Despertou, sentindo o corpo cansado, sem saber bem aonde estava, parecia seu studio, mas quando abriu bem os olhos, pelos detalhes viu que não era.
Riu, para si mesmo, a vontade de soltar uma gargalhada era grande. Não podia beber, porque sempre se metia em confusão. Sentiu dormência em seu braço direito, bem como a perna, mas isso sempre acontecia ao despertar, tinha que mover o mesmo, apertar, abrir, cerrar a mão várias vezes, até que funcionasse como devia.
O quarto não era feio, simplesmente era como um lugar de passagem.
Ia fazer o movimento de se sentar na cama, quando escutou a voz rouca que o tinha impressionado tanto.
Como é vai levantar ou não seu preguiçoso.
Ali estava seu novo monumento. Um metro e noventa de altura, cabelos imensos negros, como a asa da graúna, olhos de um azul transparente, uma pele azeitonada, que ao tato produzia uma sensação de sensualidade.
Não tinha esperado acabar o primeiro dia do encontro, na cama desse garoto lindo.
Olhou os detalhes de seu rosto, além dos olhos, um nariz reto, esculpido a faca, uma boca vermelha sensual. Enfim, entendo agora que tive que me render.
Tudo que respondeu foi. A culpa é tua, eu só queria conversar contigo, coisa que não fizemos.
Isso lá é verdade. De novo essa voz que estremecia qualquer um.
Quando lhe perguntou por que tinha essa voz? Tinha lhe respondido, que fora por causa de uma acidente, quando servia num porta-aviões. Tinham lhe entubado de emergência, tudo um pouco mal feito, quando saiu do coma, tinha essa voz que lhe ficou para sempre.
Se encostou na parede, ficou olhando, tinha um corpo perfeito, sem gorduras, mas tampouco com musculação exagerada. Se poderia dizer um corpo normal.
Se levantou com preguiça, afinal tinha que ir trabalhar. Era o chefe, mas tinha que ir trabalhar.
O outro, continuava apoiado no marco da porta, o olhando fixamente.
Com uma certa dificuldade, se levantou, isso acontecia todos os dias de manhã, os primeiros movimentos sempre lhe eram complicados.
O que te aconteceu?
Uma larga história, depois te conto.
Se vestiu, toda sua roupa era negra, como gostava de se vestir, sentia que assim estava preparado para qualquer ocasião, bastava um casaco, ou um abrigo diferente para estar pronto para tudo.
Vou até minha casa tomar banho, mudar de roupa, gostaria que passasses pelo meu escritório, para uma entrevista. Assim te explico tudo. Ok.
Nem sei teu nome, respondeu o outro?
Marcus Aurélius, mas não sou italiano, coisas de minha mãe.
Depois de colocar o sapatos, já vestido completamente, o olhou diretamente nos olhos, como era difícil resistir. Lhe estendeu um cartão. Se puderes estar dentro de uma hora e meia no escritório, te agradeceria, creio que vais gostar da minha proposta.
Segurou seu rosto com ambas mãos, lhe beijou. Ah, tentação, pois a vontade era lhe jogar na cama, começar tudo outra vez. Isso não era normal, em se tratando dele.
Mas tu sabes meu nome pelo menos?
Sim o artístico sei, mas é o verdadeiro?
Não, Smith Darius, esse é o verdadeiro.
Gosto mais deste.
Nu como estava, o acompanhou até a porta.
Já na rua, fez sinal para um taxi, lhe deu a direção de seu apartamento, afinal tinha pressa.
Vivia no Vilagge a muitos anos, mesmo agora tendo dinheiro, continuava vivendo no seu velho apartamento. O tinha comprado, reformado, mas já vivia antes de poder fazer isso. Tinha dinheiro a partir de seus problemas físicos.
Trabalhava para um grande armazém, desenvolvendo produtos, não ganhava o suficiente, embora fosse bom no que fazia, como era seco, direto ao argumentar as coisas, nem sempre agradava aos diretores.
O dinheiro que ganhava, dava para pagar seu apartamento, se vestir corretamente, comer, mais nada. Não levava uma vida de glamour, como tinha sonhado em sua juventude, em Texas. Mas estava contente, pelo menos fazia o que gostava.
Tinha sido quase por milagre, conseguir esse emprego, mal tinha saído dos cursos que tinha feito. Nesse meio tempo, tinha trabalhado de ajudante de cozinha, num restaurante pela noite.
Estava parado, esperando o semáforo abrir, quando escutou ao longe, sirenes da polícia, era uma movimentação inusual. Ninguém se atreveu a atravessar a rua, apesar de estar o semáforo estar aberto.
Tudo que viam era um carro, tentando escapar da polícia.
Escutaram um tiro, o carro da frente rodou, avançou para cima da calçada, nem teve tempo de dizer corra, para sim mesmo. Foi jogado para cima, caindo em cima do capo do carro. Tudo que se lembrava desse momento, era como seu corpo real estivesse voando, o corpo físico, foi para cima, caindo de costa no carro que tinha batido na parede.
Só despertou no hospital, estava entubado, com uma máscara de respiração, mas não podia se mover. Em seguida apareceu uma enfermeira, avisou o médico imediatamente. Tentou mover-se, mas o corpo não respondia.
Não faça movimento nenhum ainda, espere que vamos tirar o tubo, já digo a situação.
Depois de terem retirado o tubo, sentiu uma sensação horrível na garganta, mas o médico disse que era normal.
Bom estiveste em coma vários dias, te operamos, recompondo teu corpo. Pelo que dizem, teu corpo foi jogado para cima, caindo de costa no capo do carro, fraturaste algumas vertebras, o braço direito em vários lugares, bem como a perna direita. Tudo isso está no lugar, agora falta a operação das vertebras. Isso é mais delicado, por isso não podes mover o corpo. Agora que te recuperaste, podemos fazer a operação.
Ia dizer que não tinha dinheiro para pagar nada. O médico se antecipou.
Tens sorte, quem te atropelou foi um desses filhinhos de papai, a família, está cobrindo todas tuas despesas. Te aconselho arrumar um advogado. Pois o mesmo estava drogado, por isso tentava escapar da polícia. Se quiser posso te indicar um, muito bom.
Fez que sim com a cabeça, pois não conhecia nenhum advogado.
Lhe deram uma injeção para relaxar, em seguida estava mergulhado num sono profundo.
Se viu uns anos antes, numa pequena cidade do Texas, numa família totalmente louca. Era o único que ia a escola, seus pais, estavam sempre brigando, bebendo. Seu irmão mais velho, tinha morrido a pouco. Havia entre eles uma diferença grande. Seu irmão era filho do primeiro casamento de sua mãe. Tinha morrido de overdose de cocaína.
Ele passava mais tempo na escola, tinha encontrado um refúgio na biblioteca da cidade, ali passava seu tempo. Só ia para casa, quando esta fechava. Pelo menos ali, tinha ar condicionado no verão, calor no inverno. As vezes até dormia em cima de algum livro.
Um dia chegou em casa, está não existia mais. Bom casa o modo de dizer, uma caravana como casa. Tinha explodido o bujão de gás, com os dois dentro.
Sorte dele estar na biblioteca. Dali foi direto para um centro de menores, de onde saiu só com dezoito anos. Lá tinha abusado dele várias vezes. Afinal era um garoto maltratado, mas bonito. Aprendeu a se defender, fazendo o pouco que lhe ofereciam de esporte.
Quando saiu, conseguiu um emprego num restaurante, para lavar pratos, depois passou para ajudante de cozinha. Sua grande distração era ver revistas de moda, observar padrões, as vezes olhava o modelo da roupa ou do acessório, redesenhava o padrão, explorando outras vias. Dormia nos fundos do restaurante, mas bem armazém do mesmo.
Sonhava com ir para New York, mas não tinha dinheiro. Tudo que pensava, era como conseguir o mesmo. Viu que um dos cozinheiros mais jovens tinha sempre dinheiro, lhe perguntou como conseguia. Este disse sério, quero ser um grande cozinheiro, para isso preciso estudar, então me prostituo de noite. Junto com o que ganho aqui, um dia terei dinheiro suficiente para começar vida nova em San Francisco. Resolveu acompanhar, pensava, quando abusaram de mim, nem obrigado me disseram, que mais dá, é só o meu corpo nada mais.
Mas seu corpo não atraia muito os homens, era meio desengonçado. Foi viver no quarto do amigo, juntos saiam de noite, este lhe ensinou uma série de truques. Começou a ganhar dinheiro, arrumou como o outro um esconderijo para guardar o mesmo.
Fazia cálculos, de quanto iria necessitar para poder sair. Teria que ir de ônibus até New York, depois precisava de dinheiro para um quarto, até arrumar um emprego. Foi juntando dinheiro, o quarto não era bom, mas como dividiam as despesas, comiam no restaurante, assim podiam economizar. Um dia o amigo, entrou num carro, mas não voltou. Os dois tinham um hábito, anotar a placa do carro, além da marca do mesmo. Quando a polícia apareceu, deu o número da placa. Mas acabou em nada. Passaram semanas, até arquivarem o processo. Ele deixou de sair de noite, lhe dava medo. Como sabia aonde o amigo guardava dinheiro, juntou com o seu, dava para partir. Sem dizer nada a ninguém, comprou um bilhete, teria que trocar várias vezes de ônibus, mas dava igual. A coisa era chegar vivo a grande cidade.
Partiu na calada da noite, aliás uma noite escura, sem lua, como as noites que quando estava no centro de menores, as que eram perigosas.
Quando chegou, depois de muita estrada, morto de cansaço, conseguiu um quarto numa pensão daquelas de “mala muerte”, se lavou, saiu imediatamente procurando emprego. Conseguiu rápido um de ajudante de cozinha. Deste passou para outro melhor, já com um salário mais justo, assim pode arrumar um pequeno studio, aonde vivia até hoje. Logrou entrar para o FIT, apresentando como trabalho, um estudo sobre um tecido. Durante o curso todo se destacou pela sua criatividade. Por sua sorte nos domingos o restaurante não abria, estava numa zona de escritórios, portanto sem movimentos no final de semana. Aproveitava para cuidar de sua roupa, ir a algum museu. Levava sempre um bloco de desenho para anotações. Não lhe interessava muito a obra em si, mas a roupa retratadas, mas sim os detalhes dos tecidos.
Se esforçava ao máximo para entender tudo, fuçava todos os livros a disposição na biblioteca, sobre estamparia. Quando desenhava, criava não só um padrão de roupa, mas tudo o que se podia fazer com a mesma estampa.
No final do curso, tirou com louvor o diploma. Agora se dedicava a apresentar seu trabalho, nas grandes empresas. Até que conseguiu o que tinha agora.
Dois dias depois lhe operaram. Quando despertou estava numa cama especial, em que sua cabeça ficava virada para baixo.
Foi quando apareceu o advogado. Este tinha se documentado bem a respeito do acidente, poderiam mover uma ação contra o que conduzia, bem como contra a polícia, pois sem querer ao atirar no pneu do carro do perseguido, tinha provocado o acidente.
Faça como achar melhor.
Foram meses de recuperação, aprender a andar de novo, mover o braço e perna direita, teria sequelas a vida inteira. Quando finalmente ficou livre, foi com o advogado ao julgamento, este lhe disse que exagerasse um pouco quando o fizesse subir à tribuna.
Tinha que conseguir alguma coisa, pois tinha perdido o emprego.
Para sua surpresa, o advogado era bom, conseguiu uma boa soma de dinheiro, tanto de um lado como do outro. Depositou o dinheiro todo numa conta num banco. O advogado disse que poderia até comprar um apartamento. Mas resolveu guardar.
Continuou fazendo fisioterapia. Se lembrou de um fornecedor para a empresa que trabalhava, que sempre lhe procurava para encomendar algum trabalho. Mas pela norma da mesma, ele não podia. Foi até lá, com um caderno cheio de desenhos. Estes só encomendavam trabalhos, mas não tinham empregados. Fizeram um contrato. Ele desenvolveria uma série de produtos, eles venderiam os mesmo, dividiram da seguinte maneira. 30 por cento para ele, o resto para a empresa. Foi trabalhando, agora tinha mais dificuldade, mas não desistiu. A partir deste contato conseguiu outros, até se tornar conhecido. Alugou um espaço num edifício comercial, contratou dois criativos, com eles seguiu em frente. Agora tinha uma clientela boa.
Dois dias antes, tinha recebido uma visita de casal de empresários, tinha feito pequenos trabalhos para eles. Estavam no auge, traziam um perfume que tinham desenvolvido na Europa, queriam tudo, embalagem, uma imagem para o mesmo. O perfume era diferente, se o fosse classificar, seria ambíguo, pois poderia ser usado tanto por homens como por mulheres. Em sua cabeça imediatamente surgiu a embalagem, um desenho de tecido. Passou para os criativos.
Depois de terem passado pela recepção várias secretárias, tinha contratado um negro, educadíssimo, que lhe entendia. Era super formal, mas sabia de tudo que acontecia na cidade, como, porque, o mais importante aonde.
Numa reunião, quando começaram a surgir as ideias, disse que precisavam de uma imagem, um modelo que pudesse ser ambíguo.
Charles, o secretário, rapidamente comentou, olha, no final de semana, assisti uma peça de teatro, que creio tem um ator que está começando, que pode ser o que procuras.
Lhe fez uma reserva.
Sempre seguia o instinto do Charles, desta vez tampouco estava errado.
Era um teatro pequeno, um cenário limpo, pelo visto poucos atores.
Num determinado momento, o ator principal, um homem já com idade, num monologo contava como se tinha transformado pela primeira vez em mulher. A iluminação, só estava num lado do palco, percebeu um movimento do lado esquerdo, um vulto com uma capa negra. O homem começava a contar, a capa caia ao chão, o que se via do outro lado, um corpo completamente nu. Se preparava colocando uma espécie de bandagem para esconder o sexo. Se via tudo através do espelho. Quando o outro ator se sentava, uma bela cabeleira negra era jogada para trás, se vendo o rosto magnifico do Smith Darius. Enquanto o outro falava, ele ia gradativamente, fazendo a maquilagem, vestindo umas meias negras, colocando o vestido, subindo em cima de uns sapatos de salto de vertigem. Quando se virava para a plateia, ali estava uma mulher lindíssima, a luz do outro lado se apagava, começava a soar uma música de Billie Holiday, a voz rouca, trabalhada, fazendo um número de cabaré. O publico ficava eletrizado. Depois continuava a cena com o outro ator, mas lhe roubando total protagonismo.
Era realmente a imagem que procurava, uma pessoa que pudesse transmitir o Ambíguo de um perfume. Tanto sendo homem como mulher.
Esperou que saísse do teatro, ia se aproximar, quando dois outros rapazes se aproximaram, saíram os três caminhando, entrando num bar perto do teatro. Os seguiu, não havia nenhuma mesa disponível, perguntou se podia se sentar com eles. Quando viu, já estava no apartamento do Smith Darius. Tinha sido uma noite de sexo, impressionante.
Ao chegar ao escritório, todo vestido de negro, mas com um casaco todo colorido, disse ao Charles, cravaste em cheio com o ator. Daqui a pouco deve estar por aqui.
Estás errado, já está te esperando na tua sala de reuniões.
Quando entrou, o outro sorriu. Tinha que verificar se era uma brincadeira de mal gosto, ou o que?
Foi até ele, lhe disse rapidamente, para todos os efeitos, apenas nos conhecemos. Não gostava de misturar as estações. Ok.
Chamou os dois criativos. Primeiro olharam Smith sem entender. Mas ele tinha filmado com o celular a transformação do mesmo.
Caramba. Disseram ao mesmo tempo.
Gene, ou Genevieve, correu até a sala deles, voltou com um tecido, pintado em negro com desenhos num tom de azul profundo, pediu desculpas, pediu se podia tirar o casaco, camisa, que ficasse em pé.
Sem problemas.
Ela colocou o tecido em contato com a pele, ficava uma coisa fantástica. Valorizava totalmente o tecido.
Ele como sempre objetivo, falou finalmente do que se tratava, explicou o que faziam ali, o que necessitavam. O valor que podiam lhe pagar pela imagem. Quando formos fazer vídeos, para divulgação tudo isso, negociaremos o valor outra vez.
Charles entrou na sala, já com um pré-contrato.
Deves tudo isso a ele, foi o Charles, que quando discutimos que necessitávamos de uma imagem, sugeriu que eu fosse ver o espetáculo que trabalhas.
Bom agora te deixo nas mãos desses dois, que farão fotografias, pode confiar neles.
Tinha tido vontade de passar a mão outra vez, por aquela pele, que lhe tinha fascinado desde o primeiro momento.
Na hora do almoço, voltaram os três.
Gene foi dizendo que era fácil trabalhar com ele. Mostrou o que tinham feito, ele semi nu, com maquilagem feminina, com a estampa em forma de roupa, ele masculino, deitado num chaise-longue, meio tapado pelo mesmo tecido.
Agora é vender o peixe para o cliente.
Bom gente vamos almoçar. Vens conosco Smith?
Claro, gostei da experiencia. Lhes agradeceu a oportunidade.
Mas afinal acabaram indo almoçar somente os dois. Depois do almoço o convidou para ir a sua casa. Smith ficou impressionado com o que ele tinha feito com o lugar que morava, realmente havia semelhança em tamanho com a sua casa. Telefonou ao Charles dizendo que tinha um compromisso extra. Passaram a tarde inteira fazendo sexo.
Smith comentou como ele o tinha tratado no escritório.
Explicou que não gostava de misturar estações. Sua vida pessoal era só sua, não gostava de dar conta a ninguém.
Finalmente ele disse que tinha que ir trabalhar, o teatro lhe esperava. Queres que volte depois?
Refletiu um momento, soltou o que pensava. Sei que depois desse trabalho, vais fazer sucesso, serás alguém, te chamaram para fazer filmes, teatro, entrevista. Pode ser que me esqueças, então quero aproveitar tudo que posamos desfrutar.
Todas as noites, ele vinha ficar com ele. Basicamente faziam sexo como loucos, ansiosos para saciar a fome um do outro.
Como ele tinha previsto, a propaganda foi um sucesso, logo Smith estava no olho do furacão, convites, para trabalhos com agencias de modelos, filmes, séries de televisão. Mas o incrível era que tinha uma cabeça seletiva. Mostrava para ele as propostas, discutiam, basicamente agora viviam juntos. Em menos de um ano, saia em reportagens exclusivas. Entrevistas sobre o último trabalho que fazia em teatro.
Agora sabia que ele vinha de uma reserva no Idaho, que era filho de uma índia com um escocês por isso a cor de seus olhos. Tinha sido criado pela sua avó, pois seus pais morreram jovens.
Era o diferente, o marginal. Não era como os outros índios, estudava porque sua avó desde o princípio lhe dizia que tinha que saber usar a cabeça.
Conseguiu que ele fosse para uma escola interna metodista, lhe disse que não importava que lhe quisessem incutir religião. Todos os fins de semana passava com ela.
Um pastor ficou louco por ele, apesar de casado, abusou dele sexualmente. A avó quando descobriu, criou um escândalo. Ameaçou o pastor de colocar a boca no trombone. Exigiu uma indenização enorme. Colocou no banco tudo. Já que ele abusou de ti, que sirva esse dinheiro para teu futuro. Quando fez 18 anos, ele se tornou independente, lhe passou todo o dinheiro, mais o que ela tinha economizado. Vai meu filho, voa como sempre sonhaste.
Primeiro serviço o exercito na marinha, num imenso porta-aviões, aonde aconteceu o acidente que lhe provocava essa voz rouca.
Ele conseguiu entrar para a Juilliard School, sendo aprovado no primeiro exame. Se destacou desde o início. Fez pequenos papeis em obras da escola, depois passou dois anos, fazendo castings para peças de teatro, séries de televisão. Se tornou um catedrático nisso. Foi quando surgiu o casting para essa peça aonde Marcus o tinha descoberto. Depois do trabalho que fizera para ele, a coisa melhorou, não queriam que abandonassem o espetáculo, equipararam seu salário, com o ator principal. Depois fez mais trabalhos. Agora estava numa dúvida atroz, tinha sido chamado para um trabalho com um dos melhores diretores de cinema. Não era o papel principal, mas exigia que ele fosse para Hollywood. Amava Marcus profundamente, lhe disse que pensava em desistir do papel.
Nada disso, é a tua chance, não perca por mim. Não quero ter isso na consciência.
Marcus continuava com seu trabalho, cada vez mais requisitado, agora que chegava aos quarenta o mundo lhe sorria, as agencias, tentavam contratar seus ajudantes, mas esses nem pensar. Ele tinha sido experto, os tinha como sócios.
Agora eram chamados para trabalhos na Europa, viajava mais. Numa das viagens, foi contado por um empresário, Michael Bourgouis, fez para a empresa que lhe pertencia vários trabalhos, se tornaram amigos.
Entre filmes, Smith aparecia, era como se nunca tivesse partido.
Mas nem sempre tudo é perfeito. Um dia se apaixonou por um diretor de cinema, foi primeiro falar com Marcus.
Este andou triste um tempo, mas se jogou no trabalho. Cada vez mais estava presente na Europa, agora não só Michael Bourgouis lhe chamava, tinha muitos outros clientes. Entre ele e Michael, que era muito mais velho do que ele, surgiu um elo amoroso. Se hospedava em sua casa, o convencia de ficar para a Saison, iam a Teatro, Opera, Ballets. Lhe apresentou muitas pessoas que lhe interessavam. Quando estava em Paris, aproveitavam a companhia um do outro, isso fez com que se fosse esquecendo de Smith.
Com quarenta e três anos, Michael lhe sugeriu fazer uma visita as fabricas de tecidos na Africa. Se apaixonou pelas estampas dos tecidos. Voltou várias vezes para explorar o trabalhos das fabricas. Passou a estudar as estampas com afinco. As vezes de um detalhe delas, criava uma série de objetos para vender a ideia.
Michael um dia lhe disse que se afastava do negócio, o deixava para um sobrinho seu, estava cansado, se retirava para uma vila que tinha no sul da França. Lhe sugeriu que viesse com ele, justo nesse momento, estava cheio de trabalho. Não queria parar, Michael, disse que entendia, lhe disse quase o mesmo que ele tinha falado ao Smith. Que era seu momento que devia aproveitar, o tempo passa rápido, quando vemos nossa vida se esfuma na poeira do tempo.
Acabou comprando o studio ao lado, para poder trabalhar mais tempo em casa. Um dia ao sair de um jantar de negócios, viu uma família pedindo dinheiro na rua. Tinham muitos filhos. Um deles tinha aparência de doente. Os levou a um abrigo. Com o tempo conseguiu que a família lhe desse o filho em adoção. Os ajudou a endireitar suas vidas. Manteve o nome original da criança, George. Era uma criança frágil, mas com uma inteligência fora do normal.
Se dedicou a criar seu filho, lhe dando o amor que esperava que lhe tivessem dado quando criança. Dez anos depois, estava num hospital, ao que tinha levado George fazer um exame, saia destroçado da consulta, quando deu de cara com Smith. Era um ator famoso, que tinha abdicado de fazer cinema, para fazer somente teatro. Ficaram um olhando para o outro, se abraçaram. Smith tinha vindo fazer um exame de rotina, pois se sentia cansado. Nunca tinha tirado férias em sua vida.
O médico me recomendou que tirasse um período para descansar, recuperar as energias que lhe faltavam.
Tu que fazes aqui. Venho receber os resultados dos exames do meu filho. Infelizmente não lhe restam muito tempo de vida.
Gostaria de conhece-lo se me permite.
Claro, venha comigo até minha casa.
Smith ficou abismado, contínuas vivendo no mesmo lugar?
Sim, comprei o apartamento ao lado, aumentei, mas sigo no mesmo lugar.
Foi o único lugar no mundo aonde fui feliz. O tempo que passei contigo, foi o melhor da minha vida.
Mas não estava apaixonado pelo diretor que conheceste.
Isso pensei eu, mas tudo não passou de uma fantasia. Nunca me quis como tu.
Tens alguém agora.
Na verdade, não, nunca mais quis ninguém perto de mim. Tenho somente trabalhado, não vou mentir que tenho aventuras quando necessito. E tu.
Bom dedico a vida ao meu filho. Nunca pude encontrar ninguém para te substituir. Nunca amei ninguém como tu.
George, ficou imediatamente alucinado em conhecer Smith, assistia uma velha série que ele tinha participado. Estavam sempre os três juntos.
Um ano depois o garoto morreu. Para Marcus, foi como seu mundo tivesse caído aos pedaços, pensou que nunca ia se recuperar. Mas agora tinha Smith ao seu lado todo o tempo.
Já não escondiam sua relação. Smith queria adotar uma outra criança, mas Marcus, disse que já tinha idade para ser avô, não um pai.
Marcus, contou a Smith do relacionamento que tinha tido com Michael, quando este tinha se retirado no auge, a princípio não tinha entendido. Depois de o visitar várias vezes, o vendo pintando, vivendo uma vida diferente, foi entendendo. Tinha realizado o seu sonho de juventude, quando conseguiu o que queria, tinha sentido que era hora de mudar. Foi buscar na sua juventude, coisas que não tinha realizado. Então se dedicava a isso. A conversa surgiu, depois que Smith um dia atendeu uma chamada de Michael.
Este disse que o conhecia de nome, de tanto Marcus falar dele. Sei que sempre te amou com loucura. Diga que me chame.
Foram visita-lo, assistir uma grande exposição que fazia de seu trabalho. Estava a mesma coisa, só que agora, com uns cabelos largos brancos. Relaxado.
Passaram uma semana em sua vila. Tanto para um como para o outro, esse momento de descanso significou algo.
Marcus entendeu, que tinha alcançado seu sonho, era alguém no mundo, respeitado, com uma carreira consolidada, tirando a falta que sentia de George, sentia que tinha feito uma coisa boa.
Smith, seguia recusando papeis que não lhe interessavam. Quando lhe apareceu um texto em que o herói era um índio. A princípio se entusiasmou, mas viu qual a visão que ia dar o diretor, se negou a fazer o papel principal. Era como todas os outros filmes de bang-bang, o índio sempre acabava mal. O branco era o vencedor. Quando o estúdio mudou o diretor, concordou fazer o filme. Que virou um filme de culto, pois era o primeiro que colocava o branco como assassino em massa. Afinal as terras era dos índios. O tema discorria por ai. Foi candidato a um Oscar pelo filme. Mas nem foi assistir a entrega. Sabia que a sociedade nunca lhe daria esse prêmio pelo filme. Decidiu que era seu último filme, queria viver uma vida com Marcus.
Morreram os dois depois muitos anos vividos juntos, com uma diferença de dias entre um e outro. Como estavam afastados do mundo aonde tinham vencido, poucos jornais, revistas deram importância ao fato. Apenas amigos próximos, assistiram as cerimonias, podia se contar no dedo. Deram mais importância que um artista como Michael, viesse a New York.
Na cerimônia, do enterro de Marcus, falou sobre isso, como tudo era efêmero, lutamos, vencemos, mas no momento que deixamos de estar na cima, nos retiramos, somos totalmente esquecidos pelo mundo. Marcus foi um dos maiores criativos do nosso tempo, poucos hoje em dia sabem que abriu caminho para muita gente. Jornais, revistas, televisão, cinema, divulgaram seus trabalhos, algumas vezes sem saber quem tinha idealizado isso. Foi um pai por poucos anos, mas um grande pai. Amou só a um homem, mas foi um amor de toda vida.
No dia que voltava, soube da morte do Smith, desta vez lamentou que ninguém falasse desse ator carismático, que tinha escolhido os papeis que queria, com afinco, lutando com o estigma, de ser de uma raça, que os valores eram outros. Poderia ter-se deslumbrado com o cinema, mas preferia batalhar dia a dia num palco. Perco dois amigos em tão pouco tempo, dois amigos que se amaram, creio que seguiram juntos na eternidade.
Quando perguntado por que não fazia uma exposição em New York, disse que não interessava, tinha vindo para render pleisia a dois grandes amigos. Na viagem de volta comentou com outro amigo, que nunca tinha se sentido tão velho como agora, me sinto como Matusalém, vejo os amigos partirem, como castigo fico para trás. Será que se esqueceram de me chamar, ou me chamaram e não escutei.
Morreu meses depois, dormindo.
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