RAIMUNDO DOS
PRAZERES
Tinha nascido num dia qualquer, do ano ninguém sabe ninguém
viu, vivia encostado na casa de uma parente, junto com seus outros cinco
filhos, quem não chegava na hora não comia, ele ia a escola descalço, pois nem
uma havaiana tinha. Sua camiseta só
mudava se alguma senhora a quem fazia favores lhe dava uma já usada.
Fazia favores a todas a troco de moedas de notas pequenas,
não lhe incomodava, escondia tudo no seu esconderijo, numa lata velha de
biscoitos que tinha encontrado no lixo.
As vezes tinha que recorrer a isso. Mas uma coisa não fazia, favores aos da
droga, essa era a ladainha da madrinha como chamava a senhora que o deixava
dormir em sua casa.
“nada de fazer favores aos das drogas, nada de tomar drogas
grátis, se eu descubro os vou moer de pancadas”.
Ele sabia o que eram as drogas, tinha vistos os dois que eram
seus pais, morrerem com a boca aberta nas escadarias da favela. Não deviam ter mais de 16 anos, madrinha
passava quando o viu chorando, o pegou nos seu cobertor sujo de vomito, todo
cagado o levou para sua casa, caso contrário iria para sabe-se lá para aonde.
Aliás todos da sua casa eram assim, ela na verdade não tinha
nenhum filho, trabalhava duro para dar comida aos seus filhos resgatado, era
semianalfabeta, sabia ler o número dos ônibus que a levava as casas que ia
limpar. Mas a verdade era que não dava
conta de cuidar dessas crianças, alguns vizinhos a ajudavam, algumas mulheres a
chamavam de louca. Como podia pegar
filhos de quem ela sequer sabia quem era.
Mas alguém lhe denunciou, um dia apareceu uma mulher gorda,
com uns cinco policiais da favela, levou todos, ainda estavam dormindo. Lá foi ela para a delegacia com eles.
Reconheceu que todos os tinha encontrado abandonados, ou ao
como no caso dele, os pais mortos por causa das drogas.
Ele foi parar num orfanato ali em Laranjeiras, eram muitos
meninos, alguns mais claros, outros negros como a noite, raramente alguém vinha
para adota-los, pois quem ia querer entrar no meio dessa papelada toda, para
adotar um negrinho.
Ele era peculiar, era escuro, mas tinha os olhos verdes, nem
ideia por quê.
Quando lhe perguntaram seu nome, disse que não sabia,
tampouco sua idade.
Os médicos o examinaram, claro estava subnutrido, menos mal
que no orfanato não faltava comida. As
freiras tinham uma lista de nomes, lhe perguntaram qual gostaria de usar, ele
optou por Raimundo, mas tem que pensar num sobrenome. Tinha escutado o padre falar na missa dos
Prazeres terrenais, escolheu isso, era o que queria, assim virou Raimundo dos
Prazeres, ele sempre acrescentava quando perguntam, Prazeres Terrenais. Riam dele, mas isso ele estava acostumado.
Sempre tinha muita fome, descobriu um jeito, acabavam as
aulas básicas, se metia na cozinha para aprender com a freira Gertrudes, foi aí
que encontrou uma coisa que gostava, lhe parecia que o tal Deus se referia a
isso, os prazeres terrenais era isso, saber fazer comida, para não passar fome.
Nessa cozinha tinham dois tipos de comida, a das freiras que
eram melhor, o da garotada que era uma gororoba, mas ele foi aprendendo a
colocar um pedaço de carne no meio da sopa para dar substância, ou alguma coisa
de legumes no meio do arroz. Para que soubesse melhor.
Mesmo o feijão, ela fazia uma panela imensa, com carnes,
quase uma feijoada, mas para os garotos servia sem elas, dizia que as freiras
deviam se alimentar melhor, pois tinham que cuidar deles, ele quando a ajudava
a servir, sempre metia no seu prato um pedaço de carne seca, ou linguiça. Com os anos ele sabia fazer de tudo. Devia estar com uns 16 anos, já que não
sabia ao certo, ela arrumou para ele ir trabalhar num restaurante ali perto. Aliás
era o que não faltava pelas redondezas, foi aprendendo de tudo, comida
nordestina, comida árabe, italiana, o bom era que aproveitava para comer, o que
sobrava de noite, levava para os amigos, este o esperavam, pois sabia que iriam
compartir alguma coisa boa.
Quando fez 18 anos lhe deram uma certidão de nascimento,
Raimundo dos Prazeres, pais desconhecidos, nascido no Rio de Janeiro. Tinha duas opções, entrar para o exército,
mas tinham lhe falado, lá só fazem gororoba.
Ele agora ganhava para cozinhar, foi passando de restaurante em
restaurante, dormia num quarto desses de empregadas dos edifícios antigos, de
uma senhora amiga da freira. Se levantava
cedo, deixava café pronto para ela, buscava o pão, se preparava para ir
trabalhar, usava a cabeça raspada, fazia o mesmo com o sovaco, tomava um banho
a consciência, ela lavava a roupa branca dele, assim estava sempre limpo.
Agora trabalhava num italiano em Copacabana, nas suas horas
de descanso, entre o meio-dia e a noite, tomava um banho de mar. Em pouco tempo tinha aprendido todos os
pratos do restaurante, ali na Fernando Mendes. Quando um dos sócios resolveu se separar,
iria abrir outro em Ipanema, o levou com ele, como chefe, agora ganhava mais,
alugou uma quitinete, no final de Copacabana, não tinha que se preocupar com a
roupa de trabalho, era lavada no restaurante com as toalhas das mesas,
guardanapos. Pelo menos, ficavam sem
gordura, que pareciam se grudar nas roupas.
Colocava uma camiseta, suas calças jeans ia andando para
casa, tinha um tipo impressionante, tinha crescido com os anos, 1,80 metro,
negro com a noite, mas os olhos verdes se destacavam.
Um dia vinha caminhando, mergulhado em seus pensamentos, um
gringo passou por ele, lhe falou alguma coisa, levou um susto, perguntou se
estava falando com ele.
Um mal português o homem disse que sim, que vinha caminhando,
que ao passar por ele, era como ver um gato que andava, por causa dos seus
olhos.
Perguntou se queria tomar uma cerveja?
Ele agradeceu, mas não bebia.
O homem riu, outras coisas fazes?
Ele demorou para entender, poucas vezes tinha feito sexo, não
lhe sobravam tempo.
Examinou o outro detalhadamente, o que viu, gostou.
Foi para o apartamento desse, um pouco maior que o seu. O outro quando o viu nu, ficou como
louco. Disse que era americano, que
dava aulas numa escola.
Foi uma noite impressionante, ele acabou ficando, dormiu ali
com ele, mas se levantou cedo, tinha que ir para casa se preparar para mais um
dia, contou falando devagar que era cozinheiro.
Podemos nos ver outra vez, lhe perguntou o outro.
Claro que sim, tinha adorado esse contato com sua pele
branca, cheia de sardas, tinha os cabelos ruivos, disse que se chamava Tom
Jones.
Ele disse o seu, o outro disse que realmente ele dava muito
prazer.
O esperava todos os dias, faziam sexo, conversavam, Tom
aprendeu a se manejar mais no português, trazia comida para ele, riam sentados
na pequena sala, compartindo comida de madrugada.
Só não podia compartir a vida muito com ele, só tinha um dia
livre, a segunda-feira que ele não trabalhava.
Este um dia lhe perguntou se não tinha mais namorados?
Nunca tive nenhum, eres o primeiro, tampouco me sobra tempo,
você sabe.
Tom agora fazia uma coisa, lhe ensinava a falar inglês,
contou que era de Boston, disse que lá tinha muitos emigrantes brasileiros, bem
como portugueses.
Passaram a viver juntos, Tom ficava impressionado com sua
limpeza, como tomava um banho, porque raspava o sovaco, o desodorante para não
ter cheiro.
Dizia que gostava de fazer sexo com ele no escuro, por causa
dos seus olhos.
Cinco anos depois, ele teria que voltar para os Estados
Unidos, lhe perguntou por que não vinha com ele. Tinha certeza de que conseguiria emprego por
lá, além de não querer se separar dele.
Pensou muito, falou com um companheiro, ele disse, não tens
nada a perder, se o gringo te paga o bilhete, aproveite.
Não tinha muitas pessoas com quem falar, tampouco falava que
fazia sexo com outro homem, mas conversou com o dono do restaurante. Este lhe disse que não custava tentar, se não
desse certo o contrataria outra vez.
Quando falou com Tom esse ficou contente, estava apaixonado
por aquele homem negro que o enchia de prazer, para não dizer outra coisa.
Foi com ele tirar passaporte, depois o visto, tinha amigos no
consulado americano, conseguiu um visto para ir trabalhar, uma coisa rara.
Ele nunca tinha andado de avião, quando muito de metro, ou
ônibus, mas Tom lhe deu um comprimido, quando viu já estavam em Boston.
Tinham saído do Rio, com 40ºgraus, chegaram em pleno inverno,
nevava inclusive, levava só um abrigo de plumas de segunda mão que Tom tinha
conseguido com um companheiro.
Ficou como uma criança, olhando a neve cair, sobre sua
cabeça. Ria muito.
Mas essa alegria acabou quando chegaram na casa dos pais do
Tom, esses eram preconceituosos, ficaram furiosos, como se atrevia a trazer um
negro para sua casa, ainda mais se estava fornicando com ele.
O jeito foi irem para um pequeno hotel. Dois dias depois estava já trabalhando num
restaurante português, pois sabia fazer muitas das comidas. Ali se sentia em casa, apesar da maioria
serem portugueses se entendiam bem, com o salário, alugou ele mesmo um pequeno
studio, Tom vinha ficar com ele, embora sofresse pressão dos pais.
Um dia o viu chorar muito, lhe contou que tinha ido para o
Brasil de uma certa maneira para escapar disso tudo, desses pais tão
castradores.
Um dia contou que tinha oferta para voltar, se ele queria ir
junto?
Parou para pensar, estou bem aqui, já falo um bom inglês, nem
tive chance de aprender outras maneiras de cozinhar, tenho uma vida boa, foi
honesto, disse que não, que queria ficar.
Seu patrão conseguiu a documentação para ele. Tom ainda lhe chantageou pois achava que o
amava.
Ele não podia dizer isso, estava bem com ele, pelo sexo, era
uma comodidade, não tinha que procurar ninguém para fazer. Estas parecendo teus pais contigo.
Ele foi embora, depois de uma boa noite de despedida.
Ele ficou, seguiu trabalhando ali, uns dois anos, saia com um
dos amigos, um africano de quase dois metros de altura, de Moçambique, esse
adorava no sábado depois do trabalho ir dançar, o levava a um lugar aonde
basicamente iam africanos.
Um dia conheceu um, nunca tinha feito sexo com outro negro,
foi um embate, os dois tinham os instrumentos do mesmo tamanho, riram muito com
isso, o outro lhe disse que gostava de fazer tudo, mas o queria penetrar
também. Passou os dias seguintes com o rabo doendo,
mas tinha gostado.
Um dia um parente do dono, veio de NYC, disse que precisava
de gente no seu restaurante em Long Island.
Lá foi ele, para uma nova aventura, nos seus dias de folga,
saia para conhecer Manhattan, adorava, quando chegou o inverno, fazia o mesmo,
pois ver essa cidade coberta de branco lhe encantava. Um dia passou na frente de um restaurante,
que tinha uma aparência incrível, viu um cartaz que procuravam ajudante de
cozinha, embora ele tivesse registro de cozinheiro, entrou, falou com o dono
que chamou um loiro altíssimo, magro, que o olhou de cima a baixo
sorrindo. Lhe disse que tinha trabalhado
em todo tipo de restaurante, que desde que estava ali, trabalhava num
restaurante português preparando bacalhau, e outras coisas.
O homem com um sotaque incrível, lhe perguntou se ele sabia
preparar peixe como se fazia no Brasil.
Claro que sim, posso demonstrar.
Foram para a cozinha, viu que o homem tinha duas panelas de
barro, se desligou, fez uma moqueca de uma das maneiras que sabia fazer, com o
pouco que tinha ali, disse que faltava cebolinha, além de um bom coentro, que
ele comprava no mercado em Long Island, para usar no bacalhau.
Preparou um pouco de arroz a maneira brasileira, serviu ao
cozinheiro, bem como ao dono do restaurante.
Os dois acabaram com tudo, riram da cara dele.
O dono perguntou se ele sabia fazer comida francesa?
Talvez faça com outro nome, mas não tenho problema em
aprender.
O contratou com o dobro do salário que ganhava. O problema é que na ilha os alugueis era
caros, para ele podia pegar a primeira barca da manhã, assim passava no
mercado, comprava condimentos para fazer o que eles pudessem querer.
Jean Pierre, ficou impressionado com ele, com a facilidade
que tinha de aprender, logo era seu braço direito, lhe foi ensinando a falar em
francês, os condimentos, em pouco tempo, só falava em francês com ele.
Por um período de tempo se ausentou, teve que ir ver sua mãe
na Normandia, acabou passando mais de três meses, nesse tempo ele tomou conta
da cozinha. Os clientes diziam que o
sabor agora era outro, claro ele fazia as coisas dando-lhe mais sabor.
Saiu inclusive uma reportagem com o dono do restaurante, com
ele ao seu lado.
Quando Jean-Pierre voltou, não gostou, pois queria que tudo
voltasse atrás.
Começou a colocar defeito em tudo que ele fazia, ele foi se
desesperando. O dono que era um tipo que
sabia das coisas, lhe disse que ia lhe pagar uns meses de férias, que ele fosse
para Paris, lhe disse aonde fazer cursos, que se ele podia se especializar em doces
franceses, que lhes faltava ali.
Foi com muito medo, mas ao chegar no aeroporto, um amigo do
seu patrão o esperava, era cozinheiro em seu próprio restaurante.
Disse que tinham lhe falado muito dele.
Se quiseres pode vir trabalhar comigo, eu levo a parte da
noite do restaurante que tenho, ao meio-dia, temos um movimento médio, mas de
noite estamos cheios de turistas. Lhe
arrumou um pequeno apartamento em Montmartre, aonde ele ficou contente. Dois dias depois de flanar pelos lugares
turísticos, começou seu primeiro curso. O professor ficou impressionado, bastava
explicar um vez para ele aprender. Ao
meio da tarde, ele chegava no restaurante de François, começava a preparar as
coisas para a noite, isso era bom, pois ganhava por fora. Os clientes adoravam
o arroz que ele, fazia, algumas vezes fazia arroz com brócolis e bacalhau, que
acabou entrando na carta.
François ria muito, meu amigo perdeu um cozinheiro perfeito,
quando acabou os cursos, o convidou para ficar com ele ali em Paris, lhe
ofereceu um bom salário, ele na verdade nem tinha gastado o dinheiro que tinha
trazido.
Falou com o dono do restaurante de NYC, quem atendeu foi o
Jean-Pierre, este lhe disse que o outro tinha tido um enfarte, que agora o
restaurante era dele, que não o queria ali.
Isso o fez tirar um peso da consciência, falou com o François
se isso era verdade?
Ele telefonou, confirmou isso com a mulher do mesmo. Ninguém sabe como aconteceu, mas Jean-Pierre
tinha se tornado uma dor de cabeça para ele, um dia perdeu a paciência, acabou
tendo um enfarte.
Ele resolveu ficar, nada o segurava do outro lado.
Descobriu um mercado em Belleville, aonde podia comprar
coisas que lhe faltavam, agora apresentavam uma salada de grão de bico com
bacalhau, bem como peixe de outras maneiras, um dia viu folhas de palmeiras, se
lembrou como a senhora que cuidava deles fazia peixe, experimentou fazer no
lugar que faziam peixe na brasas.
Quando serviu ao François, esse ficou impressionado, pois o
peixe basicamente não tinha temperos, lhe explicou que assim faziam os índios
no Brasil.
Virou um prato da carta do restaurante, ele agora basicamente
levava a cozinha, nos dias de mercado ia comprava coisas boas para fazer algum
prato, conseguiu com uma das mulheres que disse que tinha uma plantação durante
o verão, de mandioca, passou a trazer para ele, quando fez pela primeira vez
Bobo de Camarão, François disse que estava de lamber os beiços, tinha aprendido
a falar coisas em português. Um dia se
atreveu em fazer bolo de mandioca.
Foi um sucesso. Logo
estava na carta também.
Apareceram numa reportagem no Magazine do Le Monde, começou a
aparecer gente importante para comer.
Um dia François o chamou no salão, estava ali o embaixador brasileiro,
queria saber se ele podia fazer um jantar para uns quantos convidados do
governo.
Disse que podia fazer no seu dia de folga, caso contrário
não, falou baixinho com o François, cobre antecipado, pois brasileiro é sem
vergonha na hora de pagar, principalmente se for do governo.
O homem pensou que ele ia fazer por amor a Pátria, nem
pensar.
Fez uma moqueca, acompanhada de pirão, com arroz branco,
farofa, com tudo que tinha direito, depois de sobremesa, bolo de mandioca com
sorvete de maracujá.
Foi um sucesso.
Isso fez com que a clientela do restaurante agora tivesse que
fazer reserva de noite.
Um sugeriu ao François que aumentasse o restaurante, ele
disse que não, mais trabalho, menos tempo para nos mesmo. Precisamos do nosso dia de folga para poder
descansar, além de que quando aumentas também perdes em qualidade.
Um dia François convidou vários clientes jornalistas, ele
preparou uma mistura de comida francesa, com coisas que ele tinha inventado, um
quiche de mandioca com camarão, bem temperado, o famoso peixe na folha de
bananeira, o bolo de mandioca com sorvete de maracujá. Foi um sucesso. Todos falavam dele, um chegou a convidar
para que ele desse um curso. Pediu
desculpas, mas não lhe sobrava tempo.
Quando chegou o verão, François resolveu, reformar o
restaurante, assim ele tinha pelo menos dois meses livre. Queria ver o mar, que não via a muito
tempo. Com as economias que tinha, que
já eram de bom tamanho, resolveu ir ao Rio de Janeiro.
Se deslumbrou ao chegar, como se fosse a primeira vez que
pisava essa terra. Os restaurante que
ele tinha trabalhado nem existiam mais, fez contatos com os lugares mais finos
da cidade, olhavam aquele negro de olhos verdes, riam na cara dele, mostrava as
reportagens que tinham feito com ele, nada.
Riu muito, casa de ferreiro, espeto de pau. Não teve dúvida, em pouco tempo estava farto
da praia que tinha querido tanto ver, dos amigos que não acreditavam nele, já
era um lugar que ele nem conhecia. Ainda
foi ao orfanato, para falar com a irmã que o tinha ensinado a cozinhar, essa
foi a única que ficou feliz com ele, o abraçava, fico feliz por ti meu
filho. Quando contou da decepção que
tinha tido, ela soltou uma grande gargalhada, deixar o que tens lá, com um bom
salário, por isso daqui, estás é louco.
Um dia quando te aposentes, venha viver numa cidade pequena a
beira mar, economizes, monte um pequeno restaurante, desfrute teu resto de
vida.
No dia seguinte ele voltou para Paris, as obras estavam
adiantada, a cozinha era mais moderna, começou a experimentar pratos que nunca
tinha feito, que voltaram a sua memória, preparou uma carta diferente, uma
funcionária ao meio-dia, em que as pessoas estavam com pressa, outra para a
noite quando as pessoas vinham realmente desfrutar de uma boa comida.
François ficou encantado, inclusive lhe propôs como sócio. Fez o que a irmã tinha falado, foi economizando,
não precisava de um apartamento imenso, nada disso, para quem tinha vivido num
orfanato, achava que tinha mais que o necessário.
Tinha acrescentado uma pequena lavanderia no porão do
restaurante, o que ele queria era sempre ter roupa limpa.
A nova carta fez sucesso, nunca deixou de aprender nada,
agora a senhora que plantava mandioca nas aforas de Paris, tinha um cliente
cativo, mas isso para pratos de verão. Os cronistas falavam sempre nele.
Tinha romances esporádicos, François ria com ele, no nosso
tipo de trabalho é assim Raimundo, estamos sempre em aventura, talvez o dia que
nos aposentamos seja melhor.
François tinha um romance que durava alguns anos, com um personagem
do mundo político, mas que nunca o apresentava a ninguém, porque não queria sair
do armário.
Reclamava sempre disso, que vivia de migalhas, um dia que ele
estava triste, Raimundo o convidou para sair, pois tinham o dia livre. Ficaram conversando ali nas margens do Sena
vendo o pôr do sol, por detrás da Torre Eiffel, sem querer começaram a contar
suas vidas, desde infância, sempre no sacrifício. Sem se dar conta, acabaram de
mãos dadas, daí para o primeiro beijo, foi um passo.
Ele estava contando ao François o que tinha falado a freira
do orfanato.
Eu adoraria fazer isso contigo, quando se deram conta, já
estavam vivendo juntos a mais de 15 anos.
Queriam comprar o local, os dois estavam cansado disso tudo, do
desgaste, da falta de tempo. Nesse meio
tempo, foram mais de uma vez ao Brasil. Andaram
procurando o lugar que gostariam de viver.
Acabaram encontrando um lugar fantástico no sul, em Santa
Catarina, uma praia pequena, que no momento tinha duas pousadas nada mais.
Compraram um terreno ali.
O mesmo arquiteto que tinha feito o projeto de reforma do restaurante,
foi com eles até lá, criou uma pousada, mais puxada para as francesas.
Assim fizeram, venderam o restaurante, juntaram seu dinheiro,
que no Brasil era muito, enquanto construíam a sua pousada com seu bistrô,
fizeram contatos com pescadores, o pessoal quando comia a quiche de mandioca
com camarão ficavam loucos. Era uma
fusão das duas maneiras de cozinhar.
Eles mesmo viviam ali, começavam o dia com um banho de mar, as pessoas
riam, um muito branco o outro muito negro.
Achavam engraçado como passavam o tempo todo conversando, pois além de
tudo eram amigos.
Acabaram saindo em várias reportagens, uma vez que foi ao
Rio, convidou a freira para passar uma férias com eles. Ela já uma senhora de idade, ria muito
sentada com ele na cozinha, era baixa temporada, foi ela mesma se lembrando de
receitas que nunca tinha feito, mas estavam guardadas na sua memória, receitas
que segundo ela, era de sua avô, uma negra bem sacudida, foi então que ele
descobriu que tinha genes africanos.
Aprendeu com ela a elaborar tudo, de uma outra maneira, riam
os dois na cozinha, preparando algum prato, que depois o François diria, lambi
os beiços.
Passou um bom tempo com eles, já que no Rio ninguém precisava
mais dela.
Ia todos os dias a missa numa igreja ali perto da
pousada. Eu devia ter preparado mais
garotos como tu, para serem cozinheiros, mas só mesmo tu, pois eu sabia que
estavas ali, para não passar fome.
Anos depois quando soube da morte dela, foram os dois ao Rio
de Janeiro. Na época ela já estava com
mais de 95 anos.
Trouxeram com eles, dois garotos, que tinham sido deixados
ali de pequeno, um muito branco, outro tão negro como o Raimundo.
As pessoas quando vinham comer no restaurante diziam que o
nome não podia ser mais acertado, chamava-se Prazeres.
Assim foram vivendo o resto de seus dias, olhando o mar,
sentados na varanda do pequeno chalé que viviam, vendo o por do Sol. Os meninos crescendo, com uma boa educação, as
vezes os hospedes riam quando passavam pelo chalé vindo dos praia, alguns se sentavam
ali com eles, para ver o pôr do sol.
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