SOBREVIVER
Meu lema era
sobreviver a qualquer custo, não importava os meios, nem tampouco o que caia no
meio do caminho.
Toda minha vida,
no fundo era como um poço sem fim, mistérios, coisas sem resolver, explicações
nenhuma que me convencesse, mas seguia em frente, não havia outra, meu irmão
gêmeo Jules, dizia que mal fizemos a Deus para estarmos sempre correndo.
Era uma verdade, nos
dois, muito cedo fomos largados na casa dos meus avós, mas bem na mansão dos
mesmos, quem nos criavam eram Elizabeth a governanta, com seu marido Jonathan,
que era o faz tudo da mansão, comprava, levava, trazia, administrava, porque
meu avô estava velho demais, tinha tido seu único filho, já com bastante idade,
os outros dois morreram em guerras pelo vasto mundo. Eram de uma família importante, ele era Sir
Lancaster, mas cagava para isso.
Quando minha mãe
morreu, numa tentativa de sequestro, meu pai que era um científico consagrado,
nos deixou lá, tínhamos na época cinco anos.
Ele entrou para trabalhar num projeto ultra secreto do governo.
Meu avô morria de
medo de que alguma coisa acontecesse.
Por isso, contratou mais guardas bosques, pois detrás da mansão existia
um bosque muito denso.
Minha avô era uma
mulher super inteligente, talvez por isso seu filho preferido era meu pai, ela
nos ensinou a ler e escrever, em casa.
No almoço falava conosco em francês, porque era de uma família importante
de lá. Ou seja já tínhamos de pequenos
duas línguas. Foi ela que primeiro
desconfiou, já que um dia encontraram a porta da biblioteca que dava para a
parte da frente da mansão forçada.
Desconfiou pelo som do velho telefone, que tinha escutas, ela mesma
abriu, viu um pequeno botão negro. A
partir de então todas as conversas eram no pátio traseiro, quando meu pai veio
pela última vez, queria conversar com eles, ela lhe explicou a situação. ele falou que até para ir ao banheiro,
dentro do bunker que vivia, eram vigiados, como era exagerado, ao mesmo tempo
divertido, soltou, creio que até minha merda é analisada. Passeando pelo jardim, junto com Jonathan,
discutiram quais as possibilidades que tínhamos de proteção. Os meus pais, os dois tinham cabelos escuros, o
que nos dava um parecido com ele tremendo, hoje em dia, depois de tantas
coisas, não me lembro mais de sua cara, pois não tínhamos fotos deles.
Combinaram um
código, para qualquer emergência.
Tudo começou um
dia que um dos guardas-bosque prendeu um homem escondido com um rifle desses
com objetivos, fiscalizando a casa. O Pegou de surpresa, era um homem imenso,
por isso conseguiu reduzir o outro em instantes. O homem não parecia falar inglês, resolveram
por isso antecipar o que tinham combinado.
Nessa noite,
Elizabeth, nos tingiu os cabelos de loiros, bem como os seus, do Jonathan, tudo
isso foi falado,feito na noite escura. De madrugada, como o Jonathan, saia
sempre no seu carro velho em direção ao mercado, ia com um chapéu enfiado na
cabeça, na garagem minha avó, se despediu da gente, não tinha envolvido meu avô
na história, pois estava com principio de Alzheimer, se interrogado podia
soltar alguma coisa.
Íamos deitados no
banco detrás, Elizabeth ia no porta-malas, quando chegaram a primeira cidade,
embarcaram num trem em direção a Londres, não me pergunte como, ele conseguiu
identidades falsas para eles, bem como para nós, passamos a ser seus filhos.
Embarcamos dois
dias depois num voo noturno para Miami, mal chegamos alugou um carro, fomos
para Albany, Georgia, mais para o interior.
Jonathan tinha um irmão que era monge, que dirigia um colégio, voltado
para pessoas pobres, que não tinham possibilidades, ao mesmo tempo acolhiam em
suas dependências, garotos que não tinham pais.
Os monges além do colégio, cultivavam a terra, os alunos internos, nos
seus momentos livres tinham que ajudar em alguma coisa.
Nos deixaram ali,
levavam um envelope imenso, que foi guardado no cofre da congregação.
A partir desse
momento, eu passei a ser Joseph, meu irmão Gabriel, nos treinaram para obedecer
com esses nomes, na escola tinham outro dois meninos como nós gêmeos também.
Nós fizemos
amigos, vivíamos os quatro, nas horas livres jogando. Eu era o todo ouvidos, era quem decifrava o
que diziam os monges. Foi assim que
soube do sequestro do meu pai, creiam que tinham sido os russos, que a mansão
tinha sido bombardeada, que todos tinham morrido.
Pelo irmão do
Jonathan, escutei um dia falando com ele por telefone, eles não tinham voltado
para lá. Estava sempre espionando,
gostava disso, lia os jornais da biblioteca.
Um dia li sobre
uma matéria, que falava que um físico inglês, sequestrado, tinha feito estalar
uma bomba dentro de um local escondido pelas autoridades, pois estava lá
sequestrado.
Entendi que era
meu pai, contei ao meu irmão, no nosso esconderijo preferido, que Jules
encontrou por um acaso, quando brincávamos os quatro no bosque, adorávamos o
jogo de esconder, os outros tinham que procurar, nesse dia, não houve jeito de
encontrar ao Jules, até que nos chamaram para jantar. Depois ele me levou lá em segredo. Era uma pequena gruta, que estava escondida,
por um espinheiro, ele encontrou uma maneira de abrir caminho.
Era um
esconderijo perfeito, começamos a guardar coisas lá que roubávamos, roupa,
hábito de monges, comida em lata, como nos preparando para o futuro.
Um dia, consegui
escutar uma conversa do monge, dizendo que havia que tomar mais cuidado, pois
tinham descoberto um sujeito, russo, andando por ali, bisbilhotando pela
redondeza.
Consegui
descobrir o segredo do cofre, me escondia no escritório do monge, o vi abrir o
mesmo para guardar coisas.
A estas alturas,
já estávamos com quase 15 anos. Tínhamos um corpo fantástico, de trabalhar no
campo, nunca reclamávamos disso, pois na escola, não tinha a parte de esporte.
Os dois sempre
fomos morenos, menos na época que nos tingiram os cabelos de loiros, os nossos
amigos, ao contrário eram loiros, pareciam anjos de igreja.
Nunca falamos com
eles do nosso esconderijo. Cada vez
tinha mais a sensação de perigo, um dia estava de castigo no corredor, quando
escutei uma chamada urgente do Jonathan dizendo que tinham sido descobertos,
que os monges olhassem por nós. Tinham
medo de ser torturados.
Meu irmão fazia o
que eu mandava, mas não estava muito por esse labor, o mistério não era com
ele, era tipo do sujeito, pão/pão, queijo/queijo. Queria uma vida mais tranquila.
Quando a escola
foi atacada, o mandei para o esconderijo, abri o cofre, numa bolsa coloquei
todo o dinheiro que tinha ali, bem como o famoso envelope.
Consegui chegar a
tempo, que começaram a matar os monges, levaram os dois meninos, creio que
pensando que erámos nós, meu irmão queria sair para defendermos, eu tinha
conseguido roubar uma arma que estava no cofre. Mas claro só tínhamos as balas
que estavam nela.
Conseguimos
sobreviver ali, quase vinte dias. Sabíamos que a polícia tinha vindo, que
faltavam 4 garotos, os outros estavam mortos, não sobrou nenhum monge para
contar a história, isso eu tinha visto, antes da polícia chegar. Tinha chamado a polícia, depois limpado o
telefone.
Sorte talvez de
prestar atenção nos filmes policiais que passavam nos sábados, eu sempre
prestava atenção em tudo, brigava com Jules por isso, estava sempre metido em
sua cabeça, tinha dificuldade de assimilar que tínhamos que sobreviver.
Na bolsa vi que
tínhamos bastante dinheiro, mas o que me surpreendeu foi no envelope, creio que
era para nos entregar quando tivéssemos mais idade, era a posse da mansão, bem
como dados de uma conta num banco na suíça.
Além de uns passaportes diplomáticos, vazios.
Guardei tudo na
parte mais profunda da cova, nem meu irmão tinha visto nada, fiz isso enquanto
dormia.
Teríamos que ir
embora dali, antes que acontecesse alguma coisa, convenci meu irmão, para me
seguir. Não foi fácil, pois queria ficar
ali escondido, lhe dava segurança.
Nunca soube se estava certo ou não.
Nos arrumamos, com roupas que tinha roubado dos outros quartos, nos
abrigamos, com duas mochilas, fomos caminhando para Albany, os dois tínhamos um
bom corpo, podíamos passar por mais idade.
Aluguei um quarto
para os dois, procuramos emprego, logo conseguimos num campo mais afastado, íamos
trabalhar no campo, deixei os cabelos crespos e negros crescerem, mas Jules não
gostava, a barba apesar de rala, era o que nos fazia diferença pois ele era
completamente sem barba.
Infelizmente um
dia estávamos na parte mais distante do campo, caiu um temporal, fantástico,
ele pegou uma pneumonia, vivia reclamando que já tínhamos fugido da Inglaterra,
se nossa vida seria assim sempre.
Temos que sobreviver
Jules, não importa como, isso na cabeça dele era um problema, a pneumonia, foi
mal curada, quando chegou o inverno, como dormíamos em cima do celeiro, pegou
alguma infecção. Morreu dormindo. O dono da fazenda queria chamar a polícia,
mas o convenci de enterrar meu irmão ali no cemitério da mesma com sua família
dizendo que não tínhamos ninguém na vida.
Voltei até o
colégio, já tinha vida outra vez, mas fui até o local que tinha escondido tudo,
segui deixando as coisas lá, apenas peguei mais dinheiro, para ir até aonde
sabia que estavam Elizabeth, tinha que tentar saber o que tinha acontecido com
eles. A morte do meu irmão me pegou de
surpresa, mas chorei o suficiente, pois tinha que seguir em frente, não
entendia ainda essa parte minha de sobrevivência, levaria anos, para parar,
analisar isso, talvez fosse uma coisa de genes.
Se Elizabeth e Jonathan estivessem vivos, pelo menos poderiam me
orientar.
Fui até lá
fazendo um zig-zag, para despistar, não sei bem o que.
Quando encontrei
a casa que viviam, ali estavam uma família, que não tinha nada a ver com os
dois. Sabia que por ser um lugar
pequeno não podia ir perguntando de cara, tinha era que escutar as
histórias. Fui a biblioteca do lugar,
procurei ver o pequeno jornal da cidade, até que encontrei a noticia do que
tinha acontecido, tinham torturado o Jonathan, ninguém sabia quem, mas
Elizabeth estava numa clínica de repouso, a tortura tinha feito estrados na sua
cabeça.
Arrumei um
emprego na mesma como servente, até descobrir aonde estava, quando me viu, me
deu mostra de me reconhecer, mas fez um sinal de que não falasse com ela.
Uma noite fui ao
seu quarto, me puxou para perto do seu ouvido, me disse, aqui não, amanhã se
fizer sol, no jardim.
Roubei um
uniforme de ajudante, a tirei para passear na cadeira de rodas, ela me disse
não se aproxime para escutar. Estarei
falando, mas faça como que estivesse me passeando, pois me vigiam.
Perguntei quem?
Me disse, os
ingleses que querem saber aonde esta o teu pai, a CIA, que acha que ele
trabalha para os russos, estes porque ele conseguiu escapar da explosão que
provocou.
Não tenho ideia
de aonde está.
Me disse que
tinham torturado tanto o Jonathan, que ele morreu, mas não disse nada, fui eu
que confessei o da escola, mas roubaram os garotos errados.
Aonde está Jules?
Contei a história
falando baixinho para ela.
Só sobrevivemos
nós dois, há sempre que sobreviver. Sei
que a mansão foi destruída pelos russos, não sobrou nada.
Voltar para lá
impossível, use tudo que tenha no envelope, foi montado por teu pai, pela tua
avó. Mulher de fibra de coragem, estava
ali.
Agora me leve
para dentro, em seguida desapareça, um dia desse vão perceber que não tenho
nada. Mas por enquanto vou me virando.
Fui embora,
lamentando a morte de tanta gente, não tinha ideia do que meu pai fazia, mas
devia ser algo perigoso, para tantos governos quererem.
Voltei para
Albani, busquei os documentos, resolvi usar o passaporte que seria do Jules,
atualizei o mesmo, me arriscando muito, fui para a Suiça, verifiquei que o
banco era vigiado, eles não sabíamos como eu era, consegui consultar a conta,
transferir uma parte, para uma conta que tinha aberto em Albani, depois já
veria.
Quando sai, vi
que um homem me seguia, me escondi, para minha surpresa era meu pai.
Conversamos, me
explicou tudo, chorou muito quando soube da morte do meu irmão, do Jonathan, em
que merda os fui meter me disse.
Não posso ficar
contigo, sou um perigo ambulante, tentarei embarcar para a América do Sul, vamos
ver se consigo viver ali.
Eu voltei para
Albani, na verdade, não tinha ideia de como tratar meu pai, era um belo
desconhecido, que tinha causado muitos problemas.
Vi que o banco
estava vigiado, resolvi fazer uma coisa, seguir com uma identidade falsa,
peguei o resto do dinheiro, fui me esconder numa cidade grande, Los Angeles.
Ali encontrei uma
forma de viver, algumas vezes trabalhava, ou senão vivia com os homeless,
embaixo de viadutos, ou algum lugar que tivesse muitos ex-combatentes.
Um dia fiz
amizade com um sujeito, que era parecidíssimo comigo. Ele vivia nas drogas, usava uma barraca ao
lado da minha, tempos depois teve uma overdose, roubei seus documentos.
Assim podia ficar
mais tranquilo, tínhamos o mesmo tipo físico, fui levando, mas cada vez mais
era complicado, as vezes aparecia a polícia procurando por alguém.
Fiquei pensando
muito no assunto, me lembrei das conversas com esse ex-militar, me dizia que
muitos tinham entrado para a polícia.
Pensei, que
melhor lugar para me esconder que no meio dos que me procuram. Usando sua documentação, cortei os cabelos
como o dele, deixei uma barbicha como ele usava, me apresentei na escola de
polícia, consegui uma vaga. Logo estava
trabalhando numa das muitas delegacias complicadas de Hollywood. Era bom no que fazia.
Consegui
sobreviver mais de 10 anos, tinha um bom apartamento, carro, levava minha vida,
nunca estava muito tempo com nenhuma mulher, pois logo queriam se casar, eu
tinha como desculpas que sendo policial, estar casado era um problema, escutava
o dia inteiro reclamações de casamentos falidos. Não era a minha.
Chegou um momento
que meu disfarce quase foi para a merda, apareceu um rapaz, dizendo que eram
filho do homem que eu suplantava. Queria
o conhecer, fiz amizade com ele, explicando que a vida no exército tinha destroçado
a minha, por isso não tinha voltado a cidade de origem. Nunca seria bom pai, ficamos amigos, ele só
me dizia uma coisa, me achava mais jovem do que imaginava seu pai.
Mas foi embora,
graças a deus, ia fazer universidade, em San Francisco, trocamos número de
celular, para nos comunicarmos.
Nas primeira
férias que tive, fui a Londres de lá como se fosse um turista a mais, entrei
pelo interior. As terras tinham sido
vendidas, para pagarem os impostos atrasados, como se a família não existisse.
De lá fui para a
Suiça, raspei a conta, transferindo através de outro banco para a conta do meu novo
eu. As vezes ria muito olhando-me no
espelho.
Uma parte desse
dinheiro, depositei na conta do rapaz que era seu filho, para lhe ajudar nos
estudos. Lhe disse que eram minhas
economias, que sempre lhe mandaria algo para seguir seus estudos.
Vinha sempre me
visitar, pois não tinha outros parentes.
Um dia me soltou na cara, que se eu não fosse seu pai, se apaixonaria
por mim, pois ninguém o tinha tratado tão bem na vida.
Uma vez fui
ferido, ele veio para me cuidar.
Quando fiquei
bom, se sentou na minha frente, soltou, acabo de descobrir te cuidando que não
eres meu pai, ele tinha uma marca de nascença, que tu não tens, podes me contar
a história.
Lhe contei o que
podia contar.
Ele riu, eu sabia,
era tudo muito bom, pois a última notícia que tínhamos, era que vivia nas
drogas, tu estas mais limpo que um santo.
Era verdade, não tinha vícios nenhum, não fumava, nem bebia, fazia
exercícios sempre, era considerado pelos companheiros um atleta.
Lhe perguntei se
me ia denunciar.
Nem pensar, sei
que ele não teria me ajudado como fizeste, não sei se por sentimento de culpa
ou porque me querias na verdade. Tens
sido um amigo que sempre posso contar.
Só não posso te amar mais do que posso imaginar.
Um dia se meteu
na minha cama, eu só fazia sexo com mulheres, para me desafogar, mas nunca
sentia nada. As vezes preferia uma
punheta, pois sabia meus pontos débeis, do que procurar alguém.
Gostei de fazer
sexo com ele.
Vinha investindo
todo o dinheiro que tinha, dava para uma boa vida, mas simples, deixei a
polícia, fui viver em Venice Beach, numa casinha pequena que comprei, ia à
praia, arrumei um pequeno emprego para o verão.
Ben vinha me visitar, fazíamos sexo, quando acabou a faculdade, arrumou
um emprego ali perto, passamos a viver juntos.
Tínhamos o cuidado de não falar muito na família, não era um problema
quanto ao nome, pois ele usava o sobrenome de sua mãe.
Um dia vi no
jornal, que tinham capturado meu pai, na Argentina, que vivia ali muitos anos
escondidos, que seria julgado pelo que tinha provocado, um produto que tinha
desenvolvido para os militares, tinha escapado do controle deles, muitas vezes
aparecia nas mãos de algum terroristas.
Fiquei pensando
em ir até aonde seria o julgamento, mas ele passou uma carta a um jornalista,
antes de se suicidar, com uma capsula de cianureto.
Pensei até o
final, dramático. Lamentava tudo isso,
mas nunca tinha sentido nada por ele, tinha nos abandonado com cinco anos, as
vezes para me lembrar de sua cara, tinha que fazer um esforço para mais ou
menos imaginar.
A carta foi
publicada no NY. Times, contava que todos os governos eram culpados, o tinham
obrigado a desenvolver o produto químico usado hoje nas guerras. A ideia dele, com minha mãe era outra, mas
bastou os governos descobrirem que podia ser usado de outras maneiras para o
pressionarem. Dizia que tinha sido
prisioneiro, primeiro dos Ingleses, depois dos russos, que tinha se vingado,
depois dos americanos que o tinha ajudado a escapar da Rússia, sempre me diziam
que seria livre. Mas tudo que consegui,
foi perder a minha família inteira, não mencionava que eu estivesse vivo.
Pedia perdão ao
que podia ter causado, no meio tinha uma frase, você, que conseguiu sobreviver,
siga em frente.
Isso originou uma
série de debates, quem conseguiu sobreviver? Era a questão, nunca contei nada
disso ao Ben, seguimos sim vivendo tranquilamente.
Eu sou muito mais
velho que ele, será normal que morra antes, por isso, mantenho minha cabeça
ocupada, trabalhando sempre em alguma coisa que goste. Nunca mais voltei a gruta, ali só existem
documentos que não servem para nada, não me interessa reclamar um título
inglês, tampouco existe ali dinheiro. Só roupas velhas, uma caixa com esses
documentos, bem enterrados, se antes de nós, aquilo esteve escondido tantos
anos, que continuasse assim.
Só tenho lastima
hoje em dia da morte do meu irmão, dos meninos que levaram pensando que eram
nosotros, bem como os monges que nos cuidaram tão bem.
Que adiantava
agora, aparecer depois de tantos anos, para reclamar uma merda, pois sempre
seria visto como o filho do homem que desenvolveu produtos mortíferos.
Seria como ser o
filho do homem que inventou o gás para os nazistas. Teria sempre na testa uma marca maldita.
Resolvi seguir
com minha vida, aparentemente calma.
Ben, hoje é um profissional respeitado, mas cuida do que é nosso. Sempre achei engraçado esse sentimento que
ele desenvolveu, que o confundi-o num primeiro momento, esse amor pelo seu pai,
que ele mal conhecia. Depois ficou com
medo disso, amar fisicamente um pai, era complicado, um complexo digno de
tragédia grega, mas quando soube da verdade, se entregou. Eu que não tinha experiencia de amar ninguém,
aprendi a ama-lo para toda a vida.
Nunca me cobrou
nada, nem se interessou sobre o meu passado.
Se algum dia alguém descobrir o que estava na gruta, que faça bom
proveito, pois não passam de um monte de papel ridículos de títulos de nobreza,
essas merdas.
Vou levando a
vida, hoje quase cinquenta anos depois, posso confessar que vivi, sobrevivi,
escapei de uma morte desde o primeiro momento.
Como sempre
lastimo, a perda de Jules, ele nunca entendeu por que tínhamos que sobreviver,
nem tampouco do que fugíamos, pois não se interessava por saber aonde iam os
tiros. Tudo que ele queria era levar uma
vida normal.
Talvez por ter
consciência de que no fundo não erámos normais, me fez buscar sempre a
sobrevivência.
Inclusive
comemoro o aniversário do pai do Ben, nunca o meu. Mais do que nunca agradeço sempre é a esse
homem que morreu lutando por sua pátria, de quem roubei o nome, sua história, mas
que foi enterrado como um qualquer.
Como foi o caso do Jules, foi enterrado embaixo de uma árvore, num lugar
que não era o nosso, como um desconhecido qualquer, pois o seu nome tampouco
era verdadeiro.
Só tinha medo
disso, um dia o Alzheimer borrar o que me resta de lucidez, morrer sem saber
quem sou na verdade.
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