lunes, 12 de septiembre de 2022

SOBREVIVER

 

                                        SOBREVIVER

 

Meu lema era sobreviver a qualquer custo, não importava os meios, nem tampouco o que caia no meio do caminho.

Toda minha vida, no fundo era como um poço sem fim, mistérios, coisas sem resolver, explicações nenhuma que me convencesse, mas seguia em frente, não havia outra, meu irmão gêmeo Jules, dizia que mal fizemos a Deus para estarmos sempre correndo.

Era uma verdade, nos dois, muito cedo fomos largados na casa dos meus avós, mas bem na mansão dos mesmos, quem nos criavam eram Elizabeth a governanta, com seu marido Jonathan, que era o faz tudo da mansão, comprava, levava, trazia, administrava, porque meu avô estava velho demais, tinha tido seu único filho, já com bastante idade, os outros dois morreram em guerras pelo vasto mundo.  Eram de uma família importante, ele era Sir Lancaster, mas cagava para isso.

Quando minha mãe morreu, numa tentativa de sequestro, meu pai que era um científico consagrado, nos deixou lá, tínhamos na época cinco anos.   Ele entrou para trabalhar num projeto ultra secreto do governo.

Meu avô morria de medo de que alguma coisa acontecesse.  Por isso, contratou mais guardas bosques, pois detrás da mansão existia um bosque muito denso.

Minha avô era uma mulher super inteligente, talvez por isso seu filho preferido era meu pai, ela nos ensinou a ler e escrever, em casa.  No almoço falava conosco em francês, porque era de uma família importante de lá.  Ou seja já tínhamos de pequenos duas línguas.  Foi ela que primeiro desconfiou, já que um dia encontraram a porta da biblioteca que dava para a parte da frente da mansão forçada.  Desconfiou pelo som do velho telefone, que tinha escutas, ela mesma abriu, viu um pequeno botão negro.  A partir de então todas as conversas eram no pátio traseiro, quando meu pai veio pela última vez, queria conversar com eles, ela lhe explicou a situação.   ele falou que até para ir ao banheiro, dentro do bunker que vivia, eram vigiados, como era exagerado, ao mesmo tempo divertido, soltou, creio que até minha merda é analisada.  Passeando pelo jardim, junto com Jonathan, discutiram quais as possibilidades que tínhamos de proteção.  Os meus pais, os dois tinham cabelos escuros, o que nos dava um parecido com ele tremendo, hoje em dia, depois de tantas coisas, não me lembro mais de sua cara, pois não tínhamos fotos deles.

Combinaram um código, para qualquer emergência.

Tudo começou um dia que um dos guardas-bosque prendeu um homem escondido com um rifle desses com objetivos, fiscalizando a casa. O Pegou de surpresa, era um homem imenso, por isso conseguiu reduzir o outro em instantes.   O homem não parecia falar inglês, resolveram por isso antecipar o que tinham combinado.

Nessa noite, Elizabeth, nos tingiu os cabelos de loiros, bem como os seus, do Jonathan, tudo isso foi falado,feito na noite escura. De madrugada, como o Jonathan, saia sempre no seu carro velho em direção ao mercado, ia com um chapéu enfiado na cabeça, na garagem minha avó, se despediu da gente, não tinha envolvido meu avô na história, pois estava com principio de Alzheimer, se interrogado podia soltar alguma coisa.

Íamos deitados no banco detrás, Elizabeth ia no porta-malas, quando chegaram a primeira cidade, embarcaram num trem em direção a Londres, não me pergunte como, ele conseguiu identidades falsas para eles, bem como para nós, passamos a ser seus filhos.

Embarcamos dois dias depois num voo noturno para Miami, mal chegamos alugou um carro, fomos para Albany, Georgia, mais para o interior.   Jonathan tinha um irmão que era monge, que dirigia um colégio, voltado para pessoas pobres, que não tinham possibilidades, ao mesmo tempo acolhiam em suas dependências, garotos que não tinham pais.  Os monges além do colégio, cultivavam a terra, os alunos internos, nos seus momentos livres tinham que ajudar em alguma coisa.

Nos deixaram ali, levavam um envelope imenso, que foi guardado no cofre da congregação.

A partir desse momento, eu passei a ser Joseph, meu irmão Gabriel, nos treinaram para obedecer com esses nomes, na escola tinham outro dois meninos como nós gêmeos também.

Nós fizemos amigos, vivíamos os quatro, nas horas livres jogando.  Eu era o todo ouvidos, era quem decifrava o que diziam os monges.  Foi assim que soube do sequestro do meu pai, creiam que tinham sido os russos, que a mansão tinha sido bombardeada, que todos tinham morrido.

Pelo irmão do Jonathan, escutei um dia falando com ele por telefone, eles não tinham voltado para lá.   Estava sempre espionando, gostava disso, lia os jornais da biblioteca.

Um dia li sobre uma matéria, que falava que um físico inglês, sequestrado, tinha feito estalar uma bomba dentro de um local escondido pelas autoridades, pois estava lá sequestrado.

Entendi que era meu pai, contei ao meu irmão, no nosso esconderijo preferido, que Jules encontrou por um acaso, quando brincávamos os quatro no bosque, adorávamos o jogo de esconder, os outros tinham que procurar, nesse dia, não houve jeito de encontrar ao Jules, até que nos chamaram para jantar.   Depois ele me levou lá em segredo.  Era uma pequena gruta, que estava escondida, por um espinheiro, ele encontrou uma maneira de abrir caminho.

Era um esconderijo perfeito, começamos a guardar coisas lá que roubávamos, roupa, hábito de monges, comida em lata, como nos preparando para o futuro.

Um dia, consegui escutar uma conversa do monge, dizendo que havia que tomar mais cuidado, pois tinham descoberto um sujeito, russo, andando por ali, bisbilhotando pela redondeza.

Consegui descobrir o segredo do cofre, me escondia no escritório do monge, o vi abrir o mesmo para guardar coisas.

A estas alturas, já estávamos com quase 15 anos. Tínhamos um corpo fantástico, de trabalhar no campo, nunca reclamávamos disso, pois na escola, não tinha a parte de esporte.

Os dois sempre fomos morenos, menos na época que nos tingiram os cabelos de loiros, os nossos amigos, ao contrário eram loiros, pareciam anjos de igreja.

Nunca falamos com eles do nosso esconderijo.  Cada vez tinha mais a sensação de perigo, um dia estava de castigo no corredor, quando escutei uma chamada urgente do Jonathan dizendo que tinham sido descobertos, que os monges olhassem por nós.  Tinham medo de ser torturados.

Meu irmão fazia o que eu mandava, mas não estava muito por esse labor, o mistério não era com ele, era tipo do sujeito, pão/pão, queijo/queijo.  Queria uma vida mais tranquila.

Quando a escola foi atacada, o mandei para o esconderijo, abri o cofre, numa bolsa coloquei todo o dinheiro que tinha ali, bem como o famoso envelope.

Consegui chegar a tempo, que começaram a matar os monges, levaram os dois meninos, creio que pensando que erámos nós, meu irmão queria sair para defendermos, eu tinha conseguido roubar uma arma que estava no cofre. Mas claro só tínhamos as balas que estavam nela.

Conseguimos sobreviver ali, quase vinte dias. Sabíamos que a polícia tinha vindo, que faltavam 4 garotos, os outros estavam mortos, não sobrou nenhum monge para contar a história, isso eu tinha visto, antes da polícia chegar.  Tinha chamado a polícia, depois limpado o telefone.

Sorte talvez de prestar atenção nos filmes policiais que passavam nos sábados, eu sempre prestava atenção em tudo, brigava com Jules por isso, estava sempre metido em sua cabeça, tinha dificuldade de assimilar que tínhamos que sobreviver.

Na bolsa vi que tínhamos bastante dinheiro, mas o que me surpreendeu foi no envelope, creio que era para nos entregar quando tivéssemos mais idade, era a posse da mansão, bem como dados de uma conta num banco na suíça.  Além de uns passaportes diplomáticos, vazios.

Guardei tudo na parte mais profunda da cova, nem meu irmão tinha visto nada, fiz isso enquanto dormia.

Teríamos que ir embora dali, antes que acontecesse alguma coisa, convenci meu irmão, para me seguir.  Não foi fácil, pois queria ficar ali escondido, lhe dava segurança.   Nunca soube se estava certo ou não.  Nos arrumamos, com roupas que tinha roubado dos outros quartos, nos abrigamos, com duas mochilas, fomos caminhando para Albany, os dois tínhamos um bom corpo, podíamos passar por mais idade.

Aluguei um quarto para os dois, procuramos emprego, logo conseguimos num campo mais afastado, íamos trabalhar no campo, deixei os cabelos crespos e negros crescerem, mas Jules não gostava, a barba apesar de rala, era o que nos fazia diferença pois ele era completamente sem barba.

Infelizmente um dia estávamos na parte mais distante do campo, caiu um temporal, fantástico, ele pegou uma pneumonia, vivia reclamando que já tínhamos fugido da Inglaterra, se nossa vida seria assim sempre.

Temos que sobreviver Jules, não importa como, isso na cabeça dele era um problema, a pneumonia, foi mal curada, quando chegou o inverno, como dormíamos em cima do celeiro, pegou alguma infecção.   Morreu dormindo.  O dono da fazenda queria chamar a polícia, mas o convenci de enterrar meu irmão ali no cemitério da mesma com sua família dizendo que não tínhamos ninguém na vida.

Voltei até o colégio, já tinha vida outra vez, mas fui até o local que tinha escondido tudo, segui deixando as coisas lá, apenas peguei mais dinheiro, para ir até aonde sabia que estavam Elizabeth, tinha que tentar saber o que tinha acontecido com eles.  A morte do meu irmão me pegou de surpresa, mas chorei o suficiente, pois tinha que seguir em frente, não entendia ainda essa parte minha de sobrevivência, levaria anos, para parar, analisar isso, talvez fosse uma coisa de genes.  Se Elizabeth e Jonathan estivessem vivos, pelo menos poderiam me orientar.

Fui até lá fazendo um zig-zag, para despistar, não sei bem o que.

Quando encontrei a casa que viviam, ali estavam uma família, que não tinha nada a ver com os dois.   Sabia que por ser um lugar pequeno não podia ir perguntando de cara, tinha era que escutar as histórias.  Fui a biblioteca do lugar, procurei ver o pequeno jornal da cidade, até que encontrei a noticia do que tinha acontecido, tinham torturado o Jonathan, ninguém sabia quem, mas Elizabeth estava numa clínica de repouso, a tortura tinha feito estrados na sua cabeça.

Arrumei um emprego na mesma como servente, até descobrir aonde estava, quando me viu, me deu mostra de me reconhecer, mas fez um sinal de que não falasse com ela.

Uma noite fui ao seu quarto, me puxou para perto do seu ouvido, me disse, aqui não, amanhã se fizer sol, no jardim.

Roubei um uniforme de ajudante, a tirei para passear na cadeira de rodas, ela me disse não se aproxime para escutar.  Estarei falando, mas faça como que estivesse me passeando, pois me vigiam.

Perguntei quem?

Me disse, os ingleses que querem saber aonde esta o teu pai, a CIA, que acha que ele trabalha para os russos, estes porque ele conseguiu escapar da explosão que provocou.

Não tenho ideia de aonde está.

Me disse que tinham torturado tanto o Jonathan, que ele morreu, mas não disse nada, fui eu que confessei o da escola, mas roubaram os garotos errados.

Aonde está Jules?

Contei a história falando baixinho para ela.

Só sobrevivemos nós dois, há sempre que sobreviver.  Sei que a mansão foi destruída pelos russos, não sobrou nada.

Voltar para lá impossível, use tudo que tenha no envelope, foi montado por teu pai, pela tua avó.   Mulher de fibra de coragem, estava ali.

Agora me leve para dentro, em seguida desapareça, um dia desse vão perceber que não tenho nada. Mas por enquanto vou me virando.

Fui embora, lamentando a morte de tanta gente, não tinha ideia do que meu pai fazia, mas devia ser algo perigoso, para tantos governos quererem.

Voltei para Albani, busquei os documentos, resolvi usar o passaporte que seria do Jules, atualizei o mesmo, me arriscando muito, fui para a Suiça, verifiquei que o banco era vigiado, eles não sabíamos como eu era, consegui consultar a conta, transferir uma parte, para uma conta que tinha aberto em Albani, depois já veria.

Quando sai, vi que um homem me seguia, me escondi, para minha surpresa era meu pai.

Conversamos, me explicou tudo, chorou muito quando soube da morte do meu irmão, do Jonathan, em que merda os fui meter me disse.

Não posso ficar contigo, sou um perigo ambulante, tentarei embarcar para a América do Sul, vamos ver se consigo viver ali.

Eu voltei para Albani, na verdade, não tinha ideia de como tratar meu pai, era um belo desconhecido, que tinha causado muitos problemas.

Vi que o banco estava vigiado, resolvi fazer uma coisa, seguir com uma identidade falsa, peguei o resto do dinheiro, fui me esconder numa cidade grande, Los Angeles.

Ali encontrei uma forma de viver, algumas vezes trabalhava, ou senão vivia com os homeless, embaixo de viadutos, ou algum lugar que tivesse muitos ex-combatentes.

Um dia fiz amizade com um sujeito, que era parecidíssimo comigo.  Ele vivia nas drogas, usava uma barraca ao lado da minha, tempos depois teve uma overdose, roubei seus documentos.

Assim podia ficar mais tranquilo, tínhamos o mesmo tipo físico, fui levando, mas cada vez mais era complicado, as vezes aparecia a polícia procurando por alguém.

Fiquei pensando muito no assunto, me lembrei das conversas com esse ex-militar, me dizia que muitos tinham entrado para a polícia.

Pensei, que melhor lugar para me esconder que no meio dos que me procuram.  Usando sua documentação, cortei os cabelos como o dele, deixei uma barbicha como ele usava, me apresentei na escola de polícia, consegui uma vaga.  Logo estava trabalhando numa das muitas delegacias complicadas de Hollywood.   Era bom no que fazia.

Consegui sobreviver mais de 10 anos, tinha um bom apartamento, carro, levava minha vida, nunca estava muito tempo com nenhuma mulher, pois logo queriam se casar, eu tinha como desculpas que sendo policial, estar casado era um problema, escutava o dia inteiro reclamações de casamentos falidos.  Não era a minha.

Chegou um momento que meu disfarce quase foi para a merda, apareceu um rapaz, dizendo que eram filho do homem que eu suplantava.  Queria o conhecer, fiz amizade com ele, explicando que a vida no exército tinha destroçado a minha, por isso não tinha voltado a cidade de origem.  Nunca seria bom pai, ficamos amigos, ele só me dizia uma coisa, me achava mais jovem do que imaginava seu pai.

Mas foi embora, graças a deus, ia fazer universidade, em San Francisco, trocamos número de celular, para nos comunicarmos.

Nas primeira férias que tive, fui a Londres de lá como se fosse um turista a mais, entrei pelo interior.   As terras tinham sido vendidas, para pagarem os impostos atrasados, como se a família não existisse.

De lá fui para a Suiça, raspei a conta, transferindo através de outro banco para a conta do meu novo eu.  As vezes ria muito olhando-me no espelho.

Uma parte desse dinheiro, depositei na conta do rapaz que era seu filho, para lhe ajudar nos estudos.  Lhe disse que eram minhas economias, que sempre lhe mandaria algo para seguir seus estudos.

Vinha sempre me visitar, pois não tinha outros parentes.  Um dia me soltou na cara, que se eu não fosse seu pai, se apaixonaria por mim, pois ninguém o tinha tratado tão bem na vida.

Uma vez fui ferido, ele veio para me cuidar.

Quando fiquei bom, se sentou na minha frente, soltou, acabo de descobrir te cuidando que não eres meu pai, ele tinha uma marca de nascença, que tu não tens, podes me contar a história.

Lhe contei o que podia contar.

Ele riu, eu sabia, era tudo muito bom, pois a última notícia que tínhamos, era que vivia nas drogas, tu estas mais limpo que um santo.  Era verdade, não tinha vícios nenhum, não fumava, nem bebia, fazia exercícios sempre, era considerado pelos companheiros um atleta.

Lhe perguntei se me ia denunciar.

Nem pensar, sei que ele não teria me ajudado como fizeste, não sei se por sentimento de culpa ou porque me querias na verdade.  Tens sido um amigo que sempre posso contar.  Só não posso te amar mais do que posso imaginar.

Um dia se meteu na minha cama, eu só fazia sexo com mulheres, para me desafogar, mas nunca sentia nada.   As vezes preferia uma punheta, pois sabia meus pontos débeis, do que procurar alguém.

Gostei de fazer sexo com ele.

Vinha investindo todo o dinheiro que tinha, dava para uma boa vida, mas simples, deixei a polícia, fui viver em Venice Beach, numa casinha pequena que comprei, ia à praia, arrumei um pequeno emprego para o verão.  Ben vinha me visitar, fazíamos sexo, quando acabou a faculdade, arrumou um emprego ali perto, passamos a viver juntos.  Tínhamos o cuidado de não falar muito na família, não era um problema quanto ao nome, pois ele usava o sobrenome de sua mãe.

Um dia vi no jornal, que tinham capturado meu pai, na Argentina, que vivia ali muitos anos escondidos, que seria julgado pelo que tinha provocado, um produto que tinha desenvolvido para os militares, tinha escapado do controle deles, muitas vezes aparecia nas mãos de algum terroristas.

Fiquei pensando em ir até aonde seria o julgamento, mas ele passou uma carta a um jornalista, antes de se suicidar, com uma capsula de cianureto.

Pensei até o final, dramático.  Lamentava tudo isso, mas nunca tinha sentido nada por ele, tinha nos abandonado com cinco anos, as vezes para me lembrar de sua cara, tinha que fazer um esforço para mais ou menos imaginar.

A carta foi publicada no NY. Times, contava que todos os governos eram culpados, o tinham obrigado a desenvolver o produto químico usado hoje nas guerras.  A ideia dele, com minha mãe era outra, mas bastou os governos descobrirem que podia ser usado de outras maneiras para o pressionarem.   Dizia que tinha sido prisioneiro, primeiro dos Ingleses, depois dos russos, que tinha se vingado, depois dos americanos que o tinha ajudado a escapar da Rússia, sempre me diziam que seria livre.   Mas tudo que consegui, foi perder a minha família inteira, não mencionava que eu estivesse vivo.

Pedia perdão ao que podia ter causado, no meio tinha uma frase, você, que conseguiu sobreviver, siga em frente.

Isso originou uma série de debates, quem conseguiu sobreviver? Era a questão, nunca contei nada disso ao Ben, seguimos sim vivendo tranquilamente.

Eu sou muito mais velho que ele, será normal que morra antes, por isso, mantenho minha cabeça ocupada, trabalhando sempre em alguma coisa que goste.  Nunca mais voltei a gruta, ali só existem documentos que não servem para nada, não me interessa reclamar um título inglês, tampouco existe ali dinheiro.    Só roupas velhas, uma caixa com esses documentos, bem enterrados, se antes de nós, aquilo esteve escondido tantos anos, que continuasse assim.

Só tenho lastima hoje em dia da morte do meu irmão, dos meninos que levaram pensando que eram nosotros, bem como os monges que nos cuidaram tão bem.

Que adiantava agora, aparecer depois de tantos anos, para reclamar uma merda, pois sempre seria visto como o filho do homem que desenvolveu produtos mortíferos.

Seria como ser o filho do homem que inventou o gás para os nazistas.  Teria sempre na testa uma marca maldita.

Resolvi seguir com minha vida, aparentemente calma.  Ben, hoje é um profissional respeitado, mas cuida do que é nosso.  Sempre achei engraçado esse sentimento que ele desenvolveu, que o confundi-o num primeiro momento, esse amor pelo seu pai, que ele mal conhecia.  Depois ficou com medo disso, amar fisicamente um pai, era complicado, um complexo digno de tragédia grega, mas quando soube da verdade, se entregou.  Eu que não tinha experiencia de amar ninguém, aprendi a ama-lo para toda a vida.

Nunca me cobrou nada, nem se interessou sobre o meu passado.  Se algum dia alguém descobrir o que estava na gruta, que faça bom proveito, pois não passam de um monte de papel ridículos de títulos de nobreza, essas merdas.

Vou levando a vida, hoje quase cinquenta anos depois, posso confessar que vivi, sobrevivi, escapei de uma morte desde o primeiro momento.

Como sempre lastimo, a perda de Jules, ele nunca entendeu por que tínhamos que sobreviver, nem tampouco do que fugíamos, pois não se interessava por saber aonde iam os tiros.  Tudo que ele queria era levar uma vida normal.

Talvez por ter consciência de que no fundo não erámos normais, me fez buscar sempre a sobrevivência. 

Inclusive comemoro o aniversário do pai do Ben, nunca o meu.  Mais do que nunca agradeço sempre é a esse homem que morreu lutando por sua pátria, de quem roubei o nome, sua história, mas que foi enterrado como um qualquer.    Como foi o caso do Jules, foi enterrado embaixo de uma árvore, num lugar que não era o nosso, como um desconhecido qualquer, pois o seu nome tampouco era verdadeiro.

Só tinha medo disso, um dia o Alzheimer borrar o que me resta de lucidez, morrer sem saber quem sou na verdade.

 

 

 

 

 

 

 

 

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