AAGO
AAGO= Tempo, relógio,
hora.
Dizem que estou
sempre com pressa, que já nasci assim, mas fazer o que, me conformo, procuro
nunca chegar atrasado em lugar nenhum, prefiro esperar do que ser esperado. Meu avô diz sempre que o “apressado come
cru”, pode até ser verdade, mas o “Tempo”, sempre foi um fator importante.
Meu nome é Ernesto
da Silva , mas também sou conhecido como Oribara, o filho do Orixá Bara.
Nasci fora do
tempo, minha mãe estava trabalhando, era enfermeira num hospital em Rio, no
mesmo hospital, meu pai trabalhava como médico.
Era ajudante de um dos médicos mais importantes do hospital, ajudava
numa operação, quando rompeu águas. Uma baita confusão, duas companheiras e
amigas a levaram para a sala de parto, avisaram meu pai, que veio correndo, não
queria perder o nascimento de seu filho.
Mal chegou, eu já estava nascendo, as enfermeiras brincavam dizendo esse
menino é apressado, veio antes do tempo, ela nem teve tempo de ter contrações. O médico ainda tentou que ela fizesse uma
cesárea, mas nem deu tempo. Quando me
viram as enfermeiras riam, não acreditavam.
Imagina meu pai era um mulato claro, da Angola, cuja mãe tinha emigrado
para o Brasil, lavou muito chão de gente rica, bem como costurando, fez tudo
para que seu filho fizesse universidade.
Minha mãe era uma
mulata, linda, mistura de negro, francês e português, sabe se lá mais o que, as
amigas tinham inveja de seus cabelos lisos, sem necessitar fazer nada.
Tinha sido miss
Rio de Janeiro, representando Bangu, quando lhe perguntaram qual era seu maior
sonho, disse que enfermeira, já que não tinha dinheiro para estudar
medicina. Todas diziam besteiras, com o
dinheiro que ganhou, pagou a universidade.
Mas quase perde tudo, pois no final de seu tempo de Miss, se descobriu
que tinha uma filha.
No hospital
quando começou a trabalhar, conheceu meu pai.
Ele levou anos até ela aceitar sair com ele. Não lhe escondeu nada, tenho uma filha, de
um erro de juventude, vive com meus pais, ele disse que se ela quisesse podia
adota-la. Mas isso nunca aconteceu.
Tentaram muitos
anos ter filhos, mas o médico dela, não recomendava, tinha um problema de
coração, complicado, uma gestação, bem como um parto, podia ser difícil.
A confusão e as
risadas, foi que eu nasci com os cabelos lisos, loiros, olhos azuis, mulato,
mas com essa diferença. Quando meu pai
se virou para me colocar junto a ela, sorriu e morreu.
Na autopsia
depois se revelaria, que seu coração era como folhas de papel, talvez por isso
eu tivesse nascido assim. Mas segundo
minha madrinha, a melhor amiga de minha mãe, era porque eu era filho de Exu Bara,
ele deve ter pressentido alguma coisa, adiantou o parto.
Fiquei um tempo
numa incubadora, era o rei do hospital, pois todo mundo queria ver esse menino
diferente.
Meu pai vivia num
belo apartamento na Av. Engenheiro Richard, ali no Grajau, a quem primeiro
pediu socorro foi a sua mãe, ela tinha se casado a alguns anos, com um
professor da Universidade, limpava sua casa em Ipanema, estavam sempre conversando sobre coisas,
sobre o mundo. Ele se apaixonou por ela,
tinham a mesma idade. Se via que sua
família também tinha um pé na cozinha, pois tinha os cabelos muito crespo.
Foram correndo
para o hospital, imediatamente me tornei o centro da vida deles.
Meu pai estava
completamente abalado, não conseguia entender, pois seu médico a via quase
todos os dias. Tinha recomendado
repouso absoluto, mas ela dizia que estava bem, que pretendia trabalhar até o
final. Mas tudo era aparências. Ela tinha sido firme quando ficou gravida,
sonhei em ter muitos filhos, não vou desistir, disse isso quando o médico
recomendou que abortasse, pois podia ser um problema sério para seu coração,
mas como dizia meu pai, quando colocava uma coisa na cabeça, não havia maneira
de tirar.
Minha irmã, mais
velha, que não vivia conosco, anos depois me acusaria de ter matado minha mãe,
fiquei confuso, fui perguntar ao meus queridos avôs. Me contaram tudo, ele dizia que nunca se
devia esconder a verdade, pois era pior.
Entendi muitas
coisas, muitas relativas com os sonhos que tinha, desde garoto, as vezes via a
sala do parto, a necessidade de sair rápido, alguma coisa me dizia tens que ir
em frente.
Ser diferente, me
causou muitos problemas, bullying era dos menores, andava pela ruas as pessoas
paravam para me olhar.
Uma vez uma
idiota perguntou a minha avó Sarah, porque ela tingia meus cabelos, não podia
acreditar que eram assim mesmo. Eu estava dormindo, quando abri os olhos, ficou
como louca por mim. Sempre nos
encontrava, minha avó dizia que fazia de proposito, tinha sempre alguma coisa
para me dar. “um dia soltou que eu lhe
dava a paz” que tinha perdido a muitos anos, que quando me via, se sentia
consolada.
Para minha avó,
parecia um disparate, mas Gilberto ou Gil como todo mundo lhe chamava, dizia
que não, que não se enganasse, que eu tinha algo em especial. Ele sempre foi um grande estudioso do ser
humano. Creio que falei seu nome antes
de todo mundo, tinha uma paixão por mim impressionante. Me jogava no ar, era alto, eu quase batia no
teto do apartamento.
Meu pai tinha uns
horários, complicados, entre plantões, consultas, as vezes passava dois dias
sem ir a casa. Vivia conosco a senhora
que minha avô conseguiu para ser minha mãe de leite, tia Berenice, ou Nice,
vivia nas dependências de empregados, mas se sentava na mesa para comer
conosco, como mais um da família. Ela
era a difícil, me fazia ter modos na mesa, comer direito, não podia deixar
comida no prato, senão, não tinha sobremesa.
Estava sempre limpo, vestido.
Minha avó dizia
com certo ciúmes, que quando era bebê, só dormia se estivesse nos seus braços,
por isso talvez tenha sido sempre assim, Deus no céu, eu na terra. Era filha de Oxum, com Ogum, todos os
sábados subia o morro, para ir ao terreiro de Candomblé que frequentava.
Meu pai quando
estava em casa, o mundo podia cair em volta dele, que ele estava comigo, foi o
melhor pai do mundo. Quando eu soube
como tinha nascido, lhe perguntei se não tinha raiva de mim.
Meu filho, ela
sabia que não devia ficar gravida, quis porque quis ter-te, não houve jeito de
faze-la mudar de ideia. Por isso aconteceu tudo, mas ainda teve um tempo para
te ver. Me disse, é lindo.
Sempre me
consolava quando reclamava por ser diferente dos outros garotos, passava a mão
pelos meus cabelos loiros, dizendo, eres a mistura de todos nossos genes, por
alguma coisa será. Me ensinou a me
defender dos garotos maiores, quando fui para outra escola estudar o
secundário, íamos a academia de boxe que tinha perto de casa, ou ao Judô. Assim quando vieram me encher o saco pela
primeira vez, um tipo loiro, tonto, gordo que tinha na minha classe, lhe
perguntei se sabia o que estava fazendo.
Riu dizendo que
sim, que ia me esmagar, negrinho de merda.
Quando avançou, não precisei muito, lhe dei um soco na barriga imensa
que tinha, que se cagou nas calças.
Nunca mais me encheu o saco.
Na verdade, devia
muito ao meu avô, quando tinha quatro anos, eu já sabia ler e escrever, me
contava histórias, nada de besteiras. Lia
Monteiro Lobato para mim, o sítio do Pica Pau Amarelo, quando vi na televisão,
não tinha o mesmo encanto que tinha na voz dele. Me desinteressei em seguida. Me leu Cervantes, mas antes me contou a
história dos moinhos, coisa que no Brasil eram diferentes. Conseguia fotos para ilustrar o que me
contava, eu preferia ficar com ele, a estar na rua jogando bola com os de minha
idade.
Os seus presente
sempre era algum livro, que depois iriamos discutir até a exaustão, diga-se de
passagem, que ele incutiu esse hábito em minha avó. Que quando o conheceu, era analfabeta, a
ensinou a ler e escrever. As vezes lia o
mesmo livro que eu tinha lido, para poder participar das conversas. Meu pai se matava de rir, dizia Gil, estas
transformando antes do tempo esse garoto num erudito.
Em seguida, eu
queria saber o que era erudito. Na
escola não gostava os esportes, o único que eu me saia bem, ganhando prêmios,
competindo sempre, era correr. Gil dizia
que era nato em mim. Não fazia o menor
esforço.
As vezes subíamos
os quatro, Nice preparava um lanche, íamos para a Estrada da Paineiras, ele
subia pela Usina, para o Alto da Boa vista, de lá pelo meio da floresta, até a
Estrada da Paineiras, a vista era impressionante, saímos os dois a correr, ele
a seu ritmo, eu ia e voltava várias vezes, tomávamos banhos nas águas que caiam
dos mananciais, água pura segundo ele, encontrávamos um lugar plano, Nice
estendia uma toalha, ficávamos olhando as vistas, comendo delicias preparada
por ela.
Uma vez ela me
pegou conversando com uma árvore, perguntou o que eu estava vendo?
Ora mãe Nice,
estou falando com estes senhores que vivem nessa árvore, estão dizendo que em
breve tenho que ir ao seu terreiro.
O que a
impressionava é que eu falava com eles e Yoruba. Comentou com meu avô o assunto, esse menino
fala Yoruba, mas se digo isso a dona Sarah, vai ficar furiosa, pois é católica,
apostólica romana. Era uma verdade,
minha avó ia a missa toda semana, eu morria de tedio quando tinha que ir.
Um dia soltei ao
Gil, que ia junto, aqui não tem espírito nenhum, é tudo um grande teatro. Ela não gostou, ele teve que lhe explicar que
meu destino era outro. Nunca a tinha
visto tão furiosa, falou com meu pai.
Ele riu, a madrinha dele, fala a mesma coisa, todos os dias me pergunta
por ele, dizendo se ele já falava Yoruba.
Sempre achei um desproposito, divertido, como um garoto ia falar essa
língua da Africa, se nem a senhora fala.
Minha mulher não
era do candomblé, nem da umbanda, então não sei.
Um final de
semana que ele tinha livre, mãe Nice disse que tinha uma saída de Santo no seu
terreiro, perguntou se eles queriam ir, nunca tinham ido. Arrumaram uma desculpas, mas ficaram
surpresos, pois na hora que ela ia sair de casa, eu já estava vestido de camisa
branca, calças curtas brancas, meias brancas, sapatos não tinha brancos, mas
estava de Bamba.
Aonde vais
garoto, soltou meu pai?
Eu vou com mãe
Nice, chegou a hora de ir conhecer essa gente, vamos mexam essas bundas gordas
para irmos. Nunca foram, não sabem como
é. Nessa alturas eu tinha 10 anos de
idade.
Quando chegamos,
imagina, subir de carro de marca, na favela, era uma temeridade, mas mãe Nice,
dizia, eles nunca tocaram numa coisa do menino.
Quando desci do
carro, os outros garotos, correram para ficar ao meu lado, alguns eu conhecia
da escola, um dos maiores ficou de cuidar do carro.
Quando abriram a
porta do terreiro, eu fui direto a uma imensa mangueira, o Iroco do lugar, me
prostrei no chão, rendendo homenagem aos Orixás que estavam ali, só escutei uma
voz de homem muito forte, dizendo, isso deviam fazer todos vocês seus filhos de
santo mixurucas.
Me levantei,
falei com cada um dos Orixás, eu os via, falavam comigo, uma mulher muito
bonita, me disse que minha mãe estaria orgulhosa de mim.
Só então me
virei, ali está o Babalorixá do terreiro, me saudou, como Orixá Exu Elegba, se
inclinou, todo mundo olhava, me mandou tirar os sapatos, me levou pela mão para
ver todos os quartos de santos, inclusive a pessoa que ia fazer uma saída.
Para quem
quisesse escutar, este garoto já nasceu feito, não precisa raspar a cabeça,
nada.
Meus avôs, meu
pai, iam seguindo, sem entender porra nenhuma como diria depois o Gil, estavam
maravilhados, pois eu só conversava com o homem que depois entendi seu nome, era
Gregório De Xangô.
Segurando sua
mão, lhe disse que tinha um problema de estomago, serio, venha meu pai, ninguém
podia entender, o fiz deitar embaixo do Iroco, num pano branco que mãe Nice me
trouxe. Fui até a mangueira, arranquei umas folhas,
mas antes pedindo licença, pedi uma quartinha com água, comecei a rezar em
volta dele, lhe cobri com o pano branco, só deixando o rosto de fora, conforme
foi indo, no lugar aonde tinha problema, começou a sair uma massa negra, fedia
muito, a enxofre, o espanto das pessoas era grande. Dizem que incorporei, não me lembro, Gil
conta que a primeira reclamação era que meu corpo ainda era pequeno. Que meu Exu, começou uma verdadeira
confusão, correndo em volta do corpo deitado no chão, que essa massa negra,
cheirado enxofre, foi subindo, sendo absorvida por umas ramas da árvore que
morreram na mesma hora, ele, chamou dois homens altos, mandou cortar essas
ramas, fez uma fogueira com elas, as pessoas tapavam o nariz. Se os homens entendessem que quando fazem
essas coisas, a mesma se volta para quem fez.
Só me lembro que
depois estava sentado no chão, segurando a mão de Pai Gregório de Xangô.
Ele chorava muito,
sabia quem tinha feito essa maldade com ele, me dizia entre soluços, tentas
ajudar as pessoas, elas sempre querem mais, mais e mais, quando negas, te fazem
uma maldade. Eu sabia que quem tinha
feito isso, era um homem por quem ele tinha sido apaixonado.
O ajudaram a se
levantar, as Yaos, correram preparar um banho de descarrego para ele,
transferiu a saída para o dia seguinte. Sentado
ao lado dele num banco, segurando sua mão, cantamos toda a gira. Meu pai dizia a sua mãe, volta e meia, fecha
a boca, senão te caem os dentes. Gil ria
muito. Virou um grande amigo de Pai
Gregório. Com ele aprendeu os mistérios
dos Orixás. Minha avó, continuou indo a
suas missas, nunca mais subiu, ao terreiro, eu agora ia todos os sábados com
mãe Nice, Gilberto, meu pai quando estava livre também, ela arrumava uma
desculpas para ir tomar um café ou chá na Colombo com as amigas do prédio, mas
nunca perguntava, aonde tínhamos ido.
Com 12 anos, eu
já jogava os Búzios, mas nunca cobrei a ninguém. Um dia olhando um jogo que sem querer tinha
feito para o Gil, ele apenas estava sentado ali ao meu lado. Lhe perguntei se tinha um tio chamado
Nestor.
Sim, mas faz anos
que não sei dele, nem sei se está vivo, lhe disse aonde estava, está sozinho,
doente. Disse ao meu pai que fosse com o Gil, que depois eu desceria de ônibus
com a mãe Nice. Disse direito aonde
estava.
Estava internado
no Hospital Escola São Francisco de Assis, na Av. Presidente Vargas, como
indigente, o tinha encontrado mal na rua.
Tinham lhe roubado a carteira, ele só sabia seu próprio nome, Adalberto
Nunes, nada mais.
Gil se
identificou como seu sobrinho, meu pai o levou para o hospital que trabalhava,
em breve o homem estava bem. Já estava
muito velho, mas cismava de trabalhar, tinha um escritório de advogados na av.
Rio Branco, por isso quando desmaiou na rua, o levaram para o hospital mais
próximo.
Gil cuidou dele,
como um filho, acabou indo viver conosco, as veze no final de sua vida, ficava
sentado ao lado dele segurando sua mão.
Dizia, eu não aproveitei nada, como nunca tive ninguém, trabalhava como
um louco, para que me respeitassem, no final me chamavam de velho gaga, que
devia estar em casa de pijama, em vez de estar nos tribunais, mas mostrava a
que tinha vindo, ganhava todas as causas.
Viveu conosco uns
seis anos, vendeu o escritório, dizia ao Gil, não se preocupe, sei o que faço, o
acompanhava ao Banco, mas fazia as coisas sozinho. Gil foi uma única vez a sua casa, tinha um
apartamento no começo da Av. Vieira Souto, com Rua Gomes Carneiro, um edifício
dos primeiros da zona. Gil dizia que não
o tinha convidado para subir, ele gosta da sua privacidade, eu respeito. Uma vez por semana Gil e minha avó o levavam
para almoçar na Confeitaria Colombo, ele passou a insistir de que mãe Nice
fosse também, eles não cozinham como a senhora. Mas claro, lá ele encontrava seus velhos
amigos. Depois gostava de ir tomar um
chopp no Bar Luiz, na rua da Carioca.
Depois de noite para me provocar, contava o que tinham feito, mas sempre
tinha uma caixa de doces que eu ia comendo devagar, controlado por mãe
Nice. Senão devoras tudo de uma vez,
ficas com dor de barriga.
Quando morreu,
tinha dado um envelope ao Gil, para chamar seu advogado particular com suas
últimas vontades, queria ser enterrado no mausoléu de sua família no cemitério São
João Batista, como tinha ido a terreiro uma vez, pediu que eu fizesse uma
oração no enterro. O velório foi muito
concorrido, as pessoas vinha falar com o Gil, com minha avó ao lado, falavam do
grande homem que tinha sido. Apesar de
tudo, não era metido a besta, Gil não entendia o que era apesar de tudo. Um amigo dele, escreveu sobre sua morte no
Jornal o Globo, dizendo que o pais perdia um grande Jurista, que podia ter
feito uma carreira como Juiz, mas gostava de ser advogado dos desfavorecidos.
O mesmo advogado
avisou o Gil que tínhamos que ir a leitura de testamento dele, pois éramos
beneficiários.
Fomos pensando
que íamos encontrar muita gente, mas ali só estava uma irmã de caridade.
Deixava para o
Orfanato que dirigia uma boa soma de dinheiro, ele era proprietário do casarão
aonde estava o orfanato, ficava para elas.
Para o Gil,
deixava o apartamento da família, em Ipanema, bem como uma bela soma em
dinheiro, mas o melhor era eu, ganhava uma boa soma de dinheiro, para ir fazer
a faculdade que quisesse tranquilo, bem como um apartamento em Copacabana, ali
no Posto Seis, além do local do escritório na cidade. O Gil ainda ganhou vários escritórios no
centro da cidade.
Estávamos de boca
aberta. Gil ainda soltou, eu pensei que
íamos ter que pagar os impostos daquele apartamento, pois imagina quando o
encontramos estava como indigente no hospital.
Para mim deixou
uma carta em particular. Só li quando
chegamos em casa, levaríamos uns dias para entender tudo, saber o montante da
herança.
Me fechei em meu
quarto para ler a carta, me lembrava de tê-lo visto escrever, mas quando
chegava perto, escondia.
Teu Orixá me
encontrou, quando eu mais precisava de ajuda, vocês me receberam como se eu
fosse da família, nada mais justo tudo isso.
Creio que deves te preparar para ser uma homem duplo, pai de santo, o
que é natural em ti, mais alguma profissão, já te vi curar as pessoas, eu faria
medicina, assim não podem te chamar de curandeiro. Juntaras as duas coisas. Falo como advogado.
Mas deves
aproveitar a vida também, a juventude passa muito rápido, se forem morar na
minha casa, poderás fazer surf com os da tua idade.
Quero que sejas
feliz, não faça como eu, que nunca amei ninguém na vida, nem aproveitei minha
juventude, estudando para ser melhor que meu pai, que era um tirano. Seja Feliz, cuide sempre dessa pessoa
maravilhosa que é mãe Nice.
Depois dei a
carta para o Gil, ele leu para todos sentados na mesa, mãe Nice, chorava
emocionada, me lembro do dia que insistiu que eu fosse junto com vocês a
Colombo, imagina uma negra de favela, na Colombo, mas me tratou como uma
senhora. Me apresentou a todos aqueles
velhos, dizendo que igual a mim nos quitutes era impossível.
Quando
perguntavam quem eram os outros, dizia orgulhoso, minha família.
A discussão era,
se iriamos viver lá ou não. As vezes
mãe Nice por ser uma pessoa simples resolvia o problema, eu iria lá olhar, dar
uma vista d’olhos, como quem não quer nada.
Fomos com a
chaves, Gil se apresentou na portaria, como sendo sobrinho do Adalberto Nunes,
herdeiro do apartamento, perguntou se tinha alguma conta para pagar.
O homem riu,
talvez ele fosse o único que pagava o condomínio em dia, aqui as pessoas fazem
pose, mas na hora de pagar, hum, uma merda.
Ia tudo para o banco, esse pagava todas as contas.
Venham os
acompanho até lá em cima. Não era um
edifico alto, o homem foi dizendo que tinha a chave, que entrava para molhar as
plantas, que sua mulher era quem limpava tudo.
O apartamento era
de frente para o mar, no último andar, não é o maior do prédio, pois tem essa
varanda, ele amava isso, suas plantas.
Tá vendo aquele cadeirão, nos finais de semana se sentava ali, ficava
olhando o mar, embora eu nunca o vi descer, para ir à praia.
Gil se apaixonou
pela biblioteca, disse que sempre tinha sonhado em ter uma assim, mas o que
estranhamos, era que todos os porta fotos estavam de cabeça para baixo, o seu
João, soltou, são as fotos do velho, não permitia que ficassem de outro jeito. Os moveis eram antigos, mas bons,
Tinha quartos
para todo mundo, eu ainda soltei, porque ele tinha dito um dia a mãe Nice, que
na cozinha do seu apartamento ela seria uma rainha. Era realmente uma bela cozinha, a área de
serviço, bem como o quarto de empregados, estava vazio, era como um pequeno
apartamento.
Para meu pai,
seria excelente, ficaria mais próximo de seu trabalho, todos me olhava
esperando meu parecer, eu estava era prestando atenção num grupo de surfista
ali no Arpoador, eu tinha adorado poder ficar olhando o mar. Estava no último ano da escola, pronto para
fazer o vestibular, decidi fazer o que ele tinha falado, depois de jogar os
búzios com essa pergunta, além de conversar com pai Gregório. Ele disse que pensava igual, às vezes, como
fizeste comigo, fizeste uma cirurgia espiritual, podia te chamar de charlatão,
ou acusar de alguma coisa, melhor assim, se tens oportunidade, não desperdice.
Meu pai teve uma
ideia, se fossemos para lá, ele venderia o apartamento ali do Grajau, iria
diminuir os dias no hospital, pois estava cansado, abriria uma consulta ali no
pé da favela, assim podia atender a essa gente.
Todos aplaudimos
a decisão. Primeiro minha avô, bem como
mãe Nice, ajudadas pela mulher do João, a Dejanira, foram jogando fora tudo que
não servia. Principalmente as fotos do
velho, Gil guardou uma em que aparecia ele com o tio, nada mais. Fez o mesmo com os livros, separou os que lhe
interessavam, o resto doou para uma biblioteca em Copacabana.
Mandou pintar
todo o apartamento de branco, em menos de um mês nos mudamos, ainda fui as últimas
provas na escola no Grajau, depois me dediquei a estudar para o
Vestibular. Mas Gil me disse, não é
necessário, eres inteligente. Vá aproveitar a vida, foi comigo comprar uma
prancha de surf, comecei a aprender, me sentia como um peixe na água.
Fazer surf tudo
bem, mas ficou difícil sim, fazer amizades, os papos eram superficiais, quando
encontrava uma pessoa interessante para conversar, logo caçoavam dizendo que
estava se metendo com esse negrinho loiro tingido. Com tanto sol, eu fui ficando mais escuro,
então a diferença de cabelo e olhos apareciam mais. Mas a estas alturas da vida já cagava e
andava para isso.
Fiz o Vestibular,
passei, o negócio agora era escolher aonde estudar.
Um dia, se
fecharam na biblioteca os quatro, não me deixaram entrar, quando saíram, meu
pai disse amanhã vais a uma autoescola, para aprender a dirigir. Me compraram um fusca velho, mas muito bem
condicionado. Nada de luxo dizia o Gil,
se começa nisso também de baixo.
Me gozavam os
companheiros, mas o meu carrinho nunca falhava, eu o chamava de Mané, com ele ia
com mãe Nice no candomblé, os garotos cuidavam sempre do meu carro. Me chamavam de Oribara, eu acabei ficando com
esse nome. Algumas vezes, ao chegar, um
dos garotos avançava dizendo, pai Oribara, dê uma olhada pelas minhas
coisas. Eu já sabia que tinha
complicações em casa.
No sábado de
manhã, era a hora que eu atendia muitos, ajudava pai Gregório, ele mesmo
passava alguns para mim, principalmente aqueles que vinham atrás de informação
para ganhar dinheiro fácil. Ele já não
tinha paciência para essa gente. Eu
deixava o meu Bara, incorporar esse soltava as feras em cima da pessoa, dizendo
que o que deviam fazer era procurar um trabalho, se fosse isso ele conseguia,
mas número de loteria, o escambau.
Mãe Nice me
contava depois que saiam murchos da consulta.
Mas quando era um caso de doença, eu primeiro examinava a pessoa com meu
estetoscópio, se o caso fosse complicado, mandava consultar meu pai na entrada
da favela. As pessoas diziam que podia
ser caro, mandava um bilhete, pode ir, é meu pai, não cobra nada. Mas quando tinha alguma coisa de santo no
meio, ajudava ali mesmo. Se meu pai não
podia ajudar, subia com a pessoa, dizia o que tinha, que num hospital, isso
custaria uma fortuna, que a pessoa não tinha INSS, o sistema de saúde do
governo. Se podia fazer uma operação
espiritual, fazia ali mesmo.
Um dia apareceu
um homem fortemente armado, com dois capangas, me perguntou se eu tinha reparo
em atende-lo, disse que não, mas que os capangas e as armas ficavam porta fora.
O examinei, meu
caro, tens dois problemas, um físico, talvez decorrente do espiritual, chamei
uma Yao, mandei lhe dar um banho de limpeza, ela estava com medo dele. Lhe perguntei por quê?
Ele é o chefe do
tráfico aqui da favela. Olhei bem para
a cara do homem, lhe disse vou te curar, mas tens que me prometer uma coisa,
nunca aceitaras garotos vendendo drogas ok.
Isso é um
problema meu, me respondeu furioso.
O encarei,
dizendo sim, é teu o problema, levante essa bunda, saia daqui, vá morrer lá com
teus capangas. Ficou me olhando sério,
não tens medo de mim?
Nem um pouco, sei
que come, cagas, andas como eu. Portanto medo nenhum.
Venha lhe disse,
antes de lhe dar o banho, lhe perguntei por sua resposta.
Eu já não permito
isso a muito tempo, se tivesse escutado minha avô, nunca teria entrado para
essa merda.
Lhe dei o banho
eu mesmo, fui rezando ao mesmo tempo.
Lhe dei uma roupa
branca, mandei trazerem duas mesas grandes, coloquei embaixo do Iroco, eles vão
me ajudar a te curar.
Fechei os olhos
deixei que o médico que incorporava fizesse seu trabalho, depois comentaria,
que era um caso, eu de olho fechado, ele sentindo minhas mãos lhe cortando, sem
nenhuma faca ou bisturi, sentindo que lhe retiravam alguma coisa do estomago.
Agora ficaras
dois dias aqui, avise aos teus homens que podem ficar do lado de fora, aqui não
podem entrar. Fiquei ali com ele esses
dois dias, mãe Nice, lhe preparou uns caldos para se restabelecer. Ao final, queria me oferecer dinheiro, muito
por sinal, mandei uma Yao, buscar a professora da escola que ficava ao lado do
Terreiro, lhe entreguei o dinheiro, para
comprar livros, cadernos para os garotos.
Mas esse dinheiro
era para ti, soltou ele chateado.
Meu caro eu não
preciso, nem fiz isso por dinheiro, mas estou de olho em ti.
Voltou outras
vezes para lhe jogar os búzios. Estava
com problemas, uma outra facção queria seu espaço.
Estas ficando
velho lhe disse, sequer pudeste viver, te consigo aonde ficar, pegue teu
dinheiro escondido, abra uma conta no banco com teu nome verdadeiro, te ajudo,
mas me faça um mapa de aonde é o esconderijo dos traficantes, que passo para a
polícia.
O ajudei, o
apartamento que tinha em Copacabana, estava vazio, ele se escondeu lá por um
bom tempo. Os da facção contraria, foram
presos, convenci o chefe de polícia a transformar esse local num posto de policiais,
numa mais tivemos traficantes. Exu
Bara, logo dava com eles, os expulsando dali.
Quando acabei o
curso, passei a ajudar meu pai na clínica, com o dinheiro que tinha herdado,
melhoramos o local. As pessoas só iam
para o hospital, se não pudéssemos fazer nada lá.
Meu pai conhecia
muitos médicos, a clínica foi aumentando, consegui trazer um dentista, para
cuidar dos dentes dos garotos e das outras pessoas. Quando queriam nos pagar, dizia que deviam
dar dinheiro para a escola, agora sustentávamos dois professores.
Uma vez por
semana o Gil subia, com algum livro, durante uma hora, lia para os garotos,
como fazia comigo quando era criança.
Era divertido vê-lo fazer as muitas vozes dos personagens, um verdadeiro
conta contos.
Lhe disse que era
um Griots, que devia contar também a história dos Orixás, para que os meninos
soubesse, quem os protegia.
Agora tinha menos
tempo para a praia, se no domingo fazia um bom dia, ou mesmo chovia ia fazer
meu surf, recarregar baterias como dizia.
Um dia me
apaixonei, me cruzei com um francês que estava de férias, alguém lhe emprestou
uma prancha estava fazendo surf, mas uma outra prancha lhe alcançou, o salvei
como dizia ele, fiz os primeiros
socorros, quando chegou a ambulância, estava bem.
Dias depois
apareceu lá em casa. Eu estava saindo
para a clínica, disse que ia junto assim conhecia essa parte do Rio, fomos
conversando, nesse dia tínhamos problemas, o dentista tinha faltado, ele soltou
que isso ele podia fazer, pois era dentista em Paris. Pediu somente uma pessoa que traduzisse o que
falava. Limpava bem os dentes dos
garotos, dizia para não comerem tantas porcarias.
Foi ficando, eu
me fazia de desentendido, no primeiro sábado subiu depois de atender todo mundo
com meu pai, eu já estava no terreiro. Cuidando
de alguma pessoa, ele chegou ficou me olhando de longe, jogar búzios, eu sempre
o fazia embaixo da Mangueira. Ele olhava
fixamente a mesma. Me perguntou quem
eram esses que estava ali, olhando, falando comigo.
São espíritos que
vivem nesta árvore, lhe expliquei o que era um Iroco.
Quando fui jogar
os búzios, vi que ele era filho de Xangô com Iansã, mandei preparar um banho
para ele, ele ficou com vergonha quando as Yaos lhe mandaram tirar a
roupa, mas obedeceu.
Quando se sentou,
joguei para ele, fui explicando devagar o que devia fazer.
Esperava que me
dissesse, que impossível, mas a sua pergunta me pegou de calças curtas, se ele poderia
ficar trabalhando na clínica, indo ao terreiro, bem como fazer surf comigo,
quero viver uma vida contigo.
Ri, nunca tinha
sequer beijado ninguém na minha vida. Vi que o Exu ria, deixa de ser banana,
aceita.
Ele disse que
tinha que ir a Paris, fechar seu apartamento, bem como pedir demissão da
clínica que trabalhava. Se eu queria ir
junto com ele.
Não sabia o que
responder, dinheiro para isso tinha, mas medo de me afastar das minhas
obrigações. Lhe disse, vais fazes o que
tens que fazer, quando estiver tudo resolvido, me avisa que eu vou, passo uns
dias contigo lá.
Mas antes de ir
embora, dormiu uma noite lá em casa, lhe disse que nunca tinha feito sexo com
ninguém, que fosse devagar comigo. Tinha
as janelas do quarto aberta, chegava o cheiro da Maresia lá em cima. Foi emocionante, fiquei apaixonado por
ele. O levei ao aeroporto no meu velho
fusca. Quando me avisou que tinha tudo
resolvido, eu já tinha passaporte para ir, fui cagando de medo, mas fui. Passamos uma semana, ele me mostrando o
Paris que amava, foi fantástico.
Quando voltamos,
se instalou lá em casa, era um mais na família, em breve falava português, pois
era aluno do Gil. Quem não gostou
muito foi minha avó, pois nunca tinha tido na família nenhum gay. Mas Gil como sempre fez sua cabeça.
Um dia ela não
despertou, eu já sabia, mas tinha a obrigação de ficar calado, na última semana
me sentava para conversar com ela, relembrando minha infância. Eu lhe dizia que sem ele, o Gil, nem sabia o
que seria.
Ele ficou
desconsolado, pois era o grande amor da sua vida, passou a dedicar mais horas a
escola da favela. Subia conosco de
fusca, na escadaria, sempre tinha um bando de garotos lhe esperando. Ia cobrando se tinha lido o capítulo do livro
do momento, iam todos discutindo o que pensavam e sentiam. Quando chegava o
final do ano, ele entrava na luta com os professores, para conseguir escola
para os que queriam seguir. Ajudava com
tudo, dizia que o dinheiro que tinha era para isso, ajudar, ele não era de
luxo.
Muita gente
agora, de mais poder aquisitivo, vinha me consultar, eu não cobrava, mas mãe Nice,
mostrava o que fazíamos pela escola, com a clínica, as pessoas se quisessem
podiam doar dinheiro. Mas colocavam o que queriam numa caixa de madeira, como
se fosse um porquinho de economia.
Com isso, meu
pai, conseguiu que um amigo, de um hospital, lhe comprasse um scanner, para a
clínica. Isso iria ajudar muito, lá fazíamos o mesmo, se a pessoa quisesse dar
algum dinheiro, isso era com ela, uma caixinha também.
Jean Coulier, meu
namorado, se preocupava muito com os garotos, com os mais velhos, para poder
regularizar sua situação, tinha que ter um bom salário, isso resolvemos entre
todos. Breve Gil conseguiu que tivesse
documentos brasileiros. Ele parecia
mais um entre todos.
Mas gostava
imensamente de fazer surf comigo, erámos completamente diferentes, ele loiro,
branco, olhos verdes, eu mulato, loiro, olhos azuis, chamávamos atenção em
todos os lugares.
Os garotos diziam
que tratar de dentes com ele era fácil, não dava medo.
Ele começou a se
preparar para Xangô, quando foi raspado por pai Gregório, esse ficou contente,
pois era filho de Xangô também. Eu lhe
ajudei.
Entre nos dois,
havia um entendimento impressionante, bastava nos olharmos, para saber o que o
outro queria.
Quando fiz 35
anos, estava jogando, para um homem, mas só via sangue, não entendia, pois nada
tinha ver com esse senhor, lhe pedi desculpa, alguma coisa está interferindo no
jogo. Jean tinha ido para casa, pois
estava com uma gripe forte, lhe tinha colocado no taxi. Mas a tragédia aconteceu quando desceu do
taxi, a polícia vinha perseguindo um bandido, quando uma bala lhe atravessou a
cabeça, caiu morto ali mesmo. Eu no
terreiro dei um grito horrorosos, pois vi tudo, não podia acreditar.
Ele não tinha
família na França, o enterramos no mausoléu da família, ali no São João
Batista, a garotada que ele cuidava, desceu toda, foram de ônibus ao enterro. Tinha muita gente, nem sabia que ele era tão
querido, Pai Gregório, ficou abalado, pois o tinha como um filho, bem como o
Gil.
Eu fiquei meio
perdido, mas tinha que seguir em frente.
Me dediquei corpo e alma, ao terreiro, ao consultório, tínhamos que
encontrar outro dentista, não foi fácil, quando viam aonde era o consultório,
apesar de bem montado, queria fazer dinheiro rapidamente.
O pior era ir
fazer surf sem ele, as vezes ficava chorando, perdendo a onda perfeita.
Exu me dizia que
pelo menos tinha tido uma vida juntos felizes, mas que era coisas que
aconteciam.
Mas o dia que o
vi no Iroco, fiquei imensamente feliz, ali podia conversar com ele, me
aconselhava em muitas coisas. Pois sabia
quem eu era. Um dia me disse, vai
aparecer uma dentista, ao primeiro momento não gostaras, mas lhe dê uma
oportunidade.
Realmente,
apareceu uma mulher, de seus 40 anos, era francesa também, estava a muitos anos
no Brasil, disse que tinha ido de um lado a outro com ONG, mas que no fundo
ninguém era sério suficiente. Que
acabava descobrindo coisas que não gostava.
Lhe disse que não
erámos uma ONG, mas nos sustentávamos com uma herança que estava aplicada, quanto
lhe podíamos pagar. Ela pediu para
ficar um tempo, os meninos a comparavam com Jean, mas teve paciência, em breve
dominava todos eles.
Ela tinha um
apartamento alugado no Flamengo, mas conseguiu um pequeno ali no Grajau.
Ensinava francês
na escola para os meninos. Ajudava as
professoras no que fosse possível, um dia me soltou, encontrei finalmente o que
queria. Já me caia muito bem.
Se dava muito bem
com meu pai, quando estava livre ajudava a ele. Acabaram indo viver juntos lá em casa. Era
muito mais jovem do que ele, mas se entendiam de maravilha.
Ela não tinha
mais idade para ter filhos, mas adotaram uma garota que era uma excelente aluna
dela, lá do morro. A família era
imensa, não conseguiam manter todos, concordaram que a filha fosse adotada por
eles, dois.
A garota me
adorava, me chamava as vezes de Ernesto, outras vezes de Oribara.
Um dia saindo do
apartamento, encontrei com minha verdadeira irmã, riu quando viu que ia entrar
no carro. Veio me perguntar se não
podia ajudar seu filho, precisava que fizessem um trabalho para ele, para
conseguir um emprego, para ganhar muito, sem ter que trabalhar tanto.
Ri, sinto muito,
mas não faço essas coisas.
Foi quando soltou
que eu tinha matado a mãe dela, outras sandices no gênero. Entrei fusca, me
mandei. Comentei com meu pai, o
assunto. Tornamos a conversar a respeito.
Ela nunca tinha aceitado o casamento da mãe dela.
Dias depois
apareceu um rapaz no terreiro, disse que queria conhecer o tio dele, que tinha
colocado sua mãe no seu devido lugar.
Ela quer, porque
quer que eu seja um funcionário público, odeio a ideia, sou músico, não gosto
nem de imaginar trabalhando numa repartição pública.
Joguei os búzios,
vi que trabalhava com percussão, passou a ser, Ogan, tocava os atabaques justo
como gostava o Exu. Este o ajudou.
Ela tornou a
aparecer furiosa, como eu podia ter feito isso, era para me vingar dela.
Minha irmã, foi
ele quem veio aqui, nem sabia que era teu filho, a escolha foi dele, não minha,
é um homem adulto, pode escolher o que queira de sua vida.
Aos domingos,
vinha fazer surf comigo, logo se apaixonou por uma dessas garotas, que ficam
seguindo os surfistas, me perguntou o que eu pensava. Lhe respondi, perguntando o que ele queria.
Conforme a
resposta fui franco, então estas no barco errado. Ela pensava que ele vivesse no apartamento
que vivíamos nos, quando lhe disse que não, que era meu, não dele, simplesmente
tirou o corpo de fininho.
Não se preocupe,
logo aparecera alguém que te ame verdadeiramente. Escutava muito o Gil, esse insistia que
entrasse para a escola de música, tanto falou que ele acabou entrando para dois
cursos.
Houve um hiato de
paz, em que todos conseguiam fazer seu trabalho, Oribara, cuidava de todos, a clínica
funcionava bem, seu pai e Jeannete se relacionavam bem. Ela foi chamada de surpresa ao consulado francês,
foi sem saber por quê. Dizia que a anos
não tinha notícias de seus familiares, acreditava que tivessem mudado de
cidade.
Era justamente
isso, uma tia cuidava de um irmão que tinha, nasceu quando ela basicamente era
adulta, quando saiu do pais, ele era um garoto, dava muitos problemas, era
autista. Mas seus pais achavam que ela tinha que viver sua vida.
O jeito era ir
busca-lo, meu pai foi junto, nunca tinha saído do pais, foi toda uma aventura,
demoraram mais tempo, pois além dos papeis que tiveram que resolver, estava o
pior ganhar a confiança do garoto, ou melhor um rapaz de uns 16 anos.
Quando chegaram,
fui busca-los, no aeroporto, para surpresa de todos, foi direto em minha
direção me abraçando. Me chamava de
Baba, na hora não entendi, em casa depois de faze-lo descansar, pois não queria
sair do meu lado. Mãe Nice que tinha um
jeito especial, fez com que tomasse banho, depois comesse. Jeannete, lhe perguntou como conseguia.
Sei não, soltou,
paciência talvez. Outro que tinha uma
paciência incrível com ele, era o Gil.
Ele só queria nós
dois, depois que descansou, subi para o terreiro, ele desceu do carro, correu a
abrir a porta, em seguida foi até o Iroco, o abraçou, para surpresa de todos
começou a falar em Yoruba. Até que vi
com quem falava, com meu Exu.
Ele me disse que
ias cuidar de mim, que não me preocupasse.
Ou seja, simplesmente ele conseguia ver os orixás. Estendia a mão a cada
um, quem olhasse de fora, via somente sua mão estendida, mas os orixás o abraçavam.
Estava feliz,
passou a ser como meu filho, ao mesmo tempo minha sombra, aonde eu ia, ele ia
atrás, bem como mãe Nice, que conseguia que tomasse banho logo pela manhã,
depois comesse direito. Tinha lhe feito
um exame estava meio desnutrido.
Mas o melhor,
quando o levei comigo para surfar, parecia que sempre o tinha feito. O mar era para ele como sua casa. Não permiti que os outros surfistas fizessem
gozação com ele.
Josi como o
chamávamos, ao contrário do esperado, começou a falar, a conversar, conseguia
ter um vocabulário, imenso. Falava com
Jeannete, conversava sobre a tia, que basicamente o tinha criado, quando o
levamos a uma escola, a professora se surpreendeu, pois sabia ler e escrever
corretamente, agora iam lhe ensinar português.
Não sabemos se por associação, mas uma professora negra se tornou sua
mentora, aprendia tudo com ela.
Eu o levava,
depois mãe Nice ia busca-lo, no verão ao meio-dia, fazíamos um pouco de surf,
ele chegava em casa eufórico, se as ondas tivessem sido boas. Outra pessoa que
ele adorava era a mulher do João da portaria, a Dejanira, essa tinham uma
paciência imensa com ele. Um dia o levou
a feira, foi lhe ensinando em português o nome de todas as frutas e legumes.
Voltou feliz da
vida, foi repetindo para mãe Nice tudo que tinham comprado. Adorava as frutas tropicais.
No sábado, quando
me levantava, já estava em pé, vestido de branco para ir para o terreiro, lá ia
direto para o Iroco falar com os seus amigos.
Depois se sentava ao meu lado,
quando eu dizia que a pessoa devia tomar um banho de descarrego, se fosse
homem, ele mesmo acompanhava para isso.
Nunca o vi fazer uma brincadeira com isso. Um dia apareceu um homem muito perturbado,
quando pedi que tomasse um banho se revoltou,
depois escutamos uns gritos, tinha avançado em cima do Josi, quase cai
de porrada em cima dele.
O homem soltou
que adorava jovens assim perturbados, para abusar. O escorracei do terreiro, agora tinha que
tomar cuidado, pois as vezes o via espreitando o Josi. Avisei a polícia, fiz uma denúncia por acosso. Mas como sempre no Brasil, essas coisas não
funcionam.
Não o deixava
sozinho nem um minuto, pedi aos orixás que o protegessem. Um dia ele estava limpando a parte de baixo
do Iroco, retirando as oferendas antigas, o faziam muito sério, com toda
dedicação possível, eu estava jogando
búzios para uma senhora, só escutei um grito, corri, o homem tinha entrado,
tentado agarrar o Josi, mas algo aconteceu.
O homem estava aterrado, do chão olhava para cima gritando, tirem esse
negro de cima de mim. Chamei a polícia, não ia dizer que o Exu, o tinha jogado
longe além de estar com o pé no peito dele. Como ele falava que o negro feio
tinha um pé no seu peito, gritava como um louco, ele vai me matar. Os policiais o deram por louco, o
internando. Cada vez que ele ficava
melhor o Exu lhe fazia uma visita, dizia que tinha sido o único jeito de o
afastar dos jovens. Disse que ele
abusava de rapazes com alguma síndrome, para poder controlar.
Um dia no Pinel,
aonde estava, tentou abusar de um jovem, esse era muito forte, arrebentou sua
cabeça. Tinha ido mexer com um que
tinha problemas de violência.
Josi, só disse
depois, tenho que agradecer aos meus amigos, me defenderam. Fez ele mesmo tudo, arrumou num alguidar,
frutas para os orixás. No terreiro
nunca havia matanças, nada do gênero.
Quando aparecia
alguém que pedia para fazer uma matança para seu santo, eu o convencia a fazer
outra coisa mais simples.
Agora Josi,
basicamente sabia quando eu estava jogando, se ia recomendar algum banho, ou
mesmo oferecer ervas para a pessoa colocar na sua casa. Quando me dava conta, lá estava ele com um
amarrado já das ervas.
Vi que prestava
atenção no jogo. Comecei a lhe perguntar
o que via, mas o fazia em Yoruba, ele me respondia perfeitamente. Falei com pai Gregório, ele se ria muito,
esse garoto promete. Um dia me disse
que queria fazer uma faculdade, tinha acabado seus estudos, lhe perguntei o
que?
Sabe Oribara,
quero falar perfeitamente o Yoruba, devíamos ir a Africa para aprender direito.
Tirei umas
férias, fui com ele, além de meu pai, Jeannete, fomos a Nigéria, recomendados
por pai Gregório. Gil queria ir, mas a
idade lhe pesava, ficou com a mãe Nice.
Ficamos uns dois
meses, o mais interessante, que ele entendia os que falavam acrescentando um
estalo com a língua, ou uma letra a mais na palavra, as traduzia perfeitamente.
Os professores
ficaram intrigados, quando percebiam que ele era autista, mas se desenvolvia
perfeitamente no meio dos Orixás.
Um dia corrigiu
um babalaô que tinha entendido errado o que o Orixá tinha falado. Este a princípio não gostou muito, mas o
Orixá lhe chamou a atenção, que o garoto sim tinha entendido certo.
As vezes até a mim,
corrigia, eu aceitava de bom grado isso, me explicava o que significava a
palavra.
Um dia me disse
que seus sonhos, tinham sido realizados, estávamos os dois fazendo uma série de
exames médicos, pois sempre os fazia, agora incluía ele comigo. Enquanto esperávamos o resultado para dias
depois. Me soltou isso. Graças a ti e aos Orixás meus sonhos se
cumpriram, já não tenho nada a fazer aqui.
Vim pagar uma dívida, só não sabia que sairia ganhando. Na hora não entendi, mas no dia seguinte
achei estranho, pois ele sempre me chamava para dizer que o banheiro estava
livre, que estava atrasado, cheguei a seu quarto, como que dormia
placidamente. Tinha morrido durante a
noite. Inclusive isso, tinha previsto
sua morte. Quando me chamaram para o
resultado dos exames o médico disse que tinha uma atrofia no coração, que devia
ter sido operado a anos atrás. Mas
claro era tarde.
Mais uma vez
fiquei abalado, pois era a pessoa mais cerca de mim, era o filho que nunca
teria. Mas abalado mesmo ficou o Gil, o
tinha como outro neto. Além de não ter
idade mais para esses sustos. Não ficou
deprimido, porque para ele a morte era um descanso, estava beirando já os 100,
lhe era muito difícil ir a escola contar seus contos para a garotada, cada vez
mais estava agarrado comigo.
Eu chegava, me
chamava para sentar com ele na biblioteca, todos os meses, me fazia ouvir um
balanço do dinheiro aplicado, me explicava, como dizendo, um dia terás que
tomar a frente disso. Eu ficava
impressionado com a sua lucidez. Nos
dias que estava de baixo astral, pela perda do Josi, me consolava. Eu já perdi tanta gente, mas o que mais me
tocou foi perder tua avó. Com ela eu
tinha um ombro para me apoiar.
Embora soubesse
que nunca lhe faltaria nada, colocou na cabeça de se casar com a mãe Nice, lhe
explicou mil vezes que era para que ela tivesse sua pensão de aposentado. Falou tanto que ela aceitou. Se casaram pelo civil, mas ela continuou
vivendo no pequeno apartamento na dependência de empregados, dizia que não
precisava de muito.
Mas quando ele
morreu, foi sem querer um bofetada na cara de todos, pois estávamos acostumados
com ele, estava me recuperando da morte do Jose, mais essa paulada foi demais.
Conversei com os
Orixás, tirei uns 15 dias, não queria viajar, mas sim relaxar. Passei
basicamente esses dias todos na praia fazendo surf.
Fomos chamados
pelo seu advogado, mas sem muitas surpresas, ele em vida tinha passado o
apartamento para meu nome, eram mais coisas que deixava para a escola, dinheiro
para que ela se mantivesse. Sua grande
preocupação tinha sido sempre o depois, quando esses garotos entrassem na
secundaria, os poucos que chegavam a Universidade. Sempre tinha ajudado a todos. Deixava meu pai bem como a Jeannete a
controlar tudo isso.
Para mim deixou
uma carta belíssima, falando que fui o filho, o neto que ele sempre quis.
Jeannete quer
queira quer não tinha se apaixonado pelo irmão, embora a filha dos dois ia
crescendo, amadurecendo, sentia a perda do irmão que nunca conseguiu se
aproximar totalmente, como eu consegui.
Um dia saindo da
praia, tinha estado ao longe, vendo uma pessoa de roupas normais, com um chapéu
na cabeça, ali parado na sombra de uma árvore.
Quando sai, se aproximou de mim.
Perguntou se eu
era o Ernesto da Silva, que tinha sido amigo de Jean Coulier.
Sim, por quê?
Ele foi meu
melhor amigo, quando vocês estiveram na França, eu trabalhei para o exército no
Mali, então não pude vê-lo, mas me escrevia constantemente, falando de ti. Após todos esses anos, dei baixa no
exército, resolvi ver o que tinha apaixonado meu amigo neste pais.
O convidei para
ir até em casa, falava um português arrastado, mas quando viu a Jeannete, logo
soltou-se, a conhecia. Ele tinha feito
universidade com o Jean, ficaram amigos inseparáveis. Mas ele para sobreviver, entrou para o
exército, como médico.
Ficou encantado
com a clínica que tínhamos, quando lhe perguntei aonde iria no Brasil, me
soltou na cara, eu só vim te conhecer e o que fazia meu amigo aqui.
Subi com ele até
a escola, depois o levei ao terreiro para conhecer pai Gregório. Ele ao entrar ficou olhando o Iroco, que
pensei, essa árvore realmente atraia todo mundo. Foi até ela se inclinou, ficou ali rezando,
numa língua que eu não conhecia. Logo
vi sair da árvore, um orixá diferente, tinha a cabeça mais alongada.
Depois me
explicou que tinha ficado tanto tempo no Mali, pois além de trabalhar para o
exército, tinha um auxiliar ao que ensinava tudo que podia, que era do povo Dogon,
na primeira oportunidade me levou até eles.
De ir de turista, passei a ir de médico, atendendo o que fosse possível,
eles me iniciaram no contato com os espíritos.
O que me
acompanha, é um dos espíritos de Sirius, o planeta que veneram. Me disse que um dia eu devia vir te
conhecer, para encontrar o que necessitava na minha vida.
Os dois tinham
largas conversas, regulavam de idade, acabaram se apaixonando um pelo
outro. Garcez, como se chamava dizia o
Jean falava nisso, que essa paixão nasceu no momento que te viu, comigo foi
igual, quando saíste da água, pensei, ele é um deus de Sirius, a agua é teu
elemento.
Ficou vivendo
comigo, me ajudando na clínica, principalmente quando meu pai foi se afastando
gradualmente pois reclamava que estava ficando velho, precisava descansar,
depois tivemos que conseguir outro dentista, pois a Jeannete queria ficar ao
seu lado, vendo a filha deles crescer.
Os dois nos
tornamos unha e carne, nunca nos largávamos, estava sempre ao meu lado, era meu
outro eu. Assim seguimos até hoje.
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