Fiquei olhando de boca aberta sem entender, ela na sua cadeira de rodas, se aproximou, segurou a minha, disse baixinho, é a inveja que ele sempre teve do irmão, por ter coragem de ir embora.

Me contou, que o senhor tinha ido embora, num dia que os dois estavam levando os bois para um pasto da montanha, para aguentarem o verão, que embaixo é sempre seco.

Contava assim, peguei meu filho pequeno, o coloquei na caminhonete, lhe dei uma caixa de metal que guardava minhas economias, o levei até a cidade, comprei um bilhete de ônibus para ele ir para NYC, lhe disse para não voltar, fizesse sucesso ou não, que sua vida não era aqui.

Que ela seguia seu rumo pelas revistas que conseguia, me mostrou todas ali guardadas no seu quarto.

Minha mãe, escutou a história, meu pai, quanto mais eu crescia, me dizia que devia ser uma maldição, pois eu estava cada vez mais perecido contigo.

Sim é uma verdade, levei um susto quando te vi, parecia estar vendo a mim mesmo quando jovem.

Dora estava fazendo a siesta, quando se levantou, os viu conversando na varanda, riu muito, é como ver o passado falando contigo.

Ele foi passar o dia, passou uma semana, ensinou muitos truques de pintura para ele, depois foi ver uma pequena exposição que ele fazia.   O tinha ido buscar no Ferry.   Contou que trabalhava durante o dia de vitrinista na Macy`s, dividia apartamento com um amigo, no Bronx. Vou levando.    Tinha vendido bastante quadros, apesar da falta de publicidade.

Ele tirou seu celular, chamou um amigo que era crítico de arte no NY Times, perguntou o que estava fazendo.   Sabia que ele vivia ali perto, pediu que viesse ver uns quadros.  O dono da galeria quase lambeu os pés do crítico.

Ele passeou a galeria inteira com o amigo de braço dado, assim não tinha que usar a bengala.

Os quadros eram pequenos, como Jerry explicou, era o que podia pintar no seu quarto.

Quando soube que era seu sobrinho, soltou, esse filho da puta é teu tio.   Podia ter-me avisado antes.

O senhor por favor não fale isso, pois quero vencer por mim mesmo.

Claro garoto. Abriu o seu celular, disse o nome de um fotografo conhecido, disse aonde estava, mexa essa bunda, venha fazer umas fotos para mim.

Primeiro fez uma matéria com o Jerry, falando de um novo talento na praça, depois se documentou, disse ao dono da galeria, quando acabe a exposição me avise.  Fez uma outra reportagem, sob o título, uma nova geração, falando do sobrenome de família deles, com uma foto dos dois.

Sem querer o crítico tinha uma foto dos começos dele, a publicou também, bem como um trecho de sua primeira entrevista.

Ele quando saiu da exposição, perguntou aonde ele comprava tinta?

Ah tio, eu compro aonde for mais barato.

Venha comigo, foi a loja que era cliente toda a vida, agora mandavam levar para ele a Fire Island.   Apresentou como seu sobrinho, só vais fazer uma coisa, mande uma fatura para meu advogado, debite na minha conta tudo que ele precisar.   Fizeram como um cartão de crédito como ele tinha.

Jerry, chorou, abraçado a ele.

Pare menino que vais manchar de rímel meu casaco que é de Pierre Cardin.

Depois foi com ele ao seu apartamento, era numa rua não importante do Village, mas nem por isso valia menos atualmente.  Subiram num monta carga.   Quando voltei para NYC, comprei esse apartamento, aqui vivia, pintava, trazia meus últimos homens para fuder.

Hoje vou ter que dormir aqui, veja ali esta o quarto que usava a Dora, quando estava na cidade, ela sempre viveu fora daqui.

Dormimos aqui, mais tarde saímos para jantar.

No dia seguinte de manhã, foi com ele ao seu advogado, passou o apartamento para seu nome, para que não tivesse problema, agora tens material, bem como um lugar para trabalhar.

No dia anterior, tinha recebido o catálogo de sua nova exposição, na galeria que ele sempre expunha, bem como uma crítica do NY Times. Falando de seu trabalho, sem mencionar o tio.

Tinha mostrado da primeira vez um desenho de sua avó, sentada no quarto que era seu, com milhões de papeis que ele colocava na parede.    O tinha reproduzido em tamanho grande, com o título, berço de artistas.

Tinha sido sua primeira obra comprada por um museu.   Dizia essa semana vou até aí, ver o senhor.

No dia seguinte, antes que Dora se levantasse, isso queria dizer quase na hora do almoço, se arrumou, pediu a Dolores que o levasse até o ferry.

Em NYC, estava lhe esperando um dos rapazes que trabalhava para seu advogado, colocou 80% de seu dinheiro, em benefício de seu sobrinho, 20% em nome da Dolores, afinal a pobre os aguentava a muito tempo.  Deixou um envelope com o nome do sobrinho, explicando o que devia fazer, sabia que preparava outra exposição, lhe dizia que em seguida deveria ir para Paris, o dinheiro era para isso.   Aproveite tua vida.

Voltou no último ferry, Dolores como boa guardiã, o estava esperando, vinha com uma bolsa da loja de material de pintura, tinha encomendado, dizendo que devia esperar na entrada do ferry. Assim tinha uma desculpa.

No dia seguinte se levantou tarde, estava cansado, já não tinha idade para tanto.

Se lembrou quando chegou a cidade, que a alemã o tinha levado a um Babalorixá, do Brasil que estava cidade.   Riu muito da lembrança, dizia que viveria muito, isso era normal na sua família, pelo que o sobrinho tinha falado da sua mãe, tinha sido assim.

Ele no fundo já estava farto de inventar coisas para viver, se lembrou de quanto se deu conta que tinha realizado todos seus sonhos, que tinha tido que inventar outros para conseguir sobreviver sem cair em depressão, tinha sido sempre um homem de sonhos.  Ia inventando um atrás do outro, até o momento.   Só não tinha conseguido realizar um, encontrar uma pessoa que amasse, ou quisesse profundamente.

Mas isso o homem tinha dito para ele. De quem é filho, nunca te apegaras a ninguém.  Apesar de Dora ser sua melhor amiga, terem convivido anos e anos, havia períodos que mal se viam, falavam por telefone, ele foi primeiro para Paris, com o trabalho, as vezes a chamava de madrugada, ela atendia porque era ele.

Mas se ela morresse amanhã, sabia que o sobrinho ia encher seu saco, ele pensava que a casa dali era dela.  No seu testamento tinha deixado para Dolores, que sempre tinha vivido ali com eles, mas enquanto Dora vivesse podia estar ali.

Dora na verdade tinha gastado todo o dinheiro que tinha ganho com seus trabalhos, a partir que deixou de pintar, pois se cansava, dizia que tampouco tinha vontade, seu dinheiro foi minguando, pois sempre soltava alguma coisa para os luxos do sobrinho.  Achava que ele ia deixar o seu também para o sobrinho.  Mas fingia que sim, mas nunca tinha gostado do sujeito, tinha vivido sempre as custas da tia, depois da mulher que era rica.

Que se apanhe pensou.

Nessa noite, conversou com Dora que tinha aproveitado a ida a NYC para reparar uma injustiça, fui mudar um pouco meu testamento, deixei algo para Dolores, afinal nos aguenta.

O apartamento ela sabia que tinha passado para seu sobrinho neto.

Nessa noite, depois de ver o por do sol, disse que não tinha fome, tomou um chá, com os biscoitos que fazia Dolores, uma receita que levava marijuana, que era relaxante para dormir.

Se arrumou todo, com uma das roupas mais escandalosas que tinha, inclusive umas babuchas de seda bordada, que ganhou de um dos melhores amantes que teve, um marroquino.

Antes de deitar, tomou todos os comprimidos de duas caixas de remédios fortes para dormir. No dia seguinte, sentado no cadeirão do seu quarto, viu como Dolores vinha desperta-lo.

Saia correndo para o telefone, para chamar o médico da vila.

Ele quando chegou só teve que fazer o atestado de óbito.

O duro foi ver Dora se derrubar.  Podia ler seus pensamentos, esse filho da puta, tinha prometido que só morria depois de mim.

Estava mais preocupada, quem a faria rir agora, saiu dali dizendo a Dolores que avisasse o advogado, pois ele sabia como tinha que ser o enterro desse velho filho da puta.

Ela mesma chamou o Jerry, lhe disse que viesse como advogado, pois esse com certeza vinha numa lancha.

Ela se comoveu, quando o rapaz, ficou sentado no cadeirão segurando a mão do tio, mentalmente pensando, na sua avó, agora sei que vão estar juntos, sorriu imaginando como ia ser a conversa.   Contou a Dora, estou imaginando ele conversando com sua mãe, vai ser uma conversa completamente louca, pois ela tinha o mesmo sentido de humor dele.

No dia seguinte chegou o caixão, o iam levar para incinerar, depois as cinzas voltariam para serem jogadas no mar.  Aqui esta no papel Jerry, no pôr do sol.

Dora soltou o que ele falava, se alguém jogasse do lado que o sol nascia, ele voltaria para enfiar o dedo no cu, eternamente.   Jerry se matou de rir, com lagrimas nos olhos.   Eu venho trazer, a senhora precisa de alguma coisa.

Ela sorriu pensando, até nisso esse garoto é como ele, é a pergunta que ele sempre me fazia desde jovens, se eu precisava de alguma coisa.

Não, estarei bem aqui com a Dolores, o advogado diz que a semana que vem virá ler o testamento, pois não tenho vontade de ir a NYC, me sinto perdida na cidade.

Ele andava pela casa, se sentia mais jovem, quando se via no espelho, era como ver o Jerry, puta merda pensava, devia ter trazido uma maleta para mudar de roupa, ria muito com a ideia. Dora que estava sentada na outra poltrona riu, soltou para Dolores, ele deve estar reclamando que não levou roupa suficiente para o outro lado.   Sempre foi um Dandy. Com suas roupas fundo de armário como chamava. Teremos que mandar agora tudo para os homeless, ou se o Jerry que tem o mesmo corpo que ele, quiser.

Sabe Dolores, sempre me impressionou isso, eu fui ficando velha gorda, mas ele apesar de tudo mantinha sua linha, nunca engordou nenhum gramo.  Tem roupa no seu armário, que teve ter quase a sua idade, ria e chorava ao mesmo tempo.

Eu o conheci assim, era meio caipira, fui a uma festa de um vernissage de uma amiga da escola de Belas Artes, quando o vi, fiquei de boca aberta, aquele rapaz altíssimo, com uma roupa completamente diferente de todo mundo ali.  Jesus, pensei esse homem é um escândalo ambulante, ele se chegou perto de mim com uma taça de champagne, para que feches a boca, bonita. Ficamos conversando, se interessou por mim, foi apresentando as pessoas que interessavam, ao meu ouvido dizia, o resto é resto, mas esses tem o poder na arte em suas mãos.  Dias depois foi conhecer meu studio de merda, mas me incentivou a seguir em frente, eres melhor que a tua amiga.  Logo conseguiu que eu fizesse minha primeira exposição, o primeiro dinheiro que ganhei com arte.     Anos depois me levou para Paris, quando já tinha um lugar para mim em seu apartamento.   Me apaixonei por uma francesa louca, com quem vivi anos, ele nunca se intrometeu, nos encontrávamos quando ele podia, para conversar, mas nunca com ela junto, a odiava.  Essa mulher é porca.   Pior era que era mesmo, mas estava apaixonada.    Me dizia perdes tempo com essas idiotas, devias primeiro amar a ti mesma.

Levei muito tempo para dar o braço a torcer, reconhecer que ele tinha toda a razão.  Ele nunca perdia seu tempo.   Pior era se alguém se aproximava dele para viver as suas custas, mandava rapidamente a merda.   Começou a rir, o único que viveu com ele anos, foi o marroquino, Ahmed, que aguentava todas suas loucuras, no bom sentido e claro, trabalhar como um louco, chegar em casa morto de cansado, beijava o Ahmed, lhe dizia me fazes um cafune, dormia nos braços dele.

Ahmed, era médico, sempre estava cansado, um dia lhe deu na louca, voltou para seu pais, pois dizia que ali, nunca iam o reconhecer como um bom médico.   Foi a única vez que o vi chateado por alguém.   Mas claro depois o trabalho o engoliu outra vez.  Passou anos sozinho.  Creio mesmo nunca mais teve ninguém assim.

Ele ali sentado ao lado delas, sorriu, era uma verdade, tai, talvez tenha amado esse homem, fui atrás dele no Marrocos, anos depois, quando me viu ficou emocionado.  Foi me visitar no hotel que eu estava, mas me disse que não podia me apresentar a sua família, pois tinha se casado tinha filhos.   Agora estou estável, não quero estragar o que tenho.   Mas dormiu todas as noites que ele esteve no Marrocos juntos.  Afinal pediu para ele ir embora, pois ia ficar difícil se separar dele outra vez.

Obedeci a contra gosto, pois eram as férias que não tirava em muitos anos.

Foi o único homem que fui atrás, me lembro que fui ao deserto, peguei uma cuia de barro, fiz o que me ensinaram a fazer para Naná Baruque.    Água e terra se misturando, voltou para Paris, retomou sua vida.

No dia seguinte, veio Jerry, o advogado, trazendo a urna, esperaram o entardecer, viram Jerry rezando por ele na beira da praia, Dolores ainda soltou, a água deve estar um gelo, pois já era o outono.

Ele fez exatamente o que seu tio tinha pedido na carta. Inclusive a música que pediu para cantar que ele não entendia nada.

Quando voltou Dora, lhe perguntou se queria as roupas do seu Tio, ele riu a bessa, vou virar um Dandy como ele.

Se sentaram no salão, ele abriu o testamento, explicava a Dora que não deixava nada para seu sobrinho, porque sabia que ele tinha dinheiro.

Deixava seu dinheiro 80% para o Jerry, contanto que ele fizesse o que tinha em sua carta, 20% para Dolores, para seguir cuidando dela, bem como a casa quando ela morresse.

Dolores, chorava muito.  Pensei que as vezes ele nem me notava.  Mas sabia que não era verdade, entrava no studio com um chá, com seus biscoitos de maria, no maior silencio, quando ia saído ele dizia, obrigado Dolores.

A mim nessa carta além de me orientar como queria que eu fizesse, que falasse com Naná Baruque, que não sei o que é, que o levasse com ela.

Disse o que ia fazer, não queria ficar sentado numa cadeira de rodas como sua mãe, que as pessoas em volta falassem como se ele não existisse.   Já tinha realizado mil sonhos, agora ficava difícil inventar outros.

Me deixou dinheiro para que eu fosse para Paris triunfar na capital do mundo segundo ele.

Que só voltasse quando estivesse na crista do mundo.   Pelo menos vou tentar.

Quando a notícia saiu nos jornais, o sobrinho da Dora apareceu, porque não me chamaram para a leitura do testamento.   Dora já estava farta de mamarem em suas tetas.  

Porque ele não deixou nada para ti, aliás estas fudido como ele dizia, meu dinheiro acabou também agora vivo aqui de favor, pois a casa ele deixou para a Dolores.

Essa mexicana vai herdar a casa, que devia ser tua por direito.

Sim para que não me pusesse num asilo para velhos, para ficares com ela, gostaria muito que falasse bem da Dolores, com educação, que nunca tiveste.  Por favor vá embora.

Saiu furioso, batendo a porta.

Ela se virou para Dolores, ele nunca se enganou com meu sobrinho, sempre disse que seria assim.    Quando contrariado sempre batia a porta, me encheu o saco a vida inteira, nunca foi capaz de fazer como o Jerry, que a primeira coisa que fez foi me perguntar se precisava de alguma coisa.

Morreu semanas depois dormindo.   Pediu num bilhete que suas cinzas tivessem o mesmo destino do amigo.

Jerry e Dolores assim fizeram.

Jerry levou as roupas do tio para seu apartamento em NYC, as pessoas paravam para o olhar na rua, era uma moda totalmente nova.  Era um fundo de armário de várias gerações, pois muita coisas ele tinha comprado nos antiquários, ou brechós da vida.

Depois de sua exposição, da bela reportagem que foi feita a respeito, tinha um quadro do tio, que ele levou depois para o apartamento.   Embarcou para Paris, já com contrato de uma galeria de arte, mandou um bilhete de avião para sua mãe ir a sua primeira exposição na Cidade Luz.  Ao seu pai nunca mais o viu.

Dolores reformou um pouco a casa, a transformou, alugava quartos no verão, no inverno ficava ali curtindo sua vida, as vezes tinha sensação de que os dois estavam ali sentados com ela, vendo o pôr do sol.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No hay comentarios: