JAZÁN - CANTOR DE SINAGOGA
Meu
nome é Ariel Baumanuel, sou filho de uma drusa com judeu, meu pai é um dos mais
famosos cantores de Sinagoga de Israel.
Se
conheceram na universidade de música de Tel Aviv, ela estudava para ser
maestra, uma carreira que era patrocinada por Zubin Mehta. Ele estudava para aperfeiçoar sua voz, por
herança hereditária todos homens de sua família eram Jazán, cantores de
sinagoga, uma função de muito prestígio, já que leva todas as orações durantes
as cerimonias.
Pelo
que soube foi um romance conturbado desde o começo, ela não queria nada com
ele, mas ele insistia. Brigaram,
amaram, reataram, brigaram, até que acabou ela ficando gravida, mas se negava a
casar, não ia mudar de religião só por isso, ele tampouco abria mão de nada.
Como
nada eram rosas, desde que se conheceram, a gravidez também foi tumultuada, de
um lado a família dele que queria que tudo fosse a maneira de sua religião, pôr
o lado dela, queriam totalmente ao contrário.
Foi um
gravidez complicada, ele prometia que não iam discutir, cinco minutos depois só
faltava saírem nos tapas. Mas dizem que
se amavam.
Sei
que justamente quando rompeu as águas, caia uma chuva torrencial em Tel Aviv,
as ambulâncias não davam abasto para a emergências. Do hospital lhe perguntaram se tinha carro,
se fosse o caso, tentasse chegar ao hospital.
Os
relâmpagos surcavam os céus, anunciando minha chegada, num cruzamento, em que
um raio caiu sobre o semáforo, torrando o mesmo, ao mesmo tempo um caminhão
investia sobre o carro que estavam, que virou ao contrário. Eram pelo menos cinquenta veículos
acidentados, quando chegaram os bombeiros ela estava presa no carro, dizem que
meu pai, estava parado ao lado do mesmo, tentando vocalizar, dizia que tinha
perdido a voz, como ia cantar. Os
médicos riram, pois parecia transtornado, como podia pensar nisso se sua mulher
corria risco de vida. Nasci ali mesmo,
no meio de trovões, ruídos da sirenes de caminhões de bombeiros, das
ambulâncias que não parava de chegar ou partir. Tudo era um caos total.
Nasci,
talvez por isso, dizem que como que me resistia a sair, em silencio absoluto,
as enfermeiras estavam nervosas, pois o famoso tapa, fez com que eu sorrisse,
não chorasse como as outras crianças. Fui colocado sobre o peito da minha mãe, ao
escutar com as minhas mão pequenas, o som de seu coração, sabia que ela ia morrer. Dizem que caiam lagrimas da minha cara. Ela disse a enfermeira, ele se chama Ariel Baumanuel,
que era o sobrenome dela, não dele. Se
ele não estivesse preocupado tanto com sua voz, entre os dois sairia uma
discussão tremenda.
Meus
avós maternos viviam a muitos anos em NYC, ela era de lá, mas como ganhou uma
bolsa da fundação Zubin Mehta, foi para lá estudar.
Mesmo
no caos, fiquei ali contente entre seus peitos generosos, dizem que alisava sua
cara, secando seu choro.
Fomos
levados finalmente para o hospital, mas para ela já era tarde.
Quando
o médico saiu para falar com meu pai, este continuava com a ladainha de perdi
minha voz. O mesmo não teve conversa,
dizem as más línguas, que lhe deu uma bofetada tão grande que ele caiu para
trás. Mas se levantou tranquilo.
O
menino está bem, mas acredito que devido as circunstâncias, nasceu surdo, reage
a todos os signos, menos ao do som.
Isso
para uma família tradicional de Cantores, era uma tragédia. Dois dias depois
fui levado para a casa dos meus avôs paternos, ali começaram uma pantomina
impressionante, que graças a deus eu não escutava. Fui arrancado dos braços do meu pai, pelo
meu bisavô, o chefe do Clã, que se sentou na sua cadeira de balanço, com a sua
bengala, quebrou um vaso chinês falso que era a paixão da sua nora. Todos ficaram em silencio, mandou todo mundo
sair, era conhecido pelos seus ataques de ira.
Ele se pôs a conversar comigo, eu tinha a mão sobre seu coração. Escute
os latidos do meu coração, saíba da minha história completa, nunca escute esses
idiotas, que pensam que sabem quem eu sou.
Sou um farsante, filho da puta, sem consideração com meus descendentes,
esses idiotas. Teu pai, é um bom cantor,
mas nunca será como tu. Escutas o som do
meu coração, ficou ali comigo três dias, só me deixava quando uma mulher da
vizinhança, vinha me dar de mamar.
Tinha perdido seu filho, então estava cheia de leite. Acabou virando
minha mãe de criação.
Quando
meus avôs americanos chegaram, tiveram que contratar um advogado, pois minha
mãe não era casada com meu pai. Segundo
as enfermeiras, ela disse qual devia ser o meu nome, Ariel Baumanuel, que era o
sobrenome da família. Eram de certa
idade, mas muito sérios, meu bisavô, pediu para que eu ficasse mais um dia,
acharam que ele estava louco, afinal tinha 108 anos, ele está acabando de saber
toda minha história através do meu coração.
Ali fiquei mais um dia escutando tudo. Quando acabou de me contar,
morreu. Era a segunda morte que eu
conhecia. Só nesse momento comecei a
gritar, sem som nenhum.
Minha
mãe de leite, chamou o médico, que veio correndo, examino minhas cordas vocais,
fomos outra vez para o hospital, meu pai, meus avôs maternos, minha mãe de
leite foi a única que pode entrar.
Era
uma mulher morena, muito bonita, infelizmente tinha se casado com um idiota
ultra ortodoxo, que ao ver o filho loiro, achou que ela o tinha traído com
outro homem, sorte da criança que nasceu morta. Ele desceu pancadas nela, foi
preso por isso, quando fizeram a prova de ADN, na criança, tudo concordava, era
sua. Mas era tarde ela tinha conseguido
o divórcio.
Diria
posteriormente, foi só uma passagem, minha vida, vim para cuidar de Ariel.
Depois
de todos os exames, não entendiam por que eu não emitia som nenhum, nem ao
chorar a morte de meu bisavô. Me
levaram para escutar meu pai rezar o Kadish, dizem que nesse momento dei um
cagada tão grande, que tiveram que sair rapidamente comigo, pois fedia
demasiado. Na verdade, tinha cagado a
parte negra da história do Bisavô, a que ele não queria que a família
descobrisse.
Sabia
que ao momento que me colheu nos braços de sua nora, que eu sabia quem ele era,
que tínhamos vivido uma vida juntos. Eu
tinha sido o amor de sua vida. Quando me
colocou minha pequena mão em cima de seu coração, o primeiro pensamento dele,
foi, estive te esperando a tanto tempo Ariel, que meu coração já não pode mais,
me deixe descansar por favor.
Eu
nesse momento, o amei loucamente, nunca mais iria esquecer dele. Jibril, ou Gabriel, esse era meu bisavô.
Morreu
dormindo, comigo em seus braços.
Finalmente
meus avôs americanos, conseguiram minha custódia, pois pelas leis hebreias meu
pai não tinha se casado, portanto, não tinha direitos. Meus avôs convidaram minha mãe de leite
Tamar, para ir com eles, já que não tinha ninguém por lá.
Levei dez minutos para fazer minhas maletas,
meu menino, dez minutos, pois contigo iria até o fim do mundo.
Era a
única pessoa na verdade que eu escutava, falava com delicadeza comigo, eu era o
seu filho, minha avó sempre tinha sido um pouco histérica com sua filha, a
controlava de todas as maneiras, quando me via, dizia a Tamar, tai o resultado,
eu sempre lhe orientei, esta ai um resultado, repetia e repetia isso. Meu avô que era um bonachão, Abed Baumanuel,
fazia que não escutava. Quando ela
morreu, casou-se com Tamar, para ela ter cidadania, bem como direito a uma
parte da herança familiar. Os dois se
davam bem.
Mal
chegamos, fizeram todos os exames novamente em todos os melhores médicos, todos
diziam o mesmo. Acreditamos que é um
problema psicológico, esse menino deve ter recebido um grande choque na hora de
nascer. Contavam para o médico o caos
que as enfermeiras contavam justo na hora que sai ao mundo.
Já
antes da escola para surdos, falávamos os dois por signos, quando eu teimava
alguma coisa, colocava por intuição minha mão sobre seu coração, como tinha
visto meu bisavô fazer, me dizia não faça isso. Espere.
Eu ficava
quieto no ato.
Dormia
no seu quarto, apreciava a beleza de seu corpo desnudo, quando saia do
chuveiro, pensava um belo corpo de mulher.
Quando
fui para a escola aprender a linguagem dos signos, minha verdadeira avó, teve
um dos seus inúmeros chiliques, o que iam pensar da família com um garoto sem
mãe, ainda por cima surdo. Meu avô
perdeu a paciência, lhe dizendo sempre foste louca, mas agora estás passando da
raia. Ou te controlas ou te interno de vez.
Só me
pegava no colo, se chegava alguma visita, mas eu fazia tudo para escapar.
Acabava
me dando para Tamar, que me levasse dali.
Essa
ria muito, que mulher, mas tonta me dizia, mal sabes como eres lindo. Eu tinha ao parecer os olhos do bisavô
paterno, azuis como agua, mas cabelos negros como de minha mãe, umas
sobrancelhas muito negras, o que fazia um contraste interessante, além de ter a
pele, como se tivesse vivido nu no deserto.
Meu avô
não permitiu que circuncisasse, isso foi feito numa das visitas do meu
pai. Mal ele entrava ficava irado. Tentava se comunicar comigo, mas o idiota não
tinha entendido que devia colocar a minha mão em seu coração, talvez porque não
quisesse que eu visse do que era feito.
Depois
dos meus cinco anos de idade, deixou de vir. Estava tão neurótico com a sua
voz, que dizia que me ver sem voz, temia perder a sua.
Comecei
a aprender a linguagem dos signos, junto com Tamar, os dois falávamos depois
numa velocidade espantosa, mas nos entendíamos também com o olhar.
Eu
percebia pelo som do chão, que faziam os sapatos altos de minha avó, que era
hora de nos escondermos, tínhamos um sinal para isso. Me pergunta por aonde vinha ela, eu lhe
sinalizava o corredor principal, saímos pela cozinha contornando todo
apartamento.
Ela
gostava que quando estava com suas amigas, que desaparecêssemos, para não
responder a perguntas. Não sabia
nenhum sinal dos signos. Meu avô sim
aprendeu, aprendi a ler os lábios.
Quando
fui para a escola, decidiram que talvez se eu convivesse com alunos normais
soltasse a voz.
Era
alto, para minha idade, fui ficando forte, fazendo exercícios, mas continuei
não falando, quando estava em segundo de secundária, no primeiro dia de aula,
vi dois garotos novos, um pensei, farei sexo com ele, o outro olhei, esse será
minha paixão, os dois vinham transferidos de outras escolas. O que sentava atrás de mim, não parava de
implicar comigo, mal a professora se virava para o quadro. Quando se voltava ficava quieto, sei que ele
falava algo, mas não lhe escutava. Me
virei para trás lhe avisei que se comportasse, pois senão ia se arrepender, mas
claro em linguagem dos signos. Ele
continuou, mas ela se virou para frente, estávamos sentados ao lado de duas amplas
janelas no segundo andar, agora estavam abertas por causa do calor. Me virei rapidamente, o levantei, o coloquei
do lado de fora da janela. Ele ficou
segurando com as duas mãos meus braços, por ali fiquei sabendo quem ele era,
porque tinha problemas, fiquei olhando diretamente aos olhos dele, me pedia por
favor.
O
levantei o coloquei em pé, lhe fiz o sinal que da próxima vez lhe cortaria o
pescoço.
Que
queres dizer com isso. O outro novo, respondeu por mim, disse que te cortara os
ovos.
Não
sei por que escutei, me virei para ele, falei pela primeira vez na minha vida,
vou cortar os teus ovos idiota, enfiar nesse teu cu sujo.
A
classe inteira ficou de boca aberta, tinha uma voz rouca de nunca ter falado.
Mas
quando a professora se voltou, eu estava tranquilamente sentando.
A
partir desse dia durante uma semana escutava tudo, mas falava pouco. Marcava depois das aulas, no fundo da
escola, com Gerard, o menino que seria meu a vida inteira, ele era filho de
franceses. Fumamos ali nosso primeiro
cigarros juntos, nos beijamos, masturbamos, sempre sorrindo um para o
outro. Ele não permitia, por ser mais
alto que eu, que ninguém me incomodasse, embora soubesse que sabia me defender.
Um dia
cheguei em casa, Tamar estava nervosa, porque meu avô tinha tido um princípio
de derrame, se esqueceu de falar a língua dos signos comigo. Temos que ir para o hospital, ele já está lá,
vim buscar os documentos dele.
Minha
resposta foi simples, deixo a mochila, troco de camiseta, pois está suada.
Ficou
parada me olhando, como se nunca tivesse visto. Fui falando com ela o trajeto todo, aproveitou
que estava no hospital foi falar com o médico que me atendia.
Já
estou com saudade do outro Ariel, que não falava, pois não conseguia parar de
falar.
Me
examinaram as cordas vocais, os ouvidos, enfim, realmente estava tudo normal
como sempre.
Meu
avô quando se despertou ficou contente.
Nesse
domingo seguinte fomos a sinagoga, quando o Jazán, começou a cantar, eu fui
fazendo o mesmo que ele, desceu de aonde estava foi me ver cantar, ficou
impressionado com meu timbre de voz.
Depois me perguntou se queria aprender.
Olhei para meu avô, que não gostava muito de ir a Sinagoga.
Ainda
não sei, meu pai é cantor de sinagoga em Israel, pedi licença, fui ao centro
para cantar um Kadish pelo meu bisavô, lhe dizia que finalmente eu falava.
Nessa
tarde depois do almoço, meu avô telefonou ao meu pai, somente lhe disse, te
passo teu filho. Comecei a falar com
ele, hoje cantei meu primeiro Kadish, como vai o senhor, tudo muito pausado. Pois se acelerava doía a garganta.
Ele
pensou que era uma brincadeira de mal gosto, Tamar lhe explicou que de repente
de uma hora para outra, sem nenhuma interferência, tinha voltado a falar. Tinha nessa altura 12 para 13 anos.
Em
seguida ele veio me visitar, como era uma pessoa que só pensava em si mesmo,
soltou na minha cara, que lhe parecia impossível que eu cantasse, pois tinha
uma voz horrível, rouca, sem timbre nenhum.
Comecei a cantar um Kadish, pelo meu pai que só pensava em sua própria
voz. Foi embora puto da vida, pois deve
ter reparado que eu cantava melhor que ele.
Entrei
para uma escola de música, aprendi a ler, escrever pautas, tinha aula de canto,
me juntei a um grupo que fazia canto gregoriano.
Os
professores ficavam cativados, pois não podiam classificar minha voz, cantando
em nenhuma modalidade, barítono, baixo, vamos dizer eu era uma pessoa versátil.
Um
dia, pela primeira vez vi o piano de minha mãe aberto, estava a tanto tempo
fechado, que meu avô chamou um técnico para revisar o afinamento, se tudo
estava perfeito, queria vender o mesmo.
Tinham
deixado o mesmo aberto, me sentei, a senti do meu lado, colocando as mãos sobre
as minhas, foi dizendo na minha cabeça o que eu tinha que fazer quase num sussurro.
Tamar
veio correndo ver quem estava usando o piano.
Quando me viu ali tocando uma música sem partitura, sem nada. Quem te ensinou a tocar piano.
Fiz um
sinal a minha mãe que estava sentada ao meu lado no banco. Ela me ensinou, agora tenho tudo na minha
cabeça.
Como
era exagerado, nesse dia passei tocando piano.
Quando
realmente dominava o mesmo, comecei a tocar e cantar músicas que estavam guardadas
dentro de mim. Músicas que o bisavô me
tinha ensinado. Músicas
austríacas, de aonde ele era originário.
O
único comentário foi da Tamar, como sempre ele agora fala outra língua que não
conheço.
Na
escola os professores se reunirão para enfrentar o problema, de aluno modelo
que nunca interfere nas aulas, agora eu só não interferia, bem como corrigia os
mesmo. Gerard se matava de rir, pois os
professores me lançavam olhadas furibundas.
O
convidei para ir conosco a Sinagoga, adorou, gosto da tua religião. Mas nunca dou atenção a isso.
Nesse
dia sonhou com seu bisavô, justamente a parte negra que ele devia ter
esquecido, ou será que o fato dele sonhar o fazia de propósito para que não se
esquecesse de suas origens.
Ficou
dois dias meditando sobre isso. Tentou
falar com a Tamar, ela sabia de coisas, mas as vezes se aferrava que ele era um
garoto normal.
Tamar,
quando vais entender que desde o momento que eu vim ao mundo, nada foi igual
para mim. Anos guardando um silêncio, observando o mundo passar, sem poder
fazer um movimento, me deixando ir pela inercia. Te lembras que eras a única que podias entrar
na sala aonde estava meu bisavô, inclusive comentaste que era como se eu
estivesse com a palma da mão diminuta colada na parte de cima do coração dele. Ele me dizia que estava esperando por mim
para colocar tudo para fora, para contar a verdade sobre ele.
Anos
depois escutei meu pai falar, aqui mesmo, que igual ao seu avô era
impossível. Ele tinha sido o grande
cantor de Sinagoga desde o momento que chegou a Israel.
Mas
ele dizia que não, que o grande cantor tinha sido o amor de sua vida, um homem
que morreu em seus braços. O homem que o
tinha incentivado a fugir, abandonando toda sua família, ele caminhou desde Salzburgo,
até Jerusalém. Estavam os dois num
concurso de cantores de Sinagoga quando Hitler invadiu a Áustria, os dois
passavam por tipo ario, quando chegaram a Viena, viram suas famílias serem
assassinada em plena rua. O jeito foi
fugir, roubar roupas, cortar cabelos, trocar o modo de tudo, foram para
Budapest, lá foram acolhidos na sinagoga, mas também sabiam que mais dia menos
dia estariam invadidos.
Conseguiram
dinheiro para ir de trem até Bucareste, lá roubaram pão porque estavam mortos
de fome, seguiram um caminho paralelo até Sofia, que em breve seria invadida.
Foram descendo, sendo ajudados por pessoas, estavam quase chegando a Istambul,
quando começou o inverno, seu amigo, seu amante Bruno Grandzist, dormiam
agarrados, para fazerem entrar calor um no outro. Mas a tuberculose pode com o Bruno, morreu
nos seus braços, no dia que avistou a Torre Gálata. Tudo o que pode fazer foi atirar seu amigo
ao mar, chorando, já sem sapatos, em Istambul, foi ajudado por judeus, que lhe
ensinaram o caminho para Jerusalém sob mandato inglês. Disfarçado de beduíno,
conseguiu chegar depois de meses, aventuras, nessas alturas, seu ódio por tudo
que o tinham feito perder seu amante, foi imenso.
Mal
chegou se alistou no Haganá, para lutar pela libertação do seu povo, ali fez de
tudo, com a fachada de cantor de Sinagoga, matou, aniquilou famílias inteiras,
até que em 1948, conheceu uma mulher, estava gravida de um companheiro que
morreu em ação, assumiu a paternidade do filho deste, que vem a ser o meu
avô. Este sempre pensou que era filho
dele, como sua mãe morreu cedo, foi criado como seu filho. Mas sempre odiou seus descendentes, porque
nunca pode assumir que amava os homens. Muitos
dos quais matou. Era palestinos.
Depois
se dedicou somente a cantar, cantou tantos Kadish, que se tornou um experto
nisso, me ensinou o primeiro, que cantei com ele, justo quando morreu. O que meu pai cantou, foi na verdade o
segundo. Porque enquanto ele morria, eu
lhe cantei, como tinha cantando para mim, a beira do Mar Negro, aonde me deu
sepultura, isso me disse, pois reconhecia em mim a reencarnação de Bruno.
Tamar
estava de boca aberta enquanto ele contava tudo isso. O único para quem ele repetiu a história foi
para Gerard. Esse acreditava em tudo
que ele lhe contava, tinha a sensação de estar vivendo o momento descrito por
ele. Ia escrevendo sobre isso.
Foi
nessa época que Gerard foi viver com eles definitivamente, pois os dois
assumiram seu romance. Tamar os
encontrou dormindo nus abraçados, nunca fez nenhum comentário a respeito. Os dois levavam sua vida discretamente.
Gerard
entrou na universidade porque ganhou uma bolsa, foi estudar literatura, já
tinha escrito todo o relato do Bisavô.
Ganhou um prêmio com direito a publicação do livro. Como era uma história contada pelo Ariel, ele
colocou nomes e sobrenomes nos personagens.
A
partir que mencionava Jibril, mais o Bruno, o pai de Ariel ficou uma fera. Chegou
justamente a NYC, num dia que Ariel se apresentava na grande sinagoga da
cidade. Discutiu com ele antes da apresentação, lhe disse na cara para que
ficasse nervoso, fizesse má figura.
Antes
de apresentar um Kadish, disse que pela segunda vez na vida, cantava a morte de
seu pai, um sujeito invejoso, mal nascido, que pensava que a verdade sempre
devia ficar oculta.
O pai
não se atrevia mexer do lugar. Resultou
que o filho foi consagrado justamente na frente dele. Ali estava presente o rabino da sinagoga de
Jerusalém que o convidou para ir cantar lá.
Lhe
disse que iria sim, mas que não queria a presença de um morto no recinto. Isso tudo com seu pai escutando.
Foram
para Israel, apresentar o livro, que contra todos os prognósticos fazia
sucesso, os dois não podiam viver sem a Tamar, ela era a verdadeira família
deles.
Antes
de se apresentar, conversou muito com o rabino, o que está escrito no livro, me
contou meu avó antes de morrer, bem como me mostrou a família que me cercava,
que pensavam que eram seus descendentes, mas não eram. Não sei se o senhor acredita nisso. O
primeiro que me lembro do meu nascimento, eram trovões, relâmpagos, sirenes de
ambulâncias, bombeiros, polícia tudo ao mesmo tempo. O idiota de meu pai, vendo minha mãe morrer,
mas o único que lhe preocupava era se perdia a voz, que era a dignidade da
família em gerações. No
fundo uma grande inverdade.
Enquanto
contava isso, colocou a mão no coração do rabino, foi transmitindo para ele
tudo que tinha escutado do seu avô. O
mesmo o viu como um bebê, com a mão em cima de uma pele muito antiga, que lhe
transmitia todo o conhecimento do mundo dos cantores de sinagoga.
Ele
entendeu, será uma honra que você cante junto comigo, faremos um novo Kadish ao
final para que ele descanse em paz.
O pai
ficou escondido atrás de uma coluna.
Pela primeira vez via seu filho tocar piano, o mais estranho era que ele
nunca tinha feito nenhum curso, ou estudado para isso. O rabino explicou que Ariel, vinha com
desígnios já de outra vida. Toda a cerimônia
foi perfeita. Volto a cantar aqui um
Kadish pelo meu bisavô Jibril, quando soltou sua voz, foi como uma revoada de
pássaros no céu, as modulações eram perfeitas, o sentimento vencia acima de
tudo.
Embarcaram
no dia seguinte de volta, sem contato nenhum com a família de seu pai. Ele só foi antes ao cemitério, para rezar na
frente do tumulo de Jibril, bem como de sua mãe.
Agora
sabia que eles estavam em paz.
Seguiu
cantando em qualquer sinagoga que lhe convidasse, ia rezar o Kadish em qualquer
enterro que lhe pedisse, nunca solicitava nada.
Essa era sua obrigação dizia.
Tentaram ventilar que ele era gay.
Nem se imutou. A pessoa que
pensou que o ofendia, ficou vermelha, se engasgou. Porque ele lhe perguntou somente uma
coisa. Te olhas muito no espelho, vês
realmente o que es. Nada mais.
Quando
Tamar morreu, já muito velha, mas na sua cabeça, ela continuava linda. Brincava com ela, que preferia lembrar quando
ela entrava no quarto quando ele era bebê, nua, que ele admirava seu corpo.
Foi
para ele o Kadish mais emocional, porque ela tinha tido um final infernal, com
um câncer que não tinha cura, o enfrentou como tudo que tinha feito na vida, de
cara feia, sem nada que aliviasse a dor.
Quando sentia muito, só pedia para ele cantar para ela.
Sua glória
final, foi cantar no Vaticano, para uma multidão, ao lado do papa. Falou que o Deus que ele conhecia, procurava
não fazer sofrer tanto seus fiéis seguidores, não importando a religião. Acredito que todos temos o direito de
escolher o que professamos.
Cantou
um lamento, pelo mundo perturbado, acompanhado de instrumentos tocados por um
grupo de israelenses, palestinos, drusos.
Era um som completamente diferente.
Assim
seguiria para a frente, misturando sons de todos os árabes, pois no fundo ele
tinha uma parte disso.
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