lunes, 24 de abril de 2023

LEDO ENGANO

 

                                                 LEDO ENGANO

 

O sentido usual de “ledo engano” quer passar a ideia de ingenuidade; simplicidade; de um indivíduo simplório.

 

Meu nome é Max Luft, foi isso que senti muitas vezes da minha vida, por isso sempre tinha receio das pessoas, desde criança fui deixado pelo meu pai, junto aos meus avôs, num kibutz de ultra ortodoxos, nunca consegui me adaptar a eles, minha avó ainda me defendia, me faziam trabalhar como um escravo, diziam que era para pagar a comida miserável que serviam.

Sonhava dias atrás dias com me liberar daquilo tudo.

De meu pai, seus irmãos falavam na minha frente que era um degenerado, porque era um artista, me deixaram aprender a ler, escrever em hebraico, só para ler os livros sagrados como eles diziam.   Eu os odiava de paixão, pois não encontrava paz, nada como diziam que teria lido, tampouco explicações sobre minha vida.

Um dia quando tinha 15 anos meu pai apareceu outra vez, voltava dos Estados Unidos, com os cabelos larguíssimos, uma roupa totalmente estranha.

Foi uma briga, mas minha avó defendeu que eu fosse com ele para Tel Aviv, fui da água ao vinho, pois fomos viver numa casa que viviam artistas, compartíamos seu estúdio.  Me colocou numa escola normal, nada a ver com a do Kibutz, não tinha que ler os livros malditos como ele dizia.  Me pedia sempre desculpas, mas tinha ido a América atrás da minha mãe, mas disse que nunca a encontrou.

Se dedicava a música, tocava o clarinete, eu gostava mesmo era do homem que tinha studio ao lado, pois estava sempre pintando, pedi que me ensinasse a desenhar, me deu cadernos, lapises, me ensinou o básico, se surpreendeu que era detalhista, a cada retrato que fazia, enquanto não ficasse perfeito não deixava.  Meu pai lhe dava dinheiro, quando ia de turnê com algum grupo de jazz.

Numa dessas, ele abusou de mim, dizendo que me amava, isso durante todo o tempo que meu pai esteve fora, um dia antes que este voltasse, se mandou, acordei, fui a escola, quando voltei já não estava, errou pois meu pai levou mais de uma semana para aparecer.  Comi o que os outros com pena de mim, me deram.

Quando contei ao meu pai o que tinha me acontecido, ele me disse na cara que eu era um ingênuo, que esse anos com sua família, tinha é me estragado.  Por um momento pensou em me levar para lá outra vez, pedi pelo amor de deus que não o fizesse.

Consegui entrar para a universidade para fazer Belas Artes.  Ele agora me deixava sozinho, me dizia antes de sumir, que não acreditasse em ninguém, não queria que eu virasse um viado que vai atrás de qualquer homem.

Isso caiu forte em mim.  Me senti o coco do cavalo do bandido, como ele dizia as vezes.

Vivia sozinho, me deixava sim, dinheiro para comprar comida, as vezes as coisas apertavam, então fazia retratos das pessoas para ganhar algo de dinheiro, ou se isso não acontecia, arrumava algum emprego, seja de descarregar caminhões, limpar supermercados a troco de comida que sobrava.

Meus professores se impressionavam com meu trabalho, se fazia um retrato, na verdade fazia dois, um o fazia conversando com a pessoa para saber como ela era.  A maioria mentiam todo o tempo, isso eu percebia, era curioso, me contavam muitas balelas, eu sabia que estavam mentindo, o que não entendia era quando se tratava de mim, se me chamava de bonito, que tinha um bom corpo, eu acreditava, pois tinha espelho, meus cabelos largos, loiros, olhos azuis, pouco pelo no corpo musculado, atraia muita gente.  Mas eu tinha horror que me tocassem.

As vezes no tempo das vacas magras, posava em outro horário das aulas para os alunos de primeira.    Modelo ao vivo, não tinha vergonha de estar nu na frente dos outros, mas dai a que colocassem a mão em cima de mim, era outra conversa.

Voltando aos retratos, eu tinha uma coisa, como fazia dois, mostrava as duas versões aos clientes, sempre escolhiam a como se viam, não o que eu retratava na verdade, alguns inclusive ficavam ofendidos, passei só a mostrar a versão da balelas que falavam.

Pegava a outra versão, modificava de uma certa maneira, contava a história do mesmo em suas roupas.  Transformava o que via, como se fosse um estampado da mesma, com pequenos desenhos, isso tinha um professor que adorava.   Além disso, tinha uma série de trabalhos, que eram considerados pelos puristas, como demasiado moderno.  Distorcionava a cara da pessoa, baseado no que tinha visto, desenhado antes, a mostrando em todo seu horror.

Estava no último ano, haveria uma exposição, seriam selecionados trabalhos dos alunos promissores como eles chamavam.  Eu teria direito a duas paredes, para apresentar as duas versões do meu trabalho, os retratos crus como eu chamava, o outro que só alguns professores gostavam.   Tive que escutar a discussão da banca sobre isso.

Ao mesmo tempo a resolução da mesma, ocasionou ciúmes dos meus colegas, pois era o único que tinha dois espaços. 

Dois retratos, fiz de corpo inteiro, como eu via as pessoas, suas misérias escritas pelo corpo inteiro, ao lado expunha suas caras distorcionada.   Na inauguração, numa das melhores galerias da cidade, os meus se venderam rapidamente, um inclusive para um museu, por sinal eram os que pagavam menos.   Eu superfeliz, pois liquidava o que devia do studio que trabalhava, vivia numa das partes, viver é difícil de descrever, tinha uma cama, um banheiro caindo aos pedaços, me apanhava.   De meu pai não sabia nada a mais de dois anos, nem para o convidar para a inauguração podia.   Falei com vários conhecidos seus, fui descobrir numa delegacia de Samaria, seu instrumento, o corpo o tinha enterrado como indigente, pois tinha morrido nas drogas.   Não sabia se chorar, ou dar graças a deus, por estar livre.

Mas sabia que tinha alguma coisa ver seu desaparecimento com o fato de ter-me deixado ser abusado sexualmente.     Na verdade nunca mais voltei a ter relações com ninguém.  Tinha um medo terrível disso.

Dias depois da inauguração, fui chamado a galeria, me pagaram os quadros vendidos, mas claro como eu era um belo desconhecido, ficaram com 30% de tudo.  Quando reclamei, me disseram dê graças a deus, pois eres um belo desconhecido.

Tornaram a me chamar dias depois, pois tinham duas pessoas interessadas em mim.  Na hora não entendi, mas fui pensando que era alguém que queria um retrato.

Dei de cara com dois homens, bem-vestidos, com um jeito diferente, me explicaram que eram judeus, mas franceses, que tinham vindo atender a última vontade do pai, trazer suas cinzas para Jerusalém, de aonde tinha saído jovem.

Num primeiro momento, tive uma antipatia impressionante com os dois, eram esnobes, me olharam de cima a baixo, como examinando uma mercadoria.

Me convidaram para ir com eles a Paris, pois tinham uma galeria de arte.  Me passaram um prospecto da mesma. 

Falei com o dono da galeria, esse não os conhecia direito, me disse que era uma oportunidade que não devia perder, mas que da galeria se falava bem, pois tinha tomado informações.

Perguntaram se eu tinha mais desenhos, os levei ao meu miserável studio, mostrei os dois tipos de desenhos que tinha, olharam tudo, falavam em francês entre eles, mal sabia que eu também falava. 

Tai um tipo que podemos lançar no mercado, lucrar com ele.

Me ofereceram pagar a passagem, eu disse que tinha dinheiro para isso.

Arrumaremos um studio aonde possas trabalhar, que necessitavam de pelo menos umas cinquenta obras minhas para me lançar.

Fiquei com um pé atrás, mas aceitei a proposta, comprei um bilhete de avião para o mesmo voo deles, eu iria numa turística, eles iriam de primeira classe.

Como me viram entrar com eles no espaço vip, depois eu fui para a turística, uma aeromoça, me disse que tinha um lugar na primeira, sem querer fiquei sentado atrás deles, que não perceberam, falavam de mim.  O que iriam lucrar as minhas custas, que inclusive me apresentariam a algum velho rico, que poderia me sustentar, assim não gastavam dinheiro comigo.  Fiquei quieto, mas mentalmente os chamei de filhos da puta, ainda não tinham entendido que sabia de tudo que falavam.

Demoraram para perceber que estava sentado atrás dele, riram, menos mal que não nos entende.  Quando chegamos a Paris, me levaram para a casa deles, era um puto apartamento, cheio de obras de artes.

Ai os encarei, por isso não queria que pagassem o meu bilhete, já sabia o que pretendiam, lhes disse que quando muito pagaria inicialmente uns 20% de comissão, que de maneira nenhuma os 50% como pensavam, que tampouco queria nada deles, inclusive o velho que querem me enfiar goela a baixo para me sustentar, enfiem no cu.

Estava furioso, falando com eles em francês, que escutavam sem dizer uma palavra, o mais velho deles, me abriu a porta, me disse fora daqui.

Peguei minha mochila, com um pacote de desenhos que tinha trazido para iniciar meu trabalho, sai porta afora, sem saber muito bem aonde estava.

Quando me informei, um garçom de um restaurante, me disse, se queria procurar galerias teria que ir para o Rive Gauche, aonde estavam a maioria, me falou da Place du Tertre, aonde os artistas faziam retratos, vendiam suas obras, mas creio que necessitas de visto para trabalhar antes de mais nada.   Me ensinou como ir ao Rive Gauche, passei dois dias andando pelas galerias, a maioria nem se interessava em ver nada, diziam que já representavam demasiados artistas.

Eu tinha guardado um pouco de dinheiro, para o caso de ter que ir embora, o que não esperava era ser assaltado, me levaram todo meu dinheiro, era de noite, não tinha para aonde ir.

Fui assaltado em frente a uma galeria, o que me salvou que o homem que estava ali saiu afugentando os ladrões.   Saiu com uma arma na mão.

Me fez entrar, limpou minha ferida, era pequena, não devias ter reagido.

Como se me levaram todo meu dinheiro, bem como o meu bilhete de volta para Israel. Agora estou fudido.

Sem me dar conta, ou porque ele me inspirava confiança contei o que me tinha acontecido, ele deu um sorriso, falou o nome dos dois que se diziam galerista.

Fechou a galeria, pois já era tarde, venha comigo, me mostra o teu trabalho.

Me fez subir por uma escada, estreita, escondida atrás de uma parede.   Acendeu as luzes, era um pequeno studio. Cheio de cavaletes, era o studio de meu pai, quando alguém lhe encomendava algum retrato, os gostava de fazer ele mesmo.

Depois te mostro o trabalho.  Antes de mais nada, meu nome é André Stein, também sou descendente de judeus.

Tinha uma mesa grande, abri os rolos de desenhos, ele ia colocando nos cavaletes que estavam ali, presos, em vários painéis.  Eram os desenhos base da exposição de Tel Aviv, bem como outros retratos, elogiou os detalhes, são perfeitos.  Retirou tudo, abrimos o segundo, olhou tudo, impressionante, lhe expliquei como tinha exposto alguns, o retrato, depois o grotesco ao lado.

Gosto dos dois trabalhos, muito.

Ia começar a conversar comigo, minha barriga roncava de fome, riu.

Venha vamos comer alguma coisa.   Desta vez não saímos pela galeria, mas sim por outra porta lateral.   Podes ficar aqui, detrás da cortina, o mais próximo da janela da rua, tem uma cama que ele usava para descansar, as vezes dormia aqui, tem um banheiro simples também.

Nos sentamos num restaurante que estava aberto, vi que ele era conhecido ali, fazem um omelete de queijo fantásticos, vinha acompanhado de salada.   Para mim era perfeito.

Vou ser honesto contigo.   Recebi essa bem como outra galeria maior de meu pai, sou irmão bastardo com se diz, dos que te trouxeram, esses sempre querem se aproveitar de tudo.

Queimaram os artistas que meu pai representava.  Com ele, tinham um contrato, agora queriam explorar.    Eu a galeria grande não gosto, por isso tenho uma amiga que foi professora de história da arte, que a leva, como está aposentada, conhece todo mundo.

Creio que vai amar teu trabalho, sou honesto de dizer que gostei muito, quem devia levar as cinzas do velho para Israel, era eu, pois ele vivia comigo, a muitos anos.   Mas eles se adiantaram, achando que isso lhes daria alguma coisa a mais.

Meu velho foi esperto, fez a divisão em vida, por isso não existe testamento, só ficaram com o apartamento velho, aonde viveu com a mãe deles.  Podia reclamar alguma coisa, mas não quero, nem me interessa.   Eu sempre cuidei dessa daqui, meu pai levava a outra, a não ser quando vinha para cá pintar.

Te ofereço guarida, mas vamos tratar de montar uma exposição, podemos discutir tamanhos, eu gosto muito dos dois trabalhos, teríamos o espaço de dois meses para poderes trabalhar, o que achas.

Mas se nem me sobrou dinheiro para comprar material.

Não se preocupe, pois no studio tem muito material, depois te levo aonde ele tinha conta, depois me devolves o dinheiro.

E se não funciona?

Claro que vais funcionar, tens talento, acredite, se esses dois filhos da puta, te trouxeram é porque tinha talento, eles só queriam era te explorar.

Comemos, então realmente olhei para ele, tínhamos a mesma altura, ele devia ter pelo que eu calculava, uns 45 anos.  Cabelos largos, amarrados num rabo de cavalo, umas mãos impressionantes, um nariz como eu gostava de desenhar, fino, uma boca sensual, olhos verdes quase transparentes.

Viu que eu o observava, riu dizendo depois te mostro as fotos de meu pai, dizem que sou cuspido e escarrado a ele.  O amei como nunca, não me escondeu, me reconheceu como seu filho, ele amava minha mãe, ela foi uma modelo famosa na sua época, mas depois teve uma doença incurável, ele sempre cuidou de mim, quando montava alguma exposição fazia que eu participasse, para aprender, a analisar o trabalho dos artistas, então aprendi com ele.

Mas nunca pintei, apenas entendo de arte.  Sou na verdade escritor, por isso estava até tão tarde na galeria, aproveito que não entra ninguém, para escrever.

Lhe disse que nem tinha olhado o que estava exposto.

Não se preocupe, isso é como chamamos o fundo da galeria, normalmente compro ou negocio com o artista um quadro, no caso negociar, significa, que o que deveria me pagar de comissão fico com um dos quadros para mim.

Então entre uma exposição e outra, coloco esses quadros antigos a venda.  Assim quando entra uma nova exposição, é outra coisa diferente.

Lhe contei sem querer a história da minha vida, no final, enquanto tomávamos um chá, bateu suas mãos imensas sobre as minhas, vamos nos dar bem não se preocupe.

Me levou outra vez ao studio, mostrou aonde estava escondida a cama, o banheiro, toalhas dobradas para o banho.    Amanhã venho tomar café contigo.

Me deu a chaves, lhe perguntei se não tinha medo de que eu o roubasse.

Ele riu, tens cara de honesto, eu confio na minha intuição.

Se despediu, apertando minha mão, durma bem Max.  Creio que nesse momento, eu poderia pensar estas sendo ingênuo, ou coisa parecida, mas resolvi tentar, com seus irmãos tinha dado errado, quem sabe com ele.

Tomei um banho, coloquei uma das poucas cuecas novas que tinha na mochila, roupa só tinha mais uma muda. Me joguei na cama, apaguei.

Despertei tarde, pois senti uma pessoa me olhando, era ele.

Vamos seu preguiçoso, levante-se, vamos tomar café.

Fomos a uma padaria ali perto, depois saiu me mostrando aonde estava a École de Beaux Arts, me levou a loja que tinha falado, me apresentou.

Mas lhe disse que primeiro queria olhar o que havia de material no studio para aproveitar, depois viria comprar, um dos homens da loja era seu amigo, me deu seu cartão.

No studio novamente, me mostrou aonde seu pai tinha macacões de trabalho, assim não sujava a roupa.

Me perguntou quais dos trabalhos não tinha sido exposto em Tel Aviv?

Eu lhe disse que a maioria, mas claro que quando fosse pintar agora, teria outra maneira de olhar.

Então mãos a obra. Te deixo trabalhar, venho te interromper para irmos comer.

Isso virou uma rotina, me despertava com ele as vezes me olhando, depois ao meio da tarde para comer, as vezes de noite para jantar.

Depois de separar minhas cores, organizar pinceis, comecei a trabalhar, ora sobre papel, outras vezes sobre tela.  Sem querer via o trabalho agora diferente, como se as pessoas tivessem tomado outro significado em minha vida.

De memória, desenhei um velho rabino ultra ortodoxo que uma vez tinha ido ao Kibutz fazer uma palestra, na minha cabeça, tudo o que ele falava não passavam de fantasias absurdas, sobre deus, o homem, seus pecados, sua pele era como um filigrana, fina, por aonde se viam as veias com um sangue correndo lentamente.  Conforme o ângulo que ele se colocava, mais parecia um macaco velho.    O desenhei assim, com sua vasta barba branca suja, principalmente em volta da boca, pelo fumo dos cigarros que fumava sem parar, ao mesmo tempo que a nós dizia que isso era um dos pecados do homem, seus vícios.   Desenhei suas mãos, como se fossem garras de um símio, com o cigarro preso nas unhas.

Suas roupas eram sujas, encardidas, na minha cabeça de criança, não entendia o que esse homem pregava se ele era o exemplo vivo do que não se devia fazer.  Era como “faça o que eu mando, mas não o que eu faço”.   Me perguntava como podia ser exemplo de algo.

Me lembrei que depois da palestra os velhos o festejavam como um grande homem, eu tinha ficado além de horrorizado com ele, com asco.

Assim fiz o quadro, como se tivesse asco dele.

André quando viu, disse o mesmo, impressionante, uma pessoa asquerosa daquelas que ficam julgando os outros, conheço muitas assim.

Contou de uma época quando sua mãe morreu, que tinha sido obrigado a estudar numa escola interno, que o diretor era uma pessoa assim, julgava qualquer falta com dureza, mas ele era a imagem do próprio animal comendo.

A imagem ficou na minha cabeça, repeti mais ou mesmos a figura com suas garras sobre uma carniça.  

André ria muito, como conseguiste captar essa imagem.   As vezes a noite subia, ficava escrevendo enquanto eu trabalhava.  Todos os dois em silencio.  Já estava no final da execução dos quadros, quando uma noite se recostou em minha cama, quando vi estava dormindo, me sentei do outro lado, comecei a desenha-lo como o via, um homem ainda cheio de sonhos por realizar, livros por escrever, uma cabeça privilegiada, nesse dia estava com os cabelos soltos, assim o desenhei, com sua boca sensual, a que as vezes tinha vontade de beijar.

Quando acabei o desenho, me deu pena desperta-lo, coloquei uma manta sobre ele, me deitei do outro lado, quando despertei de manhã, estávamos abraçados, ele olhando fixo para mim.

Perdi desculpa, mas tinha me dado pena desperta-lo.

Obrigado por cobrir-me, me deu um beijo na boca, com suavidade, mas que me levou a loucura, queria mais, mas resolvi ser cauto.

Ele tampouco avançou, depois de um silencio constrangedor, se levantou excitado, foi ao banheiro, aproveitei para levantar, cobrir o esboço de seu retrato.

Depois fui ao banheiro, tomei um banho, saímos para tomar café.  Ele me pediu desculpas pelo beijo, tenho muito mais idade que você me disse, há que manter distancias, senão vais pensar que sou como meus irmãos.

Nunca pensei isso de ti, sempre foste honesto comigo.

Trabalhei seu retrato na surdina, quando ficou pronto, o cobri para que ele não visse.

Agora evitava fica até muito tarde, quando veio o fotografo para as fotos do catalogo, ele se surpreendeu olhando a sim mesmo.

Garoto sem vergonha, disse rindo, me fizeste mais bonito do que eu sou.  Agora tínhamos que decidir que galeria usaria, para a de baixo seriam muitos quadros, para a outra perfeita.

Marcou um dia, a gerente da mesma veio, ficou olhando os quadros muito séria, não sabia se ele sabia ou não da história dos irmãos do André.

Só a via balançar a cabeça como concordando com tudo, quando viu o quadro do retrato do André, soltou, ele te viu por dentro como eres.

André não queria o quadro na exposição, mas ela insistiu.

Veio um caminhão especial para os levar para colocar moldura, em seguida para a outra galeria que fechou as vitrines com papel, para não se ver dentro.   Entre os três coordenamos a mostra.

No dia da inauguração foi comigo comprar uma roupa para usar, nada demais, apenas uma roupa nova.   Como era muito branco, cheio de sardas, escolhi uma roupa negra, me disse que ficava sexi.   Me avisou, hoje teremos entre os convidados, pessoas desagradáveis, como meus irmãos, minha ex-mulher, que aparece sempre para dar um toque desagradável a tudo.

Dito e feito, quando a galeria estava a tope, as pessoas circulando entre os quadros, com uma taça de champagne nas mãos, entraram os dois, foram olhando cada quadro, com uma cara de fazer gosto, pareciam ter chupado limão azedo.   Depois apareceu uma mulher alta, que em seu tempo devia ter sido bonita, com os cabelos pintados de vermelhos, preso num coque antiquado, severo, com a professora má de uma escola.  No final parou na frente do quadro do André soltou alto, o que faz o amor, um jovem apaixonado pelo seu galerista.

Fiquei vermelho como um pimentão.   Mas André ria, como se tivesse escutado uma piada.

Depois escutei seus irmãos falando com ela, dizendo que quem tinha me descoberto eram eles, que o André me tinha roubado.

Este tinha me falado, fique quieto, não desça ao nível deles, num momento foram embora os três juntos, as pessoas pareciam aliviadas, da presença nefasta.  Vinham falar comigo elogiando o trabalho, um crítico apresentado pelo André, disse que nunca tinha visto uma representação de rabinos, como os meus, eu os ódio por infernizaram minha vida.

Ao final 80 por cento estava com uma marca de vendido.   Inclusive o do André, ele disse rindo que não queria que o seu fosse comprado, ele tinha colocado a marca, pois era capaz dos irmãos ou a ex-mulher comprarem para jogar dardos.

Eu estava feliz, nem tinha prestado atenção direito ao valor das vendas, mas sabia que os valores eram bons.

Quando todos foram embora, Lia Schumer, a gerente, fez comentários, eles sempre aparecem como pássaros agourentos, mas quando veem os sinais de venda, ficam furiosos, vão embora.

André ia me levar para o studio, me perguntou se estava feliz, lhe disse que sim, sabes que confio em ti plenamente.

Me contou no caminho, pois tinha chovido um pouco as ruas pareciam respirar, fomos conversando, lhe perguntei de sua mulher. 

Um dos erros da minha vida, ela estudava literatura comigo, quando soube que meu pai era rico, se aproximou, tivemos uma aventura, ela disse que estava gravida, sem consultar meu pai, me casei com ela.    Não passava do velho golpe, não estava gravida, a partir de então minha vida virou um inferno, queria entrar para a alta sociedade, quando descobriu que no fundo eu era o filho bastardo, ficou furiosa, como se eu a tivesse enganado.  O casamento não durou um ano, mas a batalha do divórcio, durou cinco anos.  Meu pai me mandou para os Estados Unidos, aonde tinha um amigo, lá sem querer conheci alguém por quem me apaixonei.  Era um homem muito sério, meu professor preferido.   Quando lancei meu primeiro livro, sobre a arte contemporânea Americana ele escreveu o prefácio, ele tinha um casamento acomodado, ela foi até lá, fez um escândalo, ele nunca mais quis me ver.  Voltei como rabo entre as pernas, a única coisa boa, foi uma editora que quis lançar o livro aqui.   Até hoje é usado em história da arte.

Mas ela leva a metade dos lucros, esse foi o acordo de divórcio.   Mas depois nunca perdoou o que meu pai fez, ela nunca teve direito a nada da herança dele.  Hoje escreve sobre arte para um pasquim de esquerdas, que ninguém lê, se casou com um velho rico, amigo dos meus irmãos, por isso se dão bem.   Infelizmente só aparece nestas épocas, quando lanço alguém novo. 

Sim disse para muita gente, que eu pintei o teu quadro, porque me enganaste, que estava apaixonado por ti.

Por isso não quis ir adiante contigo antes, tinha medo de que pudesses pensar que tinha segunda intenção contigo, por ser mais velho.

Eu parei, ri, lhe disse, era eu quem tinha segundas intenções, estou apaixonado por ti, por isso não saio procurando aventuras.  

Um dia tinha me falado se eu trouxesse alguém para o studio para fazer sexo, que tivesse cuidado com a porta que levava para a galeria, lhe disse que isso não me interessava.

Quando chegamos ao studio, o convidei para subir, fomos tirando nossas roupas lentamente, enquanto nos beijávamos, seus beijos me levavam a loucura. O simples contato com sua pele me fez ejacular, pedi desculpas, tinha sido o tempo da espera.  Rimos e seguimos em frente.

Dormimos agarrados um ao outro.   Neste dia me levou para conhecer sua casa, ele vivia num apartamento muito simples ali perto.

Me convidou para viver com ele, eu fiquei feliz.

Comecei uma série diferente, ia pelas praças, se encontrava dois ou três pessoas, perguntava se podia desenha-las, armava meu banco, tirava da bolsa um caderno grande, começava a desenhar.  Escutava suas conversas, ia anotando a parte o que tinham falado entre si, se estavam falando a verdade ou mentira.  Um sempre era o mais mentiroso deles, esse eu gravava bem na minha cabeça, sua postura, sua maneira de se comportar, comecei a notar, que era o que se sentia mais sozinho, por isso fantasiava o que dizia, para se sentir superior aos outros, no fundo sempre era o perdedor, o que a família ignorava.   Contava vantagens, um dos que conheci, me convidou depois para tomar vinho, eu lhe disse que não bebia nada, tomei um chá enquanto ele tomava um copo de vinho, sem querer falei algo, que o fez transbordar, me contou toda sua vida, que tinha ido de um lado a outro, nada lhe dava certo, o mais interessante que me contou que seus outros dois amigos, sabiam tudo sobre sua vida, mas faziam de conta que tudo era novidades para eles.   Os dois tem uma família grande que invejo, mas fazer o que, não soube criar a minha.   Em outras ocasiões, como os via sempre, conversei com seus amigos, cada um o via de distinta maneira.

O primeiro quadro, era um dia, em que começavam a cair as folhas amarelas pelo outono, no jardim detras de Notre Dame, as folhas nas arvores já estavam prontas para cair, o chão estava cheio dessas mesmas folhas que pareciam douradas pelo sol, os fiz ali, como se estivessem em traje de gala que cada uma imaginava, depois fiz uma versão, como eles estavam na realidade, a terceira, como se viam a si mesmos, como se fossem jovens, pedi se tinham retratos de quando eram jovens cheios de ilusão.

O do velho amigo, o que na verdade unia os três, fiz uma versão como o viam cada amigo, no meio como ele se via a si mesmo.

André colocou nas três paredes principais da galeria, os convidei para vir, riram muito, o velho disse que eu tinha descoberto finalmente quem era.

Os convidamos para jantar, foi divertido.  No dia seguinte, vieram alguns convidados do André, jornalistas, um deles se surpreendeu, um dos homens era seu pai.   Este mesmo trouxe o diretor de um museu de sua cidade natal, levaram todos os quadros, estava iniciando uma novas salas, justamente doada por um deles.

O que era mais meu amigo um dia desapareceu, os outros dois estavam ansiosos, deve ter se metido em alguma besteira, fomos até o apartamento dele, ninguém abria a porta, o jeito foi chamar a polícia, que por sua vez chamou os bombeiros, colocaram a porta abaixo, estava sentando numa poltrona, numa sala cheias de livros até o teto, com um sorriso na cara, na mesa ao lado uma carta para cada amigo, inclusive uma para mim.

Sem querer tinha me transformado no filho que ele nunca teve, pois o escutava horas seguidas falando do que tinha feito com sua vida.  Tinha sido um aventureiro, vivido em muitos lugares do mundo, procurando a felicidade, não queria estar preso a nada, queria somente descobrir o mundo, quando tinha voltado seus amigos, tinham famílias, filhos, tinham se realizado na vida, sem se mover da cidade.

Todos se surpreenderam com seu testamento, para um deles, deixava para um neto que ele comentava sempre que queria ser escritor, mas que o pai queria que fosse advogado, o dinheiro era para que pudesse ir à universidade fazer o que queria.   Para o outro deixava uma casa justamente na cidade aonde estavam os quadros, para que ele pudesse reunir a família sempre ali.  A mim que considerava seu filho, que tinha realmente sabido ver quem ele era, sua solidão, me deixava o apartamento, muito dinheiro, para que eu fosse em frente.  Que o apartamento fosse minha segurança, um dia o André pode te falhar, tens aonde ficar.

André ficou furioso quando soube desse comentário dele.   Mas eu andava notando que estava estranho, um belo dia me soltou, que nunca tinha vivido com ninguém que as vezes era difícil conviver comigo, me amava, mas ele era mais velho, tinha ideias diferentes das minhas, tinha ficado com ciúmes do meu relacionamento com os velhos.   O jornalista não tinha lhe deixado gozar direito a glória dos quadros, pois tinha insistido que ele fizesse um preço especial para o pequeno museu da cidade, eu tinha concordado, como se o dinheiro não fosse importante para sobreviver.

Agora vivia falando, da herança que eu tinha recebido, o dinheiro tinha servido para pagar a transferência do apartamento para mim.  No fundo era um edifício antigo, o apartamento era imenso, ele só usava na verdade, aonde foi encontrado, um quarto, o banho, e a cozinha o resto estava vazio, daria perfeitamente para montar meu studio ali.

Um dia fiquei chateado com o André por causa disso, não parava de falar dos velhos.  Me tinham roubado dele.   Por mais que eu demostrasse que o amava, ele sentia ciúmes.

Um dia soltou que nunca tinha vivido com ninguém por isso, sentia ciúmes, queria que a pessoa lhe pertencesse.

Lia um dia me chamou a atenção, cuidado o André está bebendo outra vez.  Eu não sabia desse detalhe dele, que tinha tido problemas com o álcool.

Me soltou na cara, que era por estar sempre comigo pegado a ele, que tinha que se esconder de mim.   Passou a dormir em outro quarto.   Tinha me enganado redondamente com ele, tive que enfrentar a situação, era eu que o fazia infeliz.  Lhe agradeci de coração o que tinha feito por mim, queria continuar ser seu amigo, mas me mudei para o apartamento, não levei nada de material que tinha no studio.

Montei um novo para mim.   Meu elo com ele passou a ser a Lia, disse que agora estava mais equilibrado, uma vez por mês me reunia com eles.   Me sentia como velho amigo, solitário, só estava bem, quando me sentava com os dois outros velhos.

Riam, pois diziam que eu perdia tempo com eles.

Lhes disse que não, eu nunca tinha tido uma família verdadeira, eles eram o mais próximo que eu tinha da ideia de uma família.

Podia falar tudo com eles, nunca me recriminaram.  Me sentia só também, por não ser capaz de levar uma vida gay, de romances de uma noite, sempre tinha querido compartir minha vida com alguém.

Um dia chovia muito, marcamos nosso encontro na minha casa, agora no salão que o tínhamos encontrado, havia 3 poltronas, um deles trouxe seu neto que vivia em NYC, que queria me conhecer, bem como catálogos para levar.

Lhe dei um de cada, mas me pediu mais de um, queria para uma cliente do escritório que trabalhava.  Quando viu o quadro, me perguntou quem era o artista, perguntou de aonde eras de Israel, pois ela tinha parentes lá.

Contei a eles meu começo, falei sobre meu pai, que de minha mãe não sabia nada, sequer o nome.

No que falava com eles, por estarem as poltronas em outra posição, eu estava sentado de frente para a estante mais alta da sala, notei que na parte superior saia para fora um livro, pensei, tenho que arrumar antes que caia.

Philip o neto de um dos homens, contou que tinha vindo passar o mês de férias que tinha, pois seu relacionamento tinha ido a merda, isso que dá gostar de homens mais velhos, são sempre muito complicados, mas viram os problemas para teu lado.  Alguns querem tua juventude, mas depois reclamam que tem vitalidade demais, que não podem te acompanhar.

Fiquei pensando nisso, porque tanto o professor que tinha abusado de mim, houve momentos, que pensei que o amava, por isso tinha deixado fazer o que queria, fazia o que queria comigo, sem que eu reclamasse.  Talvez o fato de na época ser menor de idade tenha feito com que desaparecesse.

Meu pai quando soube ficou uma fera, como eu podia ter deixado que ele fizesse isso continuamente, porque não tinha pedido socorro.

Como explicar, que eu me sentia abandonado por ele, que o outro de certa maneira cuidava de mim.

O mesmo tinha acontecido com o André, me sentia protegido por ele, me sentia terrivelmente atraído, justamente por isso ser mais velho do que eu.

O que ele reclamava, é que eu sendo jovem, quisesse sempre fazer sexo, nem eram por sair pela noite, discotecas nada disso, eu gostava mesmo era de estar em casa com ele, abraçado, ele deve ter considerado isso uma invasão de espaço.

Nunca tinha escondido dos meus amigos, o fato de ser gay, eram senhores vividos, sem preconceitos.

Quando foram embora, empurrei a escada para aonde estava o livro, pois volta e meia levantava a cabeça, era como se ele tivesse me chamando.

Na verdade era uma caderneta, grande, como se fosse um diário, escrito numa letra muito bonita.

O que me impressionou, é que a primeira data, era do dia que os tinha conhecido.

Falava do bonito que eu era, que se sentia atraído por mim, mas que seus amigos tinham falado esse rapaz, tem um relacionamento, não vá por esse caminho.

Realmente el tinha idade para ser meu avô.

Continuava falando dos nossos encontros, de que como podia falar de tudo, algumas vezes tinha tido vontade de dizer que me queria.

A partir dessa parte, falava como tinha ido tombos pela vida, se apaixonando de quem não devia, seu primeiro romance na secundária com um jovem que era filho do empregado da casa de seus pais.   Que esse o tinha enganado totalmente, queria era chantageá-lo, para conseguir dinheiro.

Já os três em Paris, depois de deixar seus amigos com as namoradas, ele saia atrás de aventuras, as merdas que tinha se metido, pois o Bas-fond da cidade luz, era impressionante, envolto nas luzes apagadas da noite.

De sua paixão por um professor, que o instigou, mas na hora que ele declarou que estava apaixonado, escapou dele, só queira uma aventura com uma pessoa mais jovem para se sentir vivo.

De como tinha abandonado os amigos, indo pelo mundo, sabia que eles se casariam com suas namoradas, fariam família, ele não tinha possibilidade nenhuma.

Tinha certos questionamentos ao meu respeito, porque dos três, ele era o único que eu me abria, a quem contava o que sentia com relação do André.

Que este tinha ciúmes, ele já sabia, que tinha tentado se afastar de mim, mas eu era o que fazia sentir vivo nesse momento, em que a solidão pesava demasiado para ele.

Relatava todas as nossas conversas, nas quais ele se abria para mim, esperando um gesto, mas que eu na minha inocência nunca percebia.

Realmente algumas vezes entendi certas insinuações, mas nunca tinha me atrevido a pensar, ou não queria perder a amizade que tinha construído com ele.

Sei que ele não ama o André, é apenas um reflexo de uma pessoa que cuida dele.

Fiquei pensando sobre isso, era uma verdade, depois do arroubo inicial, eu tinha o André como uma balsa salva vida, se alguém se aproximava, eu tinha por aonde escapar, me defender, ou me esconder.

Que ele deixaria o apartamento, dinheiro para mim, pois lhe preocupava meu futuro.  Se soubesse que ia escapar do câncer que me corroe teria tentado alguma coisa, mas o quero demasiado, queria tê-lo como minha família.

Guardei exatamente no mesmo lugar o caderno, mas comentei com seus dois amigos, o assunto da vida dele.

Ele nunca falou abertamente, naquela época não se falava nisso.    Mas claro desconfiávamos de suas escapadas.

No final estava perdido, se apaixonou por um americano, foi atrás dele para lá, foi quando começou sua odisseia pelo mundo.  Quando voltou finalmente, motivo pelo qual sempre nos encontrávamos nos bancos do jardim atrás do Notre Dame, era que todos vivemos entre la Ilê de Saint Louis, como Saint Paul.   Ele comprou o apartamento para estar perto da gente, afinal foi ele quem nos incentivou a deixar a vila.   A casa que deixou em seu testamento, era a casa de seus pais, a qual ele nunca voltou.  Esta ficou fechada todos os quase quarenta anos que esteve fora, pois ninguém sabia aonde estava.

Nosso encontro foi uma apoteose, as duas famílias reclamava, por isso passamos a nos reunir na praça.

Quando você nos conheceu, ele foi quem disse, esse é um bom rapaz, pode parecer ingênuo, mas é corajoso, sabe que não conhece o mundo, mas suas mãos podem mostrar o mundo.

Comentei com eles meu problema de sentir atração por pessoas mais velhas, me disseram já que não me entendia, que fosse a um psicólogo.

Foi o que eu fiz, pelo menos podia falar abertamente de tudo, falei da minha infância, da época do Kibutz, sem querer me lembrei que estava eternamente no meio dos homens mais velhos, que gritavam comigo, falavam mal de meu pai, a quem chamavam de tonto.

Do que senti sendo abusado, o talvez porque aceitava, pois ao mesmo tempo esse homem como que me protegia.   O que tinha sentido quando desapareceu, com o retorno de meu pai, que passou a me olhar de outra maneira.   Um pai que nunca fazia carinho, ou me dava atenção, que se sentia frustrado por eu não amar a música como ele.   Só me dizia que devia ter saído a família de minha mãe, de quem eu não me lembro de maneira nenhuma.

Do meu romance com o André, que me causou uma imensa confusão, por não saber se o amava ou sentia por ele gratidão, ou mesmo como sempre por me sentir protegido.

Me fazia bem me livrar de todos esses meus fantasma, consequentemente, passei a desenhar bem como pintar fantasmas, como eu imaginava, fazia um retrato de alguém ou quem tinha na minha memória, depois ao lado desenhava o mesmo como se fosse uma figura translúcida, mas com todos os defeitos que podia imaginar.

Lia quando viu amou o trabalho, alguns fiz de uma maneira diferente, colocava o original, com uma pequena distancia, pintada em cima de um vidro o fantasma, mas totalmente desencaixado do desenho de baixo.

Ela levou o André para ver, ele nunca gostava de ir a minha casa, mas desta vez estava diferente, olhou cada um, apertou meu braço como dizendo, está bem o teu trabalho.

Falamos muito numa exposição, foi quando me avisaram que deveria ir a Israel, que minha avó queria me ver antes de morrer.   Eu imaginava que já estivesse morta, pela idade que tinha.

Fui, tinha aprendido a dirigir, as vezes para me mover, para levar algum quadro, para emoldurar, ou comprar material.

Mal cheguei a Tel Aviv, aluguei um pequeno furgão, aonde poderia dormir se fosse o caso.

Quando cheguei ao Kibutz, claro que chamava a atenção, tinha saído de um inverno muito forte, estava muito branco, com os cabelos imensos, sempre estava com um macacão de trabalho, que achava confortável, pois isso tinha colocado um para viajar, mais parecia um obreiro.

Um dos meus tios, me levou para falar com ela, lhe trazia os catálogos de meu trabalho, inclusive desse último, que ainda nem tinha sido exposto.

Ela sorriu quando me viu, fez um gesto que sempre fazia, quando a abraçava, mexeu nos meus cabelos.  Disse baixinho, quase num sussurro, estas lindo, ao contrário dos outros netos e bisnetos que tenho.

Sei que vou morrer dentro em breve, quero de deixar algumas coisas particulares, mas que só deves abrir depois de minha morte.

Me deu uma caixa grande, tirou a chaves do pescoço.  Tudo isso é para ti.

Quando viu meu trabalho, se riu, sabe a quem saíste, ao meu pai, ele era um pintor conhecido em Cracóvia, dava aulas na universidade de belas artes.  Mas como fugimos antes da entrada do Hitler, no caminho, que foi ficando cada vez mais pesado, ele foi se fechando, como quem não encontra saída em seu futuro, quando chegamos a Grécia, a ele parecia que tinha apagado seu mundo de arte, olhava aquelas estatuas maravilhosas, como se fossem as culpadas de sua tragedia, perder seu mundo, suas referências.   Nunca mais tocou um pincel, um lápis para desenhar.  Quando chegamos aqui, se encontrou com um dos seus irmão que tinham vindo antes, que abominava o que ele tinha feito, logo morreu, ficamos presos a esse tio que era ultra ortodoxo.   Acabei casada com um homem que sequer amava, um desconhecido para mim, minhas irmãs fugiram disso tudo, meu único irmão morreu numa das muitas guerras.

Isso acabou sendo meu refúgio.  A única coisa que sempre fui indomável, foi que ao contrário das outras mulheres, numa usei uma peruca, nem segui as coisas estritas da religião.

Deixei de acreditar em qualquer deus que odeia tanto as mulheres.

Falou comigo do meu trabalho, lhe pedi que possasse para mim, riu muito alto, pois sabia que ia ser um escândalo.

Deixamos para o dia seguinte, me ofereceram uma casa para dormir, mas o fiz no furgão.  De noite apareceu um dos muitos primos que eu tinha, me perguntou se quando fosse embora o levava comigo, pois odiava estar ali.  Combinamos tudo.

No dia seguinte depois do café, me sentei com meu sistema de desenho, a fiz primeiro com seus cabelos presos, sentada como uma rainha, me contou quando era jovem, usava sempre um vestido ou negro ou azul, verás nas fotos que estão na caixa, com uma gola de gripir, como se fossem rosas, em camadas como os traje antigos da corte.  Ou uma em volta do pescoço, como uma garota, minha mãe adorava.   Fiz um desenho, ela ria, exatamente isso.

Filho querido, conseguiste fazer esse velha rir, só por isso valeu a pena te ver.  Agora que já tem os desenhos te aconselho a ir embora, conheço meus filhos, são uns idiotas, acreditam que vais pedir uma parte das terras que tenho.

Marquei com o rapaz, que deveria estar a alguma distância do Kibutz.  O levei para Tel Aviv, me disse que ali tinha conhecido um rapaz, que o amava.

Mas claro chegamos o mesmo estava com outro.  Ficou decepcionado, mas lhe dei dinheiro para que tivesse aonde viver, perguntei se queria ir comigo para Paris, ele disse que só sabia trabalhar duro.  Fui até aonde tinha alugado o furgão, comprei para ele, assim poderia se mover pela cidade, deixei meu número de celular caso ele precisasse de alguma coisa.

Só fui abrir o que ela tinha me dado em Paris, pois quando cheguei recebi o aviso de sua morte, quem me chamou foi uma nora sua, a mãe do rapaz, disse que seu marido a tinha proibido, mas agradecia ter ajudado seu filho.

Pensei ele pelo menos tem uma mãe que se preocupa por ele.

Uma noite abrir a caixa, dentro havia uma grupo de fotos, dela em criança, já na época, antes de fugirem, uma foto de seu pai pintando. Tinha me dito que se houvesse realmente reencarnação, eu devia ser a sua, mas que eu nunca fosse triste como ele.

Depois um amarrado de cartas, em árabe, pelo que deduzi ela tinha amado um homem árabe, ou melhor palestino.  O roteiro todo que tinha seguido para sair da Polonia, até chegar a Israel.

Duas bolsas, velhas, com um pedaço de papel, eu dei uma bolsa desta para cada filho meu, menos para o teu pai, bem como para meu filho menor que morreu numa guerra.

Continha diamantes, que guardei no banco.  Para alguma emergência dizia ela.

Falava que meu pai no fundo tinha saído a ela, que amava a música, mas que seu marido considerava um crime contra deus.  Teu pai viveu sobre pressão, não só do seu pai, bem como de seus irmãos mais velhos, por ser diferente.  Não estava feito para o mundo deles.

Odiava as regras, a religião, era como eu, sabia que eu odiava tudo isso, bem como não professava nada.

Fui eu quem lhe deu dinheiro para ir embora, escondida de meu marido, nunca me arrependi, pois sabia que ele seria um bom músico.   O azar dele, foi conhecer tua mãe, uma americana que veio conhecer as raízes de sua família, teve um filho com ele, desapareceu, isso o marcou, te deixou nos braços dele, um homem que não tinha maturidade para ser pai.

Por isso te trouxe, foi atrás dela nos Estados Unidos, para estudar música que ele amava o Jazz, mas claro nunca a encontrou, pois o nome que sabia dela, não era verdadeiro.

Voltou anos depois para te buscar, depois sempre me telefonava, reclamando que não sabia ser um bom pai.   Perdoe porque ele procurou ser o melhor para ti.

De uma forma isso era um consolo.

Com as fotos dela, começou a trabalhar, seguindo as fotos, pela primeira vez, fazia um retrato de uma garota, com os cabelos cacheados loiros, naquelas famosas poses de fotos antigas,

De sua adolescência, fez uns grandes com as golas como via nas fotos.  Tinha entendido que seu pai não seguia a religião que o resto da família professava.

Por último a fez, em várias versões sentada como num trono, ora com os cabelos como usava, em trança em volta da cabeça, que era como sempre a tinha visto usar.

No final, fez um imenso, da mesma maneira, mas seu vestido era azul, cheio dos sonhos que ela tinha de jovem, inclusive um montada num camelo, abraçada a um jovem árabe.

Esse era imponente, pois era como uma rainha como antigamente.

Lia quando viu o trabalho, também para lhe avisar que os catálogos finalmente estavam prontos, que tinha atrasado a inauguração, por causa da sua viagem.

A exposição foi um sucesso, Lia lhe contou que uma galeria americana tinha procurado por ela, comprado dois quadros, que depois deviam ser mandados para lá. Se lhe interessava expor por lá.

André quando veio, lhe fez milhões de perguntas, aonde ele andava, que tinha vindo várias vezes atrás dele, pensei que tinha fugido pelo mundo, como esse velho que te amava, bastava olhar para ele, para saber disso.  Por isso tinha inveja.  Eu te queria como posso, ele te amava, se fossemos te disputar, eu perderia.

Coloquei a mão sobre a dele, o tratei bem, ele nunca moveu um dedo para nada disso, só descobrir que me amava, a pouco tempo.

Nunca me disse nenhuma palavra contra ti.

Falou com ele longamente, André esse tempo todo, eu poderia ter saído, procurado aventuras, mas sabes que nunca fui dado a essas coisas.  Contou da viagem, que tinha ido visitar sua avó, como a família o tinha recebido.  Do primo, que estava enamorado, mas que como ele, no amor nada dava certo.

Nessa noite dormiram juntos, mas já não havia magia entre eles.

Lia comentou num dia que faziam acerto de contas, que as coisas não iam bem, que os dois irmãos, tinham feito uma verdadeira campanha contra o André, quando descobriram que tinha voltado a beber, talvez essa seja a última exposição aqui, pois ele precisa vender essa para manter a pequena.

Ficou com pena dela, perguntou quanto necessitava, ela disse que só tinha uma quantia, mas que nem chegava à metade do que ele queria pelo local.

Foi ao Banco, retirou uma das bolsas de diamantes, pediu que ela o acompanhasse a um taxador, assim saberemos quanto vale isso.    Na bolsa tinham dez diamantes, de tamanho regular, com cinco cobria a quantia que ela necessitava.

Ele não precisa saber que sou teu sócio, mas o tem que convencer, que é de alguém que o quer muito.

Assim ela ficou com a galeria, que levava muito bem, agora teria as mãos livres, para dirigir como queria.   André a principio ficou desconfiado.  Veio um dia falar com ele, sobre isso, pensava que seus irmãos estavam por detrás, só poderei cuidar da pequena, que sempre foi o lugar que gosto.    Para dar um empurrão, apresentei uma parte do trabalho da minha avó, lá, foi um sucesso.   De novo de NYC, a mesma galeria comprou um, agora minha cotação era alta, isso lhe levantou o humor.   Me disse que tinha se apaixonado por um homem mais velho, que tinha sido seu professor, que estavam vivendo juntos para experimentar.

O vi mais centrado.  Falei com a Lia para saber se era verdade.

De certa maneira sim, foi o amor de sua juventude, antes de ir para os Estados Unidos, para escapar de sua mulher.   Na época ele era casado, tem filhos, por isso, é mentira que vivem juntos, se encontram conversam, trocam ideias, mas creio que não vai além disso.

Lhe contei o que tinha acontecido entre nós, da última vez que tínhamos estados juntos.

Acho que ele quer que tenhas ciúmes desta história.

Eu continuava me reunindo com meus amigos velhos, seu neto, falou comigo por telefone, a galeria que me procurava ela cliente do escritório que ele trabalhava, podes vir por que são sérios.

Achei que o melhor era me afastar um tempo.  Queria fazer talvez um trabalho, olhando a vida desde lá.   O acordo era que eles conseguiriam um apartamento grande para mim, aonde pudesse trabalhar, o material, eu compraria, mas que fosse um lugar alugado, que eu pudesse pagar, odeio dever favores, lhe disse.

Fiz uma última reunião com meus amigos, me despedi da Lia, de quem era sócio agora, ela tinha tomado informações, me tranquilizou, era gente séria.

Me despedi do André, que me pediu que avisasse que ele iria à inauguração, se eu já sabia que ia pintar.   Conversei com ele a respeito almoçando no restaurante de sempre.  Creio que me viria bem, imaginar como serão os americanos, ele ria, dizendo sempre me fazes ter humor, pois começo a imaginar tu sentado em alguma praça desenhando as pessoas.

O neto do meu amigo Philip foi me buscar no aeroporto, me levou para um hotel, depois foi me mostrar um apartamento, era perto da universidade.   Perto de Washington Square, me falaste em praças, pois tinha pedido uma lista.  Me indicou o que procurar, fui conhecer os donos da galeria, era um casal de homens, mas com certa idade.   Philip riu, dizendo que os dois faziam meu tipo.  Queria me levar pela noite de NYC, lhe disse que podia ser um final de semana, mas que eu era mais de ir a um restaurante, ou lugares tranquilo, pois não bebia, nem usava drogas.

Me disse aonde podia comprar material, tinham retirado os moveis do apartamento, só deixando um lugar para descansar, bem como um quarto montado.

Comprei o material necessário, talvez depois necessitasse de mais cores, pois tinha uma ideia diferente.

O primeiro lugar, foi justamente Washington Square, cheio de personagens típicos, que se misturavam com os estudantes. Todas as raças misturadas.

Eu falava um inglês a princípio malíssimo, mas mesmo assim me virava, levava na mochila, um catalogo do meu trabalho, mostrava, a maioria concordava, principalmente se eram jovens.

Ao contrário de outros, eu pedia que continua-se falando normalmente, eu ia os observando, depois mostrava o que tinha feito, tão rapidamente, já passava para outro lugar, havia gente jogando xadrez, jovens velhos, brancos, negros, todas as raças,

Personagens que eu ia amando.  As vezes se o dia estivesse bonito, ia ao central Park, aí sim era uma delícia, pois ao mesmo tempo que tinha pessoas ali relaxadas, passava um grupo a cavalo, policia, vi uns homens interessantes de uniformes, perguntei se podiam possar para mim, o que mais gostei, me olhou, riu, não podemos estamos de uniforme.  Me pediu meu cartão depois que mostrei meu trabalho, ali anotei o celular que usava ali, bem aonde vivia.

Um dia apareceu sem uniforme, o reconheci de imediato, disse que tinha ficado interessado na minha sinceridade, ele era do interior, não é habitual, encontrar pessoas como tu.

Ficamos conversando, acabamos na cama, me disse que tinha dois dias de folga, o desenhei sem roupa nenhuma, em várias posições, o deixava falando, de como pensava a vida, como se sentia ali, aonde todos queriam uma foda de uma noite.

Seguimos nos vendo, depois do trabalho ele vinha dormir comigo, eu estava descobrindo um mundo novo, uma nova maneira de fazer sexo, de me sentir bem com alguém.

Quando viu os desenhos que tinha feito dele, riu muito, isso seria um escândalo, tinha me contado que aonde vivia, andava muito a cavalo, que gostava de ir a um lago com seu cavalo, me mostrou uma foto sua de cabelos compridos, contava que entrava na água, como cavalo, que ficava deitado nu em cima dele.

Falei com o Philip, pois se fosse em Paris, sabia aonde conseguir, um desses cavalos, usados para mostrar alguma coisa, tinha visto um numa loja do Ralph Laurent.  Eles me emprestaram um já fora de uso.  Riu muito quando chegou de noite, viu o cavalo no meio do estúdio.

Me deu um beijo na boca, tirou a roupa toda, tinha um corpo espetacular, se deitou como eu já imaginava, iluminei, mas antes fomos para cama fazer sexo, pois estava como louco.

Nesse dia entendi o que era o amor, entre dois homens realmente.

Comecei a pinta-lo como imaginava, mas fiz milhões de desenhos, dele em muitas posições, ele deitado em cima do mesmo, ou segurando a crina postiça do cavalo, estava preocupado que o reconhecessem, mas o rosto dele, era como eu o via.

Agora tínhamos encontrado a maneira de fazer sexo que passei a amar, estar sentado, encaixado um no outro, em que podíamos nos olhar, falar ao mesmo tempo.

Philip quando o conheceu, soltou, que lastima que o encontraste antes, era capaz de me apaixonar, pela primeira vez tive ciúmes.

Os donos da galeria, vinham uma vez por semana, para olhar o trabalho.  Estavam fascinado, porque era como se alguém de fora realmente visse o mundo deles.

Depois de cinco meses, tinha quadros suficientes para duas exposições.

Agora saia mais com o John, meu policial favorito como eu lhe dizia, nos dias que ele estava livre, passávamos o dia inteiro na cama, nunca tinha me acontecido isso.  Com o André nos últimos tempos, era fazer sexo, ele virar para o lado, dormir, não havia emoção.

Eu agora tinha me livrado de qualquer atadura com meu passado, ou isso pensava.

Disse ao John que o queria ao meu lado na inauguração da exposição, ficou feliz, fomos os dois juntos, pela primeira vez andava de mãos dadas com uma pessoa.

Philip riu dizendo que fazíamos um casal perfeito, eu loiro, ele moreno.

Depois ficou conversando com o Philip, enquanto eu falava com os convidados, muitos me elogiaram, me pediram entrevista para jornais, bem como

para a televisão.  Os marchantes, encantados, me apresentaram uma senhora bem-vestida, que tinha comprado o quadro do John deitado em cima do cavalo, alisando sua crina.  Me perguntou se eu poderia fazer um retrato dela, adorava meu trabalho, tinha dois na sua casa.  Mistério resolvido.  Ficou de me chamar pelo celular, para combinarmos, lá pelas tantas, a escutei falando com outras senhoras, que eu era seu filho.  Fiquei gelado, minha cara de terror deve ter chamado a atenção do John que correu para meu lado, o que se passa.

Pedi ao Philip que levasse a mulher até o escritório da Galeria.   Ficamos frente a frente, ela sorriu, já descobriste verdade?

A escutei falando com outra senhora que sou seu filho.

É uma verdade, quando vi seu nome numa foto na sala do Philip, esse era o nome do teu pai, fiquei emocionada, procurei saber de ti.  Mandei pessoas ao Kibutz que vivias, mas tua avó se negou a falar com eles, quem falou foi um tio seu.  Confirmou que eras filho do irmão músico.

Queria voar a Paris, mas meu marido ainda era vivo, não ia me permitir, nem meus dois filhos, sim tens dois irmãos, um deles está aqui.  Este sabe tudo, me apoia.

Gostaria de poder te explicar tudo para que me entendas, talvez até me perdoe.  Queria gritar, mas não conseguia que saísse nenhum som da minha boca.

A fiquei olhando tristemente, a mãe com que tinha sonhado várias vezes estava ali na minha frente, mas algo me impedia de falar, tinha sim vontade de chorar, gritar, dar murros nas paredes.

Ela percebeu, abriu a porta, chamou uma pessoa que entrou, erámos super parecidos, quis me abraçar, mas não deixei, nunca tinha suportado abraços de pessoas estranhas, tinha sempre medo, esse tinha voltado com todas as forças, só sentia as lagrimas correndo pelo meu rosto.

Philip entrou com John, pois estavam preocupados, viram meu estado, pediram desculpas, me levaram dali, sai do que seria meu dia de glória, arrasado.

Me meteram com eles num taxi, me levaram para o apartamento.  Eu só conseguia ficar agarrado ao John, sem poder mover-me.

Dormi essa noite, depois de contar tudo a ele, Philip, ficou de vir no dia seguinte para conversarmos.

Ele entendeu, tinha uma parte de sua vida, também que era uma tragédia, por isso nos dávamos bem.

Ficou me embalando suavemente.   Repetiu uma duas vezes, justo no dia de sua glória, acontece isso.

Me despertei de noite no meio de um pesadelo com meu pai, com o velho professor abusando de mim, eu querendo que ele simplesmente me abraçasse, disse que me queria.  Meu pai nunca fazia isso.

John estava ali ao meu lado me abraçando.

Mas despertei de manhã com a cabeça despejada, quando Philip chegou com pão para o café da manhã, me contou uma parte da história que ele sabia.  Começava no dia que ele estava tratando de uns papeis para ela, ele tinha na parede uma foto que seu avô tinha lhe mandado do quadro, isso atraiu sua atenção, perguntou quem era o pintor, quando eu disse teu nome, se sentou tremendo.

Foi embora sem assinar os documentos, sei que ela é uma grande cliente dos da galeria, que eles compraram quadros seus para ela.    Ficou viúva a pouco tempo, nos últimos anos, foi ela quem levou a empresa do marido, agora está nas mãos do filho mais velho, uma pessoa como seu pai intratável.    O marido dela, era um judeu alemão, que dizem que colaborou com os Nazistas, pelo que sei foi um casamento para salvar o pai dela de uma bancarrota.

Ela sempre aparecia em alguma recepção que ele ia, segundo meu chefe, era como uma prisioneira.   Agora está livre, o filho que a acompanhava, é o menor, o mais agarrado a ela.

Ele estuda para rabino, coisa que ela não aprova.

Mais tarde o mesmo chamou para irem até a casa de sua mãe para conversar.  Ele disse ao John, acho que isso tem que se resolver agora, se não tens conflito de interesse Philip, preferia que me acompanhasse, tu também John, pois eres uma pessoa que confio.

Foram os três depois do almoço.   Era um daqueles apartamentos monstruosos, cheio de quadros e mais quadros.  O seu irmão Alfred, disse que ela adorava isso, a arte, sei que nem sabes direito seu nome, Judith Mansur.

Ela entrou em seguida, vestida simplesmente, com os cabelos puxados num coque severo, pediu para falar a sos com ele.

Veja sou sempre direta, contou que tinha ido a Tel Aviv, para conhecer a terra dos antepassados, com um grupo de companheiros da sinagoga.   Lá me perdi um dia na rua, quem me ajudou foi teu pai.   Me apaixonei por ele, me levou para seu velho studio, fiquei lá com ele semanas, depois me integrei ao grupo de novo, fomos de viagem por toda Israel, aos lugares santos como se dizem.  Mas notei que algo acontecia dentro de mim, a verdade era que não tomamos cuidados.  Voltei a Tel Aviv, me levou a um médico que disse que estava gravida, ele ficou como um louco de contente, pois me amava.  Eu também o queria, mas não saberia dizer se era amor.  Era jovem, queria viver.  Quando nasceste, meu pai apareceu, como uma fera, num dia que ele não estava, me chantageou, que iria perder sua empresa, que eu era a salvação.   Teu pai estava viajando, como sempre fazia aos finais de semana para se apresentar em algum lugar.   Meu pai contratou uma enfermeira para ficar contigo até ele voltar, me arrastou com ele, tudo que seu pai sabia de mim era que me chamava Judith.

Odiei o que seria meu marido desde o primeiro dia, pois era muito mais velho do que eu, afinal salvou a empresa de meu pai, mas nunca me permitiu quando descobriu que eu tinha um filho em Israel, ir atrás de ti.  Não posso dizer que era uma prisioneira, porque podia me mover, entre sua casa, a de meus pais.  Este esperto, me fez casar com separação de bens, assim recebi como herança sua empresa, que dirijo até hoje.

A outra empresa ficou com meu filho mais velho, que é igual ao pai, este seu pai mandou estudar na Alemanha, passou mais de 10 anos lá, é um completo estranho para mim.

Alfred, sonha em ser rabino, lhe digo que o que ele quer é purgar os pecados de seus pais, que escolha outra vida, sempre viveu perto de mim, pois não era parecido com seu pai.  Este piorou, pois pensou que eu o tinha enganado, chegou a fazer um teste de ADN, antes de fazer seu testamento.  Mesmo assim lhe deixou uma pequena parte, pois nunca se deram bem.

Estava tratando desses papeis, quando vi o quadro, quando cheguei perto, vi a assinatura do mesmo, como era uma foto, perguntei quem era, quando Philip me disse teu nome, gelei, era o sobrenome de teu pai.  Como te contei, procurei saber tudo sobre ti.

Comprei quadros através da galeria.

Não estou esperando que corras para o meu braço, que me grites mamãe, sei que não esperavas isso.

Sem querer me vi contando para ela, como tinha sido minha vida, o Kibutz, um pai que nunca chegava perto de mim, dizia que eu me parecia muito a ela, o que era uma verdade, bastava ver meu irmão Alfred para saber disso, do quanto tudo isso me criou problemas emocionais, que tinha sido uma pessoa que vivia atrás das pessoas procurando afeto.  A única que me protegeu a sua maneira, foi minha avó no Kibutz, quando me deixou partir, era porque sabia que eu era infeliz lá.

Agora pela primeira vez tenho a sensação de que amo alguém o John, sou gay se não entendeu ainda, por isso pintei esses quadros em que ele é o personagem.

Se nota que existe amor no que fazes.   Não sou eu quem vai te julgar, cada um tem direito a viver sua vida como quer.

Se quiseres podemos fazer um teste de ADN, para teres certeza, digo isso principalmente por causa do meu filho mais velho, que é capaz de causar problemas.

Foi ele que fez o pai, fazer o pedido de ADN, do Alfred, por achar que era diferente dele.

Se a senhora achar necessário, posso fazer, mas não necessito do seu dinheiro, hoje tenho sociedade na galeria aonde compraste os quadros, tenho um belo apartamento que recebi de herança de uma pessoa que me quis muito, amigo do avô do Philip.

Saímos do salão todos nos esperavam fora, John depois diria que esperava que eu fizesse um escândalo.   No dia seguinte fui com os dois fazer um exame de ADN, apenas para ter certeza de tudo.

O John tinha férias, fomos de viagem a San Francisco, um sonho dele.

Foi quando me contou como tinha ido parar em NYC, vivia numa fazenda com sua família, era o filho pequeno, quando sua mãe morreu, descobriu que não era filho dela, mas sim de sua filha mais velha.  O velho me queria ver pelas costas, me deu dinheiro, pediu que eu fosse embora, eu claro louco para ir pelo mundo.

Amava um companheiro de escola, ou pensava isso, pois comparando como que sinto por ti, nem chega aos pés, fizemos sexo, dias antes de ir embora, ele contou para todos os amigos da escola.

Cheguei aqui, fui estudar direito, mas acabei na polícia, embora não goste, espero uma chance para mudar de vida.

A viagem para eles foi como uma lua de mel.

Voltaram para NYC, todos os quadros tinham sido vendidos, eu tinha deixado autorização para pegarem os que estavam no studio.   Somente não podiam pegar um do John como um homem alado.  Este estava ali, mas não estava à venda.

Um canal de televisão me fez uma entrevista ali, na frente desse quadro.  Queriam saber como tinha sido triunfar em NYC, se pensava em ficar, eu disse que o triunfo era uma coisa de 10 minutos, que depois todo mundo se esquecia, a não ser que um quadro estivesse num museu.

Me perguntou se tinha algum.  Contei dos meus amigos velhos, da história do banco de jardim. Esses quadros, 80% deles, estão numa sala especial da cidade de aonde saíram.

Essa segunda leva, tem esse homem alado, segundo me disseram é um americano.

Sim meu namorado, o homem com quem vivo, que conheci quando cheguei aqui, mas não disse seu nome.

Isso sem querer causou problemas para o John, lhe pedi desculpas, mas pensei que na américa as pessoas eram mais livres de preconceito.

Isso o fez tomar uma medida, Philip o tinha convidado para trabalhar no escritório, ele pediu demissão da polícia.

Falei com Lia, que tinha esperado por eles, me contou que André estava internado, que tinha um problema sério. 

Pedi ao John para vir comigo, mas me disse que tinha sua chance agora, estava magoado com o que eu tinha falado.   Me despedi de minha mãe, bem como do meu irmão, esse sim aceitou o convite de vir comigo, queria ter alguém para pensar, com quem conversar sobre suas dúvidas.

Quando chegamos em Paris, o instalei num dos quartos, avisei a Lia, fui para o hospital.

André ainda brincou, que eu tinha trazido uma cópia minha americana, para ele, lhe expliquei que era meu irmão, que tinha encontrado minha mãe.

Depois ele muito sério me chamou de traidor, pois tinha descoberto que tinha sido eu que tinha comprado com a Lia a galeria.

Dois dias depois morreu, segurando minha mão, antes foi honesto, me pedia perdão por não saber me amar, que eu tinha sido o melhor da vida dele.

Para minha surpresa me deixou a outra galeria, não queria que caísse nas mãos dos irmãos, estes entraram na justiça, quando descobriram que a grande que queriam, tinha sido vendida a anos, que eles tinham prioridade na venda.  Mas perderam.

De tanto ver museus, ir a galeria Alfred, resolveu deixar a história de ser rabino, para estudar História da Arte, com tudo relacionado, orientado pela Lia, agora passava muitas horas com elas. Eu me sentia perdido, procurava falar sempre com o John, pensava em voltar a NYC, quando os dois apareceram em minha casa.  Estavam vivendo juntos, se davam bem, o Philip contou que tinha se apaixonado por ele, no dia que os apresentei.

Agora nos entendemos, por isso venho falar contigo, não quero que nos queira mal.

Estive para desmoronar, mas meu irmão estava ali, dias depois apareceu Judith minha mãe, que resolveu, já que Alfred ia viver ali, que ela ficaria, procurou um apartamento, deu ordem de venderem sua parte na empresa que era do pai, para o filho mais velho, esse dinheiro ela deu para o Alfred, bem como queria dar para mim.

Lhe disse que não precisava de nada.

Mas pelo menos agora tinha família.  Levei muitos anos depois sozinho, sem encontrar ninguém.

Um dia um amigo do Alfred, que tinha estudado com ele o veio visitar, eu quase ri, pois parecia que a América, era aonde eu encontrava minha meia laranja.

O avô do Alfred morreu, bem como seu amigo, os dois um em seguida do outro.

Agora com os três cremados, fui passar um tempo na vila de aonde tinha saído, como tinha um romance com Gabriel, o amigo do Alfred, o convidei para vir comigo.

Alugamos uma casa, fora da cidade, os filhos e netos, iriam construir um local especial para os três amigos, eu pintei na parede um mosaico dos três sentados no parque como os tinha conhecido, meu querido amigo, sentado no meio, o fundo era as árvores do jardim com as folhas todas amarelas, significando o outono desses homens que foram amigos a vida inteira.

O chão, também coberto pelas folhas, os filhos adoraram, só me pediram para não divulgar isso.    As pessoas apesar disso, vinha, olhar através da porta de vidro, o que estava pintado, embaixo de cada figura, estava uma caixa com as cinzas correspondente.

Ficamos nessa casa quase dois anos, deixei para o Alfred dirigir a galeria pequena, mas Lia estava ficando maior, ele iria cuidar da grande.

Eu falei com o Gabriel, se ele queria cuidar da outra, eu reformei o studio em cima, passava mais tempo lá com ele.

As vezes ia atravessar a rua, me lembrava do André saindo da mesma, com um revolver ameaçando os ladrões, hoje eu teria que agradecer os mesmo, por terem sem querer mudado minha vida.

Quando na França saiu o casamento gay, me casei como Gabriel, afinal levávamos tanto tempo juntos que não podia imaginar minha vida sem eles.

Depois de anos, recebi uma chamada do meu primo de Tel Aviv, precisava de mim.

Fui até lá imaginando algum problema financeiro, mas nada, ele tinha se casado, tinha dois filhos, um deles queria ser pintor, se eu podia orienta-lo, ele queria ir para a França, o trouxemos, é como se fosse meu filho, o orientei, ele tem uma ideia totalmente inversa, bem como uma maneira de pintar, que sem querer me fez pensar muito como fazer minha nova exposição.   Ele já expôs na galeria pequena, pois seu trabalho é mais conceitual, fez sucesso. Mesmo assim segue vivendo conosco, é como o filho que não tivemos.

As vezes nos pega, abraçados no sofá, se senta na frente diz que tem ciúmes, ou melhor inveja, pois não vê a hora de conhecer alguém para amar.   Sempre lhe dissemos que ele tem tempo.

Passamos uma larga temporada em Israel, fui conhecer o que não conhecia, meu primo ficava abismado como dinheiro que tinha, viajar num furgão como se fosse uma Motor home.   Mas os dois gostávamos.

Depois fizemos a ruta 66, juntos como Alfred, com meu filho August, aí sim alugamos uma Motorhome, foi genial, Alfred finalmente se abriu ao August, começaram uma relação os dois com muito medo e respeito.  Quem sabe dará certo.

Judith divide apartamento com Lia, ficaram amigas, enquanto viajamos, cada uma cuida de uma galeria.

Eu finalmente encontrei minha paz, creio que essa viagem, tudo que vi, pelo deserto, nasça em mim uma nova maneira de pintar.