LEDO ENGANO
O sentido usual
de “ledo engano” quer passar a ideia de ingenuidade; simplicidade; de um
indivíduo simplório.
Meu nome é Max
Luft, foi isso que senti muitas vezes da minha vida, por isso sempre tinha
receio das pessoas, desde criança fui deixado pelo meu pai, junto aos meus
avôs, num kibutz de ultra ortodoxos, nunca consegui me adaptar a eles, minha
avó ainda me defendia, me faziam trabalhar como um escravo, diziam que era para
pagar a comida miserável que serviam.
Sonhava dias
atrás dias com me liberar daquilo tudo.
De meu pai, seus
irmãos falavam na minha frente que era um degenerado, porque era um artista, me
deixaram aprender a ler, escrever em hebraico, só para ler os livros sagrados como
eles diziam. Eu os odiava de paixão,
pois não encontrava paz, nada como diziam que teria lido, tampouco explicações
sobre minha vida.
Um dia quando
tinha 15 anos meu pai apareceu outra vez, voltava dos Estados Unidos, com os
cabelos larguíssimos, uma roupa totalmente estranha.
Foi uma briga,
mas minha avó defendeu que eu fosse com ele para Tel Aviv, fui da água ao
vinho, pois fomos viver numa casa que viviam artistas, compartíamos seu
estúdio. Me colocou numa escola normal,
nada a ver com a do Kibutz, não tinha que ler os livros malditos como ele
dizia. Me pedia sempre desculpas, mas
tinha ido a América atrás da minha mãe, mas disse que nunca a encontrou.
Se dedicava a
música, tocava o clarinete, eu gostava mesmo era do homem que tinha studio ao
lado, pois estava sempre pintando, pedi que me ensinasse a desenhar, me deu
cadernos, lapises, me ensinou o básico, se surpreendeu que era detalhista, a
cada retrato que fazia, enquanto não ficasse perfeito não deixava. Meu pai lhe dava dinheiro, quando ia de turnê
com algum grupo de jazz.
Numa dessas, ele
abusou de mim, dizendo que me amava, isso durante todo o tempo que meu pai
esteve fora, um dia antes que este voltasse, se mandou, acordei, fui a escola,
quando voltei já não estava, errou pois meu pai levou mais de uma semana para
aparecer. Comi o que os outros com pena
de mim, me deram.
Quando contei ao
meu pai o que tinha me acontecido, ele me disse na cara que eu era um ingênuo,
que esse anos com sua família, tinha é me estragado. Por um momento pensou em me levar para lá
outra vez, pedi pelo amor de deus que não o fizesse.
Consegui entrar
para a universidade para fazer Belas Artes.
Ele agora me deixava sozinho, me dizia antes de sumir, que não
acreditasse em ninguém, não queria que eu virasse um viado que vai atrás de
qualquer homem.
Isso caiu forte
em mim. Me senti o coco do cavalo do
bandido, como ele dizia as vezes.
Vivia sozinho, me
deixava sim, dinheiro para comprar comida, as vezes as coisas apertavam, então
fazia retratos das pessoas para ganhar algo de dinheiro, ou se isso não
acontecia, arrumava algum emprego, seja de descarregar caminhões, limpar
supermercados a troco de comida que sobrava.
Meus professores
se impressionavam com meu trabalho, se fazia um retrato, na verdade fazia dois,
um o fazia conversando com a pessoa para saber como ela era. A maioria mentiam todo o tempo, isso eu
percebia, era curioso, me contavam muitas balelas, eu sabia que estavam
mentindo, o que não entendia era quando se tratava de mim, se me chamava de
bonito, que tinha um bom corpo, eu acreditava, pois tinha espelho, meus cabelos
largos, loiros, olhos azuis, pouco pelo no corpo musculado, atraia muita
gente. Mas eu tinha horror que me
tocassem.
As vezes no tempo
das vacas magras, posava em outro horário das aulas para os alunos de
primeira. Modelo ao vivo, não tinha
vergonha de estar nu na frente dos outros, mas dai a que colocassem a mão em
cima de mim, era outra conversa.
Voltando aos
retratos, eu tinha uma coisa, como fazia dois, mostrava as duas versões aos clientes,
sempre escolhiam a como se viam, não o que eu retratava na verdade, alguns
inclusive ficavam ofendidos, passei só a mostrar a versão da balelas que
falavam.
Pegava a outra
versão, modificava de uma certa maneira, contava a história do mesmo em suas
roupas. Transformava o que via, como se
fosse um estampado da mesma, com pequenos desenhos, isso tinha um professor que
adorava. Além disso, tinha uma série de trabalhos, que
eram considerados pelos puristas, como demasiado moderno. Distorcionava a cara da pessoa, baseado no
que tinha visto, desenhado antes, a mostrando em todo seu horror.
Estava no último
ano, haveria uma exposição, seriam selecionados trabalhos dos alunos
promissores como eles chamavam. Eu teria
direito a duas paredes, para apresentar as duas versões do meu trabalho, os
retratos crus como eu chamava, o outro que só alguns professores gostavam. Tive que escutar a discussão da banca sobre
isso.
Ao mesmo tempo a
resolução da mesma, ocasionou ciúmes dos meus colegas, pois era o único que
tinha dois espaços.
Dois retratos,
fiz de corpo inteiro, como eu via as pessoas, suas misérias escritas pelo corpo
inteiro, ao lado expunha suas caras distorcionada. Na inauguração, numa das melhores galerias
da cidade, os meus se venderam rapidamente, um inclusive para um museu, por
sinal eram os que pagavam menos. Eu
superfeliz, pois liquidava o que devia do studio que trabalhava, vivia numa das
partes, viver é difícil de descrever, tinha uma cama, um banheiro caindo aos
pedaços, me apanhava. De meu pai não
sabia nada a mais de dois anos, nem para o convidar para a inauguração
podia. Falei com vários conhecidos
seus, fui descobrir numa delegacia de Samaria, seu instrumento, o corpo o tinha
enterrado como indigente, pois tinha morrido nas drogas. Não sabia se chorar, ou dar graças a deus,
por estar livre.
Mas sabia que
tinha alguma coisa ver seu desaparecimento com o fato de ter-me deixado ser
abusado sexualmente. Na verdade nunca
mais voltei a ter relações com ninguém.
Tinha um medo terrível disso.
Dias depois da
inauguração, fui chamado a galeria, me pagaram os quadros vendidos, mas claro
como eu era um belo desconhecido, ficaram com 30% de tudo. Quando reclamei, me disseram dê graças a
deus, pois eres um belo desconhecido.
Tornaram a me
chamar dias depois, pois tinham duas pessoas interessadas em mim. Na hora não entendi, mas fui pensando que era
alguém que queria um retrato.
Dei de cara com
dois homens, bem-vestidos, com um jeito diferente, me explicaram que eram
judeus, mas franceses, que tinham vindo atender a última vontade do pai, trazer
suas cinzas para Jerusalém, de aonde tinha saído jovem.
Num primeiro
momento, tive uma antipatia impressionante com os dois, eram esnobes, me
olharam de cima a baixo, como examinando uma mercadoria.
Me convidaram
para ir com eles a Paris, pois tinham uma galeria de arte. Me passaram um prospecto da mesma.
Falei com o dono
da galeria, esse não os conhecia direito, me disse que era uma oportunidade que
não devia perder, mas que da galeria se falava bem, pois tinha tomado informações.
Perguntaram se eu
tinha mais desenhos, os levei ao meu miserável studio, mostrei os dois tipos de
desenhos que tinha, olharam tudo, falavam em francês entre eles, mal sabia que
eu também falava.
Tai um tipo que
podemos lançar no mercado, lucrar com ele.
Me ofereceram
pagar a passagem, eu disse que tinha dinheiro para isso.
Arrumaremos um
studio aonde possas trabalhar, que necessitavam de pelo menos umas cinquenta
obras minhas para me lançar.
Fiquei com um pé
atrás, mas aceitei a proposta, comprei um bilhete de avião para o mesmo voo
deles, eu iria numa turística, eles iriam de primeira classe.
Como me viram entrar
com eles no espaço vip, depois eu fui para a turística, uma aeromoça, me disse
que tinha um lugar na primeira, sem querer fiquei sentado atrás deles, que não
perceberam, falavam de mim. O que iriam
lucrar as minhas custas, que inclusive me apresentariam a algum velho rico, que
poderia me sustentar, assim não gastavam dinheiro comigo. Fiquei quieto, mas mentalmente os chamei de
filhos da puta, ainda não tinham entendido que sabia de tudo que falavam.
Demoraram para
perceber que estava sentado atrás dele, riram, menos mal que não nos
entende. Quando chegamos a Paris, me
levaram para a casa deles, era um puto apartamento, cheio de obras de artes.
Ai os encarei,
por isso não queria que pagassem o meu bilhete, já sabia o que pretendiam, lhes
disse que quando muito pagaria inicialmente uns 20% de comissão, que de maneira
nenhuma os 50% como pensavam, que tampouco queria nada deles, inclusive o velho
que querem me enfiar goela a baixo para me sustentar, enfiem no cu.
Estava furioso,
falando com eles em francês, que escutavam sem dizer uma palavra, o mais velho
deles, me abriu a porta, me disse fora daqui.
Peguei minha
mochila, com um pacote de desenhos que tinha trazido para iniciar meu trabalho,
sai porta afora, sem saber muito bem aonde estava.
Quando me
informei, um garçom de um restaurante, me disse, se queria procurar galerias
teria que ir para o Rive Gauche, aonde estavam a maioria, me falou da Place du
Tertre, aonde os artistas faziam retratos, vendiam suas obras, mas creio que
necessitas de visto para trabalhar antes de mais nada. Me ensinou como ir ao Rive Gauche, passei
dois dias andando pelas galerias, a maioria nem se interessava em ver nada, diziam
que já representavam demasiados artistas.
Eu tinha guardado
um pouco de dinheiro, para o caso de ter que ir embora, o que não esperava era
ser assaltado, me levaram todo meu dinheiro, era de noite, não tinha para aonde
ir.
Fui assaltado em
frente a uma galeria, o que me salvou que o homem que estava ali saiu
afugentando os ladrões. Saiu com uma
arma na mão.
Me fez entrar,
limpou minha ferida, era pequena, não devias ter reagido.
Como se me
levaram todo meu dinheiro, bem como o meu bilhete de volta para Israel. Agora
estou fudido.
Sem me dar conta,
ou porque ele me inspirava confiança contei o que me tinha acontecido, ele deu
um sorriso, falou o nome dos dois que se diziam galerista.
Fechou a galeria,
pois já era tarde, venha comigo, me mostra o teu trabalho.
Me fez subir por
uma escada, estreita, escondida atrás de uma parede. Acendeu as luzes, era um pequeno studio.
Cheio de cavaletes, era o studio de meu pai, quando alguém lhe encomendava
algum retrato, os gostava de fazer ele mesmo.
Depois te mostro
o trabalho. Antes de mais nada, meu nome
é André Stein, também sou descendente de judeus.
Tinha uma mesa
grande, abri os rolos de desenhos, ele ia colocando nos cavaletes que estavam
ali, presos, em vários painéis. Eram os
desenhos base da exposição de Tel Aviv, bem como outros retratos, elogiou os
detalhes, são perfeitos. Retirou tudo,
abrimos o segundo, olhou tudo, impressionante, lhe expliquei como tinha exposto
alguns, o retrato, depois o grotesco ao lado.
Gosto dos dois
trabalhos, muito.
Ia começar a
conversar comigo, minha barriga roncava de fome, riu.
Venha vamos comer
alguma coisa. Desta vez não saímos pela
galeria, mas sim por outra porta lateral.
Podes ficar aqui, detrás da cortina, o mais próximo da janela da rua,
tem uma cama que ele usava para descansar, as vezes dormia aqui, tem um
banheiro simples também.
Nos sentamos num
restaurante que estava aberto, vi que ele era conhecido ali, fazem um omelete
de queijo fantásticos, vinha acompanhado de salada. Para mim era perfeito.
Vou ser honesto
contigo. Recebi essa bem como outra
galeria maior de meu pai, sou irmão bastardo com se diz, dos que te trouxeram,
esses sempre querem se aproveitar de tudo.
Queimaram os
artistas que meu pai representava. Com
ele, tinham um contrato, agora queriam explorar. Eu a galeria grande não gosto, por isso
tenho uma amiga que foi professora de história da arte, que a leva, como está
aposentada, conhece todo mundo.
Creio que vai
amar teu trabalho, sou honesto de dizer que gostei muito, quem devia levar as
cinzas do velho para Israel, era eu, pois ele vivia comigo, a muitos anos. Mas eles se adiantaram, achando que isso
lhes daria alguma coisa a mais.
Meu velho foi
esperto, fez a divisão em vida, por isso não existe testamento, só ficaram com
o apartamento velho, aonde viveu com a mãe deles. Podia reclamar alguma coisa, mas não quero,
nem me interessa. Eu sempre cuidei
dessa daqui, meu pai levava a outra, a não ser quando vinha para cá pintar.
Te ofereço
guarida, mas vamos tratar de montar uma exposição, podemos discutir tamanhos,
eu gosto muito dos dois trabalhos, teríamos o espaço de dois meses para poderes
trabalhar, o que achas.
Mas se nem me
sobrou dinheiro para comprar material.
Não se preocupe,
pois no studio tem muito material, depois te levo aonde ele tinha conta, depois
me devolves o dinheiro.
E se não
funciona?
Claro que vais
funcionar, tens talento, acredite, se esses dois filhos da puta, te trouxeram é
porque tinha talento, eles só queriam era te explorar.
Comemos, então
realmente olhei para ele, tínhamos a mesma altura, ele devia ter pelo que eu
calculava, uns 45 anos. Cabelos largos,
amarrados num rabo de cavalo, umas mãos impressionantes, um nariz como eu
gostava de desenhar, fino, uma boca sensual, olhos verdes quase transparentes.
Viu que eu o
observava, riu dizendo depois te mostro as fotos de meu pai, dizem que sou
cuspido e escarrado a ele. O amei como
nunca, não me escondeu, me reconheceu como seu filho, ele amava minha mãe, ela
foi uma modelo famosa na sua época, mas depois teve uma doença incurável, ele
sempre cuidou de mim, quando montava alguma exposição fazia que eu
participasse, para aprender, a analisar o trabalho dos artistas, então aprendi
com ele.
Mas nunca pintei,
apenas entendo de arte. Sou na verdade
escritor, por isso estava até tão tarde na galeria, aproveito que não entra
ninguém, para escrever.
Lhe disse que nem
tinha olhado o que estava exposto.
Não se preocupe,
isso é como chamamos o fundo da galeria, normalmente compro ou negocio com o artista
um quadro, no caso negociar, significa, que o que deveria me pagar de comissão
fico com um dos quadros para mim.
Então entre uma
exposição e outra, coloco esses quadros antigos a venda. Assim quando entra uma nova exposição, é
outra coisa diferente.
Lhe contei sem
querer a história da minha vida, no final, enquanto tomávamos um chá, bateu
suas mãos imensas sobre as minhas, vamos nos dar bem não se preocupe.
Me levou outra
vez ao studio, mostrou aonde estava escondida a cama, o banheiro, toalhas dobradas
para o banho. Amanhã venho tomar café
contigo.
Me deu a chaves,
lhe perguntei se não tinha medo de que eu o roubasse.
Ele riu, tens
cara de honesto, eu confio na minha intuição.
Se despediu,
apertando minha mão, durma bem Max. Creio
que nesse momento, eu poderia pensar estas sendo ingênuo, ou coisa parecida,
mas resolvi tentar, com seus irmãos tinha dado errado, quem sabe com ele.
Tomei um banho,
coloquei uma das poucas cuecas novas que tinha na mochila, roupa só tinha mais
uma muda. Me joguei na cama, apaguei.
Despertei tarde,
pois senti uma pessoa me olhando, era ele.
Vamos seu
preguiçoso, levante-se, vamos tomar café.
Fomos a uma
padaria ali perto, depois saiu me mostrando aonde estava a École de Beaux Arts,
me levou a loja que tinha falado, me apresentou.
Mas lhe disse que
primeiro queria olhar o que havia de material no studio para aproveitar, depois
viria comprar, um dos homens da loja era seu amigo, me deu seu cartão.
No studio
novamente, me mostrou aonde seu pai tinha macacões de trabalho, assim não
sujava a roupa.
Me perguntou
quais dos trabalhos não tinha sido exposto em Tel Aviv?
Eu lhe disse que
a maioria, mas claro que quando fosse pintar agora, teria outra maneira de
olhar.
Então mãos a
obra. Te deixo trabalhar, venho te interromper para irmos comer.
Isso virou uma
rotina, me despertava com ele as vezes me olhando, depois ao meio da tarde para
comer, as vezes de noite para jantar.
Depois de separar
minhas cores, organizar pinceis, comecei a trabalhar, ora sobre papel, outras
vezes sobre tela. Sem querer via o
trabalho agora diferente, como se as pessoas tivessem tomado outro significado
em minha vida.
De memória,
desenhei um velho rabino ultra ortodoxo que uma vez tinha ido ao Kibutz fazer
uma palestra, na minha cabeça, tudo o que ele falava não passavam de fantasias
absurdas, sobre deus, o homem, seus pecados, sua pele era como um filigrana,
fina, por aonde se viam as veias com um sangue correndo lentamente. Conforme o ângulo que ele se colocava, mais
parecia um macaco velho. O desenhei
assim, com sua vasta barba branca suja, principalmente em volta da boca, pelo fumo
dos cigarros que fumava sem parar, ao mesmo tempo que a nós dizia que isso era
um dos pecados do homem, seus vícios.
Desenhei suas mãos, como se fossem garras de um símio, com o cigarro
preso nas unhas.
Suas roupas eram
sujas, encardidas, na minha cabeça de criança, não entendia o que esse homem
pregava se ele era o exemplo vivo do que não se devia fazer. Era como “faça o que eu mando, mas não o que
eu faço”. Me perguntava como podia ser
exemplo de algo.
Me lembrei que
depois da palestra os velhos o festejavam como um grande homem, eu tinha ficado
além de horrorizado com ele, com asco.
Assim fiz o
quadro, como se tivesse asco dele.
André quando viu,
disse o mesmo, impressionante, uma pessoa asquerosa daquelas que ficam julgando
os outros, conheço muitas assim.
Contou de uma
época quando sua mãe morreu, que tinha sido obrigado a estudar numa escola
interno, que o diretor era uma pessoa assim, julgava qualquer falta com dureza,
mas ele era a imagem do próprio animal comendo.
A imagem ficou na
minha cabeça, repeti mais ou mesmos a figura com suas garras sobre uma carniça.
André ria muito,
como conseguiste captar essa imagem. As
vezes a noite subia, ficava escrevendo enquanto eu trabalhava. Todos os dois em silencio. Já estava no final da execução dos quadros,
quando uma noite se recostou em minha cama, quando vi estava dormindo, me
sentei do outro lado, comecei a desenha-lo como o via, um homem ainda cheio de
sonhos por realizar, livros por escrever, uma cabeça privilegiada, nesse dia
estava com os cabelos soltos, assim o desenhei, com sua boca sensual, a que as
vezes tinha vontade de beijar.
Quando acabei o
desenho, me deu pena desperta-lo, coloquei uma manta sobre ele, me deitei do
outro lado, quando despertei de manhã, estávamos abraçados, ele olhando fixo
para mim.
Perdi desculpa,
mas tinha me dado pena desperta-lo.
Obrigado por
cobrir-me, me deu um beijo na boca, com suavidade, mas que me levou a loucura,
queria mais, mas resolvi ser cauto.
Ele tampouco
avançou, depois de um silencio constrangedor, se levantou excitado, foi ao
banheiro, aproveitei para levantar, cobrir o esboço de seu retrato.
Depois fui ao
banheiro, tomei um banho, saímos para tomar café. Ele me pediu desculpas pelo beijo, tenho
muito mais idade que você me disse, há que manter distancias, senão vais pensar
que sou como meus irmãos.
Nunca pensei isso
de ti, sempre foste honesto comigo.
Trabalhei seu
retrato na surdina, quando ficou pronto, o cobri para que ele não visse.
Agora evitava
fica até muito tarde, quando veio o fotografo para as fotos do catalogo, ele se
surpreendeu olhando a sim mesmo.
Garoto sem
vergonha, disse rindo, me fizeste mais bonito do que eu sou. Agora tínhamos que decidir que galeria
usaria, para a de baixo seriam muitos quadros, para a outra perfeita.
Marcou um dia, a
gerente da mesma veio, ficou olhando os quadros muito séria, não sabia se ele
sabia ou não da história dos irmãos do André.
Só a via balançar
a cabeça como concordando com tudo, quando viu o quadro do retrato do André,
soltou, ele te viu por dentro como eres.
André não queria
o quadro na exposição, mas ela insistiu.
Veio um caminhão
especial para os levar para colocar moldura, em seguida para a outra galeria
que fechou as vitrines com papel, para não se ver dentro. Entre os três coordenamos a mostra.
No dia da
inauguração foi comigo comprar uma roupa para usar, nada demais, apenas uma
roupa nova. Como era muito branco,
cheio de sardas, escolhi uma roupa negra, me disse que ficava sexi. Me avisou, hoje teremos entre os convidados,
pessoas desagradáveis, como meus irmãos, minha ex-mulher, que aparece sempre
para dar um toque desagradável a tudo.
Dito e feito,
quando a galeria estava a tope, as pessoas circulando entre os quadros, com uma
taça de champagne nas mãos, entraram os dois, foram olhando cada quadro, com
uma cara de fazer gosto, pareciam ter chupado limão azedo. Depois apareceu uma mulher alta, que em seu
tempo devia ter sido bonita, com os cabelos pintados de vermelhos, preso num
coque antiquado, severo, com a professora má de uma escola. No final parou na frente do quadro do André
soltou alto, o que faz o amor, um jovem apaixonado pelo seu galerista.
Fiquei vermelho
como um pimentão. Mas André ria, como
se tivesse escutado uma piada.
Depois escutei
seus irmãos falando com ela, dizendo que quem tinha me descoberto eram eles,
que o André me tinha roubado.
Este tinha me
falado, fique quieto, não desça ao nível deles, num momento foram embora os
três juntos, as pessoas pareciam aliviadas, da presença nefasta. Vinham falar comigo elogiando o trabalho, um
crítico apresentado pelo André, disse que nunca tinha visto uma representação
de rabinos, como os meus, eu os ódio por infernizaram minha vida.
Ao final 80 por
cento estava com uma marca de vendido.
Inclusive o do André, ele disse rindo que não queria que o seu fosse
comprado, ele tinha colocado a marca, pois era capaz dos irmãos ou a ex-mulher
comprarem para jogar dardos.
Eu estava feliz,
nem tinha prestado atenção direito ao valor das vendas, mas sabia que os
valores eram bons.
Quando todos
foram embora, Lia Schumer, a gerente, fez comentários, eles sempre aparecem
como pássaros agourentos, mas quando veem os sinais de venda, ficam furiosos,
vão embora.
André ia me levar
para o studio, me perguntou se estava feliz, lhe disse que sim, sabes que
confio em ti plenamente.
Me contou no
caminho, pois tinha chovido um pouco as ruas pareciam respirar, fomos
conversando, lhe perguntei de sua mulher.
Um dos erros da
minha vida, ela estudava literatura comigo, quando soube que meu pai era rico,
se aproximou, tivemos uma aventura, ela disse que estava gravida, sem consultar
meu pai, me casei com ela. Não passava
do velho golpe, não estava gravida, a partir de então minha vida virou um
inferno, queria entrar para a alta sociedade, quando descobriu que no fundo eu
era o filho bastardo, ficou furiosa, como se eu a tivesse enganado. O casamento não durou um ano, mas a batalha
do divórcio, durou cinco anos. Meu pai
me mandou para os Estados Unidos, aonde tinha um amigo, lá sem querer conheci
alguém por quem me apaixonei. Era um homem
muito sério, meu professor preferido.
Quando lancei meu primeiro livro, sobre a arte contemporânea Americana
ele escreveu o prefácio, ele tinha um casamento acomodado, ela foi até lá, fez
um escândalo, ele nunca mais quis me ver.
Voltei como rabo entre as pernas, a única coisa boa, foi uma editora que
quis lançar o livro aqui. Até hoje é
usado em história da arte.
Mas ela leva a
metade dos lucros, esse foi o acordo de divórcio. Mas depois nunca perdoou o que meu pai fez,
ela nunca teve direito a nada da herança dele. Hoje escreve sobre arte para um pasquim de
esquerdas, que ninguém lê, se casou com um velho rico, amigo dos meus irmãos,
por isso se dão bem. Infelizmente só
aparece nestas épocas, quando lanço alguém novo.
Sim disse para
muita gente, que eu pintei o teu quadro, porque me enganaste, que estava
apaixonado por ti.
Por isso não quis
ir adiante contigo antes, tinha medo de que pudesses pensar que tinha segunda
intenção contigo, por ser mais velho.
Eu parei, ri, lhe
disse, era eu quem tinha segundas intenções, estou apaixonado por ti, por isso
não saio procurando aventuras.
Um dia tinha me
falado se eu trouxesse alguém para o studio para fazer sexo, que tivesse
cuidado com a porta que levava para a galeria, lhe disse que isso não me
interessava.
Quando chegamos
ao studio, o convidei para subir, fomos tirando nossas roupas lentamente,
enquanto nos beijávamos, seus beijos me levavam a loucura. O simples contato
com sua pele me fez ejacular, pedi desculpas, tinha sido o tempo da espera. Rimos e seguimos em frente.
Dormimos
agarrados um ao outro. Neste dia me
levou para conhecer sua casa, ele vivia num apartamento muito simples ali
perto.
Me convidou para
viver com ele, eu fiquei feliz.
Comecei uma série
diferente, ia pelas praças, se encontrava dois ou três pessoas, perguntava se
podia desenha-las, armava meu banco, tirava da bolsa um caderno grande,
começava a desenhar. Escutava suas
conversas, ia anotando a parte o que tinham falado entre si, se estavam falando
a verdade ou mentira. Um sempre era o
mais mentiroso deles, esse eu gravava bem na minha cabeça, sua postura, sua
maneira de se comportar, comecei a notar, que era o que se sentia mais sozinho,
por isso fantasiava o que dizia, para se sentir superior aos outros, no fundo
sempre era o perdedor, o que a família ignorava. Contava vantagens, um dos que conheci, me
convidou depois para tomar vinho, eu lhe disse que não bebia nada, tomei um chá
enquanto ele tomava um copo de vinho, sem querer falei algo, que o fez transbordar,
me contou toda sua vida, que tinha ido de um lado a outro, nada lhe dava certo,
o mais interessante que me contou que seus outros dois amigos, sabiam tudo
sobre sua vida, mas faziam de conta que tudo era novidades para eles. Os dois tem uma família grande que invejo,
mas fazer o que, não soube criar a minha. Em outras ocasiões, como os via sempre,
conversei com seus amigos, cada um o via de distinta maneira.
O primeiro
quadro, era um dia, em que começavam a cair as folhas amarelas pelo outono, no
jardim detras de Notre Dame, as folhas nas arvores já estavam prontas para
cair, o chão estava cheio dessas mesmas folhas que pareciam douradas pelo sol,
os fiz ali, como se estivessem em traje de gala que cada uma imaginava, depois
fiz uma versão, como eles estavam na realidade, a terceira, como se viam a si
mesmos, como se fossem jovens, pedi se tinham retratos de quando eram jovens
cheios de ilusão.
O do velho amigo,
o que na verdade unia os três, fiz uma versão como o viam cada amigo, no meio
como ele se via a si mesmo.
André colocou nas
três paredes principais da galeria, os convidei para vir, riram muito, o velho
disse que eu tinha descoberto finalmente quem era.
Os convidamos
para jantar, foi divertido. No dia
seguinte, vieram alguns convidados do André, jornalistas, um deles se
surpreendeu, um dos homens era seu pai.
Este mesmo trouxe o diretor de um museu de sua cidade natal, levaram
todos os quadros, estava iniciando uma novas salas, justamente doada por um
deles.
O que era mais
meu amigo um dia desapareceu, os outros dois estavam ansiosos, deve ter se
metido em alguma besteira, fomos até o apartamento dele, ninguém abria a porta,
o jeito foi chamar a polícia, que por sua vez chamou os bombeiros, colocaram a
porta abaixo, estava sentando numa poltrona, numa sala cheias de livros até o
teto, com um sorriso na cara, na mesa ao lado uma carta para cada amigo,
inclusive uma para mim.
Sem querer tinha
me transformado no filho que ele nunca teve, pois o escutava horas seguidas
falando do que tinha feito com sua vida.
Tinha sido um aventureiro, vivido em muitos lugares do mundo, procurando
a felicidade, não queria estar preso a nada, queria somente descobrir o mundo,
quando tinha voltado seus amigos, tinham famílias, filhos, tinham se realizado
na vida, sem se mover da cidade.
Todos se
surpreenderam com seu testamento, para um deles, deixava para um neto que ele
comentava sempre que queria ser escritor, mas que o pai queria que fosse
advogado, o dinheiro era para que pudesse ir à universidade fazer o que
queria. Para o outro deixava uma casa
justamente na cidade aonde estavam os quadros, para que ele pudesse reunir a
família sempre ali. A mim que
considerava seu filho, que tinha realmente sabido ver quem ele era, sua
solidão, me deixava o apartamento, muito dinheiro, para que eu fosse em
frente. Que o apartamento fosse minha
segurança, um dia o André pode te falhar, tens aonde ficar.
André ficou
furioso quando soube desse comentário dele.
Mas eu andava notando que estava estranho, um belo dia me soltou, que
nunca tinha vivido com ninguém que as vezes era difícil conviver comigo, me
amava, mas ele era mais velho, tinha ideias diferentes das minhas, tinha ficado
com ciúmes do meu relacionamento com os velhos. O jornalista não tinha lhe deixado gozar direito
a glória dos quadros, pois tinha insistido que ele fizesse um preço especial
para o pequeno museu da cidade, eu tinha concordado, como se o dinheiro não
fosse importante para sobreviver.
Agora vivia
falando, da herança que eu tinha recebido, o dinheiro tinha servido para pagar
a transferência do apartamento para mim.
No fundo era um edifício antigo, o apartamento era imenso, ele só usava
na verdade, aonde foi encontrado, um quarto, o banho, e a cozinha o resto
estava vazio, daria perfeitamente para montar meu studio ali.
Um dia fiquei
chateado com o André por causa disso, não parava de falar dos velhos. Me tinham roubado dele. Por mais que eu demostrasse que o amava, ele
sentia ciúmes.
Um dia soltou que
nunca tinha vivido com ninguém por isso, sentia ciúmes, queria que a pessoa lhe
pertencesse.
Lia um dia me
chamou a atenção, cuidado o André está bebendo outra vez. Eu não sabia desse detalhe dele, que tinha
tido problemas com o álcool.
Me soltou na
cara, que era por estar sempre comigo pegado a ele, que tinha que se esconder
de mim. Passou a dormir em outro
quarto. Tinha me enganado redondamente
com ele, tive que enfrentar a situação, era eu que o fazia infeliz. Lhe agradeci de coração o que tinha feito por
mim, queria continuar ser seu amigo, mas me mudei para o apartamento, não levei
nada de material que tinha no studio.
Montei um novo
para mim. Meu elo com ele passou a ser
a Lia, disse que agora estava mais equilibrado, uma vez por mês me reunia com
eles. Me sentia como velho amigo, solitário,
só estava bem, quando me sentava com os dois outros velhos.
Riam, pois diziam
que eu perdia tempo com eles.
Lhes disse que
não, eu nunca tinha tido uma família verdadeira, eles eram o mais próximo que
eu tinha da ideia de uma família.
Podia falar tudo
com eles, nunca me recriminaram. Me
sentia só também, por não ser capaz de levar uma vida gay, de romances de uma
noite, sempre tinha querido compartir minha vida com alguém.
Um dia chovia
muito, marcamos nosso encontro na minha casa, agora no salão que o tínhamos
encontrado, havia 3 poltronas, um deles trouxe seu neto que vivia em NYC, que
queria me conhecer, bem como catálogos para levar.
Lhe dei um de
cada, mas me pediu mais de um, queria para uma cliente do escritório que
trabalhava. Quando viu o quadro, me
perguntou quem era o artista, perguntou de aonde eras de Israel, pois ela tinha
parentes lá.
Contei a eles meu
começo, falei sobre meu pai, que de minha mãe não sabia nada, sequer o nome.
No que falava com
eles, por estarem as poltronas em outra posição, eu estava sentado de frente
para a estante mais alta da sala, notei que na parte superior saia para fora um
livro, pensei, tenho que arrumar antes que caia.
Philip o neto de
um dos homens, contou que tinha vindo passar o mês de férias que tinha, pois
seu relacionamento tinha ido a merda, isso que dá gostar de homens mais velhos,
são sempre muito complicados, mas viram os problemas para teu lado. Alguns querem tua juventude, mas depois
reclamam que tem vitalidade demais, que não podem te acompanhar.
Fiquei pensando
nisso, porque tanto o professor que tinha abusado de mim, houve momentos, que
pensei que o amava, por isso tinha deixado fazer o que queria, fazia o que
queria comigo, sem que eu reclamasse.
Talvez o fato de na época ser menor de idade tenha feito com que
desaparecesse.
Meu pai quando
soube ficou uma fera, como eu podia ter deixado que ele fizesse isso
continuamente, porque não tinha pedido socorro.
Como explicar,
que eu me sentia abandonado por ele, que o outro de certa maneira cuidava de
mim.
O mesmo tinha
acontecido com o André, me sentia protegido por ele, me sentia terrivelmente
atraído, justamente por isso ser mais velho do que eu.
O que ele
reclamava, é que eu sendo jovem, quisesse sempre fazer sexo, nem eram por sair
pela noite, discotecas nada disso, eu gostava mesmo era de estar em casa com
ele, abraçado, ele deve ter considerado isso uma invasão de espaço.
Nunca tinha
escondido dos meus amigos, o fato de ser gay, eram senhores vividos, sem
preconceitos.
Quando foram embora,
empurrei a escada para aonde estava o livro, pois volta e meia levantava a
cabeça, era como se ele tivesse me chamando.
Na verdade era
uma caderneta, grande, como se fosse um diário, escrito numa letra muito
bonita.
O que me
impressionou, é que a primeira data, era do dia que os tinha conhecido.
Falava do bonito
que eu era, que se sentia atraído por mim, mas que seus amigos tinham falado
esse rapaz, tem um relacionamento, não vá por esse caminho.
Realmente el
tinha idade para ser meu avô.
Continuava falando
dos nossos encontros, de que como podia falar de tudo, algumas vezes tinha tido
vontade de dizer que me queria.
A partir dessa
parte, falava como tinha ido tombos pela vida, se apaixonando de quem não
devia, seu primeiro romance na secundária com um jovem que era filho do
empregado da casa de seus pais. Que
esse o tinha enganado totalmente, queria era chantageá-lo, para conseguir
dinheiro.
Já os três em
Paris, depois de deixar seus amigos com as namoradas, ele saia atrás de
aventuras, as merdas que tinha se metido, pois o Bas-fond da cidade luz, era
impressionante, envolto nas luzes apagadas da noite.
De sua paixão por
um professor, que o instigou, mas na hora que ele declarou que estava
apaixonado, escapou dele, só queira uma aventura com uma pessoa mais jovem para
se sentir vivo.
De como tinha
abandonado os amigos, indo pelo mundo, sabia que eles se casariam com suas
namoradas, fariam família, ele não tinha possibilidade nenhuma.
Tinha certos
questionamentos ao meu respeito, porque dos três, ele era o único que eu me
abria, a quem contava o que sentia com relação do André.
Que este tinha
ciúmes, ele já sabia, que tinha tentado se afastar de mim, mas eu era o que
fazia sentir vivo nesse momento, em que a solidão pesava demasiado para ele.
Relatava todas as
nossas conversas, nas quais ele se abria para mim, esperando um gesto, mas que
eu na minha inocência nunca percebia.
Realmente algumas
vezes entendi certas insinuações, mas nunca tinha me atrevido a pensar, ou não
queria perder a amizade que tinha construído com ele.
Sei que ele não
ama o André, é apenas um reflexo de uma pessoa que cuida dele.
Fiquei pensando
sobre isso, era uma verdade, depois do arroubo inicial, eu tinha o André como
uma balsa salva vida, se alguém se aproximava, eu tinha por aonde escapar, me
defender, ou me esconder.
Que ele deixaria
o apartamento, dinheiro para mim, pois lhe preocupava meu futuro. Se soubesse que ia escapar do câncer que me corroe
teria tentado alguma coisa, mas o quero demasiado, queria tê-lo como minha família.
Guardei
exatamente no mesmo lugar o caderno, mas comentei com seus dois amigos, o
assunto da vida dele.
Ele nunca falou
abertamente, naquela época não se falava nisso. Mas claro desconfiávamos de suas escapadas.
No final estava
perdido, se apaixonou por um americano, foi atrás dele para lá, foi quando
começou sua odisseia pelo mundo. Quando
voltou finalmente, motivo pelo qual sempre nos encontrávamos nos bancos do
jardim atrás do Notre Dame, era que todos vivemos entre la Ilê de Saint Louis,
como Saint Paul. Ele comprou o
apartamento para estar perto da gente, afinal foi ele quem nos incentivou a
deixar a vila. A casa que deixou em seu
testamento, era a casa de seus pais, a qual ele nunca voltou. Esta ficou fechada todos os quase quarenta
anos que esteve fora, pois ninguém sabia aonde estava.
Nosso encontro
foi uma apoteose, as duas famílias reclamava, por isso passamos a nos reunir na
praça.
Quando você nos
conheceu, ele foi quem disse, esse é um bom rapaz, pode parecer ingênuo, mas é
corajoso, sabe que não conhece o mundo, mas suas mãos podem mostrar o mundo.
Comentei com eles
meu problema de sentir atração por pessoas mais velhas, me disseram já que não
me entendia, que fosse a um psicólogo.
Foi o que eu fiz,
pelo menos podia falar abertamente de tudo, falei da minha infância, da época
do Kibutz, sem querer me lembrei que estava eternamente no meio dos homens mais
velhos, que gritavam comigo, falavam mal de meu pai, a quem chamavam de tonto.
Do que senti
sendo abusado, o talvez porque aceitava, pois ao mesmo tempo esse homem como
que me protegia. O que tinha sentido
quando desapareceu, com o retorno de meu pai, que passou a me olhar de outra
maneira. Um pai que nunca fazia
carinho, ou me dava atenção, que se sentia frustrado por eu não amar a música
como ele. Só me dizia que devia ter
saído a família de minha mãe, de quem eu não me lembro de maneira nenhuma.
Do meu romance
com o André, que me causou uma imensa confusão, por não saber se o amava ou
sentia por ele gratidão, ou mesmo como sempre por me sentir protegido.
Me fazia bem me
livrar de todos esses meus fantasma, consequentemente, passei a desenhar bem
como pintar fantasmas, como eu imaginava, fazia um retrato de alguém ou quem
tinha na minha memória, depois ao lado desenhava o mesmo como se fosse uma
figura translúcida, mas com todos os defeitos que podia imaginar.
Lia quando viu
amou o trabalho, alguns fiz de uma maneira diferente, colocava o original, com
uma pequena distancia, pintada em cima de um vidro o fantasma, mas totalmente
desencaixado do desenho de baixo.
Ela levou o André
para ver, ele nunca gostava de ir a minha casa, mas desta vez estava diferente,
olhou cada um, apertou meu braço como dizendo, está bem o teu trabalho.
Falamos muito
numa exposição, foi quando me avisaram que deveria ir a Israel, que minha avó
queria me ver antes de morrer. Eu
imaginava que já estivesse morta, pela idade que tinha.
Fui, tinha
aprendido a dirigir, as vezes para me mover, para levar algum quadro, para
emoldurar, ou comprar material.
Mal cheguei a Tel
Aviv, aluguei um pequeno furgão, aonde poderia dormir se fosse o caso.
Quando cheguei ao
Kibutz, claro que chamava a atenção, tinha saído de um inverno muito forte,
estava muito branco, com os cabelos imensos, sempre estava com um macacão de
trabalho, que achava confortável, pois isso tinha colocado um para viajar, mais
parecia um obreiro.
Um dos meus tios,
me levou para falar com ela, lhe trazia os catálogos de meu trabalho, inclusive
desse último, que ainda nem tinha sido exposto.
Ela sorriu quando
me viu, fez um gesto que sempre fazia, quando a abraçava, mexeu nos meus
cabelos. Disse baixinho, quase num
sussurro, estas lindo, ao contrário dos outros netos e bisnetos que tenho.
Sei que vou
morrer dentro em breve, quero de deixar algumas coisas particulares, mas que só
deves abrir depois de minha morte.
Me deu uma caixa
grande, tirou a chaves do pescoço. Tudo
isso é para ti.
Quando viu meu
trabalho, se riu, sabe a quem saíste, ao meu pai, ele era um pintor conhecido
em Cracóvia, dava aulas na universidade de belas artes. Mas como fugimos antes da entrada do Hitler,
no caminho, que foi ficando cada vez mais pesado, ele foi se fechando, como
quem não encontra saída em seu futuro, quando chegamos a Grécia, a ele parecia
que tinha apagado seu mundo de arte, olhava aquelas estatuas maravilhosas, como
se fossem as culpadas de sua tragedia, perder seu mundo, suas referências. Nunca mais tocou um pincel, um lápis para
desenhar. Quando chegamos aqui, se
encontrou com um dos seus irmão que tinham vindo antes, que abominava o que ele
tinha feito, logo morreu, ficamos presos a esse tio que era ultra
ortodoxo. Acabei casada com um homem
que sequer amava, um desconhecido para mim, minhas irmãs fugiram disso tudo,
meu único irmão morreu numa das muitas guerras.
Isso acabou sendo
meu refúgio. A única coisa que sempre
fui indomável, foi que ao contrário das outras mulheres, numa usei uma peruca,
nem segui as coisas estritas da religião.
Deixei de
acreditar em qualquer deus que odeia tanto as mulheres.
Falou comigo do
meu trabalho, lhe pedi que possasse para mim, riu muito alto, pois sabia que ia
ser um escândalo.
Deixamos para o
dia seguinte, me ofereceram uma casa para dormir, mas o fiz no furgão. De noite apareceu um dos muitos primos que eu
tinha, me perguntou se quando fosse embora o levava comigo, pois odiava estar
ali. Combinamos tudo.
No dia seguinte
depois do café, me sentei com meu sistema de desenho, a fiz primeiro com seus
cabelos presos, sentada como uma rainha, me contou quando era jovem, usava
sempre um vestido ou negro ou azul, verás nas fotos que estão na caixa, com uma
gola de gripir, como se fossem rosas, em camadas como os traje antigos da
corte. Ou uma em volta do pescoço, como
uma garota, minha mãe adorava. Fiz um
desenho, ela ria, exatamente isso.
Filho querido,
conseguiste fazer esse velha rir, só por isso valeu a pena te ver. Agora que já tem os desenhos te aconselho a
ir embora, conheço meus filhos, são uns idiotas, acreditam que vais pedir uma
parte das terras que tenho.
Marquei com o
rapaz, que deveria estar a alguma distância do Kibutz. O levei para Tel Aviv, me disse que ali tinha
conhecido um rapaz, que o amava.
Mas claro
chegamos o mesmo estava com outro. Ficou
decepcionado, mas lhe dei dinheiro para que tivesse aonde viver, perguntei se
queria ir comigo para Paris, ele disse que só sabia trabalhar duro. Fui até aonde tinha alugado o furgão, comprei
para ele, assim poderia se mover pela cidade, deixei meu número de celular caso
ele precisasse de alguma coisa.
Só fui abrir o
que ela tinha me dado em Paris, pois quando cheguei recebi o aviso de sua
morte, quem me chamou foi uma nora sua, a mãe do rapaz, disse que seu marido a
tinha proibido, mas agradecia ter ajudado seu filho.
Pensei ele pelo
menos tem uma mãe que se preocupa por ele.
Uma noite abrir a
caixa, dentro havia uma grupo de fotos, dela em criança, já na época, antes de
fugirem, uma foto de seu pai pintando. Tinha me dito que se houvesse realmente
reencarnação, eu devia ser a sua, mas que eu nunca fosse triste como ele.
Depois um amarrado
de cartas, em árabe, pelo que deduzi ela tinha amado um homem árabe, ou melhor
palestino. O roteiro todo que tinha
seguido para sair da Polonia, até chegar a Israel.
Duas bolsas,
velhas, com um pedaço de papel, eu dei uma bolsa desta para cada filho meu,
menos para o teu pai, bem como para meu filho menor que morreu numa guerra.
Continha
diamantes, que guardei no banco. Para
alguma emergência dizia ela.
Falava que meu
pai no fundo tinha saído a ela, que amava a música, mas que seu marido
considerava um crime contra deus. Teu
pai viveu sobre pressão, não só do seu pai, bem como de seus irmãos mais
velhos, por ser diferente. Não estava
feito para o mundo deles.
Odiava as regras,
a religião, era como eu, sabia que eu odiava tudo isso, bem como não professava
nada.
Fui eu quem lhe
deu dinheiro para ir embora, escondida de meu marido, nunca me arrependi, pois
sabia que ele seria um bom músico. O
azar dele, foi conhecer tua mãe, uma americana que veio conhecer as raízes de
sua família, teve um filho com ele, desapareceu, isso o marcou, te deixou nos
braços dele, um homem que não tinha maturidade para ser pai.
Por isso te
trouxe, foi atrás dela nos Estados Unidos, para estudar música que ele amava o
Jazz, mas claro nunca a encontrou, pois o nome que sabia dela, não era
verdadeiro.
Voltou anos
depois para te buscar, depois sempre me telefonava, reclamando que não sabia
ser um bom pai. Perdoe porque ele
procurou ser o melhor para ti.
De uma forma isso
era um consolo.
Com as fotos
dela, começou a trabalhar, seguindo as fotos, pela primeira vez, fazia um
retrato de uma garota, com os cabelos cacheados loiros, naquelas famosas poses
de fotos antigas,
De sua
adolescência, fez uns grandes com as golas como via nas fotos. Tinha entendido que seu pai não seguia a religião
que o resto da família professava.
Por último a fez,
em várias versões sentada como num trono, ora com os cabelos como usava, em
trança em volta da cabeça, que era como sempre a tinha visto usar.
No final, fez um
imenso, da mesma maneira, mas seu vestido era azul, cheio dos sonhos que ela
tinha de jovem, inclusive um montada num camelo, abraçada a um jovem árabe.
Esse era
imponente, pois era como uma rainha como antigamente.
Lia quando viu o
trabalho, também para lhe avisar que os catálogos finalmente estavam prontos,
que tinha atrasado a inauguração, por causa da sua viagem.
A exposição foi
um sucesso, Lia lhe contou que uma galeria americana tinha procurado por ela,
comprado dois quadros, que depois deviam ser mandados para lá. Se lhe
interessava expor por lá.
André quando
veio, lhe fez milhões de perguntas, aonde ele andava, que tinha vindo várias
vezes atrás dele, pensei que tinha fugido pelo mundo, como esse velho que te
amava, bastava olhar para ele, para saber disso. Por isso tinha inveja. Eu te queria como posso, ele te amava, se
fossemos te disputar, eu perderia.
Coloquei a mão
sobre a dele, o tratei bem, ele nunca moveu um dedo para nada disso, só
descobrir que me amava, a pouco tempo.
Nunca me disse
nenhuma palavra contra ti.
Falou com ele
longamente, André esse tempo todo, eu poderia ter saído, procurado aventuras,
mas sabes que nunca fui dado a essas coisas.
Contou da viagem, que tinha ido visitar sua avó, como a família o tinha
recebido. Do primo, que estava
enamorado, mas que como ele, no amor nada dava certo.
Nessa noite
dormiram juntos, mas já não havia magia entre eles.
Lia comentou num
dia que faziam acerto de contas, que as coisas não iam bem, que os dois irmãos,
tinham feito uma verdadeira campanha contra o André, quando descobriram que
tinha voltado a beber, talvez essa seja a última exposição aqui, pois ele
precisa vender essa para manter a pequena.
Ficou com pena
dela, perguntou quanto necessitava, ela disse que só tinha uma quantia, mas que
nem chegava à metade do que ele queria pelo local.
Foi ao Banco,
retirou uma das bolsas de diamantes, pediu que ela o acompanhasse a um taxador,
assim saberemos quanto vale isso. Na
bolsa tinham dez diamantes, de tamanho regular, com cinco cobria a quantia que
ela necessitava.
Ele não precisa
saber que sou teu sócio, mas o tem que convencer, que é de alguém que o quer
muito.
Assim ela ficou
com a galeria, que levava muito bem, agora teria as mãos livres, para dirigir
como queria. André a principio ficou
desconfiado. Veio um dia falar com ele,
sobre isso, pensava que seus irmãos estavam por detrás, só poderei cuidar da
pequena, que sempre foi o lugar que gosto.
Para dar um empurrão, apresentei uma parte do trabalho da minha avó, lá,
foi um sucesso. De novo de NYC, a mesma
galeria comprou um, agora minha cotação era alta, isso lhe levantou o
humor. Me disse que tinha se apaixonado
por um homem mais velho, que tinha sido seu professor, que estavam vivendo
juntos para experimentar.
O vi mais
centrado. Falei com a Lia para saber se
era verdade.
De certa maneira
sim, foi o amor de sua juventude, antes de ir para os Estados Unidos, para
escapar de sua mulher. Na época ele era
casado, tem filhos, por isso, é mentira que vivem juntos, se encontram
conversam, trocam ideias, mas creio que não vai além disso.
Lhe contei o que
tinha acontecido entre nós, da última vez que tínhamos estados juntos.
Acho que ele quer
que tenhas ciúmes desta história.
Eu continuava me
reunindo com meus amigos velhos, seu neto, falou comigo por telefone, a galeria
que me procurava ela cliente do escritório que ele trabalhava, podes vir por
que são sérios.
Achei que o
melhor era me afastar um tempo. Queria
fazer talvez um trabalho, olhando a vida desde lá. O acordo era que eles conseguiriam um
apartamento grande para mim, aonde pudesse trabalhar, o material, eu compraria,
mas que fosse um lugar alugado, que eu pudesse pagar, odeio dever favores, lhe
disse.
Fiz uma última
reunião com meus amigos, me despedi da Lia, de quem era sócio agora, ela tinha
tomado informações, me tranquilizou, era gente séria.
Me despedi do
André, que me pediu que avisasse que ele iria à inauguração, se eu já sabia que
ia pintar. Conversei com ele a respeito
almoçando no restaurante de sempre.
Creio que me viria bem, imaginar como serão os americanos, ele ria,
dizendo sempre me fazes ter humor, pois começo a imaginar tu sentado em alguma
praça desenhando as pessoas.
O neto do meu
amigo Philip foi me buscar no aeroporto, me levou para um hotel, depois foi me
mostrar um apartamento, era perto da universidade. Perto de Washington Square, me falaste em
praças, pois tinha pedido uma lista. Me
indicou o que procurar, fui conhecer os donos da galeria, era um casal de
homens, mas com certa idade. Philip
riu, dizendo que os dois faziam meu tipo.
Queria me levar pela noite de NYC, lhe disse que podia ser um final de
semana, mas que eu era mais de ir a um restaurante, ou lugares tranquilo, pois
não bebia, nem usava drogas.
Me disse aonde
podia comprar material, tinham retirado os moveis do apartamento, só deixando
um lugar para descansar, bem como um quarto montado.
Comprei o
material necessário, talvez depois necessitasse de mais cores, pois tinha uma
ideia diferente.
O primeiro lugar,
foi justamente Washington Square, cheio de personagens típicos, que se
misturavam com os estudantes. Todas as raças misturadas.
Eu falava um
inglês a princípio malíssimo, mas mesmo assim me virava, levava na mochila, um
catalogo do meu trabalho, mostrava, a maioria concordava, principalmente se
eram jovens.
Ao contrário de
outros, eu pedia que continua-se falando normalmente, eu ia os observando,
depois mostrava o que tinha feito, tão rapidamente, já passava para outro
lugar, havia gente jogando xadrez, jovens velhos, brancos, negros, todas as
raças,
Personagens que
eu ia amando. As vezes se o dia
estivesse bonito, ia ao central Park, aí sim era uma delícia, pois ao mesmo
tempo que tinha pessoas ali relaxadas, passava um grupo a cavalo, policia, vi uns
homens interessantes de uniformes, perguntei se podiam possar para mim, o que
mais gostei, me olhou, riu, não podemos estamos de uniforme. Me pediu meu cartão depois que mostrei meu
trabalho, ali anotei o celular que usava ali, bem aonde vivia.
Um dia apareceu
sem uniforme, o reconheci de imediato, disse que tinha ficado interessado na
minha sinceridade, ele era do interior, não é habitual, encontrar pessoas como
tu.
Ficamos
conversando, acabamos na cama, me disse que tinha dois dias de folga, o
desenhei sem roupa nenhuma, em várias posições, o deixava falando, de como
pensava a vida, como se sentia ali, aonde todos queriam uma foda de uma noite.
Seguimos nos
vendo, depois do trabalho ele vinha dormir comigo, eu estava descobrindo um
mundo novo, uma nova maneira de fazer sexo, de me sentir bem com alguém.
Quando viu os
desenhos que tinha feito dele, riu muito, isso seria um escândalo, tinha me
contado que aonde vivia, andava muito a cavalo, que gostava de ir a um lago com
seu cavalo, me mostrou uma foto sua de cabelos compridos, contava que entrava
na água, como cavalo, que ficava deitado nu em cima dele.
Falei com o
Philip, pois se fosse em Paris, sabia aonde conseguir, um desses cavalos,
usados para mostrar alguma coisa, tinha visto um numa loja do Ralph
Laurent. Eles me emprestaram um já fora
de uso. Riu muito quando chegou de
noite, viu o cavalo no meio do estúdio.
Me deu um beijo
na boca, tirou a roupa toda, tinha um corpo espetacular, se deitou como eu já
imaginava, iluminei, mas antes fomos para cama fazer sexo, pois estava como
louco.
Nesse dia entendi
o que era o amor, entre dois homens realmente.
Comecei a
pinta-lo como imaginava, mas fiz milhões de desenhos, dele em muitas posições,
ele deitado em cima do mesmo, ou segurando a crina postiça do cavalo, estava
preocupado que o reconhecessem, mas o rosto dele, era como eu o via.
Agora tínhamos
encontrado a maneira de fazer sexo que passei a amar, estar sentado, encaixado
um no outro, em que podíamos nos olhar, falar ao mesmo tempo.
Philip quando o
conheceu, soltou, que lastima que o encontraste antes, era capaz de me
apaixonar, pela primeira vez tive ciúmes.
Os donos da
galeria, vinham uma vez por semana, para olhar o trabalho. Estavam fascinado, porque era como se alguém
de fora realmente visse o mundo deles.
Depois de cinco
meses, tinha quadros suficientes para duas exposições.
Agora saia mais
com o John, meu policial favorito como eu lhe dizia, nos dias que ele estava
livre, passávamos o dia inteiro na cama, nunca tinha me acontecido isso. Com o André nos últimos tempos, era fazer
sexo, ele virar para o lado, dormir, não havia emoção.
Eu agora tinha me
livrado de qualquer atadura com meu passado, ou isso pensava.
Disse ao John que
o queria ao meu lado na inauguração da exposição, ficou feliz, fomos os dois
juntos, pela primeira vez andava de mãos dadas com uma pessoa.
Philip riu
dizendo que fazíamos um casal perfeito, eu loiro, ele moreno.
Depois ficou
conversando com o Philip, enquanto eu falava com os convidados, muitos me
elogiaram, me pediram entrevista para jornais, bem como
para a televisão.
Os marchantes, encantados, me
apresentaram uma senhora bem-vestida, que tinha comprado o quadro do John
deitado em cima do cavalo, alisando sua crina.
Me perguntou se eu poderia fazer um retrato dela, adorava meu trabalho,
tinha dois na sua casa. Mistério
resolvido. Ficou de me chamar pelo
celular, para combinarmos, lá pelas tantas, a escutei falando com outras
senhoras, que eu era seu filho. Fiquei
gelado, minha cara de terror deve ter chamado a atenção do John que correu para
meu lado, o que se passa.
Pedi ao Philip
que levasse a mulher até o escritório da Galeria. Ficamos frente a frente, ela sorriu, já
descobriste verdade?
A escutei falando
com outra senhora que sou seu filho.
É uma verdade,
quando vi seu nome numa foto na sala do Philip, esse era o nome do teu pai,
fiquei emocionada, procurei saber de ti.
Mandei pessoas ao Kibutz que vivias, mas tua avó se negou a falar com
eles, quem falou foi um tio seu.
Confirmou que eras filho do irmão músico.
Queria voar a
Paris, mas meu marido ainda era vivo, não ia me permitir, nem meus dois filhos,
sim tens dois irmãos, um deles está aqui.
Este sabe tudo, me apoia.
Gostaria de poder
te explicar tudo para que me entendas, talvez até me perdoe. Queria gritar, mas não conseguia que saísse
nenhum som da minha boca.
A fiquei olhando
tristemente, a mãe com que tinha sonhado várias vezes estava ali na minha
frente, mas algo me impedia de falar, tinha sim vontade de chorar, gritar, dar
murros nas paredes.
Ela percebeu,
abriu a porta, chamou uma pessoa que entrou, erámos super parecidos, quis me
abraçar, mas não deixei, nunca tinha suportado abraços de pessoas estranhas,
tinha sempre medo, esse tinha voltado com todas as forças, só sentia as
lagrimas correndo pelo meu rosto.
Philip entrou com
John, pois estavam preocupados, viram meu estado, pediram desculpas, me levaram
dali, sai do que seria meu dia de glória, arrasado.
Me meteram com
eles num taxi, me levaram para o apartamento.
Eu só conseguia ficar agarrado ao John, sem poder mover-me.
Dormi essa noite,
depois de contar tudo a ele, Philip, ficou de vir no dia seguinte para
conversarmos.
Ele entendeu,
tinha uma parte de sua vida, também que era uma tragédia, por isso nos dávamos
bem.
Ficou me
embalando suavemente. Repetiu uma duas
vezes, justo no dia de sua glória, acontece isso.
Me despertei de
noite no meio de um pesadelo com meu pai, com o velho professor abusando de
mim, eu querendo que ele simplesmente me abraçasse, disse que me queria. Meu pai nunca fazia isso.
John estava ali
ao meu lado me abraçando.
Mas despertei de
manhã com a cabeça despejada, quando Philip chegou com pão para o café da
manhã, me contou uma parte da história que ele sabia. Começava no dia que ele estava tratando de
uns papeis para ela, ele tinha na parede uma foto que seu avô tinha lhe mandado
do quadro, isso atraiu sua atenção, perguntou quem era o pintor, quando eu
disse teu nome, se sentou tremendo.
Foi embora sem
assinar os documentos, sei que ela é uma grande cliente dos da galeria, que
eles compraram quadros seus para ela.
Ficou viúva a pouco tempo, nos últimos anos, foi ela quem levou a
empresa do marido, agora está nas mãos do filho mais velho, uma pessoa como seu
pai intratável. O marido dela, era um
judeu alemão, que dizem que colaborou com os Nazistas, pelo que sei foi um
casamento para salvar o pai dela de uma bancarrota.
Ela sempre
aparecia em alguma recepção que ele ia, segundo meu chefe, era como uma
prisioneira. Agora está livre, o filho
que a acompanhava, é o menor, o mais agarrado a ela.
Ele estuda para
rabino, coisa que ela não aprova.
Mais tarde o
mesmo chamou para irem até a casa de sua mãe para conversar. Ele disse ao John, acho que isso tem que se
resolver agora, se não tens conflito de interesse Philip, preferia que me
acompanhasse, tu também John, pois eres uma pessoa que confio.
Foram os três
depois do almoço. Era um daqueles
apartamentos monstruosos, cheio de quadros e mais quadros. O seu irmão Alfred, disse que ela adorava
isso, a arte, sei que nem sabes direito seu nome, Judith Mansur.
Ela entrou em
seguida, vestida simplesmente, com os cabelos puxados num coque severo, pediu
para falar a sos com ele.
Veja sou sempre
direta, contou que tinha ido a Tel Aviv, para conhecer a terra dos
antepassados, com um grupo de companheiros da sinagoga. Lá me perdi um dia na rua, quem me ajudou
foi teu pai. Me apaixonei por ele, me
levou para seu velho studio, fiquei lá com ele semanas, depois me integrei ao
grupo de novo, fomos de viagem por toda Israel, aos lugares santos como se
dizem. Mas notei que algo acontecia
dentro de mim, a verdade era que não tomamos cuidados. Voltei a Tel Aviv, me levou a um médico que
disse que estava gravida, ele ficou como um louco de contente, pois me amava. Eu também o queria, mas não saberia dizer se
era amor. Era jovem, queria viver. Quando nasceste, meu pai apareceu, como uma
fera, num dia que ele não estava, me chantageou, que iria perder sua empresa,
que eu era a salvação. Teu pai estava
viajando, como sempre fazia aos finais de semana para se apresentar em algum
lugar. Meu pai contratou uma enfermeira para ficar
contigo até ele voltar, me arrastou com ele, tudo que seu pai sabia de mim era
que me chamava Judith.
Odiei o que seria
meu marido desde o primeiro dia, pois era muito mais velho do que eu, afinal
salvou a empresa de meu pai, mas nunca me permitiu quando descobriu que eu
tinha um filho em Israel, ir atrás de ti.
Não posso dizer que era uma prisioneira, porque podia me mover, entre
sua casa, a de meus pais. Este esperto,
me fez casar com separação de bens, assim recebi como herança sua empresa, que
dirijo até hoje.
A outra empresa
ficou com meu filho mais velho, que é igual ao pai, este seu pai mandou estudar
na Alemanha, passou mais de 10 anos lá, é um completo estranho para mim.
Alfred, sonha em
ser rabino, lhe digo que o que ele quer é purgar os pecados de seus pais, que
escolha outra vida, sempre viveu perto de mim, pois não era parecido com seu
pai. Este piorou, pois pensou que eu o
tinha enganado, chegou a fazer um teste de ADN, antes de fazer seu testamento. Mesmo assim lhe deixou uma pequena parte,
pois nunca se deram bem.
Estava tratando
desses papeis, quando vi o quadro, quando cheguei perto, vi a assinatura do
mesmo, como era uma foto, perguntei quem era, quando Philip me disse teu nome,
gelei, era o sobrenome de teu pai. Como
te contei, procurei saber tudo sobre ti.
Comprei quadros
através da galeria.
Não estou
esperando que corras para o meu braço, que me grites mamãe, sei que não
esperavas isso.
Sem querer me vi contando
para ela, como tinha sido minha vida, o Kibutz, um pai que nunca chegava perto
de mim, dizia que eu me parecia muito a ela, o que era uma verdade, bastava ver
meu irmão Alfred para saber disso, do quanto tudo isso me criou problemas
emocionais, que tinha sido uma pessoa que vivia atrás das pessoas procurando
afeto. A única que me protegeu a sua
maneira, foi minha avó no Kibutz, quando me deixou partir, era porque sabia que
eu era infeliz lá.
Agora pela
primeira vez tenho a sensação de que amo alguém o John, sou gay se não entendeu
ainda, por isso pintei esses quadros em que ele é o personagem.
Se nota que
existe amor no que fazes. Não sou eu
quem vai te julgar, cada um tem direito a viver sua vida como quer.
Se quiseres
podemos fazer um teste de ADN, para teres certeza, digo isso principalmente por
causa do meu filho mais velho, que é capaz de causar problemas.
Foi ele que fez o
pai, fazer o pedido de ADN, do Alfred, por achar que era diferente dele.
Se a senhora
achar necessário, posso fazer, mas não necessito do seu dinheiro, hoje tenho
sociedade na galeria aonde compraste os quadros, tenho um belo apartamento que
recebi de herança de uma pessoa que me quis muito, amigo do avô do Philip.
Saímos do salão
todos nos esperavam fora, John depois diria que esperava que eu fizesse um
escândalo. No dia seguinte fui com os
dois fazer um exame de ADN, apenas para ter certeza de tudo.
O John tinha
férias, fomos de viagem a San Francisco, um sonho dele.
Foi quando me
contou como tinha ido parar em NYC, vivia numa fazenda com sua família, era o
filho pequeno, quando sua mãe morreu, descobriu que não era filho dela, mas sim
de sua filha mais velha. O velho me
queria ver pelas costas, me deu dinheiro, pediu que eu fosse embora, eu claro
louco para ir pelo mundo.
Amava um
companheiro de escola, ou pensava isso, pois comparando como que sinto por ti,
nem chega aos pés, fizemos sexo, dias antes de ir embora, ele contou para todos
os amigos da escola.
Cheguei aqui, fui
estudar direito, mas acabei na polícia, embora não goste, espero uma chance
para mudar de vida.
A viagem para
eles foi como uma lua de mel.
Voltaram para
NYC, todos os quadros tinham sido vendidos, eu tinha deixado autorização para
pegarem os que estavam no studio.
Somente não podiam pegar um do John como um homem alado. Este estava ali, mas não estava à venda.
Um canal de
televisão me fez uma entrevista ali, na frente desse quadro. Queriam saber como tinha sido triunfar em NYC,
se pensava em ficar, eu disse que o triunfo era uma coisa de 10 minutos, que
depois todo mundo se esquecia, a não ser que um quadro estivesse num museu.
Me perguntou se
tinha algum. Contei dos meus amigos
velhos, da história do banco de jardim. Esses quadros, 80% deles, estão numa
sala especial da cidade de aonde saíram.
Essa segunda
leva, tem esse homem alado, segundo me disseram é um americano.
Sim meu namorado,
o homem com quem vivo, que conheci quando cheguei aqui, mas não disse seu nome.
Isso sem querer
causou problemas para o John, lhe pedi desculpas, mas pensei que na américa as
pessoas eram mais livres de preconceito.
Isso o fez tomar
uma medida, Philip o tinha convidado para trabalhar no escritório, ele pediu
demissão da polícia.
Falei com Lia,
que tinha esperado por eles, me contou que André estava internado, que tinha um
problema sério.
Pedi ao John para
vir comigo, mas me disse que tinha sua chance agora, estava magoado com o que
eu tinha falado. Me despedi de minha
mãe, bem como do meu irmão, esse sim aceitou o convite de vir comigo, queria
ter alguém para pensar, com quem conversar sobre suas dúvidas.
Quando chegamos
em Paris, o instalei num dos quartos, avisei a Lia, fui para o hospital.
André ainda
brincou, que eu tinha trazido uma cópia minha americana, para ele, lhe
expliquei que era meu irmão, que tinha encontrado minha mãe.
Depois ele muito
sério me chamou de traidor, pois tinha descoberto que tinha sido eu que tinha
comprado com a Lia a galeria.
Dois dias depois
morreu, segurando minha mão, antes foi honesto, me pedia perdão por não saber
me amar, que eu tinha sido o melhor da vida dele.
Para minha
surpresa me deixou a outra galeria, não queria que caísse nas mãos dos irmãos,
estes entraram na justiça, quando descobriram que a grande que queriam, tinha
sido vendida a anos, que eles tinham prioridade na venda. Mas perderam.
De tanto ver
museus, ir a galeria Alfred, resolveu deixar a história de ser rabino, para
estudar História da Arte, com tudo relacionado, orientado pela Lia, agora
passava muitas horas com elas. Eu me sentia perdido, procurava falar sempre com
o John, pensava em voltar a NYC, quando os dois apareceram em minha casa. Estavam vivendo juntos, se davam bem, o
Philip contou que tinha se apaixonado por ele, no dia que os apresentei.
Agora nos
entendemos, por isso venho falar contigo, não quero que nos queira mal.
Estive para
desmoronar, mas meu irmão estava ali, dias depois apareceu Judith minha mãe,
que resolveu, já que Alfred ia viver ali, que ela ficaria, procurou um
apartamento, deu ordem de venderem sua parte na empresa que era do pai, para o
filho mais velho, esse dinheiro ela deu para o Alfred, bem como queria dar para
mim.
Lhe disse que não
precisava de nada.
Mas pelo menos
agora tinha família. Levei muitos anos
depois sozinho, sem encontrar ninguém.
Um dia um amigo
do Alfred, que tinha estudado com ele o veio visitar, eu quase ri, pois parecia
que a América, era aonde eu encontrava minha meia laranja.
O avô do Alfred
morreu, bem como seu amigo, os dois um em seguida do outro.
Agora com os três
cremados, fui passar um tempo na vila de aonde tinha saído, como tinha um
romance com Gabriel, o amigo do Alfred, o convidei para vir comigo.
Alugamos uma
casa, fora da cidade, os filhos e netos, iriam construir um local especial para
os três amigos, eu pintei na parede um mosaico dos três sentados no parque como
os tinha conhecido, meu querido amigo, sentado no meio, o fundo era as árvores
do jardim com as folhas todas amarelas, significando o outono desses homens que
foram amigos a vida inteira.
O chão, também
coberto pelas folhas, os filhos adoraram, só me pediram para não divulgar
isso. As pessoas apesar disso, vinha, olhar através
da porta de vidro, o que estava pintado, embaixo de cada figura, estava uma caixa
com as cinzas correspondente.
Ficamos nessa
casa quase dois anos, deixei para o Alfred dirigir a galeria pequena, mas Lia
estava ficando maior, ele iria cuidar da grande.
Eu falei com o Gabriel,
se ele queria cuidar da outra, eu reformei o studio em cima, passava mais tempo
lá com ele.
As vezes ia
atravessar a rua, me lembrava do André saindo da mesma, com um revolver
ameaçando os ladrões, hoje eu teria que agradecer os mesmo, por terem sem
querer mudado minha vida.
Quando na França
saiu o casamento gay, me casei como Gabriel, afinal levávamos tanto tempo
juntos que não podia imaginar minha vida sem eles.
Depois de anos,
recebi uma chamada do meu primo de Tel Aviv, precisava de mim.
Fui até lá
imaginando algum problema financeiro, mas nada, ele tinha se casado, tinha dois
filhos, um deles queria ser pintor, se eu podia orienta-lo, ele queria ir para
a França, o trouxemos, é como se fosse meu filho, o orientei, ele tem uma ideia
totalmente inversa, bem como uma maneira de pintar, que sem querer me fez
pensar muito como fazer minha nova exposição.
Ele já expôs na galeria pequena, pois seu trabalho é mais conceitual,
fez sucesso. Mesmo assim segue vivendo conosco, é como o filho que não tivemos.
As vezes nos
pega, abraçados no sofá, se senta na frente diz que tem ciúmes, ou melhor
inveja, pois não vê a hora de conhecer alguém para amar. Sempre lhe dissemos que ele tem tempo.
Passamos uma
larga temporada em Israel, fui conhecer o que não conhecia, meu primo ficava
abismado como dinheiro que tinha, viajar num furgão como se fosse uma Motor
home. Mas os dois gostávamos.
Depois fizemos a
ruta 66, juntos como Alfred, com meu filho August, aí sim alugamos uma
Motorhome, foi genial, Alfred finalmente se abriu ao August, começaram uma
relação os dois com muito medo e respeito.
Quem sabe dará certo.
Judith divide
apartamento com Lia, ficaram amigas, enquanto viajamos, cada uma cuida de uma
galeria.
Eu finalmente
encontrei minha paz, creio que essa viagem, tudo que vi, pelo deserto, nasça em
mim uma nova maneira de pintar.