miércoles, 24 de febrero de 2021

OTTO BRAUSTICK

 

                                                     OTTO BRAUNSTICK

 

Tinha o mesmo nome do pai, um emigrante da Alemanha de Leste, tinha mudado o seu sobrenome, assumindo o da mulher, Elizabeth Braunstick, toda uma história por detrás disso tudo.  Tinha escolhido Frederichsburg, por imaginar que ali haveria uma colônia alemã grande, isso tinha sido no passado.

Segundo contou sua mãe no leito de morte, ele tinha sido polícia na cidade que viviam, informante da KGB, tinha denunciado, roubado, até assassinado pessoas em nome da Rússia, quando soube que o muro ia cair, tratou de fugir na calada da noite.

Tinha dinheiro, documentos falsos, passaporte incluído, em nome dele, sua mulher além do meu antecessor, um irmão que morreu nessa fuga.

Foram a pé a maior parte do tempo, embaixo de chuva, neve, o garoto não resistiu, segundo minha mãe, era uma cópia dele.   Ela trabalhava como química numa fábrica de cerveja da localidade.  Só pararam quando chegaram a um porto na Itália, o muro tinha caído, ninguém prestou muita atenção nele até o felicitaram pela caída do muro.  O primeiro navio que saia era para os Estados Unidos.   Tinha pensado no Brasil, mas o medo foi maior, o jeito foi embarcar nesse barco para NYC.   No caminho pesquisou, viu o nome de Frederichsburg, imaginou que tinha sido fundada por alemães, que lá estaria a salvo.

Com todo dinheiro que tinha roubado, joias, tudo isso, comprou um bom pedaço de terra, mas se negava a falar inglês, quem falava era minha mãe.   As terras que comprou, era decadentes, mas as revitalizou, plantando, milho/aveia/centeio/cevada, tudo que se precisava no processo de fabricar cerveja.   Vendia a maior parte do produto colhido, para uma fábrica, mas o resto era para consumo próprio.   Atrás da casa, existia uma quantidade enorme de terras, que eram floresta virgem, no meio dela, montou uma destilaria, minha mãe, produzia cerveja, que se vendia clandestinamente.

Mas vivíamos na beira da miséria, ele tinha na sua neurose, com medo de que o descobrissem, impôs que vivêssemos com o básico, comida pela manhã, um mingau de aveia com um pouco de leite, algumas vezes colocava cevada.  Roupas só quando a que tínhamos no corpo acabasse.

Só minha mãe, que tinha uma roupa melhor, que ficava sozinha no amplo armário de seu quarto, era para quando tinha que negociar a venda dos produtos.

Em casa só falávamos alemão, nada de rádio, televisão, tudo era terrivelmente simples.  Não permitia que eu fosse a escola.  Minha mãe, quando ia negociar, aproveitava para fazer compras em algum grande supermercado, vinha com a caminhonete carregada, para meses. Mas tudo era usado com parcimônia.   Um dia uma mulher alemã a viu discutindo com o xerife, que reclamava que o menino devia estar na escola.  Essa mulher foi meu anjo da guarda, pois a convenceu que eu devia ir, senão não teria futuro.  Quando ela disse que meu pai não ia permitir, foi com o xerife até lá o ameaçando.    Por causa disso minha mãe levou uma surra.

Mas acabou concordando, dizia que na verdade eu não devia ser filho dele, pois apesar dos olhos azuis, eu tinha cabelos escuros como os dela, era mirrado, se descobriu depois que por culpa da subnutrição que vivia.

Não me estava permitido ficar jogando com meus companheiros, tampouco, ficar depois das aulas, tinha que trabalhar no campo.    Me comprou uma bicicleta de segunda mão, que eu cuidava com todo amor, era meu bibelô predileto.

Essa mulher apesar de ter reconhecido meu pai, por um cartaz de procura-se que circulava nas cidades que tinham cidadãos alemães, não o denunciou, me dava roupas de seus filhos mais velhos para usar, tênis de segunda mão, quando me sentava na minha carteira sempre tinha um sanduiche embaixo, para o lanche, fazia para seus filhos e para mim.   Esses me detestavam, pois era como se eu estivesse roubando o carinho de sua mãe.  Volta e meia me pegavam, mas eu não reclamava, estava acostumado por qualquer motivo a levar uma bela surra, tinha que faltar as aulas uns dois dias.    Apesar de tudo isso, eu era o aluno com as nota mais altas, devorava tudo, inglês, matemática, ciências, literatura, os meus livros era de seus filhos que estavam duas turmas na minha frente.   Em breve os alcancei, pois evoluía mais do que eles nos estudos.  Tinha recuperado o tempo que não tinha estado na escola.

Apesar de extremamente magro, tinha uma força incrível para minha idade, talvez devido ao trabalho no campo.  Quando chegava em casa, guardava a roupa da escola com muito carinho, vestia uma roupa velha, comia alguma coisa que minha mãe tinha deixado sobre a mesa, verduras, um ovo, ou um tomate, ia para o campo trabalhar.  Ali a regra básica era, trabalhe, não fale.

Era uma ditadura, me largava nas costas os trabalhos duros, se reclamava, levava um bofetada na cara, tinha que engolir em seco, tentar fazer o melhor possível.  Ou estaria fadado a levar uma bela surra.   Tinha já nessa época, duas marcas profundas da fivela do cinturão dele.

Nunca se aproximava de mim, nenhum afago.  Qualquer coisa dizia que meu irmão teria feito melhor.   Usava o nome dele, por causa dos documentos que tinham guardado.

Quando tinha 16 anos, acabava a escola, poderia ir a Universidade antes do tempo. Quando a senhora Marie, apareceu, dizendo que eu tinha possibilidades de ir à universidade, com uma bolsa de estudos, ele ficou uma fera.  Estive dois dias trancado no meu quarto, escapava por uma janela no teto do mesmo, descia por uma árvore, me escondia na floresta, tinha meu lugar preferido.     Mais acima, no meio da floresta tinha um lago, nem ele sabia que existia, tinha descoberto com minha mãe, era nosso segredo.

Quando ele tinha pesadelos, com as pessoas que tinha matado, era o momento de desaparecer, escapávamos os dois para lá.

Eu adorava o meu lugar predileto, uma pedra que ficava a uma certa distância da praia, tinha aprendido a nadar sozinho, subia na pedra, ficava sentado, imaginando como seria a vida em outro lugar.  Me evadia totalmente, sonhava em colocar distância dele, normalmente tinha as costas lanhadas pelo seu cinturão, mesmo que estivesse em carne viva, ficava deitado na pedra ao sol, como se este me cura-se.

Passava fome, mas me sentia protegido por lá.   De noite minha mãe, abria a porta de mansinho, colocando um pouco de mingau de aveia, com um ovo em cima para mim.   Sabia que a estas alturas ele estaria dormindo.

Para a festa de formatura, a senhora Marie, me deu de presente um terno que seu filho tinha usado, ficava imenso em min.   Fui escondido, queria sentir o sabor de ter terminado alguma coisa.   Foi meu erro, pois, quando terminou a entrega de diploma, riam de mim, principalmente seus filhos que tinha contado que o terno era de seu irmão mais velho, quando peguei a bicicleta para voltar para casa, me deram uma surra, eram muitos, tinha raiva porque minhas notas eram as melhores, tinha direito a bolsa de estudos, eles não.

Me arrebentaram a bicicleta toda, rasgaram minha roupa, abusaram sexualmente de mim, não tinha como me defender.   Cheguei em casa chorando, cheio de sangue nas pernas, mas ele do campo me viu chegando, ficou furioso, me deu uma surra de fazer gosto, até que cai desmaiado.

Me disse que deixava de ser seu filho, que devia ir embora no dia seguinte. Nem sei como consegui chegar no meu lugar preferido, sangrando por todos os lados, cheguei a minha pedra, lá estava a salvo, ele não sabia nadar, ela tampouco.

Passei a noite chorando, me sentia humilhado, o pior não tinha sido os garotos, tinha sido ele, que ao final, me cuspiu na cara, dizendo que eu era a partir de agora um marica.

Não sei quantos dias fiquei lá em cima. Tudo se apagou, tudo que escutava era o ruído de aves, nada mais.   Mais uma vez que me salvou foi ela, Marie.  Quando soube o que os garotos tinham feito foi a fazenda, meu pai a ameaçou, mas ela voltou com o xerife, inclusive na frente dele o ameaço de denunciar, usou seu verdadeiro nome, ele foi para sua destilaria.  Minha mãe o levou até o lago, mas não me via.  O xerife pediu auxílio, um helicóptero sobrevoou a zona, me localizaram, desceram espantando as aves, que comiam minha pele.   Fui resgatado levado para um hospital.    O médico disse que eu estava catatônico, que depois de curado, devia ir para um outro tipo de hospital. 

Fiquei dois anos internado, nesse tempo, minha mãe só veio uma vez, isso porque Marie a encontrou na cidade, a obrigou a entrar no carro com a mesma ameaça, que ia denunciá-los.

Mas ela vinha me ver todas as semanas. Ficava sentada numa cadeira ao meu lado, falando comigo. Quando comecei a melhorar, trazia comida feita em casa, dizia que estava muito magro, subornava o encarregado de comida, para que me desse carne.  No dia que me resgataram, tinha visto todas as marcas que tinha nas costas, ficou tão furiosa, que a primeira coisa que pensou foi denunciá-lo realmente.  Mas isso implicaria que me deportariam junto.

Sabe-se lá o que ele poderia fazer contigo, me contaria anos mais tarde.

Quando fiz 18 anos, estava bem já para sair, ia todos os dias falar com um psicólogo, contei tudo que sentia todos esses anos. O medo que sentia dele, dos dias que tinha pesadelo, em que havia que desaparecer de sua vista, para não levar uma surra por nada.

Estava para sair, quando Marie apareceu com o xerife, um bom homem por sinal.  O psicólogo estava junto, o xerife contou que tinha havido uma explosão nos alambiques que tinham escondido na montanha, que a cidade toda escutou, quando chegamos, ele já estava morto, cortado pela metade, sua mãe está muito mal no hospital.  Viemos te buscar, pois ela quer falar contigo.

Marie trazia como sempre uma roupa para que eu vestisse, mas dessa vez, era tudo novo, cuecas incluídas, pois a gozação dos garotos era que eu nunca tinha cuecas.

Me deu lastima de ver minha mãe em cima da cama, toda queimada, ainda resistiu dois dias, teve tempo de passar tudo para meu nome, inclusive da conta do banco.   Me contou toda a história deles, que eu tinha nascido nada mais ao chegar aos Estados Unidos, mas que tinha saído a família dela.  Contou todas as maldades que ele tinha feito durante o regime comunista no Leste, como ameaçava as famílias que não lhe davam dinheiro, os denunciava, roubava, até mesmo matava.

Por isso tínhamos dinheiro quando chegamos aqui.  A tua vida agora é só tua, faça uma universidade, estude, eres inteligente, podes ser uma pessoa diferente.

Quando morreu a enterramos no cemitério, mas fiz uma maldade, a enterrei o mais longe dele possível.  Ele que ficasse sozinho lá no fundo do cemitério.

A fazenda agora era minha, poderia fazer o que quisesse com ela, fui ao banco com um advogado, fiquei de boca aberta com o valor que havia em deposito, tínhamos passado miséria a vida inteira, fome, mas a conta tinha um valor incrível.   Teríamos podido viver bem a não ser pela neurose dele.   Fiquei uns dois dias bloqueado, preocupado comigo mesmo.   De novo ela me ajudou, sentou-se comigo, conversamos longamente sobre o que eu gostaria de estudar.

Sempre tinha gostado de escrever, de ler os livros que em casa não existiam.  Apesar de me sair bem em matemática, física, química, não era o que eu gostava. 

Me recomendou que eu fosse para San Francisco, ou Dallas para estudar.   Eu preferia estar o mais longe possível.   O xerife me falou de uma família que gostaria de explorar as terras, o advogado que Marie tinha conseguido, negociou os termos, o aluguel da mesma, a porcentagem dos lucros da exploração.

Agora já não precisava da bolsa de estudo, podia eu mesmo bancar minha universidade, ela contatou uma família que era conhecida, para me hospedar nos primeiros tempos, até eu conseguir um lugar para viver.

Antes de ir embora, fui falar com o psicólogo que me acompanhava, ele me sugeriu que eu continuasse a frequentar um.   Me falou de um amigo de universidade, me deu seu cartão, para procurar por ele.

Comprei roupas pela primeira vez na minha vida, duas mudas de roupas, uma calça jeans normal, outra negra, camisetas, cinzentas, negras, roupa interior, dois tênis, cabiam tudo numa maleta pequena.   Essa seria minha bagagem para o resto da minha vida.

Consegui me matricular, em filosofia, literatura, nesse tempo tinha conseguido um pequeno apartamento em Ashbury Heights, uma casa antiga, reformada, em que a parte de cima tinham transformado em apartamento.  Tinha um pequeno hall embaixo, depois a escadaria, tinha dois quartos, uma sala, banheiro, pequena cozinha.   Estava mobiliado, só pedi que tirassem tudo do quarto menor que seria meu escritório, gostei tanto do lugar que paguei o aluguel de seis meses.  Perto tinha de tudo, inclusive restaurantes.   Me deliciava comendo hamburguesas, coisas que nunca tinha comido quando criança, nem em minha juventude.

Descobri escutando alguns alunos na biblioteca da universidade, falando de um local que vendia roupa de segunda mão, falava em roupas do exército, da marinha, roupas para o inverno que ia chegando.   Pedi licença, perguntei aonde era, uns dois rapazes ia até lá fui com eles, descobri que seriamos companheiros na faculdade.

Comprei um casaco da marinha de lã, negro, bem como uma parka do exército, inclusive impermeável.   Retirei qualquer vestígio que fossem militar, além disso comprei botas para chuva.  Estava preparado para o inverno.

Pela primeira vez pude comprar livros.  Os lia como se estivesse bebendo água para matar minha sede de saber das coisas, nos primeiros dias de aula vi que todos tinham um laptop, enquanto eu anotava tudo com lápis numa agenda.

O professor riu, dizendo que eu era o único aluno que prestava atenção, anotando o que realmente ele destacava.   mas me aconselhou a comprar um laptop, para escrever os trabalhos que pedia.

Quando pediu que baseado num livro, escrevêssemos uma história a partir de uma frase que nos deu.   Leiam o livro, quero ver quem não se deixa influenciar por ele.  A partir dessa frase, escrevam uma história.  Li o livro de cabo a rabo, a frase ficou martelando na minha cabeça, era um final de semana, fiquei sentado numa varanda em Castro, escutando as pessoas falando em volta, ou passando na rua, construí a história em cima de dois rapazes que comparavam suas experiencias sexuais, esse era o ponto de partida, depois analisei cada personagem individualmente como duas pessoas buscando desesperadamente uma relação verdadeira, o que falavam era puro esnobismo, tipo eu faço mais que tu, mas quanto disso tinha um fundo de verdade.   Inventei a verdade de cada um, a solidão de viver, sem conseguir realmente ter um relacionamento verdadeiro.

O professor ficou impressionado, não tinha impressora, tive que imprimir na biblioteca.  Veio me perguntar se me baseava em mim alguma das histórias.

Fui honesto com ele, que tudo era imaginação minha, pois minha experiencias sexuais não passavam do que lia nos livros.  Que eu mesmo além do abuso que tinha sofrido, nunca tinha feito sexo com ninguém, tampouco amado para saber como era.

Sorriu dizendo se já escreves assim, imagino como será quando realmente tenhas experiencias.

A maioria tinha aproveitado um dos personagens do livro para escrever uma história, ele sorriu, de todos vocês o único que realmente criou personagens diferente foi o Otto.

Teríamos que escrever agora um conto policial para um concurso que uma editora fazia para toda a universidade.   Baseado no que sabia, escrevi sobre meu pai, com seu nome verdadeiro, Otto Branswaden, procurado pela polícia internacional, pelos crimes que tinha cometido na Europa de Leste, como tinha fugido, vivendo nos Estados Unidos.

Quando leu, me perguntou como tinha imaginado isso, lhe respondi sinceramente que era a história de meu pai, um sujeito muito retorcido.  Com essa história ganhei o concurso, que ia além de sua publicação, a um valor em dinheiro.

Mandei uma cópia para Marie. 

Ela me escreveu dizendo que se queria a história inteira, deveria ir a cidade de aonde ele tinha saído, mas que tomasse cuidado.

Com os documentos que tinha estado escondidos pela minha mãe, sabia que era algum lugar perto de Chemnitz, cerca de Dresde, mas estudando direito, fiquei tentando por Freiberg, pois isso o teria levado a escolher nossa cidade pois começava por “FRE”, busquei informações sobre ele, porque era procurado.

Cheguei incógnito a cidade de Dresde, a estavam reconstruindo totalmente, vi uma exposição como era na época comunista, foi depois para Chemnitz, ali sim falando com os velhos, pude conhecer um pouco a história, fui a universidade falar com um professor, este sabia tudo sobre os informantes da KGB, sobre meu pai, falou horrores sem que eu tivesse perguntado nada, lhe contei que estava escrevendo um livro, baseado que muitos tinha escapado para os Estados Unidos, para o Brasil.  Me falou demoradamente sobre cada um.  Vivemos nosso inferno aqui, esse homem era retorcido.  Perguntei sobre sua mulher.

Dela pouco se sabe, a escondia de todos, talvez por medo a uma represália, sabemos que era aqui da universidade, mas quem não sabemos, muitas professoras, desapareceram depois, eu mesmo já baralhei muitas, me deu um dossier com o nome da várias delas.

Depois fiz o caminho que minha mãe tinha descrito de fuga, aluguei um furgão, pedi para tirarem os bancos detrás, comprei um colchão, um edredom, fui seguindo o caminho, conforme ela tinha escrito, inclusive aonde tinha morrido meu irmão.    Perguntei sobre o assunto, me mostraram um jornal da época, que falava de um garoto encontrado depois do degelo da neve, sem documentos, me mostraram a foto.  Tirei cópia de tudo, na minha cabeça, como estava morto para ele, deixava de existir, porque sequer fez uma sepultura para o filho.

Quando cheguei a Itália fiz o mesmo caminho deles, a maior parte do tempo caminhavam de noite, a não ser quando chegaram a Milão aonde roubou o carro velho para fazer o resto do caminho.

Parei em Florença, fiquei num pequeno hotel, fiquei pensando muito no que tinha descoberto, como um pai faz isso, se descarta de seu filho, como se fosse um saco de lixo, me veio na cabeça o que tinha feito comigo.  Mas não deixei a depressão tomar conta da minha cabeça.

Já sabia tanto sobre ele, de aonde tinha saído, como tinha chegado a polícia, depois da guerra, já colaborava com os comunistas, desde que se separou por zonas.  Ele tinha sido um dos jovens da SS, estava acostumado as barbáries, era fácil então não ter escrúpulos.  Talvez minha mãe tenha escondido que era sua informante na universidade.  Mas dizia que o tinha conhecido através de uma amiga.

Voltei agora, pelas estradas oficiais, fui a cidade de novo, caia uma nevasca de fazer gosto, procurei sobre o endereço que ela tinha.   Encontrei uma família, o chefe da casa, disse que era seu irmão, perguntei sobre sua fuga.   Eles tinham se surpreendido, a partir da Universidade, desapareceu.   Vivia escondida em algum lugar, quando teve o filho, nunca o vimos, se falava muito com quem andava, mas tínhamos medo, qualquer coisa aqui, servia para uma denúncia, talvez fosse a maneira dela nos proteger.  Todos desde jovem trabalhamos numa fábrica de cerveja, ela era a mais inteligente, conseguiu que lhe pagasse para estudar química, dizia que assim poderia ser uma boa maestra cervejeira.

Quando tanta gente desapareceu, imaginamos que tivesse ido com as pessoas que denunciavam os outros para a KGB, mas no fundo, imagino que quis nos proteger.   Perguntou por que queria saber tudo isso.   A ele em particular lhe contei quem era, com quem ela tinha fugido, que meu irmão tinha morrido no caminho, que nasci logo que chegaram aos Estados Unidos.

De meu pai ele falou horrores.   Era de uma família, que aderiu ao Nazismo imediatamente, perseguiram os judeus, a toda custa, ganhavam dinheiro fazendo isso, quando chegou ao seu auge era a única família que tinha privilégios por aqui.  Mas no final da guerra, sobrava poucos, ele passou logo para o lado dos vencedores.   Seguiu com o que tinha aprendido com a família.

Voltei para casa, no dia seguinte fui ao psicólogo, tinha que analisar com alguém tudo que tinha descoberto.     Uma das coisas que me disse, era que talvez muitos emigrantes, borravam seu passado, justamente por isso, para esconder o que tinha feito em outro lugar.  Assumem a nova vida de maneira extremamente complexa, como teu pai fez.  Vivendo quase na pobreza, para compensar o que tinha feito, os pesadelos, sua agressividade, como querendo que vocês pagassem com ele todo o mal que tinha feito.

Sem querer comecei a me lembrar de palavras que dizia quando me dava uma surra, sempre em alemão, fui anotando todas, para estudar realmente o que queriam dizer.

Me dei conta, que me acusava justamente disso, dos seus erros, quando na noite anterior tinha seus pesadelos, tudo isso era pior.

Passei a sonhar com isso, me despertava, me sentava na cama, escrevia tudo numa caderneta, tudo o que me dizia.  Agora me dava conta, me confundia com os que tinha matado, mas sempre eles eram os culpados, ele nunca.

Conversei com meu professor, mostrei os vários caminhos que poderia tomar.

Foi franco, qual seja o caminho, se consegues publicar, vão te perguntar sobre isso, o melhor é falar a verdade.  Talvez seja melhor uma versão catártico em que contas como era sua cabeça, o que fez contigo.

Falei com Marie por telefone, queria saber se poderia ler o que eu tinha escrito, para saber o que pensava do assunto.   Me disse não venha, eu vou me encontrar contigo.

Quando chegou, entendi por que, disse que seu filho mais velho tinha encontrado o seu diário que falava de tudo sobre mim, que tinha ficado furioso, por ter-me me ajudado, quando podia ter denunciado meu pai.   Mas como ela dizia, nunca tinha feito por eles, mas sim por mim.

Leu tudo o que eu tinha escrito, lhe deixei usar meu dormitório, dormia num colchão no meu studio.  Leu mil vezes, fazendo anotações ao lado num papel.  Me mostrou depois, ajustava coisas.  A sua família ele tinha perseguido, porque tinham escondidos judeus, ajudavam muitos a escapar.  Antes de vir para cá, o que sobrou da minha família teve que ir para Israel, embora não fossemos judeus.    Eu trouxe meu diário, quero que leias, para entender.   Te abrira uma outra visão disso tudo.

Quando foi embora, agradeci tudo o que tinha feito por mim. Nunca poderei esquecer, que sem a senhora, eu não estaria vivo.   Escrevi uma carta ao filho dela, pedindo perdão, por em termos ter roubado sua mãe.

Comecei o livro com ela descobrindo meus pais, mas que quando me viu ali naquela miséria, disse que meus olhos pediam socorro.  Resolveu que tinha que me ajudar, passando por cima de todo o ódio que tinha a ele.   Como tinha forçado, ameaçado, falei tudo que tinha feito, depois coloquei a visão minha de garoto que não entendia a razão de tanta brutalidade, das surras que levava depois dos pesadelos dele, transcrevi tudo que tinha recuperado da minha memória, o que ele dizia enquanto me dava uma surra, por ser moreno como o resto da população, que eu não tinha sangue ario como ele, que a culpa era da minha mãe que era impura, ele nunca tinha culpa de nada.

Depois tive que falar o que tinha acontecido no final, como o tinha deixado enterrado sozinho no fundo do cemitério, para que estivesse relegado a segundo plano.

Por último falava da minha busca da verdade, indo a Alemanha, da busca da história toda.

Um dia me chamaram a porta, quando abri era o filho da Marie.  Ficou parado na minha frente, viu a cara de horror que coloquei, pois o reconheci imediatamente, como um dos que tinham abusado de mim naquela noite, fiquei estático com a lagrimas escorrendo pela cara.  Nunca tinha podido me aprofundar nessa parte de minha história, primeiro porque não sabia quem tinha feito isso.  Só tinha gravado a cara dele.

Estava ali de braços caído, meu impulso era de fechar a porta, outro de soltar todos os palavrões possíveis.  Mas ele educadamente me pediu se podia falar comigo.

Conversei com minha mãe sobre aquela noite, o ódio que alimentava com relação a ti, quando te via vestido com uma roupa que era minha, ou uma camiseta do meu irmão, sabia do sanduiche que ela deixava na tua carteira.   Não entendia por quê?    Quando lhe perguntava, dizia que nossa obrigação era ajudar os menos favorecidos, mas na escola tinham outros como tu.    Vi todos os escândalos que fazia com teu pai, tua mãe, como em casa não falávamos alemão, não sabia do que falava.   Fantasiava que teu pai era um oficial nazista escondido, que tinha alguma coisa a ver com o passado da família, que meus avôs escondiam de todas as maneiras, que não entendia por quê.

Agora entendo, me explicou tudo.  Venho te pedir perdão pelo que fiz.

Na minha cabeça, lhe respondi, tudo isso virou uma grande barafunda, pois misturei isso, com a surra que levei em seguida, dos dias que fiquei em cima da pedra, queria que os pássaros me comessem lentamente, para acabar com toda essa história.   Mas foi tua mãe, que mais uma vez foi em meu socorro, quem movimentou a polícia, quem me visitava no hospital, minha mãe só foi uma vez, porque ela obrigou, tinha medo do meu pai.

Tua mãe, foi mais minha mãe, que a minha própria.   A tenho num pedestal.  Aproveite, já que estas aqui, leia tudo que estou escrevendo sobre o assunto.

Ele ficou lendo, fomos comer num restaurante que ia sempre, os dois não dizíamos nenhuma palavra, era que como se ele estivesse ruminando o que tinha lido até agora.

Voltamos, lhe disse para dormir em meu quarto, mas ele disse que dormiria no colchão no studio.   De noite despertei no meio de um pesadelo, com ele segurando a minha mão, escutei o ruído que fazias com teu pesadelo.  Me levantou, ficou me abraçando, me dizendo que tivesse calma que ele ia me proteger.

No dia seguinte quando me levantei, tinha ido buscar café, croissants.  Ficamos os dois conversando, levamos dias fazendo isso.  Só quando colocamos tudo para fora, foi que paramos de falar.    Algumas vezes fazia como sua mãe, me segurava a mão, principalmente quando a lembrança era dolorosa.

No final disse que o que sentia por mim nessa época se dividia em duas coisas, de um lado não entender por que sua mãe me ajudava, ela tinha reconhecido para ele que pensava que assim os protegia.   De outro lado a inveja, ao mesmo tempo admiração pela minha inteligência, com eu absorvia tudo, a ele custava muito a entender tudo que nos ensinavam.  O fato que no final ganhei a bolsa de estudos, frustravam os sonhos dele, de conseguir uma para estudar fora, tinha conseguido pelo esporte.  Mas nunca pude esquecer quando estive fazendo sexo contigo, creio que meus sentimentos eram uma loucura, ódio, se não fossem os outro juntos eu te abraçaria, te chamaria de amor.  Mas fui só eu que consumou o ato, não permiti que ninguém mais tocasse em ti.  Eras meu de qualquer maneira, tudo que tinha ansiado durante muito tempo.

Arruinei minha vida, fui embora, fiz a universidade, mas sempre que ia fazer sexo, pensava em ti, não me livrava da tua imagem, começava a chorar, riam de mim.

Agora era eu que o consolava.  Me contou que de todos os filhos dela, era o único que não tinha casado, nem tinha filhos.   Não posso me esquecer de ti.

Nessa noite ficamos abraçados na cama, conversando, nem tentamos fazer sexo, lhe expliquei que ele tinha sido o único.  Que levaria tempo para conseguir algo, que ainda falava com meu psicólogo sobre o assunto.

Escutei pela manhã que conversava com sua mãe, que chorava muito, mas lhe permiti, esse momento somente dos dois.

Foi embora me dando um beijo na boca, que ficou ali, guardado.

Nós falávamos sempre.   Terminei a universidade, apresentei o livro, meu professor que o tinha lido, dizia que eu tinha tido muita coragem, mas sua preocupação, era o que iria escrever em seguida.   Lhe mostrei outra historia que estava escrevendo, que não tinha nada a ver com a minha.  Gostou muito.   Não se preocupe.  Fui em busca da verdade, tinha que colocá-la para fora.   Queriam publicar meu livro, falei com Marie, ela já o tinha lido, bem como o Georg seu filho, me disse que sim que devia publicar.

Aceitei, mas falei com meu advogado, inclui cláusula que nunca poderia ser vendido como roteiro de cinema, nem para a televisão.   Tampouco daria entrevistas sobre o livro. Quem quisesse publicar teria que aceitar isso.   Não estava disposto que minha vida virasse um circo mediático.   Inclusive na história, falava de outra cidade.

Foi publicado, era um sucesso, quase todos os dias a editora me chamava, para tentar me convencer a dar uma entrevista, me neguei sempre, quando foi para a terceira edição, finalmente concordei, eu agora era professor estagiário na universidade.

Com uma condição, que podia me recusar a responder a perguntas capciosas.  Foi o que fizemos.   Quando levavam a pergunta para meu âmbito particular, eu não respondia, uma das pessoas me perguntou se realmente meu pai me pegava.   Lentamente tirei o meu casaco, com se estivesse fazendo um strip-tease, tirei a camiseta, me virei de costa para a plateia.  Foi um OH, generalizado, as marcas continuavam ali.

O livro chegou a quinta edição, o editor queria colocar na capa uma foto publicada no jornal das minhas costas, me neguei terminantemente, com o risco de romper o contrato com a editora.

Meu segundo livro saiu, fez mais sucesso que o anterior, a historia não tinha nada a ver com minha vida.  O terceiro foi igual.

Mas se nas entrevistas me faziam perguntas da minha vida pessoal, me negava a responder.

Fui ao enterro da Marie, me reencontrei com o Georg, falamos, me disse que estava vivendo em San Francisco, já a seis meses.  Concordei em voltar com ele no carro.

Estávamos os dois na casa dos 30, como dizia um de seus irmão, solteiros e invictos, quem vai querer casar com vocês dois.

Fui dar uma olhada com ele na fazenda, continuavam cultivando o campo, agora com máquinas, a casa nunca tinha sido usada, caia aos pedaços, mandei arrasá-la.

Viemos conversando o tempo todo da viagem, descobri que agora ele pintava, seu sonho de juventude.   Fui conhecer seu studio.  Era pequeno, apertado, mas na sala de sua casa, tinha um retrato meu, feito de memória.   O beijei.  Começamos um relacionamento, mas cada um na sua casa, algumas vezes ele dormia na minha, outras eu na dele.

Descobri que gostava de escrever, mas não de dar aulas.  Falei com ele, creio que tenho que mudar minha vida.  Preciso de um lugar tranquilo para escrever.   Voltamos juntos a cidade, resolvi construir, uma casa moderna, já não sobrava nada daquela anterior, tinham inclusive plantado em cima da mesma, num dos claros, no caminho para o lago, na parte alta, dava para ver o mesmo, construí nossa casa, fizemos um caminho até lá.  Tinha uma lateral que era seu studio de pintura, no extremo oposto, aonde eu trabalhava, olhando a minha torre a pedra aonde costumava sentar.

A primeira vez que o levei até lá os dois suamos para subir, reclamava que já não éramos crianças para subir por ali, o jeito seria mandar construir uma escada.  Me neguei, aquele lugar era só meu, a partir de agora estas proibido de subir.

As vezes seus irmãos apareciam.  Um deles tinha um filho, que era a cara da Marie, vinha passar férias conosco.   Tanto gostava de pintura como de escrever.

Esse seu irmão, trabalhava para a fábrica de cerveja que comprava toda a produção da fazenda, o mais interessante era que tanto eu como o Georg não bebíamos.  Seu irmão por causa disso, voltou a viver na casa que tinha sido de sua mãe, seu filho subia sempre de bicicleta para estar conosco.

Era desse irmão que normalmente eu herdava todas as roupas, agora ele era gordo, riamos disso, dizia que lhe fazia graça naquela época, me ver vestido com suas roupas, que ele já tinha herdado dos outros irmãos, que em mim ficavam imensas.

A pintura do Georg fazia sucesso, mas ele se negava a sair dali, íamos para as vernissage, mas voltávamos para nossa casa.  As vezes íamos de viagem pela Europa, loucos para voltar para casa.

Para criançada, era um tio a mais, quando nos casamos, fizeram uma festa imensa, seus irmãos achavam natural, diziam que o Georg sempre tinha sido o queridinho da mamãe, que gostava de desenhar, que não tinha amigos, que estava sempre me seguindo no recreio, que ficava de longe me olhando.  

Eu não sabia, ele rindo me dizia que já me amava, sem saber.

Se por acaso falávamos de meus pais, ele dizia em seguida que eu não tinha culpa nenhuma do passado deles.

Um dia apareceu um alemão, querendo falar comigo.  Já o conhecia de nome, queria fazer um filme sobre a família do meu pai, relatando o acontecido daquela época.  Me perguntou se queria escrever o roteiro.

Lhe disse que poderia lhe dar meus apontamentos, mas escrever sobre isso nem pensar, tinha ficado no passado, insistiu muito, mas me neguei.

Já purguei minha vida anterior, estava escrevendo um roteiro de cinema para meu terceiro livro, isso sim me interessava, meu agora sobrinho Carl era meu auxiliar, eu escrevia, ele fazia a primeira leitura, me criticava com um olhar totalmente diferente do meu.  Se vamos ver essa imagem na televisão ou no cinema, as pessoas vão pensar em outra coisa.  As vezes podíamos discutir horas, até que Georg vinha se meter no assunto rindo.

Os dois mais parecem pai e filho discutindo algum assunto.

A empresa de seu irmão foi comprada por uma fábrica alemã de cerveja, veio perguntar se Carl podia ficar conosco durante a ausência deles, iam os dois.

Dias depois o novo xerife subiu para avisar que tinha existido um atentado no complexo turístico aonde faziam a convenção da empresa, não se sabia exato o número de mortos, eu falei com o Carl o que acontecia.  Me abraçou pela cintura, ficamos ali parados olhando a pedra no lago, tinha lhe contado que a subia, para ficar pensando.

Quando nos informaram que os dois tinham falecidos, pedimos imediatamente a guarda do Carl, afinal ele era como nosso filho.   Um dia de manhã o vi na pedra, desci até o lago, fui nadando até ele, me jogou uma escada de cordas que eu escondia tinha colocado lá para me facilitar.   Agora compartia com ele horas de silêncio pensando nas coisas da vida.

Se alguém falasse alguma coisa, estando os dois juntos, erámos como pai e filho de tanto que nos entendíamos.   Enterramos seus pais, no outro lado da montanha, aonde anteriormente existia o alambique de meu pai. Amava aquela pequena floresta, a paz que existia ali, era impressionante.

Eu as vezes ia com ele, ver o tumulo dos seus pais, ficávamos ali conversando, como se eles estivessem presente.   Carl era o melhor aluno da escola, como eu tinha sido, sua inteligência era impressionante.  Descobrimos na pedra um jogo, eu começava a contar uma história, ele tinha que seguir com os personagens, desenvolvendo a mesma, até que me passava a bola outra vez para continuar.

Montamos os dois um livro, chamado jogo de bola, muita gente pensava que era sobre futebol, era as historias mais loucas que duas pessoas podiam inventar, começavam sem pé nem cabeça, iam tomando forma, acabava de uma maneira totalmente diferente.  Tínhamos passado a gravar essas histórias para depois passar para o papel.

Georg ria muito dessas histórias, foi editada como livro de contos para jovens, com o nome dos dois.   Na primeira entrevista ele estava eufórico, tinha algo para mostrar para o mundo.

Quando chegou a época de ir a Universidade, tinha em sua cabeça totalmente definido o que queria fazer.   Foi estudar historia da arte e literatura. Queria vir todos os fins de semana, combinamos que um final de semana iriamos nós para curtir San Francisco.  Teatro, museus, livrarias.

Quando a quantidade de livros espalhados pelo chão era imensa, conversando com ele, pensamos, ao lado da escola tinha uma casa abandonada, que a os mais velhos usavam para ir fumar.  Comprei o local, mandando construir uma biblioteca moderna, que demos de presente para a cidade.  Ele inventou uma coisa, pediu um lápis para os arquitetos, desenhou um local para que os maiores pudessem ir fumar, havia uma espécie de parede, aonde podiam fazer grafites, se fotografava, depois se borrava para começarem tudo de novo.

Quando terminou o curso, quis voltar para ser diretor da escola.  Inventou, me convenceu de construir um pavilhão, aonde os jovens pudesse estudar artes, inclusive cinema, conseguiu professores para isso. Assim os mais jovens, já que a cidade crescia, podiam sair dali, já com carreiras dedicada a artes mais definidas.

Quando Georg morreu, as obras de artes que ele tinha em casa, foram para um pequeno museu que construímos em sua memória, todo seu dinheiro foi dividido entre os outros sobrinhos, ele sabia que Carl era meu herdeiro.    Me preparei a consciência para isso fizemos minha última ida a pedra, falei tudo o que queria que ele fizesse, gravamos e claro, para valer diante de um juiz.  Eu seria enterrado ao lado do Carl, junto aos pais dele, mas tudo que era meu iria para ele, bem como uma parte iria para a escola, que tinha sido minha tabua de salvação.

Tinha sido ampliada com as doações que conseguimos da fábrica, já que a maioria dos empregados viviam lá.  As doações dois anos depois foram para uma quadra de basquete, piscina fechada para o inverno, tudo para o esporte dos jovens.

Como lutávamos tanto pela cidade, queriam que ele fosse político, mas se negou, nessa época conheceu a que seria sua esposa, seu primeiro filho se chamou Georg.   Quando estava gravida do segundo, num inverno impressionante.   Resolvi que não podia mais viver sem o Georg, estava velho demais, fui de barco até a pedra, o lago estava começando a se congelar, subi, fiquei deitado ali, como no dia que quase morri, mas desta vez, ninguém iria me salvar.

Acredito que ele tenha sido como sua avô o primeiro a imaginar quando não me encontraram aonde eu devia estar.   Uma parte das minhas cinzas deveriam ficar lá escondida entre as pedras.   Sabia que estava já como Georg.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

lunes, 15 de febrero de 2021

BENJAMIN CLEMENTE

                                                BENJAMIN CLEMENTE


As vezes o nome não ajuda, era filho de uma mulata, com um francês louco, que um dia desceu de um navio na praça Mauá, para ver como era esse país, que tanto escutava falar.

Com os amigos foi a ensaio de samba na Mangueira, quando viu aquela mulata sambando, ficou como louco, não houve maneira de fazê-lo embarcar.  

Era pau para toda obra, tanto trabalhava na construção, como ajudava na montagem de carros da escola de samba.

Quando seus dois filhos tinham mais ou menos 10 e 12 anos, caiu de cima de um carro alegórico que estava montando, teve tanto azar, que caiu de cabeça em cima de uma máquina, essa quase o cortou pela metade.

Minha mãe, nunca se recuperou, eu tenho o mesmo nome dele Benjamin Clemente.  Ela sempre deu um duro desgraçado, para que tivéssemos estudos, para não acabar na merda como diria ela.  Costurava para fora, além de dirigir as costureiras da escola de samba, adorava fazer as roupas da ala das baianas, mas claro isso não condizia que podia sair na ala, não tinha idade para isso.

Meu irmão saiu totalmente brasileiro como ela dizia, mais malandro era impossível, eu ao contrário, gostava de estudar, cantar, por insistência dela, acabei estudando direito, embora cantasse no coro da Universidade, claro trabalhava ao mesmo tempo.  Como tinha estampa, além de falar duas línguas, consegui emprego numa boutique no shopping Rio Sul.   Estudava de noite, dando um duro desgraçado, mas o dinheiro ajudava em casa, além de me pagar a faculdade.

Quando chegou a época das práticas, o porco torceu o rabo, pois aonde iria encontrar algum escritório que me aceitasse.     Conversando com um cliente, esse que tinha escritório, me disse que o mais certo era conseguir um emprego em algum grande no centro da cidade, nem que fosse para começar de baixo, a outra sugestão era que eu entrasse para a polícia.

Minha mãe torceu logo o nariz, polícia, sei não, pelo menos os que moram aqui no morro, estão tendo sempre que fazer serviço por fora.

Tentei, consegui fazer um curso para policial, já que tinha faculdade, pulei tudo, fui trabalhar de detective numa delegacia do centro da cidade.   Gostar não gostava, mas tinha uma facilidade, ficava perto do lugar que o coro que cantava ensaiava.

Minha vida era essa correr de um lado para outro, aguentar as sugestões para aceitar algum suborno para aumentar o salário.  Mas sempre conseguia tirar o corpo fora.

Me relaxava cantando, o que minha mãe reclamava.   Num coro nunca vais chegar a lugar nenhum, eu lhe explicava mil vezes que era o que gostava.

Chegou um novo chefe na delegacia, tinha fama de corrupto, eu continuei fazendo meu trabalho a sério.  Era um caso complicado, mas ele mandou fechar a investigação.  Aleguei que tínhamos dois suspeitos, mas me olhou feio.   Eu insisti, na terceira vez, chamou o meu chefe, disse que a partir daquele dia, eu ia ser guarda urbano, que me tocava a praça XV, que devia andar por ali fiscalizando a feira dos sábados, os bares ali perto da rua do Ouvidor.  Quem sabe assim aprendia a entender as ordens.

Engoli em seco, pois sabia que os outros companheiros estavam rindo a minhas custas.   Mas me importava um pepino, pois não queria ser desonesto.

Diziam que eu era ingênuo, ou tonto, para não aproveitar as oportunidades, o mais sério deles, conseguiu escapar, fazendo provas para a Polícia Federal.

Eu já sabia que ser policial não era a minha, mas tinha que encontrar uma oportunidade. 

Um sábado estava na Praça XV, quando vi uma mulata, daquelas de fazer parar o trânsito, com um homem branco, loiro, olhos verdes, me chamou a atenção, do casal bonito que formavam, os dois tinham estilo.

Um dos feirantes, estava querendo enganar ao homem, ela insistia que ele devia respeitar os turistas, me aproximei tentando ajudar.  O homem, falava com ela em francês, com o homem da feira num português carregado de sotaque.

Chamei a atenção do feirante, como podia tentar enganar o homem, se o preço estava escrito na máscara Africana que ele queria comprar.

Meu irmão, se não ganho uns trocados à custa dos turistas tontos, como vai ser?

Se não respeitas os clientes, vou ser obrigado a colocar uma denúncia contra ti, além de pedir que te retirem a licença para vender aqui.

Acabou fazendo o preço que estava preso na peça.   O homem me agradeceu, eu lhe respondi em francês, ele soltou uma risada, um policial brasileiro que fale francês é interessante.

Lhe contei que meu pai era francês, de Lyon, que tinha aprendido com ele desde criança.

A mulata me olhou com uns olhos castanhos quase verdes, tinha uma voz rouca, que eu não sabia definir porque falava assim.

Disse que era enfermeira, que o senhor Claude Lambert, tinha vindo fazer uma cirurgia corretiva na clínica que ela trabalhava.  Como hoje era seu dia livre tinha saído com ele para passear.   Disse o nome da clínica.

Olhei para ele, não aparentava muita idade, mas se via com bolsas nos olhos, bem como parpados caídos.   Ele riu por estar examinando sua cara.

O que acontece me explicou, vivo, trabalho com a alta sociedade de Paris, tenho que ter certa aparência, sou advogado, trabalho num dos grandes escritórios de Paris, uma cliente brasileira me indicou essa clínica.  Como segunda feira entro na faca, quero aproveitar o final de semana.

Eu me chamo Edmundo, disse a mulata, rindo não faça essa cara de susto, sou transexual, estou em processo final, logo serei mulher, só então poderei trocar meu nome.

Fiquei rindo, me enganaste direitinho, mas sem dúvida nenhuma serás uma mulher lindíssima.

Os levei até a rua do Ouvidor, pois ele queria ir a uma livraria, eu o levei a Folha Seca, como ele disse o que procurava, comentei aí encontraras tudo.

Me convidaram para almoçar ali com eles, comentei que iria até a delegacia, para trocar de roupa. Que me esperassem.

Troquei de roupa, imaginando, que já não estariam lá, quem ia querer ficar esperando o policial de rua, para almoçar.

Me enganei, quando cheguei, estavam sentados, ele com uma bolsa cheia de livros, tomando um chopp cada um.   

Edmundo soltou que eu não tinha demorado muito.

Pensei que já não ia os encontrar aqui, sabe como é, quem ia querer almoçar com um policial de rua.    Contei minha história, disse ao Claude que era como ele advogado, mas as oportunidades eram pequenas para além mulato sarará como eu.   Tive que lhe explicar o que era sarará.

Que tal os livros, encontraste os que queria.   Tirou da bolsa vários, eram todos sobre o candomblé.   Ri, interessante isso, minha tia é mãe de santo lá na Mangueira. Tem um dos terreiros mais antigos de lá.    É muito respeitada nessa área.  

Ele ficou me olhando, sério, soltou agora já sei de aonde te conhecia.   Fechou os olhos, cantou uma música que eu sempre cantava.   “Bom dia tristeza”.

Ué como sabes que gosto dessa música?

Já sonhei antes contigo, por isso estou interessado, sonho com pessoas que vou conhecer, ou com coisas que acontecem depois vão acabar na minha mão.

Queres ir até lá falar com minha tia?

Sim, me encantaria.   Edmundo ria dos dois, vocês falam rápido em francês, tenho que fazer força para acompanhar o que dizem.

Lhe perguntei se tinha roupa branca?

Ele disse que não, mas que compraria, o fiz levantar-se, tínhamos a mesma estatura, além de tamanho de corpo.  Posso te emprestar uma das minhas.

Edmundo, disse que não podia ir, pois tinha que trabalhar.

Se ele confia em mim, o levo, depois tem samba da mangueira hoje, não queres ir.

Edmundo ria, odeio samba, apesar de tudo, não sei sequer sambar.

Justo nesse momento, pararam dois homens com violão, ao nosso lado, já tínhamos pedido comida, eu esperava meu chopp.   Marcel pediu se eu podia cantar, Bom dia Tristeza.

Boa pedida, meu tio soltou o homem, começou a tocar, eu a cantar, sem querer fui levantando a voz, soltando talvez pela primeira vez o vozeirão que tinha.   Claude tinha lágrimas nos olhos.

Mais uma, pediu, cantei outra que gostava, “Ronda” de Paulo Vanzolini, expliquei que era um médico de São Paulo.  De uma outra mesa, pediram outra música, era um pagode, perdi perdão, mas não sabia cantar essa.   Nisso chegou nossa comida, vi que Marcel, estava preocupado.

Por que estas preocupado?

Eu sabia que vindo para cá, as coisas desatariam, teriam que enfrentar muitas coisas novas para mim, as vezes nos acomodamos demais na vida.  Ficamos atados a coisas sem importância, que servem para nos amarrar, nos prender.                                        Acredito sempre que quando rompemos a inércia, desatamos acontecimentos, que nem sempre estamos preparados.

Enquanto comiam a sobremesa, me levantei, fui a livraria, pedi um livro que sabia que para ele seria importante.   Voltei, com o último que tinha na livraria, embaixo do braço.  Entreguei ao Claude, verás tu não es o único francês interessado nisso.     Entreguei o livro, ele soltou um grito, não soube me explicar estava procurando esse livro, meu pai conheceu o Pierre Verger, quando era jovem.

Pois então esse livro é importante, era Orixás de Pierre Fatumbi Verger, assim poderás ler enquanto te recupera da operação.    O tenho em casa, mas o meu está velho de tanto manusear.   

Levamos Edmundo para tomar um taxi, ele levou os livros, pois segunda-feira ajudaria na operação do Claude.

Ficamos conversando mais um pouco, soltei que não via por que ele se operar. 

Riu, tapando a boca, soltou sua idade, ele era vinte anos mais velho do que eu.  Sabe Benjamin, não aproveitei muito bem minha juventude, estudando, trabalhando, para mostrar ao meu pai, que podia ser um bom advogado.   Ele era um homem duro, mas foi ele quem me criou sozinho.  Uma história mal contada, que só descobri depois que morreu.   Já te conto um dia desses.

O ia levar de ônibus, mas sugeri um taxi.   

Não, vamos como costumas andar, gosto de me sentir normal.  Como, era um sábado, o ônibus não estava cheio, nos deixou ali ao pé da mangueira.   Fomos subindo, a garotada como sempre, sabia que eu trazia balas, fui distribuindo, falando com eles, sobre estudar.   Claude parecia entender tudo.

Quando chegamos a casa da minha mãe, levei uma bronca tremenda, tinha me esquecido de avisar que não vinha almoçar, a comida com esse calor se estraga, soltou ela, até perceber o Claude atrás de mim.

Pode falar em francês que ela entende.

Falei com ela o que tinha acontecido, das coincidências.  Ela chamou um garoto, que fosse avisar minha tia que eu levava um amigo para consulta, se podíamos subir antes.

Logo arrumou roupa branca para ele.  A calça estava um pouco larga, mas mandou tirar, ele ficou só de cuecas na frente dela, muito sem graça.  Me olhava de olho comprido.   Ainda não tinha entendido.  O achava atraente, mas realmente o era.

Na pequena sala da casa, estava meu diploma de advogado, que ela exibia com orgulho, ele foi olhar.

Nem precisei abrir a boca, dona Ceição ou Conceição, minha querida mãe, lhe contou como eu tinha me formado.   Deu muito duro seu Claude, o irmão dele, não, é um malandro, agora tem que trabalhar em construção, se casou tem dois filhos, nos dois temos que ajudar, porque senão não chegam ao final do mês.

Tive que explicar ao Claude o que ela queria dizer com isso.

O garoto voltou, reclamando que como sempre a Iaô, tinha feito jogo duro com ele, mas eu insisti que tinha que falar com Mãe Cida, como a senhora mandou.   Diz para subir antes com o gringo, pois pode ser que tenha que tomar um banho.

Lhe expliquei o que o garoto dizia.    Melhor levar a roupa branca para depois.

Minha mãe, disse que iria mais tarde, pois tinha que acabar um vestido que estava fazendo para a porta-Bandeira usar essa noite. 

Começamos a subir conversando, Claude, disse que em sua vida tinha imaginado isso, estar subindo numa favela, já sonhei com esse caminho muitas vezes.  Procurei psicólogos, até psiquiatras para saber o que era isso, por exemplo sonhar contigo cantado, ou estar subindo um lugar tão empinado, me diziam milhões de besteira, até que essa cliente disse que eu tinha que vir, pois aqui acharia a resposta.

Primeiro te encontrei por acaso.  Quando cantaste, foi como se abrisse a minha cabeça, pude recordar muita coisa.  A cena da tua mãe me falando do teu diploma, também tinha visto nos meus sonhos.

Benjamin, via que as pessoas que cruzavam olhavam como os dois falavam em francês, se não o conhecesse iriam ter problemas.

Na hora que abriram o grande portão, Claude ao ver o Iroco, correu até ele, chorava baixinho, quando tinha problemas, me imaginava sentado aqui, falando com essa gente toda.

Que gente Claude?

Esses que estão aí, sinalizou ao Iroco, não es vê?

Não meu filho, ele não os vê, nem todos tem esse dom que tens, quem falava atrás deles era mãe Cida, Claude, se virou devagar como se reconhecesse a voz que lhe falava, sorria, correu até ela, a abraçando.

Finalmente vejo a senhora, estamos falando sempre em sonhos, não é verdade?

Sim meu filho, a muito tempo te espero.

O foi arrastando com ela, a Yaô, de boca aberta com a intimidade do gringo com mãe Cida.

Ela foi dizendo sem se virar, faça um banho para Exu, que meu filho vai precisar.  Você Benjamin, não fica aí com essa cara de paspalho.  Vem junto que posso necessitar para traduzir alguma coisa.

Os seguiu os dois como um cão sem dono.

Estava te esperando, quando o menino veio avisar, eu sabia que eras tu.

Benjamin meu filho, leve o Claude para tomar um banho de descarrego de Exu, depois que vista roupa branca, volte aqui.

Mas no que ia lhe dar banho, passaram ao lado da casa de Exu, Claude entrou, se jogando no chão.

Ficou ali um tempo, a Yaô tinha chamado mãe Cida, ela entrou começo a falar em Yoruba, com o santo do Claude.   Ele se levantou, um pouco assustado, passei, mas não sei por que entrei.

Ela mesma, acabou dando o Banho, enquanto ia rezando coisas em Yoruba.  Quando terminou, estendeu uma toalha muito branca para ele se secar, mostrou como fazer.

Depois o levou para sua sala particular, aonde jogava os búzios, iriam falar com o Ifá.

Avisa essa menina homem que o Claude ficará aqui uma semana, que a operação era uma desculpa para ele vir.    Mandou arrumar um quartinho para ele.

Depois tudo foi como um vendaval, os dois só saíram da sua sala, quando ela foi se preparar, ele já estava todo de branco, com um turbante na cabeça, mas não via mais nada.

Quando todos estavam no terreiro, os apresentou, esse senhor é um velho amigo francês, agora não pode vê-los, pois está incorporado em Exu Bara, de quem é filho predileto.  A muito tempo o esperava, até que o Benjamin o trouxe até nós.

Benjamin, tinha se sentado com o atabaque entre as pernas, afinal era Ogan de Exu, com um sinal dela começou a tocar, sem que ninguém esperasse, Claude de um grande salto, parou no meio do terreiro, começou a cantar um ponto em Yoruba.   Falava rapidíssimo, só ela o entendia perfeitamente.

Ele correu por toda a Gira, a cada um que tocava, este incorporava seu santo, ela ria, ele já tomou conta da gira.  Os mais velhos da casa estranhavam, pois era ela que fazia isso.

Quando minha mãe Odete, chegou, não entendia nada, se sentou ao lado de sua irmã, caramba o gringo é dos nossos.

Ele pediu se podia levar as pessoas incorporadas até o grande Iroco.  Mãe Cida disse que sim, mandou fechar as portas do terreiro, já sabia como era a coisa, ficariam cheios de curiosos, parados no portão, para ter o que comentar depois.

Ele levou todos que estavam incorporados até o grande Iroco, por sinal uma Mangueira, que ninguém sabia precisar quantos anos tinha, mas pelo seu tronco, muitos.

Pediu um lençol a Yaô, que antes olhou mãe Cida, ela fez sinal que o obedecesse.  Pediu que o Benjamin, fosse tocando os pontos dos Orixás incorporados, ia saudando cada um, ao mesmo tempo que ajudava a pessoa voltar a realidade.  De um grande alguidar, ia dando água para as pessoas que bebessem em suas mãos.   Para todos isso era uma grande novidade.

Um homem que chega sem ninguém conhecer, muda todo o sistema da casa.

O mais curioso, era que ia dizendo o nome das pessoas, sem ao menos perguntar quem era, esse homem nunca nos viu nem mais gordo, nem mais magros, como sabe nosso nome.

Quando tudo terminou, mãe Cida explicou, a uns dois anos, os Orixás me encarregaram de encontrar esse irmão que estava em terras francesas, eu tinha que encontrar um jeito dele vir para cá.

Fazer com que ele chegasse até aqui, ele em sonhos foi conhecendo as pessoas que poderia confiar, que falassem sua língua.    Primeiro encontrou uma enfermeira na clínica aonde vai ser operado, em seguida com o Benjamin hoje de manhã.  Acabou aqui, como era de se esperar.    Não se assustem com a maneira de se comportar de seu Exu, pois ele é muito poderoso.   Nos ajudará muito daqui para frente.

Mais tarde quando Claude, voltou a si, ria muito, pois se lembrava de tudo, ele disse que eu devia ficar vendo para aprender.

Hoje entendi muitas coisas, a alguns anos atrás descobrir quem sou, quando meu pai morreu, ao lerem o testamento, diante de sua família, existia uma carta para mim.                         A guardei, não tinha um bom relacionamento com ele, depois de muito tempo li a carta, me explicava que não era filho dele, mas sim de um irmão que seu pai tinha tido fora do casamento.   Um dia este apareceu, pediu que cuidasse de seu filho, me deixou com ele, desapareceu.   Me registrou como seu filho, pois eu era um bebê, mas ele não tinha muito jeito para ser pai, reconhecia.

Me deixou o escritório, o apartamento que vivíamos, bem como uma boa soma de dinheiro, tinha procurado todos esses anos pelo meu pai verdadeiro, nunca o tinha achado.

Foi quando comecei a sonhar com mãe Cida.   Ela algumas vezes me explicava o que tinha acontecido.

Meu pai verdadeiro, se perdeu em Benin, era filho de uma mãe de santo de lá com o que seria meu avô, numa das missões que pelo governo tinha ido ao Benin.

Por isso eu sem querer sabia Yoruba, estava no meu subconsciente.

Benjamin, perguntou se ele tinha o número do Edmundo, era necessário avisar, ele teria que ficar lá uma semana.

Minha maleta está na clínica, falaram os dois com Edmundo, disse que saia do serviço dentro de momentos.   Benjamin combinou que o iria esperar aos pés da Mangueira, aí subiriam.

Quando o Edmundo chegou, pegou a maleta, foram subindo os dois, queria saber o que tinha acontecido.

Melhor ele mesmo contar, perdeste todo um acontecimento.

Quando Edmundo entrou no terreiro, reverenciou o Iroco, o mais estranho foi que mãe Cida o abraçou, olá minha filha, a quanto tempo.

Vocês se conheciam, perguntou o Benjamin?

Sim, a muito tempo, Edmundo, vinha sempre aqui, até que começou a transformação.           Estas linda, minha filha.

Ela mesma lhe explicou tudo, como o Claude sonhava com eles, ele já te conhecia também pelos sonhos, se não encontrasse o Benjamin hoje, teria que ser tu, que o trouxesse.

Claude comeu alguma coisa, disse que estava muito cansado. Quando todos se despediram, foram descendo, mãe Cida disse ao ouvido do Benjamin, se podes venha aos finais de tarde conversar com ele.

Assim se passou a semana, o que acontecia durante o dia, era um mistério, pois mãe Cida tinha proibido a Yaô que vivia no terreiro falar no assunto.   Claude tampouco falava.

Benjamin, chegava conversava, algumas vezes ele pedia que cantasse alguma música para ele, mas sempre repetia ao final, “Bom dia Tristeza” nunca entenderia por quê?

Já quase no final de semana, finalmente soltou, que iria a Paris, para fechar ou vender o escritório, resolver suas coisas.  Lhe perguntou se não queria ir com ele.   Quando volte, vou abrir um escritório, poderias trabalhar comigo, como advogado, pois terei que pedir licença, bem como estudar as leis daqui.

A Yaô, tinha se dedicado nos tempos livres ensinar português para ele.   Falava bem melhor.

Depois terei que encontrar um lugar para viver, bem como um escritório, ou tudo junto ainda não sei.

Quando Benjamin, comentou isso com mãe Cida, o que ela achava do convite, da viagem, trabalhar com ele.   

Foi franca, ainda não notaste, mas ele veio para cá, por ti, por isso gosta tanto dessa música, sempre sonhava contigo.   Nunca amou ninguém, de uma certa maneira está apaixonado por ti.  Não tenha medo, pois já vi que gostas dele também.

Nunca tinha tido relacionamento com homens, mas se sentia atraído por ele.    Num primeiro momento tinha se sentido atraído pelo Edmundo, mas ao descobrir o processo doloroso que estava passando, entendeu que não tinha tempo para isso.

O primeiro dia que saiu, queria ir tomar um banho de mar, convidou mãe Cida para ir também, minha mãe que adorava o mar, veio junto, subi meu velho carro por uma rua lateral, assim mãe Cida não teria que descer a colina inteira.

Os levou a um lugar que gostava de ir, lá na reserva, num restaurante a beira mar.   Avisou Claude que era perigoso, que isso não era mediterrâneo, que tinham muitas correntes.

Mas nadava como um peixe.  Estava fascinado pelo seu corpo magro, quase sem pelos, seus cabelos esses dias tinha crescido, estavam largos, de um castanho escuro.

No caminho de volta, tornou a falar de ir com ele a Paris, enquanto me opero, além da recuperação, vá tirando um passaporte, peça uma licença sem remuneração, assim poderás ir comigo.

No dia seguinte fez isso logo de manhã, bem como marcou hora para tirar o passaporte, não sabia por que ia com ele, mas confiava inteiramente no Claude.  De tarde foram ao centro da cidade, pois ele queria comprar roupa branca para ele.   Não posso ficar usando sua roupa.   Nesse dia devolveu a que lhe tinha emprestado.   Em casa, ia colocar para lavar, mas ao sentir o cheiro do Claude, não conseguiu, guardou dentro de um saco plástico, no armário de seu quarto.

Depois da operação voltou outra vez para o terreiro, a Yaô cuidava dele, normalmente no final do dia, Edmundo vinha tirar algum ponto, ver como estava a recuperação.  Ele ao contrário, ia todos os dias para conversarem.    Tinha se informado, como deveria fazer para conseguir o reconhecimento do seu diploma no Brasil.   Teria sim que pedir um visado para trabalhar no Brasil.

O tempo passou voando, quando viu já estava no aeroporto, se despedindo do Edmundo, bem como de sua mãe.  A velha tinha se encarinhado do Edmundo, estavam sempre conversando sobre mil coisas.

Descobriram que o sonho do Edmundo era ser médico, mas só tinha podido estudar enfermagem.

Ia conversando isso com o Claude, esse disse que o ajudaria, gosto muito dele. 

Brincando, lhe disse, mais do que de mim?

Não, você foi o farol que me guiou até o meu destino, meu amor por ti é imenso.

Não esperava essa resposta, ficou constrangido.   Lhe disse diretamente que nunca tinha tido relacionamento com homens, que não sabia como se comportar.

Não se preocupe, pois nos encontraremos nisso também.

Depois de servirem o jantar em pleno voo, acabou dormindo, estavam muito comportáveis em classe especial, não era primeira classe, mas tinha conforto.   Quando despertou, já era de manhã, iriam começar a servir o “Petit déjeuner”, ainda pensou, finalmente vou usar tudo que aprendi com meu pai, seu irmão ao contrário achava tudo chato o que o velho ensinava.

Estava levando o endereço que sua mãe tinha de Lyon, que ele o tinha deixado com seus papeis.

Se sobrasse tempo iria até lá.   Claude disse que não se preocupasse que iriam.  Iria descobrir antes se morava nesse endereço a família do seu pai.

A chegada a Paris, foi emocionante, o avião, como tinha que esperar deu uma volta sobre a cidade, ele ria, como uma criança.

Pegaram um taxi para a casa do Claude.  Era um belo apartamento, ele disse que tinha sido do seu pai, que não gostava muito de lá, quando ele morreu, reformei somente meu quarto, bem como a sala que uso para ler e trabalhar, o resto é essa velharia.

Vou colocar a venda, com tudo que está dentro, existe inclusive quadros de um bom valor.  Ficas no quarto ao lado do meu, que também é uma suíte.

O quarto, bem com a saleta que ele dizia, eram modernos, o quarto que lhe indicou, era um meio termo.

Amanhã, começo a colocar mãos a obra, hoje vou te mostrar meus lugares preferidos da cidade.

Estava claro, mais frio que no Rio de Janeiro, o outono já tinha começado, viu que Benjamin estava parado diante de um cartaz da Ópera.   Isso talvez seja a única coisa que sinta falta, a Saison, a temporada de Ópera, teatro, exposições de arte, que ia com alguns amigos.

Amanhã, vou marcar um jantar com meus poucos amigos para que te conheçam, alguns são um pouco exagerados, ou afetados, mas não se preocupe.   Mas não comente nada que estou vendendo o escritório, bem como o apartamento, que volto para o Brasil.

No dia seguinte foi com ele para o escritório, era como ele tinha descrito, tinha dois sócios que eram antigos, fez uma reunião com eles, disse que queria vender sua parte, logo se mostraram interessados. Isso incluía o local.    Se compram com tudo, deixarei o apartamento a parte, para mais à frente.

Deu entrada nos papeis, foi com ele a embaixada brasileira, tinham agendado um horário, como era um advogado conhecido, foi atendido pelo próprio cônsul, que imediatamente chamou o responsável, para providenciar tudo para ele.   Se decides ficar definitivamente, terás que fazer uma prova na OAB, explicou o que era.

Voltaram ao escritório, ele foi passando seus casos para um advogado dali sua secretária, quando soube chorou, trabalhava a muitos anos com ele.

Quem sabe venha me visitar, ou mesmo trabalhar comigo no Brasil.   Ela balançava a cabeça, nada me segura aqui mesmo.

Apesar de Claude ter avisado, os amigos, foram efusivos com ele, olhando os detalhes da operação, quando perceberam que ele estava junto, foi sendo apresentado um a um.

Um deles soltou, sem saber que ele falava francês, eu também quero ir fazer uma operação no Brasil, trazer um namorado de lá.

Benjamin, não é meu namorado, mas sim o melhor amigo que poderia ter encontrado.   Só um deles sabia da história dos sonhos.  Sentou-se ao seu lado, Claude, depois necessitas me contar como aconteceram as coisas.     A maioria comeu, comemorou, cada um tinha uma desculpa para ir embora, só ficaram finalmente os três.   Só então entendeu que Jean, não era amigo dos outros.

Claude explicou, que se conheciam desde a infância, que os dois tinha estudado juntos até a universidade.   Saíram dali, estava as margens do Sena, se via ao longe, a torre Eiffel toda iluminada, sem querer se encostou no muro, começou a cantar, “Bom dia Tristeza”.  A cara do Jean, era impressionante.

Essa era a música que dizias que escutava nos sonhos não é, porque vivias assoviando a mesma. Sentaram-se num banco numa praça, Claude contou tudo para o amigo. Este no final chorava, como vou fazer sem ti aqui.

Quem sabe venha nos visitar no Brasil, ao se despedirem, Jean olhou bem para o Benjamin, cuide bem de meu amigo, ele merece.

Ficou com aquilo na cabeça, quando subiram no elevador, ficaram próximos um do outro, colocou o braço pelo ombro do Claude, o atraiu para ele, o beijou.

Não podia imaginar que isso, iria mexer tanto com ele, nunca tinha sentido desejo por ninguém, o sexo para ele, acontecia quando estava com alguns amigos, todos arrumavam acompanhantes, sempre sobrava alguma garota para ele.

Mas nunca tinha sentido isso ao mesmo tempo, queria seguir em frente.  Claude colocou as mãos nos seu peito, vamos devagar.

De noite se levantou, foi sentar-se na saleta que ele usava, podia sentir ali seu perfume.  Demorou a dar conta que Claude estava sentado na outra poltrona.

Não podias dormir?

É porque nunca senti uma emoção como está ao te beijar, estou aqui ruminando, uma vez uma garota me disse que na cama eu parecia um garoto, que não sabia bem como me comportar. Quase disse a ela, que não queria estar com ela nesse momento, não me sentia no fundo atraído por ela. Mas agora pensando com todas era a mesma coisa.     Mas tampouco me sentia atraído pelos rapazes.  

Estavas esperando por mim?  Comentou Claude rindo.

Quem sabe, mas tu deves ter mais experiencia do que eu.

Não tantas quando devia ter, nunca me senti atraído por homens como meus amigos.  Eu, bem como o Jean, sempre fiquei na surdina.   Tive algumas aventuras sem importância, como tu dizes, não sentia nada pela pessoa.    Mas quando cantaste a minha música, me apaixonei por ti.

Estendeu a mão para ele, ficaram ali de mãos dadas, Benjamin se sentia reconfortado, com tendo encontrado finalmente alguém a quem amar.   Quando foram para a cama, foram devagar, tudo era um descobrimento para ele, nunca tinha sentido tanto prazer.

A semana passou rápido, no sábado foram a Lyon, já sabiam que havia familiares ali.  Quem os atendeu foi uma senhora, a quem a vida não tinha favorecido.  Quando lhe mostrou a foto que tinha de seu pai, ela começou a chorar.   Um belo dia ele desapareceu, nunca mais deu notícias.   Tempos depois apareceu aqui uma mulher dizendo que tinha um filho dele, o deixou nas minhas mãos.  É mais velho que você, mas vive internado, pois já não posso cuidar dele, tem autismo, permaneceu uma criança.

Ia sair agora para vê-lo, vou todos os dias pois é a única pessoa que gosta perto dele.  Foram com ela, não era uma criança, tinha sua altura, magro, quando os viu, foi direto ao Claude, ele veio contigo perguntou.

Claude apontou ao Benjamin?

Não, o outro, o senhor negro que sempre, vem me fazer companhia, diz que meu irmão virá me ver.

A senhora estava de boca aberta, ele nunca fala muito, essa conversação é muito para ele.

Claude disse, ele é teu irmão.

O rapaz foi até o Benjamin, o abraçou, ele diz que vais cuidar de mim.   O rapaz era muito bonito, dava pena.  Conseguiram levá-los para almoçar.

Sua tia lhe contou que tinha filhos, mas que viviam em Marseille, que breve teria que ir viver com eles, pois já tinha muita idade, além de problemas cardíacos.

Por isso o internei.

Durante todos esses anos, cuidei dele, foi mais querido que meus filhos.  Por isso não o aceitam.

Ficaram de voltar antes de ir embora, Benjamin não tirava o rapaz da cabeça, falou por telefone com sua mãe, que nem pensou duas vezes, não consegues que te deem a guarda dele?   Podes trazê-lo que cuido dele.

Conversou com Claude o que tinha dito sua mãe, na verdade nunca estaria tranquilo, pensando que ele ficou para trás.  Se consigo sua guarda poderia ir para o Brasil conosco.

Vou verificar tudo.   Nessa semana foi enrolado, negociou a venda do edifício, bem como de sua parte do escritório, teria dinheiro por muito tempo.  Foi ao Banco do Brasil, depositou uma parte.   A outra conseguiu transferir para um banco no Luxemburgo, assim seria mais fácil chegar ao Brasil.

Voltaram a Lyon, Claude falou com o juiz que levava o caso do rapaz, ficaram rindo quando descobriram que ele também se chamava Benjamin Clemente, este autorizou, desde que a sua tia desistisse da guarda dele.   Conversaram com ela, esta respirou aliviada, não me irei daqui com um peso na consciência.

Prepararam toda a documentação dele, compraram bilhete de avião.  O médico, lhe recomendou que se ficasse nervoso, desse um comprimido para ele.    Mas estava sempre ao lado do Claude, ele vai conosco verdade, agora já sabia a quem ele se referia.

Sim, vai conosco, ele tem muitos amigos, vamos te levar para lá, assim terás muitos amigos com quem falar.

Edmundo foi buscá-los no aeroporto, os levando direto para a Mangueira.    Odete recebeu seu novo filho de braços abertos, mas o melhor foi quando o levaram para o terreiro de mãe Cida.  Mal abriu a porta, Benji, como o chamava, correu para o Iroco.   

Mãe Cida, ria, ele consegue ver o que nenhum dos meus filhos de santo nem sequer imagina que estão no Iroco.   O mais interessante que ele mesmo se apresentou a ela, beijando suas duas mãos.

Perguntou se podia ficar vivendo ali com seus novos amigos.    Odete disse que passaria a maior parte do tempo que tivesse livre com ele, mas ele já tinha uma pessoa que o tratava, a Yaô, se tomou de amores por ele.   A obedecia, a seguia como um cachorro sem dono por todas as partes, logo, sabia preparar banhos, colocar água nas quartinhas dos santos, fazia tudo como ela fazia.

Odete sentou-se com o filho, dizendo, vejo que encontraste a pessoa que te faz feliz.   Não se preocupe antes de tudo eres meu filho querido.

Eles estavam procurando apartamento, bem como um lugar para montar um escritório.  Finalmente o encontraram logo ao princípio de Vila Isabel, assim poderia ir inclusive a pé para a Mangueira.  Era um local que facilitava tudo, tinha sido já um escritório, na parte de baixo, na de cima, era um apartamento. Tinha inclusive uma varanda, os dois gostaram do lugar, mas infelizmente o proprietário era um militar daqueles de visão fechada, quando os examinou bem, disse que não.

Enquanto isso estava na casa da Odete, duas casas ao seu lado estavam vazias, tinha inclusive caído o telhado.  Um dia Benjamin chegou, viu o Claude, conversando com um senhor de idade, era proprietário do dois barracos, negociou com ele, comprou os dois, conseguiu tratar com uns pedreiros que frequentavam o terreiro, o respeitavam muito, sabiam que ele era de Exu, não podiam falhar.

Construíram como se fosse qualquer outro barraco dali, por fora é claro, mas por dentro era outros 500, mãe Cida, Odete mesmo o Benjamin, a princípio não entendiam.  Ele foi franco, não quero viver longe do terreiro, é muito importante para mim.

Escritório, podemos conseguir qualquer um no centro da cidade, mas antes temos que estudar para fazer a prova da OAB, depois pensamos nisso.   Os dois barracos juntos, dava uma casa normal, com dois quartos, uma sala, cozinha, uma pequena área de serviço.   Não precisamos mais do que isso.  Mobiliaram normalmente, sem grandes luxos, na sala um sofá, duas poltronas de orelhas, para que mais dizia ele.

Benjamin estava louco para trabalhar, suas economias começavam a terminar.  Fizeram a prova da OAB, logo tinham seus diplomas reconhecidos.

Conseguiram um escritório, antigo, mas que tinha sido de advogados anteriormente, na av. Rio Branco, logo começaram a aparecer casos interessantes, não só do pessoal que ia consultar mãe Cida, que quando o caso era problemas jurídicos, ela dizia, minha filha, Orixá, não é advogado, sei que vieste aqui, por ser mais barato.   Mas olhe tome este cartão, vá falar com os dois advogados, são aqui do terreiro, tenho certeza de que te ajudarão.   Escrevia atrás do cartão, cuide bem dessa senhora, vejam se podem resolver seu problema.

Logo tinha uma clientela, tipo boca a boca, que iam trazendo mais pessoas.  

Claude ainda comentou com o Benjamin, estavas preocupado com ficar sem dinheiro, não confiaste em mim, seu sem vergonha.  Te da vergonha que eu tenha dinheiro.   O que é meu é teu.

Os dois contrataram os mesmo pedreiros, para fazer uma reforma geral no terreiro, mãe Cida ficou feliz.

Benji, adorava nos dias de ensaio, descer para a quadra, parecia um a mais da escola, decorava o samba enredo, ninguém sabia que ele tinha autismo, pois se desenvolvia bem.  Quando lhe ofereciam uma bebida, agradecia, dizia que fazia um tratamento, não podia beber, mas claro, Odete, suas amigas com que ela ia, não o perdiam de vista.

Quando tinha alguma coisa no terreiro, ele era o primeiro em estar pronto, era como a Yaô do Exu do Claude.   Este agora aprendia Yoruba, além de estudar com afinco o Ifá.  Uma vez por semana, atendia os casos mais complicados.   Mas deixava que seu Exu falasse por ele.   Era conhecido por todo mundo como o Francês do Exu.  

Cada vez mais ele era o braço direito de mãe Cida, tinha em casa um canto só seu, onde sentava-se muito cedo, por volta das cinco da manhã, começava com uma oração em Yoruba, depois acendia incenso, se concentrava, começava a jogar.  Conversava com seu Exu, através do jogo.  Isso ele não falhava.  Era outro que nunca bebia, nem uma cerveja.   Algumas pessoas comentavam que ele devia sentir falta daquela bebida famosa dos franceses, o tal do champagne, alguns até lhe davam de presente, uma sidra cereser, ele agradecia a amabilidade, mas levava para o terreiro, para alguma obrigação.

Benji era mais agarrado com ele que com seu irmão, mas talvez porque tinha sonhado com seu Exu sempre, ao mesmo tempo que estudava Yoruba, se surpreendeu que o rapaz, aprendesse tão rápido.

Ele disse que o Exu sempre tinha falado com ele nessa língua.  As vezes falava com mãe Cida, quando no jogo aparecia alguma coisa em Yoruba, retificava o que ela imaginava.   Acabou se juntando a eles no seu grupo de estudo, apesar de sua idade.

Muita água passou por baixo da ponte, os dois tinham muitos clientes, Claude, não trabalhava um dia da semana, ele ficava apertado.  A secretária de Claude de Paris, bem como Jean, anunciou que vinha passar as férias com eles.  Ele não se preocupou nem um pouco, Jeannete ficaria na casa de Odete, Jean na casa deles.    Riram muito subindo com suas maletas as ruas estreitas da Mangueira.

O mais interessante era que Nete como lhe chamava Odete, as duas pareciam se conhecer de toda vida, ia lhe ensinando português, quando a levou a uma roda de samba, esta ficou louca, isso é o paraíso dizia.

Jean, foi outro caso, quando conheceu Edmundo, que estava em crise, pois tinha agora dúvidas quanto a operação final.   Se saber como, os dois começaram a conversar, se entendiam de maravilha, se abria com ele, como não fazia com ninguém.    Jean suspirava por Edmundo, encontrei a pessoa perfeita para mim, essa dualidade que ele tem, me fascina.

Quando lhe perguntaram quando ia embora, disse que tinha se aposentado, que ficaria ali, o negócio era arrumar um apartamento para ele viver, ele tinha sido durante muitos anos, professor de música, no conservatório de Paris, arrumar emprego não foi difícil.  Quando conseguiu um apartamento, perto do Edmundo, o convidou com ele para irem a Paris, já que este tinha férias vencidas, assim arrumaria seus papeis.  

Nos dias que Claude, não ia ao escritório, Nete começou a ir ordenando os papeis, fazendo o papel de secretária.   Um dia os encostou na parede, porque não me contratam, assim eu fico.  Convidou Odete para ir com ela, assim, ela poderia dividir ou colocar algumas coisas no container que Jean ia trazer de lá.

Quando voltaram, vinha eufóricos, Edmundo tinha realizado um sonho, conhecer Paris, pelas mãos do homem que o aceitava como era.   Odete, dizia que poder ir a pátria do seu marido, tinha sido fantástico. Ele estava sempre falando, ainda foram a Marseille, ver sua irmã.

Claude quando eles voltaram, comentou com Benjamin, agora é a prova dos nove, vamos ver como se adaptam.

Sem problemas, Nete falava português com um ligeiro sotaque, que lhe dava um charme especial, sua educação com os clientes, os deixava encantados.

No primeiro natal todos juntos, foi uma festa fantástica.  Jean inclusive tinha rejuvenescido, pois tinha encontrado uma pessoa especial.

Nete, agora inclusive frequentava o terreiro.

Os anos foram passando, Charles tinha decidido vender seu apartamento em Paris, para comprar um na praia, mas desistiu, queria construir uma escola ali em cima, perto do terreiro, para trazer um professor da Nigéria para dar classe de Yoruba.   Conseguiram convencer mãe Cida de ir com eles até lá, para pensarem direito no assunto.  Ela alegava, estou velha demais para isso, mas acabou indo.

Foram por Paris, tudo para ela era como estar na Disney.  Depois foram para a Nigéria, tinham alguns contatos dados por amigos do Brasil.

O que encontraram foi um imenso caos de língua, mas Exu salvou a coisa, os dirigiu a uma montanha no interior, ali vivia um velho babalorixá no que tinha sobrado de uma antiga aldeia.   Esse riu, lhes explicou a arrogância de muitos, estavam fazendo perder a essência da língua do Ifá.  Ele mesmo tinha dois auxiliares, um deles, disse é perfeito, entende os sons dos orixás.   O mais importante é isso.  Quando os ancestrais falam, usam sons, o que muda o contexto do que está falando.  O convenceram de ir experimentar viver no Brasil.

Se esbarrou, que os próprios negros algumas vezes o rejeitavam, por ser africano.  Era um homem tímido, a pessoa com quem ele mais se entendia era o Benji, que quando se via os dois falando Yoruba, traduzindo alguma coisa dos Orixás, era impressionante.   Claude dizia que não eram só os dois falando, em volta deles estão todos os orixás que saem do Iroco, para falarem.

Mandu, como se chamava o nigeriano, leia o Ifá, como ninguém, alguns babalaôs vinham consultá-lo sobre alguma coisa, construíram como o Claude queria, um local, ali, poderia ensinar, bem como ele poderia atender os que lhe procuravam.

Alguns chegavam carregados de joias, se encontravam com aquele negro franzino, de uma simplicidade única.    Se desarmavam em seguida, com ele, não adiantava mostrar nenhum poder, pois ele não precisava disso.   Os atendia amavelmente, lhes oferecia água, acendia um troço de madeira ou de canela, ficava primeiro conversando com a pessoa, até que ela relaxava, falava do problema.

Analisava, os orixás que cercava o pai ou mãe de santo, conversava com eles, jogando o Ifá, orientava a pessoa, quando ao final lhe pediam segredo, ele dizia, meu filho, para quem vou contar qualquer coisa a respeito.   Eu estou aqui para servir, nada mais.  

Logo, os que vinha estudar, ficavam admirados, do Benji, sempre vestido de branco, com a mesma simplicidade.  Ele acendia incenso, com umas pedras que tinham um cheiro especial.  Alguns entravam em transe em plena aula, pois seu orixá, queria participar, fazer alguma observação.

Com os anos deu certo, muitos que estavam na fase final de seu aprendizado para pai de santo, ou babalorixá, ia lá ter aulas com os dois.    O mais interessante, era que um era negro retinto, o outro branco como a neve.

O tempo as vezes muda o rumo das vidas.  Jean tinha convencido Benjamin de fazer com ele aulas de canto, ia todos os dias depois do trabalho fazer aulas, menos os dias que lhe necessitavam no terreiro, agora soltava seu vozeirão nos ponto de Exu, Ogum, Xangô, de sua devoção.

Jean, como quem não quer nada, começou a lhe ensinar a cantar ópera, dizendo que assim treinava sua voz.   Como estava trabalhando com os cantores do Municipal para uma ópera Francesa, preparou sem que ele se desse conta para o papel principal.   Dez dias antes da estreia, foram avisados que o cantor francês que vinha, estava doente, com um problema sério, Jean convidou o diretor da ópera para ir conhecer um cantor, o deixou meio escondido, colocou Benjamin para cantar a música principal.  O homem se encantou com a voz dele.   O duro foi convencê-lo, a participar, ensaiar, foi necessário que Claude insistisse.   

Tens que aproveitar esse dom que tens, aproveite a oportunidade que a vida te brinda.  Ai sim, como Claude ficava mais tempo no terreiro, tinham contratado dois advogados, quem dirigia tudo era Nete, com mãos de ferro.

Ele se preparou com os outros cantores, quando chegou a cantora principal, não gostou muito, mas quando o viu ensaiar, logo gostou.   Ensaiaram um bis juntos, para o final.

No dia da estreia, o teatro estava lotado, mas ele sabia que na plateia estavam, Claude, Odete, mãe Cida, Mandu e Benji, então se relaxou, cantava para eles.

As críticas no dia seguinte, comentavam que nasciam um grande cantor, no bis, fez como tinha combinado com a cantora, mas pediram outro bis, ele aceitou cantar, se dirigiu ao público em português, todos pensavam que era francês.  Para a pessoa que conseguiu me fazer cantar.  Cantou a capela, “Bom dia Tristeza” o público veio abaixo.

Os jornais pediram entrevistas com ele, mas sabendo como era esse mundo incluiu a cantora, os dois falavam da ópera, na entrevista com os da televisão, foi a mesma coisa, os entrevistadores não falavam nem francês ou inglês, ele foi traduzindo as perguntas para ela.

Esta estava encantada da vida com ele, poderia a ter esnobado.  Um dia subiu com ela a Mangueira, a levando até o terreiro, adorou, o melhor foi ver Benji cantando o que ela cantava.  

É de família, levou tempo para perceber que ele era autista, ele ria feliz quando ela o aplaudiu.

É como uma esponja, dizia Claude, aprende tudo que lhe ensinam.   Ele jogou para ela, comentou do seu futuro brilhante.   Ela lhe perguntou, eu tenho um contrato para cantar em NYC, mas o que seria meu companheiro, é o que esta doente, é um recital, será que convences Benjamin de me acompanhar.

Ele riu a bessa, uma empresa nada fácil, pois é cabeça dura.

Mas ela ficou mais uma semana, no Rio, os dois ensaiaram todos os dias o que iam cantar juntos, bem como o que ele devia cantar sozinho.  Ela acrescentou que devia cantar a música que tinha cantado a capela.

Quando chegaram em NYC, o diretor da orquestra que os acompanhavam, ficou surpreso com a sonoridade da voz dele.  Ensaiaram todas as músicas, Jean que tinha ido junto, tinha levado a partitura de Bom dia Tristeza.   Ensaiaram que ele começaria cantando a capela, a orquestra entraria no final repetindo com ele a música.

Foi um sucesso, logo dali mesmo saíram convites, iriam a Chicago, Boston, San Francisco.  Benjamin estava louco de saudades apesar de falar sempre com o Claude, nunca imaginou que se sentiria assim, chegava a doer no seu corpo a falta que sentia dele.  Mas ao falar com ele, se serenava.

Acrescentou outra música no bis, porque agora a entendi, era Canção de Amor, de Chocolate e Elano de Paula, foram a Los Angeles, pediram se podia preencher um espaço vazio na agenda, só com músicas brasileiras.   Jean o preparou, trabalharam loucamente, gravaram essa apresentação, logo estava tudo no Youtube.  Ele cantava como primeira, Bom dia Tristeza, terminava com Alvorada, sempre chorava no final por se lembrar onde tinha vivido toda sua vida.  Quando chegou levantou Claude nos braços, o beijando na frente de todos.

O canal de televisão, veio para filmar sua vida na Mangueira, ele concordou, fizeram uma gravação, embora ele explicasse que ali não era a Bahia da música, vinha descendo as escadarias, da Mangueira, com a garotada toda vestida de camisa listradas, em determinado momento, as amigas de sua mãe da Ala das Baianas, iam se incorporando, com Odete vestida de uma de suas roupas.  Todos estavam sempre acostumados a escutar essa música cantado normalmente por cantoras, mas na voz dele ficava diferente, no final, uma versão com a bateria da Mangueira.

Estourava no Youtube, de tantas visitas, logo choveram convites, por ele terias descartados todos, mas Claude disse que nem pensar.   Ele sentia falta de cantar os pontos de Exu.

Resolveram então passar o escritório para os novos advogados, já que Claude, passava mais tempo no terreiro, mãe Cida, já não tinha idade para levar tudo, ele ajudado por Mandu, levavam tudo agora.  Claude era conhecido ou como o Francês de Exu, ou como seu Claudio do Bara, ele ria, mas não corrigia, era melhor não confundir dizia.   

Mandu, era o Africano do Yorubá, ria disso, sou um humilde aprendiz, dizia.  Quem realmente entende dos Orixás é o Benji.

Quanto mais mãe Cida ficava doente, mais iam assumindo o terreiro. Muitos filhos de santo tinham um certo receio, mas ele acalmava todos.

Antes de morrer ela, passou o mando do terreiro para Claude, dizia pela primeira vez, um Exu, seria o rei desse terreiro.

Nesse dia ela estava sentada num trono africano, que Mandu tinha executado ele mesmo.  Muitos pais de santo, babalorixás famosos, vieram render pleisia a ela, e ao outros dois.

O mais interessante era que Benji agora substituía o irmão, como Ogan, bem como cantava os pontos todos.

Benjamin, quando soube da data, estava na Noruega, com Jean, mas nem discutiu, veio num voo complicado, mas estava lá ao lado do homem que amava.   Dois dias depois Mãe Cida morreu, foi cremada, suas cinzas enterradas na Mangueira.   Sem querer ela tinha os juntados todos, Odete dizia que ia sentir muito a falta de sua irmã mais velha, bem como conselheira.

Benjamin, voltou a sua turnê, iria direto agora para Tokyo, de lá para Austrália, pedia ao Jean que sempre fizesse uma pausa para ele poder ir ao Brasil, matar as saudades do Claude.

Jean um dia comentando com este.   Ele nem olha os aduladores, que querem fazer sexo com ele, não existem para ele.  Só fala em ti, eu fico com saudades do Edmundo, mas ele é pior.

Quando tinha que partir outra vez, chorava, mas sabia que não podia pedir ao Claude, largasse a coisa mais importante da sua vida.

O mais divertido, é com o dinheiro que ganhava, nem pensava em se mudar da Mangueira.  Voltou ao Brasil, ficou dois meses preparando um novo show com o Jean, totalmente brasileiro.  Tinha contrato para cantar em NYC, Los Angeles, Boston, finalizando em Las Vegas.

Esses três meses sentava-se ao lado do irmão tocando atabaque feliz da vida, os dois cantando os pontos. Estavam mais próximos, um dia Benji disse que sempre sentia saudades dele.

Sua mãe, preparou um figurino para ninguém botar defeito, mas pediu que ela fizesse uma roupa branca que ele gostaria de experimentar cantar um ponto, com turbante e tudo de Ogan, levou seu atabaque com ele.  Fez uma obrigação para lhe permitirem cantar, Exu rindo disse que sim, mas quero ver você explicar, mas ele cantaria em Yoruba.   A primeira vez, foi em NYC, quando acabou o show, num dos bises, disse, um minuto, foi ao fundo do palco, trocou de roupa de costa para o público, colocou o turbante, já tinha colocado um banco de madeira que o iria acompanhar a turnê inteira. Sentou-se com seu atabaque, sabia que estava cheio de brasileiros, falou em português, depois em inglês, que cantava a quem tinha aberto todos os caminhos para ele, cantarei uma parte em português outra em yoruba.  Assim fazia, o público vinha abaixo com isso.  No dia seguinte, estava no Youtube, com milhões de visitas.

Odete levou para o Claude ver, este chorava de emoção.   Sentia falta dele, mas entendia que cada um tinha um caminho.

Quando finalmente chegaram a Las Vegas, tinha aumentado os dias de apresentação, ele pensava em ficar uma semana, logo queria firmar um contrato por uma temporada. 

Disse ao Jean, que era seu representante, nem pensar, posso voltar, mas quero ir para casa, antes que meu coração exploda.   Negociaram com o casino, montariam uma orquestra com brasileiros, ele viria com a Odete para fazer o figurino.   Um do casino, sugeriu que ele cantasse músicas da Carmen Miranda.

Disse que nem pensar, só cantaria músicas que gostava.

Ficou dias nos pés do Claude, este tinha agora a cabeça toda branca, ainda não tinha assinado o contrato, disse que o faria, se ele prometesse, que iria, pelo menos uma semana.

Na estreia, estavam os amigos, o casino pagou a passagem do Edmundo, do Claude, Benji, Mandu, ficou para cuidar do terreiro.

Fez o show, com dançarinos, com os músicos, todos com os figurinos da Odete, num determinado momento, parou o show, apresentou Odete, vestida de baiana, começou a cantar Exaltação a Mangueira, antes explicou que tinha nascido, criado nesse lugar, falou dos figurinos feitos pela sua mãe, começou a cantar, chamou Benji que sabia que gostava de dançar, meu irmão comentou.  O público ficou em pé, foi uma loucura.    Para finalizar, comentou em inglês, a partir dessa música que é minha preferida por vários motivos, tudo começou.   Ficou parado no meio do palco, cantando Bom dia Tristeza para Claude. Desceu do palco, foi até ele o beijou na frente de todos, meu marido comentou.

No dia seguinte se casaram, se casariam de novo no Brasil, na sua primeira ida para passar o fim de ano.

Iria depois para Paris, por seis meses, percorrendo a França com seu grupo.

Benji agora, era como um carrapato com ele, não saia do seu lado.  Sabia todas as músicas do show, brincou com o Jean, vou mandar ele no meu lugar, canta melhor do que eu.

Apesar do sucesso, se negava a estender o tempo fora do Brasil, o mais interessante, era quase um desconhecido na mãe pátria, dizia sempre, santo de casa não faz milagres.  A verdade era que ele não encaixava no tempos atuais, o tipo de música de agora, não era com ele.

Quando quiseram renovar para voltar com outro show a Las Vegas, disse é o último, tenho dinheiro por muitos anos, qualquer coisa volto a ser advogado.

Ficou seis meses preparando o show na surdina, só músicas que ele gostava, recuperou muitas coisas de Cartola, Pixinguinha, Lamartine Babo, marchinhas de carnaval, Odete estava como louca desenhando o figurino para mandar, iria nos preparativos finais.

Estava preocupado com Claude, estava mais velho, cansado, dizia que a responsabilidade era grande, preparava Mandu, bem como uma moça para serem pais de santo, quando ele se retira-se.

Mas Exu dizia que ele teria muito tempo pela frente, trabalhe menos.  O próprio fazia uma seleção, as vezes uma pessoa queria falar com o Claude, ele mandava Mandu ou mesmo Benji atender.

Se sentava ao lado do Benji, dizendo na sua cabeça o que ele devia dizer a pessoa.  Ele lia o jogo em Yoruba, depois traduzia a pessoa.

Nada de matanças inecessárias, resolvia os problemas simplesmente, com banhos, frutas para os Orixás, foi lhe ensinando quais frutas que gostava cada um.  Tempo depois os mais jovens que vinham consultar, era com Benji, quando lhe perguntava pela sorte, se ganhariam na loteria, dizia que fossem trabalhar, que era o melhor.

Um dia um dos traficantes de drogas entrou sorrateiramente no terreiro, pediu ao Benji para jogar para ele.   Ficou surpreso dele ser tão franco.   Lhe chamou a atenção, como um homem como ele podia ter-se perdido por causa dessa merda.  Rico pensavas tu, mas se contínuas, vais encontrar a morte, o pior e que não vais levar nada para o outro mundo.    No teu trabalho, logo começaram os problemas, quer um conselho, arrume tua trouxa, desapareça, para muito longe.   O traficante ficou olhando para ele, mas encontrou um olhar límpido, que olhava fixo nos seus olhos.   Se não gosta do que digo, procure alguém que te engane direito.   Mas sabes que não gostamos de gente do tráfico aqui.   Não demore muito pensando no que eu te disse.

Menos de uma semana, não se falava em outra coisa, que o homem tinha desaparecido durante uma noite, muitos pensavam que o tinham matado, pois seu carro foi encontrado no final do Recreio do Bandeirantes queimado.

Exu se matava de rir, nos livramos de um bom sem vergonha, quando Claude soube, ficou preocupado, mas Exu disse que nunca deixaria seu filho predileto desamparado.   Saberias encarar esse homem como ele fez?

Claude reconheceu que não, que talvez mentisse sobre o que via no jogo.

Os mais jovens gostavam quando ele jogava, porque falava uma linguagem que eles entendiam, dizia logo, estão no caminho errado, vê se toma vergonha na cara, arrume tua vida de uma vez, dava verdadeira broncas.    Uma vez Claude o viu exaltado com um casal, não sabiam o que fazer, o filho era autista, não o entendiam.   Se levantou na frente deles, dizendo eu tenho a mesma doença do seu filho, podem trazer esse menino, que eu cuido dele, se vocês não têm paciência, eu tenho.    Dias depois apareceram com o menino, de longe Claude observava.   Ele se sentou com o garoto no chão, embaixo do Iroco, ficou conversando com ele, o menino que estava agitado, ficou calmo, começou a falar com ele.

Um dos grandes problemas da doença era a falta de comunicação de ambas as partes.  Agora a família o trazia todas as semanas para conversar com o Benji.  Tinha deixado de estar agitado.  A mãe ria, dizendo, digo que vamos te ver, ele se arruma sozinho, quer sempre colocar uma roupa branca como tu.

Anos depois esse rapaz, estaria na faculdade, estudando como um aluno brilhante.

Benji ficou conhecido por isso, mas dizia que não tinha sido ele, mas sim o Bara que o tinha guiado como fazer tudo.

Benjamin desta vez voltou exausto da viagem, o show tinha sido exaustivo.  Apesar da oferta maior, se negou a ficar, queria estar na sua casa.  Agora se levantava cedo para estar junto com Claude, nas orações, já encontrarei um jeito.

Claude o convenceu de fazer um exame exaustivo, além do stress, estava anêmico, fez um tratamento sério, mas o que gostava mesmo era de voltar a tocar o seu atabaque, cantar os pontos no terreiro.

Algumas vezes o convidavam para cantar em algum lugar, se fosse fora do Rio, rejeitava.

Queria passar mais tempo com Claude, nesse tempo todo, se guardava para estar com ele.  Nunca me sinto atraído por outras pessoas dizia.

Quando Claude fez 90 anos, fizeram uma grande festa.  Houve uma verdadeira romaria, ao terreiro de todas as pessoas que tinha conhecido ao longo dos anos.

Mandu, dizia que quem devia ser o chefe do terreiro era o Benji, ele sabe impor ordem, se entende melhor com todos os orixás, ninguém melhor do que ele para realizar todos os preceitos.  Basicamente não se percebia que era autista, era uma pessoa como qualquer outra.

Um dia ouviram ele discutindo com um filho do terreiro, como se atrevia a vir, a gira, depois de fazer sexo, sem tomar um banho, era falta de respeito com seu orixá, se ele queria seguir ali, tinha que respeitar os preceitos.    O outro lhe respondeu, que como ele não fazia sexo, nunca ia ter problemas.

O que eu faço ou deixe de fazer, é coisa minha, cuido dos preceitos todos, respeito os orixás, o mandou preparar para si mesmo um banho, que fosse ao Iroco pedir desculpas ao Orixá, isso tudo com Claude olhando de longe.  Não largou o pé do rapaz até que ele fez tudo.

Como sabias que tinha feito sexo, lhe perguntou depois?

Pelo cheiro meu pai, tudo tem cheiro para mim.  Acho uma falta de respeito vir sujo para o terreiro.  Para isso temos um banheiro apropriado, nunca me nego a preparar um banho para qualquer filho seu.

Acho que eles são mais filhos teus que meu.   No final, o rapaz veio pedir desculpas, ando meio perdido meu pai, Benji se sentou com ele, conversou sobre seus problemas.   Benjamin ficava curioso, como ele podia aconselhar se nunca tinha tido experiencias.   

Ora meu irmão, nunca vais entender, não sou eu que converso com eles, sim Bara, ele fala pela minha boca, realmente não tenho experiencias sexuais, tampouco tenho vontade de ter, estou bem assim.

Todos o respeitavam, bastava um olhar seu, para saberem que estavam fazendo alguma coisa errada, imediatamente se corrigiam.

Claude dizia que iria embora tranquilo.  Benjamin ficava furioso, como ele podia falar assim, temos ainda muito para viver. 

Meu querido, olha minha idade, realizei meus sonhos todos, inclusive tendo a ti do meu lado, que mais posso querer, ficar um velho gaga, nem pensar, quando chegar minha hora quero ir em paz.

Benjamin sabia que o estava preparando, tinha visto o que ele fazia pelas manhas, agora estava mais lento, as vezes parava no meio de alguma reza, como se estivesse conversando, esperando uma resposta, um dia se levantou, o viu ali sentado, com a cabeça caída ao lado.  Mal conseguia se mover do lugar, a dor que sentia era imensa.

Foi um enterro impressionante, o terreiro ficou abarrotado, tiveram que colocar pessoas na porta para controlar a entrada.  A Mangueira em peso, vinha render tributo a um homem que tinha vindo de fora, mas que formava parte dela.

Suas cinzas foram enterradas no Iroco, a escolha do seu substituto surpreendeu todo mundo, escolhia o Benji, como chefe do terreiro, espiritual, Mandu como chefe para orientar o pessoal.   Os dois jogavam búzios. 

Era a primeira vez que viam dois pai de santo tomarem conta do mesmo terreiro, mas os dois juntos a força era maior.

Benjamin, recebeu como herança o apartamento de Paris, todo o dinheiro que ele tinha, ficava para manutenção do terreiro.

Seu grande amigo Jean, fez uma belíssima oração no seu enterro, finalizando, me espere onde estiver velho companheiro de infância.

Desta vez ele partiu sozinho para um tempo em Paris, lhe chamavam para cantar, mas não lhe fazia muito mais graça, sentia falta do Jean, para organizar tudo.

Acabou vendendo o apartamento, voltou a viver na Mangueira, na casa deles, seguia indo ao terreiro, tocar atabaque para seu novo Babalorixá, seu irmão Benji.    Este o animava seguir em frente, quando estava sozinho em casa, as vezes se sentava onde o fazia Claude, cantando Bom dia Tristeza. 

Estava magro, cabelos brancos, a tristeza não o abandonava, um dia Odete o encontrou morto na cadeira em que tinha morrido Claude.   Sabia que agora ele estaria em paz.

Os outros seguiram suas vidas, mas o amor deles perdurou para sempre.








 


  


                                               BENJAMIN CLEMENTE


As vezes o nome não ajuda, era filho de uma mulata, com um francês louco, que um dia desceu de um navio na praça Mauá, para ver como era esse país, que tanto escutava falar.

Com os amigos foi a ensaio de samba na Mangueira, quando viu aquela mulata sambando, ficou como louco, não houve maneira de fazê-lo embarcar.  

Era pau para toda obra, tanto trabalhava na construção, como ajudava na montagem de carros da escola de samba.

Quando seus dois filhos tinham mais ou menos 10 e 12 anos, caiu de cima de um carro alegórico que estava montando, teve tanto azar, que caiu de cabeça em cima de uma máquina, essa quase o cortou pela metade.

Minha mãe, nunca se recuperou, eu tenho o mesmo nome dele Benjamin Clemente.  Ela sempre deu um duro desgraçado, para que tivéssemos estudos, para não acabar na merda como diria ela.  Costurava para fora, além de dirigir as costureiras da escola de samba, adorava fazer as roupas da ala das baianas, mas claro isso não condizia que podia sair na ala, não tinha idade para isso.

Meu irmão saiu totalmente brasileiro como ela dizia, mais malandro era impossível, eu ao contrário, gostava de estudar, cantar, por insistência dela, acabei estudando direito, embora cantasse no coro da Universidade, claro trabalhava ao mesmo tempo.  Como tinha estampa, além de falar duas línguas, consegui emprego numa boutique no shopping Rio Sul.   Estudava de noite, dando um duro desgraçado, mas o dinheiro ajudava em casa, além de me pagar a faculdade.

Quando chegou a época das práticas, o porco torceu o rabo, pois aonde iria encontrar algum escritório que me aceitasse.     Conversando com um cliente, esse que tinha escritório, me disse que o mais certo era conseguir um emprego em algum grande no centro da cidade, nem que fosse para começar de baixo, a outra sugestão era que eu entrasse para a polícia.

Minha mãe torceu logo o nariz, polícia, sei não, pelo menos os que moram aqui no morro, estão tendo sempre que fazer serviço por fora.

Tentei, consegui fazer um curso para policial, já que tinha faculdade, pulei tudo, fui trabalhar de detective numa delegacia do centro da cidade.   Gostar não gostava, mas tinha uma facilidade, ficava perto do lugar que o coro que cantava ensaiava.

Minha vida era essa correr de um lado para outro, aguentar as sugestões para aceitar algum suborno para aumentar o salário.  Mas sempre conseguia tirar o corpo fora.

Me relaxava cantando, o que minha mãe reclamava.   Num coro nunca vais chegar a lugar nenhum, eu lhe explicava mil vezes que era o que gostava.

Chegou um novo chefe na delegacia, tinha fama de corrupto, eu continuei fazendo meu trabalho a sério.  Era um caso complicado, mas ele mandou fechar a investigação.  Aleguei que tínhamos dois suspeitos, mas me olhou feio.   Eu insisti, na terceira vez, chamou o meu chefe, disse que a partir daquele dia, eu ia ser guarda urbano, que me tocava a praça XV, que devia andar por ali fiscalizando a feira dos sábados, os bares ali perto da rua do Ouvidor.  Quem sabe assim aprendia a entender as ordens.

Engoli em seco, pois sabia que os outros companheiros estavam rindo a minhas custas.   Mas me importava um pepino, pois não queria ser desonesto.

Diziam que eu era ingênuo, ou tonto, para não aproveitar as oportunidades, o mais sério deles, conseguiu escapar, fazendo provas para a Polícia Federal.

Eu já sabia que ser policial não era a minha, mas tinha que encontrar uma oportunidade. 

Um sábado estava na Praça XV, quando vi uma mulata, daquelas de fazer parar o trânsito, com um homem branco, loiro, olhos verdes, me chamou a atenção, do casal bonito que formavam, os dois tinham estilo.

Um dos feirantes, estava querendo enganar ao homem, ela insistia que ele devia respeitar os turistas, me aproximei tentando ajudar.  O homem, falava com ela em francês, com o homem da feira num português carregado de sotaque.

Chamei a atenção do feirante, como podia tentar enganar o homem, se o preço estava escrito na máscara Africana que ele queria comprar.

Meu irmão, se não ganho uns trocados à custa dos turistas tontos, como vai ser?

Se não respeitas os clientes, vou ser obrigado a colocar uma denúncia contra ti, além de pedir que te retirem a licença para vender aqui.

Acabou fazendo o preço que estava preso na peça.   O homem me agradeceu, eu lhe respondi em francês, ele soltou uma risada, um policial brasileiro que fale francês é interessante.

Lhe contei que meu pai era francês, de Lyon, que tinha aprendido com ele desde criança.

A mulata me olhou com uns olhos castanhos quase verdes, tinha uma voz rouca, que eu não sabia definir porque falava assim.

Disse que era enfermeira, que o senhor Claude Lambert, tinha vindo fazer uma cirurgia corretiva na clínica que ela trabalhava.  Como hoje era seu dia livre tinha saído com ele para passear.   Disse o nome da clínica.

Olhei para ele, não aparentava muita idade, mas se via com bolsas nos olhos, bem como parpados caídos.   Ele riu por estar examinando sua cara.

O que acontece me explicou, vivo, trabalho com a alta sociedade de Paris, tenho que ter certa aparência, sou advogado, trabalho num dos grandes escritórios de Paris, uma cliente brasileira me indicou essa clínica.  Como segunda feira entro na faca, quero aproveitar o final de semana.

Eu me chamo Edmundo, disse a mulata, rindo não faça essa cara de susto, sou transexual, estou em processo final, logo serei mulher, só então poderei trocar meu nome.

Fiquei rindo, me enganaste direitinho, mas sem dúvida nenhuma serás uma mulher lindíssima.

Os levei até a rua do Ouvidor, pois ele queria ir a uma livraria, eu o levei a Folha Seca, como ele disse o que procurava, comentei aí encontraras tudo.

Me convidaram para almoçar ali com eles, comentei que iria até a delegacia, para trocar de roupa. Que me esperassem.

Troquei de roupa, imaginando, que já não estariam lá, quem ia querer ficar esperando o policial de rua, para almoçar.

Me enganei, quando cheguei, estavam sentados, ele com uma bolsa cheia de livros, tomando um chopp cada um.   

Edmundo soltou que eu não tinha demorado muito.

Pensei que já não ia os encontrar aqui, sabe como é, quem ia querer almoçar com um policial de rua.    Contei minha história, disse ao Claude que era como ele advogado, mas as oportunidades eram pequenas para além mulato sarará como eu.   Tive que lhe explicar o que era sarará.

Que tal os livros, encontraste os que queria.   Tirou da bolsa vários, eram todos sobre o candomblé.   Ri, interessante isso, minha tia é mãe de santo lá na Mangueira. Tem um dos terreiros mais antigos de lá.    É muito respeitada nessa área.  

Ele ficou me olhando, sério, soltou agora já sei de aonde te conhecia.   Fechou os olhos, cantou uma música que eu sempre cantava.   “Bom dia tristeza”.

Ué como sabes que gosto dessa música?

Já sonhei antes contigo, por isso estou interessado, sonho com pessoas que vou conhecer, ou com coisas que acontecem depois vão acabar na minha mão.

Queres ir até lá falar com minha tia?

Sim, me encantaria.   Edmundo ria dos dois, vocês falam rápido em francês, tenho que fazer força para acompanhar o que dizem.

Lhe perguntei se tinha roupa branca?

Ele disse que não, mas que compraria, o fiz levantar-se, tínhamos a mesma estatura, além de tamanho de corpo.  Posso te emprestar uma das minhas.

Edmundo, disse que não podia ir, pois tinha que trabalhar.

Se ele confia em mim, o levo, depois tem samba da mangueira hoje, não queres ir.

Edmundo ria, odeio samba, apesar de tudo, não sei sequer sambar.

Justo nesse momento, pararam dois homens com violão, ao nosso lado, já tínhamos pedido comida, eu esperava meu chopp.   Marcel pediu se eu podia cantar, Bom dia Tristeza.

Boa pedida, meu tio soltou o homem, começou a tocar, eu a cantar, sem querer fui levantando a voz, soltando talvez pela primeira vez o vozeirão que tinha.   Claude tinha lágrimas nos olhos.

Mais uma, pediu, cantei outra que gostava, “Ronda” de Paulo Vanzolini, expliquei que era um médico de São Paulo.  De uma outra mesa, pediram outra música, era um pagode, perdi perdão, mas não sabia cantar essa.   Nisso chegou nossa comida, vi que Marcel, estava preocupado.

Por que estas preocupado?

Eu sabia que vindo para cá, as coisas desatariam, teriam que enfrentar muitas coisas novas para mim, as vezes nos acomodamos demais na vida.  Ficamos atados a coisas sem importância, que servem para nos amarrar, nos prender.                                        Acredito sempre que quando rompemos a inércia, desatamos acontecimentos, que nem sempre estamos preparados.

Enquanto comiam a sobremesa, me levantei, fui a livraria, pedi um livro que sabia que para ele seria importante.   Voltei, com o último que tinha na livraria, embaixo do braço.  Entreguei ao Claude, verás tu não es o único francês interessado nisso.     Entreguei o livro, ele soltou um grito, não soube me explicar estava procurando esse livro, meu pai conheceu o Pierre Verger, quando era jovem.

Pois então esse livro é importante, era Orixás de Pierre Fatumbi Verger, assim poderás ler enquanto te recupera da operação.    O tenho em casa, mas o meu está velho de tanto manusear.   

Levamos Edmundo para tomar um taxi, ele levou os livros, pois segunda-feira ajudaria na operação do Claude.

Ficamos conversando mais um pouco, soltei que não via por que ele se operar. 

Riu, tapando a boca, soltou sua idade, ele era vinte anos mais velho do que eu.  Sabe Benjamin, não aproveitei muito bem minha juventude, estudando, trabalhando, para mostrar ao meu pai, que podia ser um bom advogado.   Ele era um homem duro, mas foi ele quem me criou sozinho.  Uma história mal contada, que só descobri depois que morreu.   Já te conto um dia desses.

O ia levar de ônibus, mas sugeri um taxi.   

Não, vamos como costumas andar, gosto de me sentir normal.  Como, era um sábado, o ônibus não estava cheio, nos deixou ali ao pé da mangueira.   Fomos subindo, a garotada como sempre, sabia que eu trazia balas, fui distribuindo, falando com eles, sobre estudar.   Claude parecia entender tudo.

Quando chegamos a casa da minha mãe, levei uma bronca tremenda, tinha me esquecido de avisar que não vinha almoçar, a comida com esse calor se estraga, soltou ela, até perceber o Claude atrás de mim.

Pode falar em francês que ela entende.

Falei com ela o que tinha acontecido, das coincidências.  Ela chamou um garoto, que fosse avisar minha tia que eu levava um amigo para consulta, se podíamos subir antes.

Logo arrumou roupa branca para ele.  A calça estava um pouco larga, mas mandou tirar, ele ficou só de cuecas na frente dela, muito sem graça.  Me olhava de olho comprido.   Ainda não tinha entendido.  O achava atraente, mas realmente o era.

Na pequena sala da casa, estava meu diploma de advogado, que ela exibia com orgulho, ele foi olhar.

Nem precisei abrir a boca, dona Ceição ou Conceição, minha querida mãe, lhe contou como eu tinha me formado.   Deu muito duro seu Claude, o irmão dele, não, é um malandro, agora tem que trabalhar em construção, se casou tem dois filhos, nos dois temos que ajudar, porque senão não chegam ao final do mês.

Tive que explicar ao Claude o que ela queria dizer com isso.

O garoto voltou, reclamando que como sempre a Iaô, tinha feito jogo duro com ele, mas eu insisti que tinha que falar com Mãe Cida, como a senhora mandou.   Diz para subir antes com o gringo, pois pode ser que tenha que tomar um banho.

Lhe expliquei o que o garoto dizia.    Melhor levar a roupa branca para depois.

Minha mãe, disse que iria mais tarde, pois tinha que acabar um vestido que estava fazendo para a porta-Bandeira usar essa noite. 

Começamos a subir conversando, Claude, disse que em sua vida tinha imaginado isso, estar subindo numa favela, já sonhei com esse caminho muitas vezes.  Procurei psicólogos, até psiquiatras para saber o que era isso, por exemplo sonhar contigo cantado, ou estar subindo um lugar tão empinado, me diziam milhões de besteira, até que essa cliente disse que eu tinha que vir, pois aqui acharia a resposta.

Primeiro te encontrei por acaso.  Quando cantaste, foi como se abrisse a minha cabeça, pude recordar muita coisa.  A cena da tua mãe me falando do teu diploma, também tinha visto nos meus sonhos.

Benjamin, via que as pessoas que cruzavam olhavam como os dois falavam em francês, se não o conhecesse iriam ter problemas.

Na hora que abriram o grande portão, Claude ao ver o Iroco, correu até ele, chorava baixinho, quando tinha problemas, me imaginava sentado aqui, falando com essa gente toda.

Que gente Claude?

Esses que estão aí, sinalizou ao Iroco, não es vê?

Não meu filho, ele não os vê, nem todos tem esse dom que tens, quem falava atrás deles era mãe Cida, Claude, se virou devagar como se reconhecesse a voz que lhe falava, sorria, correu até ela, a abraçando.

Finalmente vejo a senhora, estamos falando sempre em sonhos, não é verdade?

Sim meu filho, a muito tempo te espero.

O foi arrastando com ela, a Yaô, de boca aberta com a intimidade do gringo com mãe Cida.

Ela foi dizendo sem se virar, faça um banho para Exu, que meu filho vai precisar.  Você Benjamin, não fica aí com essa cara de paspalho.  Vem junto que posso necessitar para traduzir alguma coisa.

Os seguiu os dois como um cão sem dono.

Estava te esperando, quando o menino veio avisar, eu sabia que eras tu.

Benjamin meu filho, leve o Claude para tomar um banho de descarrego de Exu, depois que vista roupa branca, volte aqui.

Mas no que ia lhe dar banho, passaram ao lado da casa de Exu, Claude entrou, se jogando no chão.

Ficou ali um tempo, a Yaô tinha chamado mãe Cida, ela entrou começo a falar em Yoruba, com o santo do Claude.   Ele se levantou, um pouco assustado, passei, mas não sei por que entrei.

Ela mesma, acabou dando o Banho, enquanto ia rezando coisas em Yoruba.  Quando terminou, estendeu uma toalha muito branca para ele se secar, mostrou como fazer.

Depois o levou para sua sala particular, aonde jogava os búzios, iriam falar com o Ifá.

Avisa essa menina homem que o Claude ficará aqui uma semana, que a operação era uma desculpa para ele vir.    Mandou arrumar um quartinho para ele.

Depois tudo foi como um vendaval, os dois só saíram da sua sala, quando ela foi se preparar, ele já estava todo de branco, com um turbante na cabeça, mas não via mais nada.

Quando todos estavam no terreiro, os apresentou, esse senhor é um velho amigo francês, agora não pode vê-los, pois está incorporado em Exu Bara, de quem é filho predileto.  A muito tempo o esperava, até que o Benjamin o trouxe até nós.

Benjamin, tinha se sentado com o atabaque entre as pernas, afinal era Ogan de Exu, com um sinal dela começou a tocar, sem que ninguém esperasse, Claude de um grande salto, parou no meio do terreiro, começou a cantar um ponto em Yoruba.   Falava rapidíssimo, só ela o entendia perfeitamente.

Ele correu por toda a Gira, a cada um que tocava, este incorporava seu santo, ela ria, ele já tomou conta da gira.  Os mais velhos da casa estranhavam, pois era ela que fazia isso.

Quando minha mãe Odete, chegou, não entendia nada, se sentou ao lado de sua irmã, caramba o gringo é dos nossos.

Ele pediu se podia levar as pessoas incorporadas até o grande Iroco.  Mãe Cida disse que sim, mandou fechar as portas do terreiro, já sabia como era a coisa, ficariam cheios de curiosos, parados no portão, para ter o que comentar depois.

Ele levou todos que estavam incorporados até o grande Iroco, por sinal uma Mangueira, que ninguém sabia precisar quantos anos tinha, mas pelo seu tronco, muitos.

Pediu um lençol a Yaô, que antes olhou mãe Cida, ela fez sinal que o obedecesse.  Pediu que o Benjamin, fosse tocando os pontos dos Orixás incorporados, ia saudando cada um, ao mesmo tempo que ajudava a pessoa voltar a realidade.  De um grande alguidar, ia dando água para as pessoas que bebessem em suas mãos.   Para todos isso era uma grande novidade.

Um homem que chega sem ninguém conhecer, muda todo o sistema da casa.

O mais curioso, era que ia dizendo o nome das pessoas, sem ao menos perguntar quem era, esse homem nunca nos viu nem mais gordo, nem mais magros, como sabe nosso nome.

Quando tudo terminou, mãe Cida explicou, a uns dois anos, os Orixás me encarregaram de encontrar esse irmão que estava em terras francesas, eu tinha que encontrar um jeito dele vir para cá.

Fazer com que ele chegasse até aqui, ele em sonhos foi conhecendo as pessoas que poderia confiar, que falassem sua língua.    Primeiro encontrou uma enfermeira na clínica aonde vai ser operado, em seguida com o Benjamin hoje de manhã.  Acabou aqui, como era de se esperar.    Não se assustem com a maneira de se comportar de seu Exu, pois ele é muito poderoso.   Nos ajudará muito daqui para frente.

Mais tarde quando Claude, voltou a si, ria muito, pois se lembrava de tudo, ele disse que eu devia ficar vendo para aprender.

Hoje entendi muitas coisas, a alguns anos atrás descobrir quem sou, quando meu pai morreu, ao lerem o testamento, diante de sua família, existia uma carta para mim.                         A guardei, não tinha um bom relacionamento com ele, depois de muito tempo li a carta, me explicava que não era filho dele, mas sim de um irmão que seu pai tinha tido fora do casamento.   Um dia este apareceu, pediu que cuidasse de seu filho, me deixou com ele, desapareceu.   Me registrou como seu filho, pois eu era um bebê, mas ele não tinha muito jeito para ser pai, reconhecia.

Me deixou o escritório, o apartamento que vivíamos, bem como uma boa soma de dinheiro, tinha procurado todos esses anos pelo meu pai verdadeiro, nunca o tinha achado.

Foi quando comecei a sonhar com mãe Cida.   Ela algumas vezes me explicava o que tinha acontecido.

Meu pai verdadeiro, se perdeu em Benin, era filho de uma mãe de santo de lá com o que seria meu avô, numa das missões que pelo governo tinha ido ao Benin.

Por isso eu sem querer sabia Yoruba, estava no meu subconsciente.

Benjamin, perguntou se ele tinha o número do Edmundo, era necessário avisar, ele teria que ficar lá uma semana.

Minha maleta está na clínica, falaram os dois com Edmundo, disse que saia do serviço dentro de momentos.   Benjamin combinou que o iria esperar aos pés da Mangueira, aí subiriam.

Quando o Edmundo chegou, pegou a maleta, foram subindo os dois, queria saber o que tinha acontecido.

Melhor ele mesmo contar, perdeste todo um acontecimento.

Quando Edmundo entrou no terreiro, reverenciou o Iroco, o mais estranho foi que mãe Cida o abraçou, olá minha filha, a quanto tempo.

Vocês se conheciam, perguntou o Benjamin?

Sim, a muito tempo, Edmundo, vinha sempre aqui, até que começou a transformação.           Estas linda, minha filha.

Ela mesma lhe explicou tudo, como o Claude sonhava com eles, ele já te conhecia também pelos sonhos, se não encontrasse o Benjamin hoje, teria que ser tu, que o trouxesse.

Claude comeu alguma coisa, disse que estava muito cansado. Quando todos se despediram, foram descendo, mãe Cida disse ao ouvido do Benjamin, se podes venha aos finais de tarde conversar com ele.

Assim se passou a semana, o que acontecia durante o dia, era um mistério, pois mãe Cida tinha proibido a Yaô que vivia no terreiro falar no assunto.   Claude tampouco falava.

Benjamin, chegava conversava, algumas vezes ele pedia que cantasse alguma música para ele, mas sempre repetia ao final, “Bom dia Tristeza” nunca entenderia por quê?

Já quase no final de semana, finalmente soltou, que iria a Paris, para fechar ou vender o escritório, resolver suas coisas.  Lhe perguntou se não queria ir com ele.   Quando volte, vou abrir um escritório, poderias trabalhar comigo, como advogado, pois terei que pedir licença, bem como estudar as leis daqui.

A Yaô, tinha se dedicado nos tempos livres ensinar português para ele.   Falava bem melhor.

Depois terei que encontrar um lugar para viver, bem como um escritório, ou tudo junto ainda não sei.

Quando Benjamin, comentou isso com mãe Cida, o que ela achava do convite, da viagem, trabalhar com ele.   

Foi franca, ainda não notaste, mas ele veio para cá, por ti, por isso gosta tanto dessa música, sempre sonhava contigo.   Nunca amou ninguém, de uma certa maneira está apaixonado por ti.  Não tenha medo, pois já vi que gostas dele também.

Nunca tinha tido relacionamento com homens, mas se sentia atraído por ele.    Num primeiro momento tinha se sentido atraído pelo Edmundo, mas ao descobrir o processo doloroso que estava passando, entendeu que não tinha tempo para isso.

O primeiro dia que saiu, queria ir tomar um banho de mar, convidou mãe Cida para ir também, minha mãe que adorava o mar, veio junto, subi meu velho carro por uma rua lateral, assim mãe Cida não teria que descer a colina inteira.

Os levou a um lugar que gostava de ir, lá na reserva, num restaurante a beira mar.   Avisou Claude que era perigoso, que isso não era mediterrâneo, que tinham muitas correntes.

Mas nadava como um peixe.  Estava fascinado pelo seu corpo magro, quase sem pelos, seus cabelos esses dias tinha crescido, estavam largos, de um castanho escuro.

No caminho de volta, tornou a falar de ir com ele a Paris, enquanto me opero, além da recuperação, vá tirando um passaporte, peça uma licença sem remuneração, assim poderás ir comigo.

No dia seguinte fez isso logo de manhã, bem como marcou hora para tirar o passaporte, não sabia por que ia com ele, mas confiava inteiramente no Claude.  De tarde foram ao centro da cidade, pois ele queria comprar roupa branca para ele.   Não posso ficar usando sua roupa.   Nesse dia devolveu a que lhe tinha emprestado.   Em casa, ia colocar para lavar, mas ao sentir o cheiro do Claude, não conseguiu, guardou dentro de um saco plástico, no armário de seu quarto.

Depois da operação voltou outra vez para o terreiro, a Yaô cuidava dele, normalmente no final do dia, Edmundo vinha tirar algum ponto, ver como estava a recuperação.  Ele ao contrário, ia todos os dias para conversarem.    Tinha se informado, como deveria fazer para conseguir o reconhecimento do seu diploma no Brasil.   Teria sim que pedir um visado para trabalhar no Brasil.

O tempo passou voando, quando viu já estava no aeroporto, se despedindo do Edmundo, bem como de sua mãe.  A velha tinha se encarinhado do Edmundo, estavam sempre conversando sobre mil coisas.

Descobriram que o sonho do Edmundo era ser médico, mas só tinha podido estudar enfermagem.

Ia conversando isso com o Claude, esse disse que o ajudaria, gosto muito dele. 

Brincando, lhe disse, mais do que de mim?

Não, você foi o farol que me guiou até o meu destino, meu amor por ti é imenso.

Não esperava essa resposta, ficou constrangido.   Lhe disse diretamente que nunca tinha tido relacionamento com homens, que não sabia como se comportar.

Não se preocupe, pois nos encontraremos nisso também.

Depois de servirem o jantar em pleno voo, acabou dormindo, estavam muito comportáveis em classe especial, não era primeira classe, mas tinha conforto.   Quando despertou, já era de manhã, iriam começar a servir o “Petit déjeuner”, ainda pensou, finalmente vou usar tudo que aprendi com meu pai, seu irmão ao contrário achava tudo chato o que o velho ensinava.

Estava levando o endereço que sua mãe tinha de Lyon, que ele o tinha deixado com seus papeis.

Se sobrasse tempo iria até lá.   Claude disse que não se preocupasse que iriam.  Iria descobrir antes se morava nesse endereço a família do seu pai.

A chegada a Paris, foi emocionante, o avião, como tinha que esperar deu uma volta sobre a cidade, ele ria, como uma criança.

Pegaram um taxi para a casa do Claude.  Era um belo apartamento, ele disse que tinha sido do seu pai, que não gostava muito de lá, quando ele morreu, reformei somente meu quarto, bem como a sala que uso para ler e trabalhar, o resto é essa velharia.

Vou colocar a venda, com tudo que está dentro, existe inclusive quadros de um bom valor.  Ficas no quarto ao lado do meu, que também é uma suíte.

O quarto, bem com a saleta que ele dizia, eram modernos, o quarto que lhe indicou, era um meio termo.

Amanhã, começo a colocar mãos a obra, hoje vou te mostrar meus lugares preferidos da cidade.

Estava claro, mais frio que no Rio de Janeiro, o outono já tinha começado, viu que Benjamin estava parado diante de um cartaz da Ópera.   Isso talvez seja a única coisa que sinta falta, a Saison, a temporada de Ópera, teatro, exposições de arte, que ia com alguns amigos.

Amanhã, vou marcar um jantar com meus poucos amigos para que te conheçam, alguns são um pouco exagerados, ou afetados, mas não se preocupe.   Mas não comente nada que estou vendendo o escritório, bem como o apartamento, que volto para o Brasil.

No dia seguinte foi com ele para o escritório, era como ele tinha descrito, tinha dois sócios que eram antigos, fez uma reunião com eles, disse que queria vender sua parte, logo se mostraram interessados. Isso incluía o local.    Se compram com tudo, deixarei o apartamento a parte, para mais à frente.

Deu entrada nos papeis, foi com ele a embaixada brasileira, tinham agendado um horário, como era um advogado conhecido, foi atendido pelo próprio cônsul, que imediatamente chamou o responsável, para providenciar tudo para ele.   Se decides ficar definitivamente, terás que fazer uma prova na OAB, explicou o que era.

Voltaram ao escritório, ele foi passando seus casos para um advogado dali sua secretária, quando soube chorou, trabalhava a muitos anos com ele.

Quem sabe venha me visitar, ou mesmo trabalhar comigo no Brasil.   Ela balançava a cabeça, nada me segura aqui mesmo.

Apesar de Claude ter avisado, os amigos, foram efusivos com ele, olhando os detalhes da operação, quando perceberam que ele estava junto, foi sendo apresentado um a um.

Um deles soltou, sem saber que ele falava francês, eu também quero ir fazer uma operação no Brasil, trazer um namorado de lá.

Benjamin, não é meu namorado, mas sim o melhor amigo que poderia ter encontrado.   Só um deles sabia da história dos sonhos.  Sentou-se ao seu lado, Claude, depois necessitas me contar como aconteceram as coisas.     A maioria comeu, comemorou, cada um tinha uma desculpa para ir embora, só ficaram finalmente os três.   Só então entendeu que Jean, não era amigo dos outros.

Claude explicou, que se conheciam desde a infância, que os dois tinha estudado juntos até a universidade.   Saíram dali, estava as margens do Sena, se via ao longe, a torre Eiffel toda iluminada, sem querer se encostou no muro, começou a cantar, “Bom dia Tristeza”.  A cara do Jean, era impressionante.

Essa era a música que dizias que escutava nos sonhos não é, porque vivias assoviando a mesma. Sentaram-se num banco numa praça, Claude contou tudo para o amigo. Este no final chorava, como vou fazer sem ti aqui.

Quem sabe venha nos visitar no Brasil, ao se despedirem, Jean olhou bem para o Benjamin, cuide bem de meu amigo, ele merece.

Ficou com aquilo na cabeça, quando subiram no elevador, ficaram próximos um do outro, colocou o braço pelo ombro do Claude, o atraiu para ele, o beijou.

Não podia imaginar que isso, iria mexer tanto com ele, nunca tinha sentido desejo por ninguém, o sexo para ele, acontecia quando estava com alguns amigos, todos arrumavam acompanhantes, sempre sobrava alguma garota para ele.

Mas nunca tinha sentido isso ao mesmo tempo, queria seguir em frente.  Claude colocou as mãos nos seu peito, vamos devagar.

De noite se levantou, foi sentar-se na saleta que ele usava, podia sentir ali seu perfume.  Demorou a dar conta que Claude estava sentado na outra poltrona.

Não podias dormir?

É porque nunca senti uma emoção como está ao te beijar, estou aqui ruminando, uma vez uma garota me disse que na cama eu parecia um garoto, que não sabia bem como me comportar. Quase disse a ela, que não queria estar com ela nesse momento, não me sentia no fundo atraído por ela. Mas agora pensando com todas era a mesma coisa.     Mas tampouco me sentia atraído pelos rapazes.  

Estavas esperando por mim?  Comentou Claude rindo.

Quem sabe, mas tu deves ter mais experiencia do que eu.

Não tantas quando devia ter, nunca me senti atraído por homens como meus amigos.  Eu, bem como o Jean, sempre fiquei na surdina.   Tive algumas aventuras sem importância, como tu dizes, não sentia nada pela pessoa.    Mas quando cantaste a minha música, me apaixonei por ti.

Estendeu a mão para ele, ficaram ali de mãos dadas, Benjamin se sentia reconfortado, com tendo encontrado finalmente alguém a quem amar.   Quando foram para a cama, foram devagar, tudo era um descobrimento para ele, nunca tinha sentido tanto prazer.

A semana passou rápido, no sábado foram a Lyon, já sabiam que havia familiares ali.  Quem os atendeu foi uma senhora, a quem a vida não tinha favorecido.  Quando lhe mostrou a foto que tinha de seu pai, ela começou a chorar.   Um belo dia ele desapareceu, nunca mais deu notícias.   Tempos depois apareceu aqui uma mulher dizendo que tinha um filho dele, o deixou nas minhas mãos.  É mais velho que você, mas vive internado, pois já não posso cuidar dele, tem autismo, permaneceu uma criança.

Ia sair agora para vê-lo, vou todos os dias pois é a única pessoa que gosta perto dele.  Foram com ela, não era uma criança, tinha sua altura, magro, quando os viu, foi direto ao Claude, ele veio contigo perguntou.

Claude apontou ao Benjamin?

Não, o outro, o senhor negro que sempre, vem me fazer companhia, diz que meu irmão virá me ver.

A senhora estava de boca aberta, ele nunca fala muito, essa conversação é muito para ele.

Claude disse, ele é teu irmão.

O rapaz foi até o Benjamin, o abraçou, ele diz que vais cuidar de mim.   O rapaz era muito bonito, dava pena.  Conseguiram levá-los para almoçar.

Sua tia lhe contou que tinha filhos, mas que viviam em Marseille, que breve teria que ir viver com eles, pois já tinha muita idade, além de problemas cardíacos.

Por isso o internei.

Durante todos esses anos, cuidei dele, foi mais querido que meus filhos.  Por isso não o aceitam.

Ficaram de voltar antes de ir embora, Benjamin não tirava o rapaz da cabeça, falou por telefone com sua mãe, que nem pensou duas vezes, não consegues que te deem a guarda dele?   Podes trazê-lo que cuido dele.

Conversou com Claude o que tinha dito sua mãe, na verdade nunca estaria tranquilo, pensando que ele ficou para trás.  Se consigo sua guarda poderia ir para o Brasil conosco.

Vou verificar tudo.   Nessa semana foi enrolado, negociou a venda do edifício, bem como de sua parte do escritório, teria dinheiro por muito tempo.  Foi ao Banco do Brasil, depositou uma parte.   A outra conseguiu transferir para um banco no Luxemburgo, assim seria mais fácil chegar ao Brasil.

Voltaram a Lyon, Claude falou com o juiz que levava o caso do rapaz, ficaram rindo quando descobriram que ele também se chamava Benjamin Clemente, este autorizou, desde que a sua tia desistisse da guarda dele.   Conversaram com ela, esta respirou aliviada, não me irei daqui com um peso na consciência.

Prepararam toda a documentação dele, compraram bilhete de avião.  O médico, lhe recomendou que se ficasse nervoso, desse um comprimido para ele.    Mas estava sempre ao lado do Claude, ele vai conosco verdade, agora já sabia a quem ele se referia.

Sim, vai conosco, ele tem muitos amigos, vamos te levar para lá, assim terás muitos amigos com quem falar.

Edmundo foi buscá-los no aeroporto, os levando direto para a Mangueira.    Odete recebeu seu novo filho de braços abertos, mas o melhor foi quando o levaram para o terreiro de mãe Cida.  Mal abriu a porta, Benji, como o chamava, correu para o Iroco.   

Mãe Cida, ria, ele consegue ver o que nenhum dos meus filhos de santo nem sequer imagina que estão no Iroco.   O mais interessante que ele mesmo se apresentou a ela, beijando suas duas mãos.

Perguntou se podia ficar vivendo ali com seus novos amigos.    Odete disse que passaria a maior parte do tempo que tivesse livre com ele, mas ele já tinha uma pessoa que o tratava, a Yaô, se tomou de amores por ele.   A obedecia, a seguia como um cachorro sem dono por todas as partes, logo, sabia preparar banhos, colocar água nas quartinhas dos santos, fazia tudo como ela fazia.

Odete sentou-se com o filho, dizendo, vejo que encontraste a pessoa que te faz feliz.   Não se preocupe antes de tudo eres meu filho querido.

Eles estavam procurando apartamento, bem como um lugar para montar um escritório.  Finalmente o encontraram logo ao princípio de Vila Isabel, assim poderia ir inclusive a pé para a Mangueira.  Era um local que facilitava tudo, tinha sido já um escritório, na parte de baixo, na de cima, era um apartamento. Tinha inclusive uma varanda, os dois gostaram do lugar, mas infelizmente o proprietário era um militar daqueles de visão fechada, quando os examinou bem, disse que não.

Enquanto isso estava na casa da Odete, duas casas ao seu lado estavam vazias, tinha inclusive caído o telhado.  Um dia Benjamin chegou, viu o Claude, conversando com um senhor de idade, era proprietário do dois barracos, negociou com ele, comprou os dois, conseguiu tratar com uns pedreiros que frequentavam o terreiro, o respeitavam muito, sabiam que ele era de Exu, não podiam falhar.

Construíram como se fosse qualquer outro barraco dali, por fora é claro, mas por dentro era outros 500, mãe Cida, Odete mesmo o Benjamin, a princípio não entendiam.  Ele foi franco, não quero viver longe do terreiro, é muito importante para mim.

Escritório, podemos conseguir qualquer um no centro da cidade, mas antes temos que estudar para fazer a prova da OAB, depois pensamos nisso.   Os dois barracos juntos, dava uma casa normal, com dois quartos, uma sala, cozinha, uma pequena área de serviço.   Não precisamos mais do que isso.  Mobiliaram normalmente, sem grandes luxos, na sala um sofá, duas poltronas de orelhas, para que mais dizia ele.

Benjamin estava louco para trabalhar, suas economias começavam a terminar.  Fizeram a prova da OAB, logo tinham seus diplomas reconhecidos.

Conseguiram um escritório, antigo, mas que tinha sido de advogados anteriormente, na av. Rio Branco, logo começaram a aparecer casos interessantes, não só do pessoal que ia consultar mãe Cida, que quando o caso era problemas jurídicos, ela dizia, minha filha, Orixá, não é advogado, sei que vieste aqui, por ser mais barato.   Mas olhe tome este cartão, vá falar com os dois advogados, são aqui do terreiro, tenho certeza de que te ajudarão.   Escrevia atrás do cartão, cuide bem dessa senhora, vejam se podem resolver seu problema.

Logo tinha uma clientela, tipo boca a boca, que iam trazendo mais pessoas.  

Claude ainda comentou com o Benjamin, estavas preocupado com ficar sem dinheiro, não confiaste em mim, seu sem vergonha.  Te da vergonha que eu tenha dinheiro.   O que é meu é teu.

Os dois contrataram os mesmo pedreiros, para fazer uma reforma geral no terreiro, mãe Cida ficou feliz.

Benji, adorava nos dias de ensaio, descer para a quadra, parecia um a mais da escola, decorava o samba enredo, ninguém sabia que ele tinha autismo, pois se desenvolvia bem.  Quando lhe ofereciam uma bebida, agradecia, dizia que fazia um tratamento, não podia beber, mas claro, Odete, suas amigas com que ela ia, não o perdiam de vista.

Quando tinha alguma coisa no terreiro, ele era o primeiro em estar pronto, era como a Yaô do Exu do Claude.   Este agora aprendia Yoruba, além de estudar com afinco o Ifá.  Uma vez por semana, atendia os casos mais complicados.   Mas deixava que seu Exu falasse por ele.   Era conhecido por todo mundo como o Francês do Exu.  

Cada vez mais ele era o braço direito de mãe Cida, tinha em casa um canto só seu, onde sentava-se muito cedo, por volta das cinco da manhã, começava com uma oração em Yoruba, depois acendia incenso, se concentrava, começava a jogar.  Conversava com seu Exu, através do jogo.  Isso ele não falhava.  Era outro que nunca bebia, nem uma cerveja.   Algumas pessoas comentavam que ele devia sentir falta daquela bebida famosa dos franceses, o tal do champagne, alguns até lhe davam de presente, uma sidra cereser, ele agradecia a amabilidade, mas levava para o terreiro, para alguma obrigação.

Benji era mais agarrado com ele que com seu irmão, mas talvez porque tinha sonhado com seu Exu sempre, ao mesmo tempo que estudava Yoruba, se surpreendeu que o rapaz, aprendesse tão rápido.

Ele disse que o Exu sempre tinha falado com ele nessa língua.  As vezes falava com mãe Cida, quando no jogo aparecia alguma coisa em Yoruba, retificava o que ela imaginava.   Acabou se juntando a eles no seu grupo de estudo, apesar de sua idade.

Muita água passou por baixo da ponte, os dois tinham muitos clientes, Claude, não trabalhava um dia da semana, ele ficava apertado.  A secretária de Claude de Paris, bem como Jean, anunciou que vinha passar as férias com eles.  Ele não se preocupou nem um pouco, Jeannete ficaria na casa de Odete, Jean na casa deles.    Riram muito subindo com suas maletas as ruas estreitas da Mangueira.

O mais interessante era que Nete como lhe chamava Odete, as duas pareciam se conhecer de toda vida, ia lhe ensinando português, quando a levou a uma roda de samba, esta ficou louca, isso é o paraíso dizia.

Jean, foi outro caso, quando conheceu Edmundo, que estava em crise, pois tinha agora dúvidas quanto a operação final.   Se saber como, os dois começaram a conversar, se entendiam de maravilha, se abria com ele, como não fazia com ninguém.    Jean suspirava por Edmundo, encontrei a pessoa perfeita para mim, essa dualidade que ele tem, me fascina.

Quando lhe perguntaram quando ia embora, disse que tinha se aposentado, que ficaria ali, o negócio era arrumar um apartamento para ele viver, ele tinha sido durante muitos anos, professor de música, no conservatório de Paris, arrumar emprego não foi difícil.  Quando conseguiu um apartamento, perto do Edmundo, o convidou com ele para irem a Paris, já que este tinha férias vencidas, assim arrumaria seus papeis.  

Nos dias que Claude, não ia ao escritório, Nete começou a ir ordenando os papeis, fazendo o papel de secretária.   Um dia os encostou na parede, porque não me contratam, assim eu fico.  Convidou Odete para ir com ela, assim, ela poderia dividir ou colocar algumas coisas no container que Jean ia trazer de lá.

Quando voltaram, vinha eufóricos, Edmundo tinha realizado um sonho, conhecer Paris, pelas mãos do homem que o aceitava como era.   Odete, dizia que poder ir a pátria do seu marido, tinha sido fantástico. Ele estava sempre falando, ainda foram a Marseille, ver sua irmã.

Claude quando eles voltaram, comentou com Benjamin, agora é a prova dos nove, vamos ver como se adaptam.

Sem problemas, Nete falava português com um ligeiro sotaque, que lhe dava um charme especial, sua educação com os clientes, os deixava encantados.

No primeiro natal todos juntos, foi uma festa fantástica.  Jean inclusive tinha rejuvenescido, pois tinha encontrado uma pessoa especial.

Nete, agora inclusive frequentava o terreiro.

Os anos foram passando, Charles tinha decidido vender seu apartamento em Paris, para comprar um na praia, mas desistiu, queria construir uma escola ali em cima, perto do terreiro, para trazer um professor da Nigéria para dar classe de Yoruba.   Conseguiram convencer mãe Cida de ir com eles até lá, para pensarem direito no assunto.  Ela alegava, estou velha demais para isso, mas acabou indo.

Foram por Paris, tudo para ela era como estar na Disney.  Depois foram para a Nigéria, tinham alguns contatos dados por amigos do Brasil.

O que encontraram foi um imenso caos de língua, mas Exu salvou a coisa, os dirigiu a uma montanha no interior, ali vivia um velho babalorixá no que tinha sobrado de uma antiga aldeia.   Esse riu, lhes explicou a arrogância de muitos, estavam fazendo perder a essência da língua do Ifá.  Ele mesmo tinha dois auxiliares, um deles, disse é perfeito, entende os sons dos orixás.   O mais importante é isso.  Quando os ancestrais falam, usam sons, o que muda o contexto do que está falando.  O convenceram de ir experimentar viver no Brasil.

Se esbarrou, que os próprios negros algumas vezes o rejeitavam, por ser africano.  Era um homem tímido, a pessoa com quem ele mais se entendia era o Benji, que quando se via os dois falando Yoruba, traduzindo alguma coisa dos Orixás, era impressionante.   Claude dizia que não eram só os dois falando, em volta deles estão todos os orixás que saem do Iroco, para falarem.

Mandu, como se chamava o nigeriano, leia o Ifá, como ninguém, alguns babalaôs vinham consultá-lo sobre alguma coisa, construíram como o Claude queria, um local, ali, poderia ensinar, bem como ele poderia atender os que lhe procuravam.

Alguns chegavam carregados de joias, se encontravam com aquele negro franzino, de uma simplicidade única.    Se desarmavam em seguida, com ele, não adiantava mostrar nenhum poder, pois ele não precisava disso.   Os atendia amavelmente, lhes oferecia água, acendia um troço de madeira ou de canela, ficava primeiro conversando com a pessoa, até que ela relaxava, falava do problema.

Analisava, os orixás que cercava o pai ou mãe de santo, conversava com eles, jogando o Ifá, orientava a pessoa, quando ao final lhe pediam segredo, ele dizia, meu filho, para quem vou contar qualquer coisa a respeito.   Eu estou aqui para servir, nada mais.  

Logo, os que vinha estudar, ficavam admirados, do Benji, sempre vestido de branco, com a mesma simplicidade.  Ele acendia incenso, com umas pedras que tinham um cheiro especial.  Alguns entravam em transe em plena aula, pois seu orixá, queria participar, fazer alguma observação.

Com os anos deu certo, muitos que estavam na fase final de seu aprendizado para pai de santo, ou babalorixá, ia lá ter aulas com os dois.    O mais interessante, era que um era negro retinto, o outro branco como a neve.

O tempo as vezes muda o rumo das vidas.  Jean tinha convencido Benjamin de fazer com ele aulas de canto, ia todos os dias depois do trabalho fazer aulas, menos os dias que lhe necessitavam no terreiro, agora soltava seu vozeirão nos ponto de Exu, Ogum, Xangô, de sua devoção.

Jean, como quem não quer nada, começou a lhe ensinar a cantar ópera, dizendo que assim treinava sua voz.   Como estava trabalhando com os cantores do Municipal para uma ópera Francesa, preparou sem que ele se desse conta para o papel principal.   Dez dias antes da estreia, foram avisados que o cantor francês que vinha, estava doente, com um problema sério, Jean convidou o diretor da ópera para ir conhecer um cantor, o deixou meio escondido, colocou Benjamin para cantar a música principal.  O homem se encantou com a voz dele.   O duro foi convencê-lo, a participar, ensaiar, foi necessário que Claude insistisse.   

Tens que aproveitar esse dom que tens, aproveite a oportunidade que a vida te brinda.  Ai sim, como Claude ficava mais tempo no terreiro, tinham contratado dois advogados, quem dirigia tudo era Nete, com mãos de ferro.

Ele se preparou com os outros cantores, quando chegou a cantora principal, não gostou muito, mas quando o viu ensaiar, logo gostou.   Ensaiaram um bis juntos, para o final.

No dia da estreia, o teatro estava lotado, mas ele sabia que na plateia estavam, Claude, Odete, mãe Cida, Mandu e Benji, então se relaxou, cantava para eles.

As críticas no dia seguinte, comentavam que nasciam um grande cantor, no bis, fez como tinha combinado com a cantora, mas pediram outro bis, ele aceitou cantar, se dirigiu ao público em português, todos pensavam que era francês.  Para a pessoa que conseguiu me fazer cantar.  Cantou a capela, “Bom dia Tristeza” o público veio abaixo.

Os jornais pediram entrevistas com ele, mas sabendo como era esse mundo incluiu a cantora, os dois falavam da ópera, na entrevista com os da televisão, foi a mesma coisa, os entrevistadores não falavam nem francês ou inglês, ele foi traduzindo as perguntas para ela.

Esta estava encantada da vida com ele, poderia a ter esnobado.  Um dia subiu com ela a Mangueira, a levando até o terreiro, adorou, o melhor foi ver Benji cantando o que ela cantava.  

É de família, levou tempo para perceber que ele era autista, ele ria feliz quando ela o aplaudiu.

É como uma esponja, dizia Claude, aprende tudo que lhe ensinam.   Ele jogou para ela, comentou do seu futuro brilhante.   Ela lhe perguntou, eu tenho um contrato para cantar em NYC, mas o que seria meu companheiro, é o que esta doente, é um recital, será que convences Benjamin de me acompanhar.

Ele riu a bessa, uma empresa nada fácil, pois é cabeça dura.

Mas ela ficou mais uma semana, no Rio, os dois ensaiaram todos os dias o que iam cantar juntos, bem como o que ele devia cantar sozinho.  Ela acrescentou que devia cantar a música que tinha cantado a capela.

Quando chegaram em NYC, o diretor da orquestra que os acompanhavam, ficou surpreso com a sonoridade da voz dele.  Ensaiaram todas as músicas, Jean que tinha ido junto, tinha levado a partitura de Bom dia Tristeza.   Ensaiaram que ele começaria cantando a capela, a orquestra entraria no final repetindo com ele a música.

Foi um sucesso, logo dali mesmo saíram convites, iriam a Chicago, Boston, San Francisco.  Benjamin estava louco de saudades apesar de falar sempre com o Claude, nunca imaginou que se sentiria assim, chegava a doer no seu corpo a falta que sentia dele.  Mas ao falar com ele, se serenava.

Acrescentou outra música no bis, porque agora a entendi, era Canção de Amor, de Chocolate e Elano de Paula, foram a Los Angeles, pediram se podia preencher um espaço vazio na agenda, só com músicas brasileiras.   Jean o preparou, trabalharam loucamente, gravaram essa apresentação, logo estava tudo no Youtube.  Ele cantava como primeira, Bom dia Tristeza, terminava com Alvorada, sempre chorava no final por se lembrar onde tinha vivido toda sua vida.  Quando chegou levantou Claude nos braços, o beijando na frente de todos.

O canal de televisão, veio para filmar sua vida na Mangueira, ele concordou, fizeram uma gravação, embora ele explicasse que ali não era a Bahia da música, vinha descendo as escadarias, da Mangueira, com a garotada toda vestida de camisa listradas, em determinado momento, as amigas de sua mãe da Ala das Baianas, iam se incorporando, com Odete vestida de uma de suas roupas.  Todos estavam sempre acostumados a escutar essa música cantado normalmente por cantoras, mas na voz dele ficava diferente, no final, uma versão com a bateria da Mangueira.

Estourava no Youtube, de tantas visitas, logo choveram convites, por ele terias descartados todos, mas Claude disse que nem pensar.   Ele sentia falta de cantar os pontos de Exu.

Resolveram então passar o escritório para os novos advogados, já que Claude, passava mais tempo no terreiro, mãe Cida, já não tinha idade para levar tudo, ele ajudado por Mandu, levavam tudo agora.  Claude era conhecido ou como o Francês de Exu, ou como seu Claudio do Bara, ele ria, mas não corrigia, era melhor não confundir dizia.   

Mandu, era o Africano do Yorubá, ria disso, sou um humilde aprendiz, dizia.  Quem realmente entende dos Orixás é o Benji.

Quanto mais mãe Cida ficava doente, mais iam assumindo o terreiro. Muitos filhos de santo tinham um certo receio, mas ele acalmava todos.

Antes de morrer ela, passou o mando do terreiro para Claude, dizia pela primeira vez, um Exu, seria o rei desse terreiro.

Nesse dia ela estava sentada num trono africano, que Mandu tinha executado ele mesmo.  Muitos pais de santo, babalorixás famosos, vieram render pleisia a ela, e ao outros dois.

O mais interessante era que Benji agora substituía o irmão, como Ogan, bem como cantava os pontos todos.

Benjamin, quando soube da data, estava na Noruega, com Jean, mas nem discutiu, veio num voo complicado, mas estava lá ao lado do homem que amava.   Dois dias depois Mãe Cida morreu, foi cremada, suas cinzas enterradas na Mangueira.   Sem querer ela tinha os juntados todos, Odete dizia que ia sentir muito a falta de sua irmã mais velha, bem como conselheira.

Benjamin, voltou a sua turnê, iria direto agora para Tokyo, de lá para Austrália, pedia ao Jean que sempre fizesse uma pausa para ele poder ir ao Brasil, matar as saudades do Claude.

Jean um dia comentando com este.   Ele nem olha os aduladores, que querem fazer sexo com ele, não existem para ele.  Só fala em ti, eu fico com saudades do Edmundo, mas ele é pior.

Quando tinha que partir outra vez, chorava, mas sabia que não podia pedir ao Claude, largasse a coisa mais importante da sua vida.

O mais divertido, é com o dinheiro que ganhava, nem pensava em se mudar da Mangueira.  Voltou ao Brasil, ficou dois meses preparando um novo show com o Jean, totalmente brasileiro.  Tinha contrato para cantar em NYC, Los Angeles, Boston, finalizando em Las Vegas.

Esses três meses sentava-se ao lado do irmão tocando atabaque feliz da vida, os dois cantando os pontos. Estavam mais próximos, um dia Benji disse que sempre sentia saudades dele.

Sua mãe, preparou um figurino para ninguém botar defeito, mas pediu que ela fizesse uma roupa branca que ele gostaria de experimentar cantar um ponto, com turbante e tudo de Ogan, levou seu atabaque com ele.  Fez uma obrigação para lhe permitirem cantar, Exu rindo disse que sim, mas quero ver você explicar, mas ele cantaria em Yoruba.   A primeira vez, foi em NYC, quando acabou o show, num dos bises, disse, um minuto, foi ao fundo do palco, trocou de roupa de costa para o público, colocou o turbante, já tinha colocado um banco de madeira que o iria acompanhar a turnê inteira. Sentou-se com seu atabaque, sabia que estava cheio de brasileiros, falou em português, depois em inglês, que cantava a quem tinha aberto todos os caminhos para ele, cantarei uma parte em português outra em yoruba.  Assim fazia, o público vinha abaixo com isso.  No dia seguinte, estava no Youtube, com milhões de visitas.

Odete levou para o Claude ver, este chorava de emoção.   Sentia falta dele, mas entendia que cada um tinha um caminho.

Quando finalmente chegaram a Las Vegas, tinha aumentado os dias de apresentação, ele pensava em ficar uma semana, logo queria firmar um contrato por uma temporada. 

Disse ao Jean, que era seu representante, nem pensar, posso voltar, mas quero ir para casa, antes que meu coração exploda.   Negociaram com o casino, montariam uma orquestra com brasileiros, ele viria com a Odete para fazer o figurino.   Um do casino, sugeriu que ele cantasse músicas da Carmen Miranda.

Disse que nem pensar, só cantaria músicas que gostava.

Ficou dias nos pés do Claude, este tinha agora a cabeça toda branca, ainda não tinha assinado o contrato, disse que o faria, se ele prometesse, que iria, pelo menos uma semana.

Na estreia, estavam os amigos, o casino pagou a passagem do Edmundo, do Claude, Benji, Mandu, ficou para cuidar do terreiro.

Fez o show, com dançarinos, com os músicos, todos com os figurinos da Odete, num determinado momento, parou o show, apresentou Odete, vestida de baiana, começou a cantar Exaltação a Mangueira, antes explicou que tinha nascido, criado nesse lugar, falou dos figurinos feitos pela sua mãe, começou a cantar, chamou Benji que sabia que gostava de dançar, meu irmão comentou.  O público ficou em pé, foi uma loucura.    Para finalizar, comentou em inglês, a partir dessa música que é minha preferida por vários motivos, tudo começou.   Ficou parado no meio do palco, cantando Bom dia Tristeza para Claude. Desceu do palco, foi até ele o beijou na frente de todos, meu marido comentou.

No dia seguinte se casaram, se casariam de novo no Brasil, na sua primeira ida para passar o fim de ano.

Iria depois para Paris, por seis meses, percorrendo a França com seu grupo.

Benji agora, era como um carrapato com ele, não saia do seu lado.  Sabia todas as músicas do show, brincou com o Jean, vou mandar ele no meu lugar, canta melhor do que eu.

Apesar do sucesso, se negava a estender o tempo fora do Brasil, o mais interessante, era quase um desconhecido na mãe pátria, dizia sempre, santo de casa não faz milagres.  A verdade era que ele não encaixava no tempos atuais, o tipo de música de agora, não era com ele.

Quando quiseram renovar para voltar com outro show a Las Vegas, disse é o último, tenho dinheiro por muitos anos, qualquer coisa volto a ser advogado.

Ficou seis meses preparando o show na surdina, só músicas que ele gostava, recuperou muitas coisas de Cartola, Pixinguinha, Lamartine Babo, marchinhas de carnaval, Odete estava como louca desenhando o figurino para mandar, iria nos preparativos finais.

Estava preocupado com Claude, estava mais velho, cansado, dizia que a responsabilidade era grande, preparava Mandu, bem como uma moça para serem pais de santo, quando ele se retira-se.

Mas Exu dizia que ele teria muito tempo pela frente, trabalhe menos.  O próprio fazia uma seleção, as vezes uma pessoa queria falar com o Claude, ele mandava Mandu ou mesmo Benji atender.

Se sentava ao lado do Benji, dizendo na sua cabeça o que ele devia dizer a pessoa.  Ele lia o jogo em Yoruba, depois traduzia a pessoa.

Nada de matanças inecessárias, resolvia os problemas simplesmente, com banhos, frutas para os Orixás, foi lhe ensinando quais frutas que gostava cada um.  Tempo depois os mais jovens que vinham consultar, era com Benji, quando lhe perguntava pela sorte, se ganhariam na loteria, dizia que fossem trabalhar, que era o melhor.

Um dia um dos traficantes de drogas entrou sorrateiramente no terreiro, pediu ao Benji para jogar para ele.   Ficou surpreso dele ser tão franco.   Lhe chamou a atenção, como um homem como ele podia ter-se perdido por causa dessa merda.  Rico pensavas tu, mas se contínuas, vais encontrar a morte, o pior e que não vais levar nada para o outro mundo.    No teu trabalho, logo começaram os problemas, quer um conselho, arrume tua trouxa, desapareça, para muito longe.   O traficante ficou olhando para ele, mas encontrou um olhar límpido, que olhava fixo nos seus olhos.   Se não gosta do que digo, procure alguém que te engane direito.   Mas sabes que não gostamos de gente do tráfico aqui.   Não demore muito pensando no que eu te disse.

Menos de uma semana, não se falava em outra coisa, que o homem tinha desaparecido durante uma noite, muitos pensavam que o tinham matado, pois seu carro foi encontrado no final do Recreio do Bandeirantes queimado.

Exu se matava de rir, nos livramos de um bom sem vergonha, quando Claude soube, ficou preocupado, mas Exu disse que nunca deixaria seu filho predileto desamparado.   Saberias encarar esse homem como ele fez?

Claude reconheceu que não, que talvez mentisse sobre o que via no jogo.

Os mais jovens gostavam quando ele jogava, porque falava uma linguagem que eles entendiam, dizia logo, estão no caminho errado, vê se toma vergonha na cara, arrume tua vida de uma vez, dava verdadeira broncas.    Uma vez Claude o viu exaltado com um casal, não sabiam o que fazer, o filho era autista, não o entendiam.   Se levantou na frente deles, dizendo eu tenho a mesma doença do seu filho, podem trazer esse menino, que eu cuido dele, se vocês não têm paciência, eu tenho.    Dias depois apareceram com o menino, de longe Claude observava.   Ele se sentou com o garoto no chão, embaixo do Iroco, ficou conversando com ele, o menino que estava agitado, ficou calmo, começou a falar com ele.

Um dos grandes problemas da doença era a falta de comunicação de ambas as partes.  Agora a família o trazia todas as semanas para conversar com o Benji.  Tinha deixado de estar agitado.  A mãe ria, dizendo, digo que vamos te ver, ele se arruma sozinho, quer sempre colocar uma roupa branca como tu.

Anos depois esse rapaz, estaria na faculdade, estudando como um aluno brilhante.

Benji ficou conhecido por isso, mas dizia que não tinha sido ele, mas sim o Bara que o tinha guiado como fazer tudo.

Benjamin desta vez voltou exausto da viagem, o show tinha sido exaustivo.  Apesar da oferta maior, se negou a ficar, queria estar na sua casa.  Agora se levantava cedo para estar junto com Claude, nas orações, já encontrarei um jeito.

Claude o convenceu de fazer um exame exaustivo, além do stress, estava anêmico, fez um tratamento sério, mas o que gostava mesmo era de voltar a tocar o seu atabaque, cantar os pontos no terreiro.

Algumas vezes o convidavam para cantar em algum lugar, se fosse fora do Rio, rejeitava.

Queria passar mais tempo com Claude, nesse tempo todo, se guardava para estar com ele.  Nunca me sinto atraído por outras pessoas dizia.

Quando Claude fez 90 anos, fizeram uma grande festa.  Houve uma verdadeira romaria, ao terreiro de todas as pessoas que tinha conhecido ao longo dos anos.

Mandu, dizia que quem devia ser o chefe do terreiro era o Benji, ele sabe impor ordem, se entende melhor com todos os orixás, ninguém melhor do que ele para realizar todos os preceitos.  Basicamente não se percebia que era autista, era uma pessoa como qualquer outra.

Um dia ouviram ele discutindo com um filho do terreiro, como se atrevia a vir, a gira, depois de fazer sexo, sem tomar um banho, era falta de respeito com seu orixá, se ele queria seguir ali, tinha que respeitar os preceitos.    O outro lhe respondeu, que como ele não fazia sexo, nunca ia ter problemas.

O que eu faço ou deixe de fazer, é coisa minha, cuido dos preceitos todos, respeito os orixás, o mandou preparar para si mesmo um banho, que fosse ao Iroco pedir desculpas ao Orixá, isso tudo com Claude olhando de longe.  Não largou o pé do rapaz até que ele fez tudo.

Como sabias que tinha feito sexo, lhe perguntou depois?

Pelo cheiro meu pai, tudo tem cheiro para mim.  Acho uma falta de respeito vir sujo para o terreiro.  Para isso temos um banheiro apropriado, nunca me nego a preparar um banho para qualquer filho seu.

Acho que eles são mais filhos teus que meu.   No final, o rapaz veio pedir desculpas, ando meio perdido meu pai, Benji se sentou com ele, conversou sobre seus problemas.   Benjamin ficava curioso, como ele podia aconselhar se nunca tinha tido experiencias.   

Ora meu irmão, nunca vais entender, não sou eu que converso com eles, sim Bara, ele fala pela minha boca, realmente não tenho experiencias sexuais, tampouco tenho vontade de ter, estou bem assim.

Todos o respeitavam, bastava um olhar seu, para saberem que estavam fazendo alguma coisa errada, imediatamente se corrigiam.

Claude dizia que iria embora tranquilo.  Benjamin ficava furioso, como ele podia falar assim, temos ainda muito para viver. 

Meu querido, olha minha idade, realizei meus sonhos todos, inclusive tendo a ti do meu lado, que mais posso querer, ficar um velho gaga, nem pensar, quando chegar minha hora quero ir em paz.

Benjamin sabia que o estava preparando, tinha visto o que ele fazia pelas manhas, agora estava mais lento, as vezes parava no meio de alguma reza, como se estivesse conversando, esperando uma resposta, um dia se levantou, o viu ali sentado, com a cabeça caída ao lado.  Mal conseguia se mover do lugar, a dor que sentia era imensa.

Foi um enterro impressionante, o terreiro ficou abarrotado, tiveram que colocar pessoas na porta para controlar a entrada.  A Mangueira em peso, vinha render tributo a um homem que tinha vindo de fora, mas que formava parte dela.

Suas cinzas foram enterradas no Iroco, a escolha do seu substituto surpreendeu todo mundo, escolhia o Benji, como chefe do terreiro, espiritual, Mandu como chefe para orientar o pessoal.   Os dois jogavam búzios. 

Era a primeira vez que viam dois pai de santo tomarem conta do mesmo terreiro, mas os dois juntos a força era maior.

Benjamin, recebeu como herança o apartamento de Paris, todo o dinheiro que ele tinha, ficava para manutenção do terreiro.

Seu grande amigo Jean, fez uma belíssima oração no seu enterro, finalizando, me espere onde estiver velho companheiro de infância.

Desta vez ele partiu sozinho para um tempo em Paris, lhe chamavam para cantar, mas não lhe fazia muito mais graça, sentia falta do Jean, para organizar tudo.

Acabou vendendo o apartamento, voltou a viver na Mangueira, na casa deles, seguia indo ao terreiro, tocar atabaque para seu novo Babalorixá, seu irmão Benji.    Este o animava seguir em frente, quando estava sozinho em casa, as vezes se sentava onde o fazia Claude, cantando Bom dia Tristeza. 

Estava magro, cabelos brancos, a tristeza não o abandonava, um dia Odete o encontrou morto na cadeira em que tinha morrido Claude.   Sabia que agora ele estaria em paz.

Os outros seguiram suas vidas, mas o amor deles perdurou para sempre.