martes, 31 de diciembre de 2019

SAUDADE


                                                                  SAUDADE

Saudade torrente de paixão
Emoção diferente
Que aniquila a vida da gente
Uma dor que não sei de onde vem

Deixaste meu coração vazio
Deixaste a saudade
Ao desprezares aquela amizade
Que nasceu ao chamar-te meu bem

Nas cinzas do meu sonho
Um hino então componho
Sofrendo a desilusão
Que me invade
Canção de amor, saudade !
Saudade

Se olhava no espelho do banheiro, seus primeiros cabelos brancos começava aparecer na lateral da cabeça, as pessoas diziam que ficava super bem.  Mas não para ele. Significava que o tempo estava passando, ele continuava sozinho.   Se lembrava de uma palavra que sua mãe dizia sempre “soledad” ela, seu pai, o irmão mais velho tinham vindo das ilhas, nunca diziam ilha.   Seria mais fácil dizer Cuba.   Mas quando lhe perguntavam era das ilhas.

Em casa só falavam espanhol, inglês só na rua, mesmo assim todos os dois tinham um sotaque inconfundível.

Seu pai tinha sido campeão de boxe, peso ligeiro.  Tinha ganho vários campeonatos em Cuba, mas chegou um momento que se queria ser conhecido, só saindo da ilha.   Primeiro foram para Miami, depois New York.  Quando ganhou dinheiro suficiente, comprou uma casa antiga, bem como abriu um ginásio de Boxe, no Bronx.

Seu irmão não queria estudar, seguiu a carreira do pai, desde criança estava no ginásio, treinava todos os dias.  Quando começou a ganhar, ter um nome, fez como todos emigrantes que em seguida ganham dinheiro, esbanjou.  O muito idiota, se casou com uma porto-riquenha, que só abria as pernas, se casasse.  Logo estava gravida, o dinheiro ficou pouco, voltou para a casa dos pais.  Ele teve logo que lidar com isso de ser um adolescente com um sobrinho que chorava todo o tempo.  Reclamava com sua mãe, que precisava estudar, mas com aquele choro contínuo era impossível.  

Seu irmão, um idiota rematado, por mais que o pai falasse, começou a meter-se esteroides para poder se manter em forma.  Um dia participou de um acordo entre treinadores, deveria ganhar o primeiro assalto, perder os outros.   Infelizmente o outro boxeador, não sabia da história, deu-lhe golpes atrás de golpes.  Resultado no nocaute, saiu direto do ringue para o hospital.  Morreu sem ver a cor do dinheiro.  Minha cunhada, em vez de chorar, ficou furiosa, a deixava numa casa que não era a sua, tinha que aguentar uma sogra louca, com uma criança.

Para meu pai, foi um golpe difícil.  O filho que tinha treinado com tanto amor, lhe decepcionava.

Eu ia treinar boxe, mais para me defender de bullying na escola.  Todos me chamava de mariquita, pois me dedicava a estudar com afinco.  Tinha noção que queria uma vida melhor para mim.    Que me chamassem de mariquita, me importava um caralho, eu sabia que era.

O pobre velho, quando chegava em casa, tinha que escutar as lamurias da mulher que depois da morte do filho, vivia dizendo que tinha saudade da ilha.   Lá era feliz, aquilo era vida, música, ritmo, além de tudo tinha que suportar o inverno da cidade que odiava.   Quando chegava o mesmo parecia que tinha engordado cem quilos, pela quantidade de roupa que usava. Nessa época as saudades aumentavam.  Vivia cantando as músicas que tinha na cabeça, dizia que era para entrar o calor.

Minha cunhada, que de tonta não tinha nada, logo arrumou um emprego numa sapataria, tanto fez que se casou com o proprietário.  Desapareceu levando o garoto.  Saiu batendo a porta, dizendo que nunca mais queria escutar essa palavra saudade.

Meu pai morreu logo em seguida, teve um enfarte, enquanto fazia a siesta no ginásio, não se atrevia fazer em casa, para não ter que aguentar a mulher.

Todo mundo pensou que ia fechar o ginásio.  No dia seguinte ela tomou o mando de tudo, a chamavam de todos os nomes, era pior que meu pai.  De tanto escutar o velho falando com meu irmão dos golpes, em qualquer programa de televisão que transmitissem um campeonato, ela aprendeu tudo.   Mantinha todos na linha.   Os velhos treinadores gostavam dela, não permitia abusos lá.   Mas quando chegava o puto inverno, chegava junto à saudade.

Eu sei que fazia isso para que eu pudesse estudar.   Quando entrei na universidade, a primeira coisa que fez foi querer me comprar um terno, camisa social, gravata.  Lhe dizia que não se usava para ir as aulas, tive que a levar para ver que era verdade. Mas todos anos, me comprava um pelo natal.  Para quando terminasse os estudos.   Fui fazer arquitetura minha paixão, entrei porque tinha notas excelentes.

Já nessa época tinha minhas paixões, gostava de um qualquer, ia em frente até levar para a cama.  Ela descobriu cedo essa minha faceta, mas fazia que não via.   Nunca soube bem por que, não duravam nada.  Ninguém queria um romance com um sujeito que vivesse para estudar.

Mas não sobravam dinheiro para bares, discotecas, nada disso.  Só podia ir se alguém me convidasse.  Logo estavam todos meio bêbados, queriam fazer sexo.           Era fácil, mas no dia seguinte, não se lembravam de nada.

Tinha os cabelos negros como os dela, olhos castanhos, uma cara normal, corpo bem formado pelas aulas de boxe, mas usava óculos, que me dava cara de intelectual de merda, como eu dizia.     Pois era tudo, menos intelectual.   Gostava sim de fazer sexo. Mas amor como sonhava, nada.   Criava ilusões que num estalar de dedos, desapareciam.  Mas não desistia, um dia encontrarei alguém.

Quando me formei, arrumei logo um emprego.   No dia seguinte, me avisou que vendia o ginásio, que iria voltar para as ilhas, não aguentava mais ter os ossos gelados no inverno, não queria morrer ali.   Primeiro vou por uma temporada, depois resolvo.   Nunca mais voltou, uma vez por ano mandava uma carta, nada mais.   Lhe mandava dinheiro, sempre por alguém, pois por correio nunca chegavam.

A casa estava paga, resolveu com sua cabeça dura, que gastaria dinheiro, mas passaria para o meu nome.  O dinheiro do ginásio iria para uma conta conjunta, que eu lhe mandaria sempre um certo valor.   Logo na primeira carta, disse que esse dinheiro era muito ali, que se os tivesse na mão os parentes não a deixariam em paz.  Contava para todo mundo que tinha sido eu que paguei a viagem.  Tenho que ser pobre como eles.  Arrumou um pretendente, que foi seu noivo até que morreu.  Casar de novo, é como repetir uma besteira na vida.

Pois eu não aprendia, seguia tentando, até que um dia disse basta.  Agora como ganhava bem, começava assinar meus próprios projetos, comecei a fazer nome.  Me vestia bem, tinha um corte de cabelos bonito, deixei de usar óculos para usar lentes de contato.  Já me chamava de guapo.   Mas sempre me chamavam de mariquita.

Um belo dia, fui procurado por um casal que tinha comprado um apartamento  em Chelsea, era muito bom, um último andar, com uma pequena varanda.  Queriam reformar, iam se casar, tinham usado todas suas economias.  No último momento, ela descobriu que ele era gay. Foi tudo pro brejo.  Eu tinha ficado quieto, pois ele nem se lembrava que tinha dormido comigo uma só noite.   Como já estava no final da obra, me deviam dinheiro, lhes disse que comprava o apartamento.  Vendi a casa no Bronx, comprei o apartamento.   Mobiliei com bom gosto, mas simples.  Tinha novos amigos, com quem sair pelas noites.  Gostava de sair no final de semana para jantar, depois esticar ao Monster, aonde os viados davam pinta cantando músicas da Broadway.   Me divertia ficar com meus amigos, encostado na barra, rindo, fazendo comentários.   Conheci muita gente ali, de uma foda, de uma noite.  Fiz também amizades com os que me diziam na cara que não queriam nada comigo a não ser amizade.

Eu me perguntava nas noites de lua cheia que me batia a filha da puta da saudade, que eu não sabia de que era.  Devia ser dos homens com quem tinha feito sexo, mas que não dava certo.

Tinha um grande amigo, era do Texas, me dizia sempre, antes só que mal acompanhado, pois ele arrastava um romance de anos com um homem casado, que só aparecia quando o cu lhe ardia de desejo, como dizia  Orson.   Era meu amigo para todas as horas, todos os segredos, todos os comentários do dia seguinte.  A eterna pergunta, acreditas que voltará.

De repente o terror invadiu a cidade, tinha chegado à Aids, me fechei em copas,  fiz todos os exames, mais de uma vez.  Deixei de fazer sexo.  Agora me tocava ajudar a cuidar dos amigos, ir aos hospitais visita-los, usando trajes especiais, máscaras.  Levava coisas que estes gostavam, bombons, alguma coisa que pudessem fazer uma barganha com os enfermeiros.  Subornava aos mesmo que qualquer coisa me telefonasse.  Estava sempre ansioso, ao primeiro toque de telefone.  Mas eram as pessoas que eu queria, não me importava cuidar deles.  Alguns me chamava agora de mariquita samaritana.    Já não tinha paciência para essas idiotices,  mandava logo tomarem no cu.

Uma das últimas vezes que fui a uma festa do grupo em Fire Island, faltava a metade do pessoal, alugávamos sempre a mesma casa.   A festa estava aborrecida, sai fui me sentar na praia, justo nessa semana tinha morrido um amigo que visitava sempre, tínhamos feito universidade juntos, tinha tido com ele, uma aventura de uma noite.    Numa das visitas, lhe perguntei, porque não tinha dado certo entre a gente. 

Me respondeu, você já se escutou, sempre sonhas com o príncipe encantado, em plena primeira noite diz a pessoa que a ama, que quer viver toda a vida com ela. Isso assusta qualquer um.   Fiquei com aquilo na cabeça.  Realmente fazia isso.

Estava ali sentado, quando apareceu uma sombra ao meu lado.  Era um que estava sempre nas festas da casa vizinha, as vezes nos juntávamos.  Sentou-se, chateado?

Sim, mais um amigo essa semana. 

Anote, eu devo ir em breve, já sei que tenho a maldita.  O olhava, não podia acreditar, era um monumento de homem, forte, cabelos compridos, sempre bronzeado do sol.  Estava triste, pior não tenho mais nenhum amigo, desta vez vim para fechar definitivamente a casa, vou colocar a venda.  Eu a conhecia, era pequena, mas muito interessante.  Lhe disse que me interessava.  Não disse para ninguém, mas comprei a casa. Tinha dinheiro para isso. Tinha diante de si uma paisagem fantástica. 

A partir do nosso contato, passamos a sair agora os três, Orson, ele a quem chamávamos de Jim das Selvas, pelo seu tipo.   Chegava no final da noite, íamos cada um para sua casa.   Um belo dia me chamou, dizendo que estava hospitalizado.  

Não queria avisar sua família, tinha metido todo seu dinheiro num banco, quando morresse seu testamento era dinheiro para os cientistas que buscavam a cura.   Não é grande coisa mais ajuda.

Comecei a fazer o seguinte, ia mais cedo trabalhar, ao meio dia ia ao hospital, carregado de sopa, alguma coisa quente para ele comer.   No final era um homem pele e osso, sem cabelos, com feridas por todo o corpo.  Eu não me importava, lhe passava creme nos pés, nas pernas, nos braços.  Comprava os melhores hidratantes que me aconselhavam os enfermeiros.  Morreu nos meus braços.  Me disse dias antes, quando te conheci, devia ter tido um romance contigo. Mas eras tão fechado, triste as vezes.

Mais uma vez, lá fui eu analisar isso.  Resolvi, que devia ir á um psicólogo, para me ajudar a aguentar o tranco disso tudo.  Porque as perdas eram muitas.  Quase já não tinha amigos, lagrimas para derramar num enterro.  Pior a maioria das vezes, o enterro só tinha uma ou duas pessoas.  Raras famílias compareciam.

Nunca quis me ligar a nenhum movimento ativista, porque o que me interessava era cuidar dos amigos.   O baque maior, foi quando ao fazermos nossos exames, Orson deu positivo. Começou a gritar, esse filho da puta, me transmitiu essa merda.   Ele era fiel ao seu amante, agora descobria que esse nem tanto.

De vingança, no saguão do hospital, ligou para o mesmo e contou.   Dias depois me disse, olha no jornal, página tal.  Fui olhar, fiquei de boca aberta, pois era uma pessoa famosa da alta sociedade, tinha se suicidado.

Orson ficou literalmente mal de todo.  Não sei se isso ajudou, mas a doença logo fez presença, foi uma coisa galopante, nenhum dos remédios que já tinham inventado, ajudaram a parar, ele tampouco queria viver.  Segurava minha mão, dizendo por que não me apaixonei por ti, ah meu amigo, como me arrependo.  Do bonito que era virou rapidamente um cadáver.  Avisei uma irmã sua que tinha conhecido, que encontrei no seu caderno de endereços.  Me disse na cara que era impossível visita-lo, pois ela tinha família, podia ficar contagiada.

Santa ignorância pensei, por mais que tentasse explicar, me bateu com o telefone na cara.  Ia duas vezes por dia visita-lo, agora levava comida, para todos que estavam no seu quarto, as gente me dizia, como podes fazer isso, deixar tua vida para cuidar da gente, devias estar nas discotecas.  

Mas como explicar que tudo isso tinha morrido para mim.  Meus melhores amigos, companheiros já não existiam.  No dia que ele morreu, me derrubei.  Sai dali, pedi pelo amor de deus que o psicólogo me atendesse.  Na entrada da consulta, tinha outro nome. Ele tinha se internado também.   Saiu um psicólogo, alto barbudo, me sentei, nem sequer disse meu nome, comecei a chorar, não havia maneira de parar.  A princípio ele pensou que Orson era meu namorado.  Lhe expliquei que não, era meu melhor amigo.   Conversamos muito.   No dia seguinte fui ao enterro do Orson, eu, seu advogado, ninguém mais.

Dois dias depois o advogado me chamou para me contar que sua irmã tinha aparecido por se ele tinha deixado alguma herança.   Telefonei para ela dizendo todos os palavrões que sabia, liguei tantas vezes que tirou o telefone do gancho.

Foram meses em que nem sabia direito o que estava fazendo.  Como nunca tinha tirado férias, apesar de ser inverno, fui para minha casa de Fire Island, que sequer tinha estreado.  As pessoas me olhavam, estava realmente mal.  Tinha emagrecido horrores, estava exausto emocionalmente.   Me sentava nas escadas da frente da casa, chorando.  Agora entendia de solidão, de saudade.    Agora entendia  o que sentia minha mãe, não era o tipo de saudade que ela sentia, mas saudade das pessoas amigas.   Agora tinha até medo de fazer amizade, porque em seguida podiam me avisar que estavam morrendo.

As vezes a vida tem coisas engraçadas.  Voltei a trabalhar, já um pouco melhor, comia direito, continuava indo ao psicólogo.   Um dia minha secretária me avisou que tinha um rapaz muito jovem que queria falar comigo.  Dizia que era meu sobrinho.   Já esteve aqui antes, mas não estavas.  Era o filho do meu irmão.   Era tão bonito como ele.

Me disse que não suportava mais viver com sua mãe, estava no terceiro matrimonio.  Cada vez que se casa, é com um bom filho da puta.  Este último, me deu uma surra de fazer gosto, pois me disse que não me atrevesse a ser gay como meu tio.

Queria saber se podia ficar contigo.

Claro que pode, mas vamos resolver isso direito, me dê o telefone de tua mãe.  Pedi que viesse até meu escritório.    Ela pensou que ia entrar num lugar de merda, mas quando viu meu escritório mudou de ideia.  Tudo que deve ter pensado foi, meu filho vai herdar tudo isso.

Autorizou os papeis que o advogado trouxe, me passando a guarda do filho.

Era estudioso como eu, iria entrar para a universidade no ano seguinte.  Mas tinha uma dúvida, não sabia o que fazer.  Tinha muitas amigas, um dia me perguntou se podia trazer uma namorada para dormir.   Tudo que lhe disse foi, as mulheres vão ficar loucas, porque eres bonito, nunca se esqueça de usar camisinha.  Assim evitas ter que se casar.

Lhe pararam na rua, para fazer fotos, logo um studio conhecido lhe chamou,  passou a posar, virou manequim.  Falei serio com ele, nada de drogas, teu avô morreu de desgosto quando descobriu que teu pai tomava.   Portanto uma regra, drogas nada.   Porque não entras para uma escola de teatro.   Assim fez, em vez de universidade, teatro, moda.    Logo foi chamado para fazer um vídeo, deste, pulou para o cinema.  Quando ficou maior de idade falei a sério pela última vez com ele.  Agora eres dono da tua vida, sejas correto.   Nada de drogas, tenha sempre um advogado para ler os contratos, principalmente as letras pequenas.

Fez uns dois filmes com sucesso, logo se meteu em tudo que eu lhe disse para não fazer, morreu de sobre dose na casa um completo desconhecido, que dava uma festa louca, o encontraram no banheiro morto.  Trouxe seu corpo, o enterrei ao lado do meu pai, de seu pai.  Agora só sobrava eu mesmo na família.

Puta que pariu, contínuo sozinho.  Agora fazer amizades, complicava, pois os que tinham sobrado eram mais jovens do que eu.  Resolvi fazer uma viagem para a Europa pela primeira vez.  Lá se respirava de outra maneira.  Na Itália, via que se aproximavam de mim, imaginando, um coroa rico, americano.  Mal sabiam que dessa água eu já tinha provado, me negava a beber mais.    Um dos arquitetos que conheci, pois gostei de sua obra, me convidou para um final de semana em sua casa de campo.  Que na verdade era um palácio.  Só me avisou, vais encontrar a final flor da sociedade burguesa italiana, que não faz porra nenhuma na vida.  Vivem para desfrutar.

Cheguei no sábado, no domingo arrumei um jeito de ir embora.   O chofer que foi me buscar, me perguntou, estranho, normalmente venho buscar gente aqui na segunda-feira.  Soltei tudo que pensava, menos mal que o proprietário me avisou.  Estou farto disso.  Vim conhecer a Itália, todos pensam em me explorar, porque sou americano, para eles sou rico.  É a minha primeira férias em anos.  Sem saber muito por que, comecei a conversar com o homem, como estava sentado atrás, pedi que parasse, como ele me olhava virando para trás, disse que ia provocar um acidente.  Quando passei para frente, vi que era um homem como eu. Inclusive tinha óculos.  Comecei a rir, perguntou logo por quê?

Lhe disse o que me diziam, que eu não enquadrava no tipo das pessoas gays.  Não era guapo, apenas me vestia bem, era sério.   Não gostava de perder tempo com conversas idiotas.

Eu entendo, concordo contigo, tampouco atraio ninguém, nem homens, nem mulheres, as que se aproximam querem se casar, para terem um filho, ganharem uma pensão.  Me contou que tinha tido uma paixão com um amigo de adolescência, que esse quando soube que ele estava apaixonado.   Me deu uma surra, rompeu meu óculos na minha cara. Tive que levar pontos, mostrou a cicatriz.   Tive que reconhecer aos meus pais que era gay.  No dia seguinte me mandaram para um seminário, para ser padre.  Quando fiz 18 anos, escapei.  Trabalhei de tudo que possas imaginar, como sempre gostei de conduzir, juntei dinheiro comprei um carro, fiz bons contatos no restaurante que trabalhava, passei a levar, trazer turistas para aonde quisessem ir.  Agora tenho um bom apartamento.  Mas sigo igual, ninguém se interessa por mim.   O contratei, começou a me mostrar um lado da Itália, que o turista normalmente não visita,  nos sentávamos no final do dia, em algum lugar com vista, tomávamos vinho, falávamos, acabamos na cama.  Até nisso erámos iguais, gostávamos de fazer certas coisas que os outros não gostavam.  Abraçar, beijar, fazer carinho.   Lhe perguntei se queria ir comigo para a América.  Me disse que não, veja tu tens tua profissão, eu sou um simples motorista.  Não vou encaixar no teu mundo.  Acabei ficando mais um mês com ele. Nos separamos, passamos a nos escrever um ao outro incentivando que encontrasse seu par.   Ele encontrou num ex-seminarista como ele.

Eu continuei no hora vejam.  Às vezes me doía  a solidão, se fosse verão ou mesmo inverno, ia para Fire Island, gostava mesmo de ir no inverno.   No verão, aquilo continuava sendo um mar de homens gays, a procura de aventura.   Riam da minha cara, quando chegava vestido simplesmente como sempre.  Uma calças jeans, camiseta polo, sandálias.   Tampouco tinha interesse de ter essas amizades, o que percebia era que eram totalmente superficiais.  Vinham para a festa.  Gostava sim das noites de lua, me sentar nas escadas, ficar fumando  maria, que me relaxava.  Volta e meia aparecia alguém pelo cheiro.  Pedia um tapa, ia embora.  Tampouco fazia nenhum movimento para segurar a pessoa para fazer sexo.

Já estava farto.   Um dia passeando pela praia, passei por um grupo, em que estavam dois homens maiores, o resto era tudo jovem.   Um dos mais velhos disse que eu tinha cara de amargado.   Só me faltava estar passeando com um cachorro para  arrumar alguém.

Virei é disse, bom conselho, pelo menos não fico fazendo ridículo como vocês, com esses jovens, que os mandaram a merda, mas tenham acabado a foda.

Um deles se ofendeu. Quis tirar satisfação, lhe avisei fui lutador de boxe.  Riu na minha cara, dizendo desde quando uma mariquita hispana sabe isso.  Dei-lhe um murro, que rompeu o nariz.   No dia seguinte apareceu um homem da polícia para saber se era verdade a denúncia.

Estava tranquilamente tomando café, o convidei para entrar, ofereci café, lhe expliquei o que tinha acontecido.  Ficou olhando na minha cara.  É difícil acreditar que sabes lutar boxe.  Sim meu pai foi lutador, treinador, meu irmão campeão várias vezes, eu resolvi estudar, ser arquiteto.

Ele ria, imagino a cara do sujeito quando levou o soco.  Hoje fez a denúncia, os jovens se mandaram inclusive lhe limpara de dinheiro.

Pois é prefiro isso, estar aqui sozinho, tomo meu banho de mar, fico na minha. Não estou mais para aventuras, se tiver que ficar sozinho ficarei.  Não quero ser ridículo.

Posso vir tomar café contigo todos os dias se queres.   Eu na verdade não sou da delegacia daqui, só estou ajudando no verão.   Acabo de me divorciar, um casamento que não deu certo, porque sou gay.   Ela vinha me traindo com meu melhor amigo do corpo.  Então pedi um translado, assim vim parar aqui.  Quando termine o verão, poderei ir para qualquer outro lugar.

Começamos a conversar, no dia seguinte ele tinha folga, o convidei para jantar, tenho comida demais.   As noites ficaram mais agradáveis, podia se falar em qualquer assunto que ele entendia.  Uma noite fizemos sexo, foi uma coisa sensacional.    Agora podia desfrutar mais do meu tempo, tinha gente trabalhando para mim.  Ia uma vez por semana a cidade, para ver como iam os projetos, depois ficava na ilha.   Ele agora dormia lá em casa.  Tomávamos café bem cedo, pois ele tinha que trabalhar. Depois voltava de noite para jantar, dormir comigo.  Confessei que tinha medo de me apaixonar por ele.  Lhe contei que antigamente afastava as pessoas, pois na primeira noite já lhes dizia que estava apaixonado.

Estou fudido me disse,  imagina, quando abriste a porta, fiquei olhando para ti, como pode esse homem dar um murro naquele idiota.  Fui eu que me apaixonei por ti.  Senão tampouco teria acedido o convite para um café.

Lhe contei que gostava de vir no inverno, tem uma coisa que gosto muito, raras vezes acontece, é ver a neve cobrindo a areia,  me dá tranquilidade.

Tenho que ver.  Pena que quando acabe o verão, não sei para aonde me mandaram.  Embora mandei curriculum para um escritório de advogados, porque sou formado em direito.  Tenho experiência em lidar com a polícia, isso pode ser interessante.

Um dia estávamos conversando, agora já estávamos na época dos celulares, quando tocou o seu. Lhe chamavam para uma entrevista.

Acabamos indo viver juntos, formamos um casal singular, somos parecidos fisicamente, gostamos de muitas coisas em comum.  Somos um para o outro, a outra meia laranja. Me faz feliz como eu nunca pensei que podia ser.  Não temos segredos nenhum um para o outro, contamos toda nossa vida, para que os segredos, nunca viessem à tona, cheirando mal.

Nossa próxima viagem, será a España, pois sua família era emigrante de lá. Vamos conhecer a terra de seus pais.  Visitar o resto.  Creio que será uma bela viagem.

Nunca mais tive saudade de nada. 



 


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