lunes, 27 de abril de 2020

BLACK IS BEAUTIFUL


                                         Black is Beautiful



Hoje cedo na rua do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi.

Eu quero, preciso de Amor, dos negros do Congo ou daqui.



Quando lhe pediram para cantar a mesma música que era seu carro chefe, abaixou a cabeça, seus cabelos brancos imensos, caíram cobrindo totalmente sua cara.  Começou a dedilhar no piano sua música, sem querer tinha transformado em sua, uma música que muita gente antes tinha cantado.

Era o ano de 1980, Rio de Janeiro, a princípio considerou como seu ano maldito, era um domingo, voltava da praia com seu namorado, fazia um bom tipo, magro, alto 1,90 metro, cabelos imensos, queimados do sol, tinham estado falando, falando, se sentia esgotado de tanto falar.  A relação tinha ido para o caralho.  Depois de tudo que tinha feito, pensava, tinha largado tudo por esse amor, renunciado a uma carreira no teatro, começavam a lhe chamar para outros trabalhos, mas claro, pensou que amava. 

Este avisava, que ia de férias, quando voltasse, não queria mais nada dele em seu apartamento, sentia muito, mas o que pensava que era amor, tinha se acabado, queria novas experiencias.

Ficou puto da vida, nem casa, teria dentro de um mês.  Chegou, tomou um banho, tinha comprado dois ingressos para assistir o último dia do show de um cantor que amava, seu amigo de longa data, tinham começado na mesma época sua trajetória pelo Rio de Janeiro.  Nenhum dos dois era dali.

Ele tinha desistido de cantar, pois, tinha a voz de baixo, adorava os musicais, passava nos testes de dança, pois era bom nisso, mas quando abria a boca, diziam que não tinham nenhum papel para este tipo de voz.   Uma grande atriz ainda lhe disse, com todo seu tamanho, irias tapar o ator principal. Foi ele que disse que não, mas não desista, eres bom.

O jeito foi montar ele mesmo um espetáculo completamente maluco, primeiro tinha que passar na censura.  Com muito jeito, conseguiu enganar para os dias da estreia o censor, compartia palco com um amigo.  Ele tinha escrito o roteiro.  A cena mais importante, era o amigo contando a historia de como se tinha descoberto gay, vestindo a roupa da mãe, escondido.  Enquanto isso ele fazia a mesma cena de costa.                             No final do monologo, ele se virava lentamente, transformado no outro, soltava toda sua voz, num grito profundo, começava a cantar uma música composta pelos dois, o público não esperava isso, uma pessoa travestida, cantando com aquela voz de baixo, fazendo falsetes em jazz.

Fizeram uma temporada inteira, com a crítica falando dos dois.  Alguns falavam mais dele, o que ocasionou um choque entre os dois, de amigos, passaram a ser dois inimigos em cena.  Mas as pessoas diziam que o espetáculo tinha ficado melhor.  Nunca mais se falaram quando acabou a temporada.

Logo o chamaram para mais trabalhos, mas nunca nada interessante, como tinha um trabalho fixo, foi levando.     A paixão bateu em sua porta, num dia de chuva, quando saia da academia de dança.   Tinha feito uma aula de Jazz.   A professora teve que sair, como sempre lhe disse que seguisse com a aula.  Ele era bom.   Na época quando estudava, os momentos livres era para isso, aprender todos os tipos de dança, aulas de canto. 

Seu corpo era de fazer inveja, segundo diziam no banheiro depois da aula quando tomava banho, de costa para os outros, lhe dava vergonha ficar nu na frente dos outros.  Nunca conseguiu se livrar disso.

Chovia a mares nunca dantes navegados, como ele gostava de dizer, das chuvas de verão no Rio de Janeiro.  Nada que se esperasse um pouco, logo acabaria.   Saia um aluno, que já tinha falado com ele antes, tinha visto seu trabalho, as vezes ele substituía a professora que estava cheia de problemas no momento, era uma maneira de ganhar algo de dinheiro.

Lhe ofereceu uma carona. 

Vais para aonde? 

A resposta lhe deu uma surpresa, para aonde queiras, desde que acabe na cama contigo.

Acabaram realmente na cama, embora nessa época tivesse, entre aspas, relacionamento com um homem casado, se encontravam quando podiam.  Mas isso para ele era ótimo, levava sua vida.

Se deram bem em tudo, despertou nele um sentimento, que tinha pensado não ser capaz, por esse sentimento, começou a trabalhar período integral para poder conviver no apartamento do outro.   Foi uma má decisão, agora o colocava para fora.

Quando ia se vestir para sair, o outro fumava um baseado, entraram seus amigos, sem sequer lhe dizer boa tarde, cada um foi deixando um baseado numa taça de barro que tinha em cima da cômoda, não teve conversa, passou a mão em meia dúzia.

Vestiu uma camiseta justa branca, uma calça boca de sino, desenho dele mesmo, enrolou na cintura um  tela indiana, misturada com lantejoulas, por cima uma camisa imensa branca, uns sapatos brancos que ele também tinha desenhado, com mais cinco centímetros de sola de cortiça, assim ficava mais alto ainda.

Foi duro conseguir um taxi, quando chegou no teatro, já tinha fumado 3 baseados, fumou mais dois de raiva antes de entrar.  O show já estava começando, seu amigo já estava em cena, ele estava tão tonto que não sabia aonde se sentar, o amigo do palco lhe disse para sentar na primeira fila pois tinha um lugar vazio.

Adorava a voz do amigo, era um tom mais baixo que a dele. Conhecia todo seu repertorio, mas quando ele disse, vou cantar uma música que sei que meu amigo adora, começou a cantar Black is Beautiful.  Sem se dar conta, estava eletrizado começou a cantar junto.  O amigo parou, de cantar, gente, esse sujeito tem uma puta voz, mas nunca lhe deixam cantar direito, faz milhões de casting, mas como é alto, quase não chama a atenção, a plateia riu a bessa.  Suba, cante tu dessa tua maneira a música.   A princípio ficou com vergonha, mas tinha aprendido a falar com os músicos seu tom, lhes disse que da segunda parte para o final, subiria dois tons.

Tirou a camisa, deixando que todo seu bronzeado, no seu corpo extremamente branco aparecesse.  Abaixou a cabeça, deixando que seus cabelos caíssem sobre sua cara, começou a cantar.

Hoje cedo na rua do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi,  eu quero e preciso de amor, dos negros do congo ou daqui.  Abriu seu vozeirão, que até ele mesmo se surpreendeu, depois entendeu que estava incorporado por um Exu.   Foi subindo cada vez mais, quando foi chegando ao final, fez um sinal aos músicos, esse pararam de tocar, cantou o resto a capela, o público aplaudiu em pé.

Seu amigo, rindo falou, nasceu uma estrela, lastima que no céu dessa santa pátria, nenhum cantor com esse tipo de voz, faz milagres.   Lhe disse, depois vá até o camarim.

Desceu do palco, esperando que o amigo cantasse uma outra música que finalizava o show.

A doidera ainda rodava sua cabeça, riu para si mesmo, só mesmo eu, para transformar um momento de merda, numa coisa assim.   Sempre tinha sido assim, quando uma porta se fechava ele pulava uma janela, ou se atirava do balcão, buscando outra chance.

Esperou que os fans falassem com o amigo, encostado numa parede fumando um cigarro, ao seu lado se encostou um negro da sua altura, lhe disse que tinha amado sua parte no show, mas falava em inglês.   Se se preocupar muito começou a conversar com ele em Inglês, sua segunda língua.    Estava ali conversando, seu amigo saiu já pronto do camarim, dizendo, uau, nem preciso apresentar os dois. 

Jacobo Magstein,  um produtor de New York, veio assistir pela segunda vez meu show, ficou deslumbrado contigo.

Tu parecias incorporado, meu amigo, que espetáculo, te digo sempre és uma bomba pronta para explodir.

Sem saber como, no outro dia despertou na cama do Jacobo.                      Não se lembrava de absolutamente nada.               Este disse, não se preocupe, não fizemos nada do que possas te arrepender.

Riu, me arrependo de muitas coisas, não podia tirar os olhos do corpo dele, enrolado numa toalha, vem vá tomar um banho, porque dançaste ontem como um louco.  Ninguém podia contigo.

Ia pegar sua roupa, mas sentiu o cheiro que vinha dela, cigarro, bebida, tudo que se pode sentir depois de uma discoteca.

Acho melhor deixar para tomar um banho em casa.

Nada disso, pedi café para os dois,  tirou do armário umas bermudas, uma camiseta, ficaram bem nele.  Tomou um banho demorado, ainda em cinco minutos se lembrou porque tinha saído de casa na noite anterior. 

Se sentaram tomaram café, contou ao Jacobo, quando ele lhe perguntou por que seu amigo tinha feito um comentário a respeito de sua voz.    Falou de todos os casting que tinha feito, depois te mostro um vídeo de um espetáculo que acabei montando para poder ser alguém nesse pais.            Mas o incrível, era que não podia deixar de olhar aquele homem, porque se interessava por ele.

Jacobo foi honesto quando lhe perguntou por quê?   Fiquei alucinado quando te vi subir no palco, como se estivesse na sala de tua casa, soltar a voz daquela maneira, cheguei a ficar excitado, queria subir fazer sexo contigo ali mesmo.

Agora quem estava de boca aberta era ele.   Replicou dizendo, pelo que vi, o teatro estava cheio de gente bonita.

Nada como tu, tens energia, magia, essa tua voz.  Te imagino cantando jazz.

Quando colocou a sua mão sobre a dele para lhe agradecer, sentiu uma vibração diferente.

Acabaram finalmente na cama, fazendo o que não tinham feito.  Na hora do orgasmo, soltou um urro.   Estava colocando para fora tudo que sentia, mas agora tinha um prazer que tinha confundido, pela pessoa que o tinha deixado.

Jacobo tremia, caralho, nunca pensei que ia acontecer isso no Brasil.

Ele riu, Jacobo, não sou brasileiro, nasci em Paris a séculos atrás, meu pai é francês, minha mãe alemã, vieram para cá esperando ficarem ricos, vivem no sul, numa casa de madeira, que cai aos pedaços, numa terra imensa.   Eu escapei.

Passaram todo o domingo juntos, no quarto tinha um piano, cantou várias músicas que gostava, inclusive uma da Billie Holiday que amava.   Claro tinha transposto a mesma para sua voz. 

Não queres vir comigo para New York?

Como ir contigo, não tenho dinheiro para isso, mas para fazer o que?

Posso te lançar no teatro por lá, sou produtor.   Estou de férias para esquecer um amor mal resolvido.

Então estas como eu, amor mal resolvido.

Mas nunca senti o que senti hoje de manhã contigo na cama.

Tens certeza de que queres me levar?

Sim, tenho, corro o risco.

Na segunda feira pediu demissão de seu emprego, tirou passaporte, na terça, foi com ele ao consulado americano, conseguiu um visto de trabalho, uma coisa difícil de conseguir.

Seu amigo vibrava, sabia que ia acontecer isso, quando ele te viu, seus olhos se escancararam, depois na discoteca, quando encontraste teus amigos da escola de dança, improvisaste uma coreografia com eles, ele não fechava a boca.  Me disse que tudo teu era espontâneo.

Bom de qualquer maneira tinha que me pirar daqui, pois me colocaram para fora do apartamento.

Eu sei me contaste ontem.   O melhor não sabes, enquanto estavas dançando, vieste até o Jacobo, lhe deste um puta beijo na boca, nesse momento entravam teu ex com seus amigos ricos.  Parou ficou de olhos abertos, virou as costas foi embora.  Fica na minha casa, até ires embora.

Não, fico no hotel com ele, adoramos fazer sexo, ficar abraçados.  Agora entendo o que sentia pelo outro, um simples reflexo de mim mesmo, querendo ser amado.

Já tinha retirado toda sua roupa da casa do Ex como dizia seu amigo.   Inclusive sua máquina de costura. 

Jacobo perguntou para que queria uma máquina?

Eu aprendi a costurar, com minha mãe, a roupa que usava ontem, quase todas minhas roupas, faço eu, é muito difícil encontrar roupa para o meu tamanho.

Jacobo já tinha comprado o bilhete de avião para ele, trocou o pouco dinheiro que tinha por dólares,   ainda pensou, deve dar para comprar um palito, para tirar o resto de um hot Dog dos dentes.

Iam em classe turística,  mas estava feliz, Jacobo dormiu no avião ele ficou olhando para o rosto do outro.  Era um homem extremamente bonito.

O apartamento era bom, nem grande nem pequeno, mas podia se acomodar com ele.  Abriu um armário, estava cheio de trajes de homem sério.    

Jacobo ficou puto da vida, passou a mão no telefone, disse para alguém que se não viesse recolher sua roupa, jogava tudo pela janela.     Meia hora depois bateu na porta um rapaz, um mulato, mais baixo do que ele, sem dizer uma palavra, me olhou de cima a baixo, bom proveito, recolheu suas coisas foi embora.

Esse filho da puta tem muita cara, o peguei na minha cama com outro, ainda se faz de vítima, diz que nunca o soube satisfazer na cama.  Soube depois que me colocou o chifre com muita gente.

Ele foi honesto, pois eu me sinto fantástico contigo na cama, basta ver esses dias todos.

Eu sei, também me sinto assim, mais agora que me sinto livre.  Amanhã vou te levar a um lugar, para cantares, mas te digo é só o começo, pois tem muito que brilhar.

Não lhe disse aonde era, só disse coloque uma das tuas roupas de fechar o comercio.  Ele colocou uma camiseta de lantejoulas negra, uma calça negra, que era uma cópia dos marinheiros americanos, boca de sino, uma sandália alta, com a sandália ficava mais alto que o Jacobo.

Este ria, já não chamarei mais atenção, mas todo mundo vai saber que sou teu amante.

Tomaram um taxi, pararam num lugar com porta dupla, só dizia Club.  Quando entraram viu que todo mundo falava com Jacobo, a grande maioria eram negros.  Se sentiu como uma galinha branca num terreiro de galinhas negras, vão me matar. 

Ao contrário, todos o olhavam com curiosidade.    No momento cantava um grupo de garotas jovens todas negras.  Lhes faltava algo.

Jacobo disse, em seguida vão de apresentar.

De fato, o apresentador, fez colocarem um piano em cena, soltou que nome difícil, Louis Daguerre.  Ele se levantou, Jacobo disse, canta Black.  Ele entendeu.

Se sentou no piano, inclinou a cabeça, começou a cantar, quando estavam as meninas cantando, se escutava a voz de pessoas falando.  Tudo era silencio, primeiro cantava em português, quando chegou na parte alta, passou a cantar em inglês.  Terminou com a cabeça jogada para traz, com seus cabelos fazendo uma cascata.   Todo mundo aplaudia muito.  Lhe entregaram um papel, era do Jacobo, canta Billie.

Porra na terra dela, cantar até era uma ofensa.   Pegou no microfone, falou, me pediram para cantar uma música, de uma cantora que admiro muito.  Mas claro não tenho a voz dela, fiz uma versão para minha voz, The Man I Love.  Mudava o ritmo um pouco, baixou o tom de voz, como se estivesse rouco.   Se imaginou se arrastando bêbado pelas ruas, atrás do homem perfeito.

Quando terminou, os aplausos era imensos, com todo mundo em pé.

O apresentador, disse one big star Louis Daguerre.  Mas pediam para continuar, outra em português, não se fez de rogado, cantou a música do seu espetáculo, mas o fez a capela, em pé no meio do foco, em cima dele.    Sabia que Jacobo tinha amado o vídeo.  Depois cantou a mesma em Inglês.  Soltou-se como fazia no espetáculo, dançando, cantando, desceu a plateia, mexeu com alguns homens que estava ali, como fazia.

Quando chegou perto do Jacobo, viu que estava enciumado, como o foco estava neles, disse my man.

Nunca mais faça isso, morri de ciúmes, todo mundo te devorava.

Mas quem me leva para cama es tu.

Se amaram essa noite como loucos, ele porque estava se sentindo fantástico, o outro porque tinha ciúmes, viu que todos o tinha devorado.

Passou se apresentar no Club, todos os finais de semana, aumentaram inclusive o que lhe pagavam, pois vinham de outros clubes para vê-lo cantar.   Ele gostava disso, do contato direto com o público, nunca mais cantou a música que deixava o Jacobo com ciúmes.

Agora tinha dinheiro para alugar uma sala na Broadway para fazer aulas de dança ele só.

Estava ali um dia, quando apareceu na porta um homem que ficou olhando ele dançar com uma música tremendamente sensual. 

Se apresentou com André Croix, disse que era produtor da Broadway, que estava selecionando gente para fazer um casting.  Ele disse que lhe daria o cartão ao seu agente para marcar alguma coisa.  Disse aonde cantava nos finais de semana.

Falou com Jacobo, este não gostou, agora percebia que era um pouco controlador, lhe disse isso, não gostava que o controlassem.  Já perdi demais na minha vida por quererem controlar minha vida.  Lhe disse que eras meu agente.  Tu que sabes, ou posso chamar, ir sozinho.

A contra gosto Jacobo chamou, o André disse que iria nessa noite assistir o show que fazia no Club, agora cantava mais músicas, uma parte em português outra em inglês. Se atrevia inclusive com uma da Carmen Miranda.

Depois André Croix disse que gostava da sua versatilidade, em colocar a voz.

Foram anos trabalhando duro, não ia contar dos casting no Brasil, quando sempre o colocavam para fora.

Deixou que os dois negociassem,  era para um segundo papel numa obra.  Já sabia que ele cantava, dançava, agora teria apenas de fazer um teste para falar o texto.

Quando leu o mesmo, esperando a vez de se apresentar.  Leu, que o personagem era de Puerto Rico, tinha conversado com vários deles no camarim, sabia como falavam, carregando em algumas frases.      Assim fez o texto, tinha decorado o mesmo, ficou com o papel. Mas poderia manter o espetáculo que fazia no Club.    Inclusive André Croix, conseguiu um cartão de residente permanente, a princípio teria que voltar ao Brasil, mas Jacobo conseguiu que ele fizesse show um final de semana em Toronto. 

Quando voltou, já estava como residente.  Percebia que Jacobo cada vez o vigiava mais, pois pensava que estava interessado no André.   Nem tinha lhe passado pela cabeça isso, era um tipo que não lhe interessava o mais mínimo.

Quando começaram os ensaios, ele gravava de primeira as modificações que o diretor fazia, o texto era uma coisa inovadora na época, um musical, com fundo gay.                  Se saia bem na coreografias, bem como cantando, ou falando com sotaque de Puerto Rico.  Muitos pensavam realmente que ele era de lá.   Lhe chamavam de branquinho de Puerto Rico, falavam com ele em castelhano das ilhas.  Ele respondia igual.

Convidou os companheiros para assistirem o show, depois do espetáculo.

Depois de meses em cartaz, já estava chegando a conclusão que gostava mais do show do Club, mas claro queria o dinheiro para sua independência.   Notava que as coisas com o Jacobo iam cada vez pior.   Tentou por duas vezes conversar com ele a respeito.                Aceitava que tinha ciúmes, que como não ia ter ciúmes com um pedaço de homem como ele.

Lhe explicou mil vezes que não se via assim, como ele dizia.  Se saio do teatro contigo, vou ao show contigo, como vou ter amantes.

Jacobo foi fazer um contato fora, voltou dias depois, sem querer soltou depois de terem se amado com saudades, do corpo um do outro, que o tinha mandado seguir, para saber aonde andava.    Foi a gota d’água.   Ficou furioso, te agradeço ter chegado aonde cheguei, mas isso está passando dos limites.  Não estou gostando nada do rumo que está tomando tudo isso, se descubro mais uma coisa desta, vou embora.

Mas não precisou muito, o espetáculo ia começar uma tournée, ele ia cair fora, pois não queria sair de New York, apesar de odiar o inverno, estava aguentando bem.  O diretor do espetáculo, o chamou, lhe ofereceram para fazer o papel principal, durante os dois últimos meses que ficaria na cidade.    Aceitou, as pessoas se surpreenderam, de repente deixou de ter o sotaque de Puerto Rico, para ter o sotaque de um sulista. Como estava mais branco do que nunca, pois aonde ir para se queimar ao sol.    A crítica elogiou seu trabalho dizendo que esse papel lhe caia como uma luva. Que realmente ele bordava fazer o personagem.   Numa entrevista, lhe perguntaram como o fazia.

Observo as pessoas falando, apesar de já saber falar inglês, procuro estar sempre falando melhor, falou do seu show no Club, o convidou para ir, ver outra faceta dele.  Sabia que ele adorava Dinah Washington, ensaiou para cantar Cry me a River, como estava tão branco, passou a só usar roupas negras, nesse dia pediu ao pianista da orquestra que ensaiasse com ele.   Tinha feito uma roupa que era um escândalo, mais parecia uma saia.  Quando viu que o entrevistador entrava na sala, avisou o pianista que era a primeira música.  Já tinha ensaiado com a iluminação.   Era o piano, ele, nada mais.   Acendeu a luz, estava de costa, quando se virou, a cara do outro era ótima, quando soltou a voz, cantando quase num sussurro,  sentiu que estava provocando o mesmo, era o mais famosos dos entrevistadores da televisão.

Não se atreveu a olhar o Jacobo, pois sabia que estaria furioso, não gostava que mudasse o show.  Os aplausos foram imensos. Agradeceu ao pianista, longe de querer competir com a deusa de alguns, aprendi a gostar dela também,  mais uma para ver se aprendi direito a lição da diva.  Cantou Ain’t Misbehavin, mas ele tocando o piano, desta vez mudou a voz rouca, de quem canta na orelha do amado.

O público veio abaixo. Quando desceu do palco todos vinham falar com ele, André disse, se segues dessa maneira, perderei para alguma grande casa de show.  Nunca disse ao André que não tinha nenhum contrato assinado com o Jacobo. 

Quando o entrevistador veio falar com ele, tens que voltar ao programa, para fazer isso, amei, lhe deu o cartão, se podes podíamos gravar na sexta-feira aqui, para apresentar no programa de domingo, no horário nobre.   Lhe deu dois beijos no rosto de despedida.

O escândalo do Jacobo, foi imenso. Queria pegar o cartão para rasgar.   Estas falando da minha carreira que está se levantando, nem pensar.  Sei que tudo devo a ti, mas não se esqueça que ganhas dinheiro a minhas custas, além de que não tenho na realidade nenhum contrato contigo.

Por um acaso pensaste em convidar o mesmo para o show?   Não, quem fez o contato com o André Croix, fui eu não tu,  a única coisa que fizeste, amo de paixão esse trabalho é no Club, ouvi dizer que querias que cancelassem o meu show, tiveste a coragem de dizer ao dono, que não quer os homens olhando para mim.

Acho uma besteira, porque eu não olho para eles, mas eu te avisei que aquele último escândalo teu era o último.  Eu nunca esqueço nada. Amanhã vou embora, nos seguiremos vendo, mas vou viver sozinho.

Não posso ter você o dia inteiro atrás de mim.    Estas deixando atrás teus outros representados, acorda de uma vez. 

No dia seguinte, procurou encontrou um studio, não precisava de mais nesse momento.  Seguiu fazendo o espetáculo de teatro, bem como o Show do Club, tinha se esquecido de chamar o apresentador, foi esse que o procurou outra vez no Club.  Lhe pediu que falasse com o proprietário do local, ele não queria problemas.   O outro concordou imediatamente.

Estava sempre com o Jacobo, as vezes dormia em sua casa, outras ele na dele. Mas não tinha a chave.   Não gostou quando soube que seria gravado com convidados do apresentador.  Muita gente do mundo da música, do teatro.   Ficou anunciando diariamente nos programas anteriores. Um especial que faria com um artista brasileiro que era como o filho mais novo da cidade, que tinha vencido por ele mesmo. 

No princípio da entrevista ele disse, não venci sozinho, fui descoberto no Brasil, por Jacobo, depois aqui ainda tive outro padrinho o André Croix.  Foi encaixando música com entrevista. Ele perguntou como tinha conhecido o Jacobo no Brasil.  Fui ao show de um grande amigo, disse seu nome, um grande cantor, começamos juntos.  Estava chateado por um problema amoroso,  me tinham colocado no olho da rua.  Vi vários baseados, não tive conversa, roubei, fumei todos.  Quando cheguei ao show, um pouco atrasado meu amigo me fez sentar na primeira fila,  ele começou a cantar uma música que adoro.  Já fez parte do show, se quiseres posso fazer para ti.  No camarim, tinha várias roupas dele.   Se vestiu como nesse dia, pediu a pequena banda do Club tocar,   Subiu ao palco, todo de branco, quando retirou a camisa disse, a diferença era que estava moreno de praia.                      Se soltou no palco, parecia que estava incorporado.  

Houve um intervalo, viu que Jacobo estava no camarim.  Trocou outra vez de roupa, agora todo de negro.  

Ele disse com uma cara triste, estas conquistando o mundo com isso tudo, eu ficarei para trás. Nada disso, sabes que te quero.  Realmente o queria muito, afinal tudo devia a ele.

O show para a televisão durou mais uma hora, quando saiu, não viu ninguém lhe esperando, perguntou ao porteiro pelo Jacobo.   Foi embora daqui acompanhado por um rapaz.

Filho da puta, foi a casa dele, abriu a porta nu.   Já me abandonaste, estou procurando alguém para me dar prazer. Viu um rapaz que não devia ter nem 18 anos.   Mas Jacobo é um menor de idade.

É um puto, estou pagando para que me dê prazer.

Foi embora, no dia seguinte acordou com a polícia batendo na sua porta.   Os atendeu, sim estive na casa dele ontem, mas estava com um rapaz.

Pois o mesmo além de o roubar o matou.

Ele caiu no chão com todo seu tamanho.            Puta merda, ficou totalmente desconsolado, como pode uma pessoa fazer isso, foi tudo que pensou.   Avisou o André, pois tinha que ir a delegacia, para ver se reconhecia quem estava na casa.   Quando disse quem era, pois o tinha visto bem, soube que tinha 16 anos.   Puta merda.         O rapaz alegou que o André depois que ele tinha ido embora, não quis mais fazer sexo, tampouco pagar, que só estava fazendo uma cena de ciúmes.

Que idiota, ficou furioso, prometeu que nunca mais ia querer alguém o controlando.

Quando André quis que ele fechasse um contrato com ele, como agente, se negou, a partir de agora, ele só faria o que queria.    O enterro foi muito triste, poucas pessoas, pensou, deixas de brilhar as pessoas desaparecem.

Em vez de ir de tournée com o teatro, lhe apareceu outra oportunidade, com o André, agora tinha fácil o trabalho, estava conhecido pela entrevista.   Era um musical, muito interessante, mas assinou contrato por seis meses, com o compromisso de avisar no quinto mês se continuava ou não.  Fez o mesmo durante um ano, ao mesmo tempo que o show no Club.  Mas ao final estava cansadíssimo.   O musical ia para San Francisco, aceitou só porque precisava de sol, todo dinheiro que ganhava, mal tinha tempo para gastar, tudo estava no banco investido, para quem não tinha um puto quando chegou, agora até tinha demais.

Adorou San Francisco, por recomendação de um que atuava no Club, foi a uma casa noturna assistir ao show.  Se apresentou ao dono, esse disse que tinha visto a entrevista com o show, que gostava muito.

Estou farto desse show que tenho, o contrato acaba agora, se queres de deixo montar alguma coisa, repartimos lucros, bem como eres livres para o trabalho.   Já conhecia os americanos, exigiu um contrato com tudo isso, levou a um advogado, para saber se tinha letras pequenas.

Ele disse que se qualquer coisa ele não gostasse, viesse falar com ele.  Era um cara super bonito, vi teu show, com meu namorado da época, quando fui a New York, diziam que era o que havia de melhor, fui a contra gosto, mas gostei demais.

O convidou um dia que tivesse livre para jantar.   Mas acabou não acontecendo nada, ficaram amigos, Ruby Carrasco, era descendente de mexicanos, mas não entendiam os dois, porque, se sentiam atraídos, mas não funcionavam na cama.   Ficavam nervosos os dois, daí ficarem amigos.

Fez um casting, com os que já estavam trabalhando, só ficou com um jovem que estava iniciando, os outros tinham vícios demais, só sabiam fazer uma coisa.

Quando começou a entrevistar primeiro as pessoas, foi encontrando gente que buscava uma saída para seu talento, foi separando essas pessoas.  No novo grupo, quem mais se destacava era um japonês, diferente dos outros pois tinha a mesma altura dele.  Experimentou fazer uma dupla com ele.  Funcionou.                      Montou um espetáculo, primeiro arrumou um pequeno apartamento, foi a NYC, buscar suas coisas.   se despediu dos poucos amigos que tinha, seguiu em frente.

Nesse local ficou mais de 10 anos, até que foi convidado para montar um show em Las Vegas, lá encontrou o que buscava, como sempre procurou uma casa pequena, fora do centro da cidade, as pessoas se impressionavam, pois se movia de ônibus, ou quando muito de taxi.  Só levou com ele Ken Takano, muitos pensavam que tinham algum romance, mas nada mais longe da verdade.

Se davam bem no palco.          Montou dessa vez partes exclusiva para ele,  apesar do show fazer sucesso, sentia falta de uma coisa, como tinha no Club.   Procurou um lugar, mas estava difícil, um dia vagabundeando durante seu dia de folga, viu um anúncio de venda de um bar.  Entrou para ver, era uma cópia do Club, talvez um pouco melhor, examinou o local com o dono, precisava de uma reforma geral.  Ficou interessado, o que fez foi chamar o Ruby Carrasco, para vir até lá, revisar tudo, contratos, contabilidade do local, não queria se encontrar com nada escuro demais.

Depois de um exaustivo trabalho, fecharam negócio, fez uma puta reforma, lhe recomendaram uma pessoa para cuidar da obra.  Amor à primeira vista,  começaram a discutir o que ele queria, acabaram na cama.  Além de fazer obras, era polícia, viveu com ele, mais de 10 anos, se adoravam.               Agora tinha seu próprio Club, foi deixando os shows grandes,  seu clube era indicado pelos hotéis, quando procuravam um lugar especial.  Era como ele sonhava, mesmo depois de tanto tempo juntos, todo momento livre estavam juntos.   Artho era mistura de muitas raças, era um tipo completamente diferente, alto como ele, moreno, cabelos super negros, os dois juntos faziam um casal diferente.  Não se escondiam de ninguém, ao contrário, foi viver na casa dele, fora do centro, aonde tinha piscina, lá podia tomar banho de sol que tanto amava, longe de olhares curiosos.  Podia fazer sexo na piscina, sem problema nenhum.  Quando ele passou a inspetor, dois anos depois levou um tiro, correu como um louco para o hospital, mas só pode se despedir.  Artho só lhe disse, siga em frente, foste o amor de minha vida, isso nada nem ninguém vai poder tirar.   Herdou a casa dele, ficou vivendo lá, os primeiros meses foram uma tragédia, pois cada troço da casa tinham escolhidos juntos.  Mas superou, cantando toda as noites, agora entendia as grandes do Jazz.   Descobriu numa loja de jazz, disco de Sam Cooke, ficou encantado com sua voz.  Ele não tinha o mesmo tom, mas transferiu para sua voz, algumas coisas que ele cantava.  Durante a semana quando não tinha nenhum cantor ou artista convidado, se sentava ao piano, podia ficar horas desfiando canções.    Mas gostava mesmo do final de semanas quando a casa estava cheia.               Continuava fazendo suas próprias roupas, ideando os shows.    

Pediu a Ruby, que viesse como sempre verificar suas contas, queria que olhasse se ia tudo bem, tinha dinheiro, mas não aproveitava muito.  Levava uma vida simples, seu luxo era fazer seus shows como queria.   Mas sabia que algum momento, seria ultrapassado, pois, as novidades em termos de música não paravam.  Queria conversar com alguém que confiasse.

Quando viu Ruby ficou preocupado.  Nunca o tinha visto tão em baixa, quando perguntou o que passava, não esperava a resposta que recebeu.

Nunca me entendo sexualmente com as pessoas, elas se cansam de mim rapidamente, veja conosco, nem chegamos direito a cama.

Ora Ruby, nem sabias beijar direito.              Venha vou te ensinar, dessa brincadeira de ensinar, encontrou uma parte dele mesmo no outro.   Tu eres como eu, quando cheguei a cidade, mas porque deixaste o tempo passar.  

Sempre fui apaixonado por ti, mas tinha medo de ser rejeitado novamente, sempre fui desajeitado quando se tratava de sexo.  Nunca soube me comportar, se devia ser um machão na cama ou ser frágil.   Contigo descobri que tenho que ser eu mesmo.

Se mudou para Las Vegas, estavam juntos até hoje.  Hoje segundo  Louis, faziam quarenta anos que tinha saído do Brasil.

Quem sabe seja hora de fazer uma visita ao teu pais. Visitar tua família?

Nem sei ir aonde vivem. Olha a figura que sou hoje em dia, mais pareço um americano, mal sei falar português, além das músicas que canto, que hoje já devem estar todas no passado.

Ruby estava tão saído, que adorava ver o corpo dos dois, apertados um ao outro no espelho, seja se ele estivesse na frente ou atrás.    Deixou o clube com o Ken, que já estava farto de fazer musicais nos cassinos.   Queria paz.

Foram os dois, via Los Angeles.  Quando chegaram ao Rio de Janeiro, quem os esperava era seu amigo, com que tinha sempre mantido contato.   Estava mais gordo, para Ruby foi como encontrar uma pessoa conhecia, de tanto que escutava falar dele.

Rapidamente descobriu que já não era brasileiro, todos só falavam com ele em inglês, quando tentava falar em português tinha que ficar buscando na memória palavras, já não sou daqui.

Ficaram num hotel, bom em Copacabana, seu amigo arrumou uma pessoa para passear com eles pela cidade.  Um dia o levou a Rua do Ouvidor que tinha escutado quando ele cantava, ficou decepcionado,  teve que lhe explicar que era uma música nada mais, ou será que ele queria encontrar algum negro.  Ruby ficou furioso, tinha a ele, isso bastava.

Mas na verdade ficou rememorando a Rua do Ouvidor de sua época, não era tão suja, nem estava abandonada como agora.  O centro da cidade, aonde tinha trabalhado em vários lugares, agora parecia nada mais que uma imensa lixeira.  Chegou a uma conclusão triste, realmente ele já não era dali.  Quarenta anos pesavam na balança.

Quando voltaram, gostavam da vida que tinha agora, quarenta anos tinham passado, chegou a conclusão que tinha vivido bem.  Ken tomava conta do Clube, eles tinham todo o tempo para eles.  Viajavam mais agora.   Aproveitavam a vida.

Ele tinha chegado à conclusão de que não tinham dado certo a primeira vez, porque não se souberam explorar como deviam.                Pois não se cansavam de fazer sexo, estarem juntos, compartir coisas, enfim viver a vida.







 

lunes, 20 de abril de 2020

TRAVIS FAR


                                                     TRAVIS  FAR



Muita gente me conhece por esse nome artístico, mas verdade meu nome é Brow Crow, que era o mesmo do meu pai, um cowboy de rodeos.  Nunca soube direito a história, ele me contou várias versões, nunca pude acreditar em nenhuma porque não correspondiam entre si.

Só posso dizer que era um homem bonito, sem muita sorte na vida, ninguém sabia de aonde tinha saído, num rodeio em Mesa, no Arizona, fraturou ambas as pernas, só lhe restou seu cavalo que ele chamava de Crow, como seu sobrenome.

Arrumou um emprego como domador de cavalos, num rancho, entre o deserto de Sonora, e Reserva índia de O’Odham Nation,  um dia apareceu uma mulher muito bonita, segundo me contavam, desceu de um cadilacc, parou na sua frente, lhe perguntou se lembrava dela, do Rodeio de Mesa.   Ele tinha fudido com tantas garotas que não se lembrava.   Estendeu um fardo, lhe entregou, teu filho, virou as costas, foi embora.

Como ele não tinha ideia de quem era, ficou com a criança, me registrou como Brow Crow, que era seu nome.  Todos me chamava de Junior Crow. Ficou muito amigo do dono do Rancho, os dois as vezes desapareciam voltando dias depois ainda cheirando a álcool.  Que me criou foi Maria, junto com seu filho Raphael.   Os dois, fomos amamentados ao mesmo tempo, brincamos juntos, fomos a escola elementar que era a única que havia por ali, para aprender a ler, escrever.   

Éramos os dois loucos pelos cavalos, Mister Hanburry, mais conhecido por Burry, esse era nosso segundo pai, severo, duro na queda, sua ordem era indiscutível.  Todos os outros empregados, eram mexicanos,  Maria era viúva de um vaqueiro que trabalhou muitos anos para Burry.  Cuidava da casa, da comida para todos, era baixinha, meia gordinha.  Nada a ver com Raphael, que era alto, não tanto como eu,  tinha os cabelos negros largos, olhos negros, uma pele azeitonada que me fascinava.  Eu ficava comparando com a minha, que era branca cheia de sardas.   Eu ao contrário, tinha cabelos castanhos, queimados do sol, rebeldes, olhos azuis, os dois tínhamos bom corpos, pelo trabalho pesado do rancho.   Pois mal tivemos idade, Burry nos colocou a trabalhar, dizia que se queríamos comer tínhamos que trabalhar.

Aprendi todos os truques com meu pai, de domar cavalos selvagens.  Ele ficava furioso, porque eu entrava no cercado, sem proteção nenhuma, deixava me cheirarem para saber quem eu era, nos dois tínhamos o hábito de ir tomar banho num pequeno lago, na ravina, aonde se criavam os cavalos selvagens.   Eles conheciam nosso cheiro.  Então ao menor descuido do cavalo, dava um salto, agarrava sua crina, ficava em cima do mesmo, até ficar quieto, ficava comigo, mas quando qualquer outra pessoa tentava fazer isso, se colocavam como loucos.  

Os engana, tudo bem, mas isso não é domar.   Um dia que fui sozinho a ravina, estava chateado, pois Raphael, com quem descobri o sexo, já não queria nada comigo, dizia que tinha escutado dizer que era pecado.   Mas eu era louco pelo corpo dele, deixava me penetrar quantas vezes quisesse.  Me disse que iria embora com sua mãe, pois tinham encontrado alguns parentes em San Francisco.    

Nesse dia despertei, não escutei barulho na cozinha, achei estranho.  Quando entrei Burry fazia café.  Olhou para minha cara, te acostume, acabou tua boa vida, Maria já não esta mais aqui, teu pai foi leva-la a Mesa para pegar um ônibus para San Francisco.

Fiquei como louco,  o único lugar que tinha paz era na ravina, quando cheguei lá, vi que alguma coisa passava.   Um coiote tinha atacado uma égua, que tinha parido a pouco tempo, um belo potro, marrom escuro.  Voltei correndo ao Rancho, avisei ao Burry,  voltamos com mais homens, ele queria matar o potro, pois não tinha nenhuma égua tinha parido ao mesmo tempo.   Eu me agarrei ao potro, tinha 15 anos, disse que não que eu o cuidaria.  Realmente assim fiz, pelas boas ou pela força.   Meu pai e Burry, estavam sempre em cima de mim.  Me obrigando a fazer tudo pelo potro.  Cresceu se tornando um belo cavalo, me seguia a todas as partes, tinha uma crina impressionante, eu o montava a pelo, ensinei uma serie de truques.  Quando fiz 17 anos, meu pai me deu uma cela com acabamentos em prata que tinha ganho num jogo.

Era de longe o cavalo mais bem cuidado, também meu único bem.  Logo em seguida meu pai morreu.   Primeiro ficou furioso comigo, pois me viu beijando um vaqueiro mexicano, mal sabia que tínhamos acabado de fazer sexo.  Me deu uma surra de fazer gosto.  Eu não quero meu filho assim, mas sabia que já tinha feito sexo com vários deles. 

No dia seguinte, amanheceu morto.  Burry dizia que de desgosto,  foi enterrado num lugar que gostava muito.  Quando fiz 18 anos, fui a Mesa tirar documentos, me queriam mandar para o exército, me neguei, pois isso me obrigaria a me separar de meu cavalo.   Por nada no mundo o faria.  

De qualquer maneira a coisa se torceu, pois Burry me pegou com um cowboy novo que tinha contratado para ajudar na doma.   Para assim dizer, me pegou de quatro no ato.  Ficou furioso, me disse que tinha que ir embora, pois era um mal exemplo para todos. Mandou também outro embora.  Não queria esse tipo de gente ali.

De qualquer maneira, eu sabia que ele estava vendendo o Rancho, estava velho demais segundo ele, ia viver com sua filha em San Diego.            Me pagou, me entregou uma caixa, com dinheiro, meus documentos.     Apontou a porta dizendo, rua seu viado sem vergonha.

Montei meu cavalo, com uma mochila, com as poucas roupas que tinha,  nesse dia dormi na ravina,  ali tinha uma pequena gruta, aonde eu com Raphael, iniciamos nossos descobrimentos sexuais.  Mas nunca levei ali, nenhum dos outros.

Burry dizia que não podia entender, como um homem de 1,90metro, forte, curtido do sol, domador de cavalos, podia gostar de dar o cu, para esses mexicanos sujos. 

Eu na verdade não sabia explicar, procurava em todos eles o Raphael, mas claro era um romântico.

Fui seguindo em frente, bordeando o Deserto de Sonora, não tinha muita ideia aonde deveria ir. No terceiro dia, quando o pouco de alimento se acabava, parei num poço para aliviar a sede, estava dando água para o meu cavalo, quando escutei uma voz atrás de mim.  Chegas muito tarde, estamos de esperando a dois dias.

Me virei, vi um outro tipo, mas notei que mais parecia estar fantasiado de Cowboy.  Ele percebeu que tinha se enganado.

Explicou que estavam esperando o doublé do ator principal, esse já deveria ter chegado, ele tinha saído procurando, achando que o sujeito estava perdido.   Não viste, nenhuma camionete, com trailer para cavalo.

Lhe respondi que não, que estava andando por ali a uns dois dias, não tinha visto ninguém.

Me olhou de cima a baixo, me fez ficar de costa, acho que se sabes lidar com cavalo, pode fazer esse trabalho.   Tens mais ou menos o tipo do Ator principal.

Me levou com ele, até aonde estavam as filmagens.  O diretor, me pediu para fazer uma demonstração, chamei meu cavalo, que veio a trote, colocou a cabeça no meu ombro, quando era garoto, brincava de fazer o que faziam os índios, montar a pelo, cavalgar, deitado de lado no cavalo, mudar de posição, coisas assim.

Me disse, como era a cena, o que deveria fazer, por sorte meu cavalo, era quase igual ao do ator principal.  Quando o vi, era impressionante, parecia uma cópia do meu pai. Já tinha sua idade, fazia filmes a muitos anos.  Mas não gostava dos cavalos. Iam me filmar de costa caminhando, até o cavalo, deveria subir de um pulo, sair em disparada, pela rua poeirenta da vila.   Pedi que ele andasse um pouco, para observar como fazia.  Em seguida consegui fazer igual. O diretor me deu as instruções finais.

Fiz exatamente o que ele disse, comecei a andar de costas para a câmera, me sem me apoiar no cavalo, dei um salto, fiz um som, que deveria ir a trote, não a galope, ele me obedeceu, fomos saindo da vila, com o sol nos iluminando de frente.   Essa foi a foto do cartaz do filme.

Depois fiz todas as cenas de cavalo que já tinha feito antes, que segundo o diretor estavam mal feitas.   O que lhe gostava era que eu entendia imediatamente o que queria.  Afinal tinha brincado toda minha infância de cowboy.

Quando terminaram a filmagem, me pagaram, era um bom dinheiro.  Tom, o homem que me tinha encontrado, era o encarregado dos extras, dos doublés, de contratar gente.   Me perguntou se queria ir com eles, já que estava sem destino.

Arrumou um lugar no caminhão que levava os cavalos, para o meu, lá fui eu com ele na cabine, conversando.  Naquela época devia estar beirando os 50 anos, mas era um homem curtido do sol.

Tinha um rancho só para cavalos, treinados, atendia Hollywood, para todos os filmes de cowboys, mesmo de outras modalidades.   Lá aprendi muitos truques de como me comportar, de me atirar de algum lugar alto, essas coisas.

Fiquei com ele durante dois anos, quando queria um homem, procurava fazer discretamente, nunca com ninguém com quem trabalhasse.

Fomos para uma filmagem,  aonde minha sorte se torceu.   O ator secundário, era um pouco mais baixo que eu, ficava histérico em ter que subir em um cavalo.  Mas a história, era sobre dois homens que levam um rebanho para vender, durante a guerra da civil americana.

O diretor estava farto do sujeito.  Olhou para minha cara, me disse que vestisse a roupa do mesmo, ficava um pouco pequena, apertada, fazendo que meu peito musculoso, ficasse mais aparente.  Mandou fazer um close,  gostou do que viu.  Perguntou se eu sabia a história?

Tom tinha me contado do que ia o roteiro, pois tinha que conseguir os doublés, para se atirarem no chão, várias coisas. 

Lhe disse que sim, que sabia do que ia.  Havia umas quantas vacas soltas por ali, me pediu que eu as agrupasse.  Porra tinha feito isso minha vida inteira, só me deu ordens como, não abaixe demais a cabeça, coloque o chapéu para trás, deixe aparecer tua cara.  Vi um homem sentado ao lado dele, este lá pelas tantas, disse que agitasse os cavalos, imagina que você esta sendo perseguido por bandidos, como faria, agitei as vacas, fui a meio galope ao lado delas, me deitei no cavalo como se fosse um índio.

Quando me perguntou quem era meu agente, sinalizei o Tom, tinha um contrato de trabalho com ele.   Ele negociou meu primeiro contrato, meu nome devia aparecer em segundo lugar, coisas assim.  Nasceu o Travis Far, pois Brow Crow, lhes parecia vulgar.

Descobri que o sujeito que estava ao lado do diretor, era o ator principal.  Fizemos um par excelente durante a rodagem, avisou ao Tom que quase em seguida começaria rodar outro filme, que eu fosse ao casting. Tinha gostado de trabalhar comigo.

O diretor era um filho da puta, mas a filmagem foi excelente. Logo consegui um contrato fixo, não gostei muito, mas o Tom me convenceu.  Achou que eu deveria morar na cidade, eu lhe disse que de maneira nenhuma ia abandonar meu cavalo.

Continuei vivendo em seu Rancho.  Quando o primeiro filme estreou, apareceram jornalista para me fotografar no Rancho, criou a minha fama, de um ator que não está preocupado com a fama.

O filme seguinte,  não gostei de fazer, pois, era um de detetive, era obrigado a fazer por causa do contrato que ele tinha me obrigado a assinar.   Inventei uma cena, que ao fugir de uns mafiosos, o mocinho, não encontrava seu carro, lá estava meu cavalo, amarrado, tipo um cavalo de policial.   Corria, pulava no cavalo, saia a galope.   O público adorou.  Os homens da empresa entenderam que o meu era fazer filmes de cowboy.   Ao contrário do outro atores que vão ganhando dinheiro, comprando carros de luxo, eu ia guardando tudo no Banco, meu amigo o primeiro ator com quem contracenei me orientou.   Um dia fui a sua casa, vivia numa mansão luxuosa, disse que era do studio, que ele não gastava dinheiro em casas assim.  Tinha um apartamento na cidade, pequeno, quando não estava fazendo nada ia para lá.

Me convidou para tomar um banho de piscina, simplesmente tirou a roupa, mergulhou, fiquei sem graça, ele era famoso.  Da água me convidou a entrar.  Não se preocupe, dispensei todo os empregados.

Fizemos muito sexo essa noite.   Sabia que eu guardaria segredo.  Era casado com uma atriz também famosa que nesse momento estava fazendo um filme em Londres.   Passamos a nos encontrar no apartamento que tinha na  cidade.  Não me apaixonei por ele, apenas, era um sexo sem compromisso, seguro conforme as regras da cidade.  Eu tinha uma chave da entrada dos fundos, entrava por aí.   Até que um dia o encontrei dando o cu para um negro imenso.   Estava até a alma de cocaína.   O negro quando me viu, se vestiu, desapareceu.  Eu ainda fiquei ali, esperando que despertasse.   Estava tão colocado que nem sabia que tinha feito sexo, isso dizia ele.

Não se preocupe, lhe disse, mas ao sair, deixei as chaves que tinha na mesa da cozinha.  Só voltei a vê-lo num filme de guerra que fizemos juntos.  

Minha vida deu outra volta, numa filmagem, tinha que cair de uma altura considerável, não queria doublé, fiz eu mesmo a cena, ao mesmo tempo deveriam estourar uma janelas, um troço de vidro, cortou a minha cara, nem me dei conta. Segui gravando.  O diretor ficou maravilhado. Mas claro fiquei com uma cicatriz imensa na cara.  Essa de cara de bonitão, virou cara de bandido.   Passei a fazer papel secundário de bandido, de mafioso, de detetives frustrados, coisas assim, não reclamava, pois pelo menos não me ofereciam papel de personagens idiotas.

Quando Tom morreu, num acidente, passei eu mesmo a negociar meus contratos, porque ia pagar para alguém negociar por mim.   Comprei uma casa, que tinha um estabulo, um parque imenso aonde podia sair com meu cavalo.  Tinha uma entrada separada da entrada principal, ninguém sabia da sua existência.   Por aí, passaram a entrar meus homens.  Normalmente eram mexicanos, a procura de trabalho.  Os contratava para cuidar do jardim, dai era um passo para a cama.

Me chamaram para fazer um papel de mafioso numa serie de televisão.  Era uma das primeiras que se faziam, toda uma experiencia, uma coisa nova no mercado.  Era baseada num livro de um italiano.    Seria filmado na Itália,  estava em dúvida, como faria com o meu cavalo, já era velho, não podia deixa-lo para trás.  Por azar, um dia o mexicano atual, correu ao quarto para me avisar que algo tinha passado durante a noite, corri, mas já era tarde, quando chegou o veterinário, só para atestar sua morte.     Era proibido, mas o fiz enterrar lá mesmo.  Um dia voltaria para a casa.

Fui para Roma, a parte dos set seriam na Cinnecitta, os exteriores, pelas vilas antigas, essa série durou sete anos, se filmava capítulos para um ano, depois estava livre para voltar para casa, para fazer qualquer outra coisa.  Gostei de fazer a série, porque tinha uma historia bem contada, tempo no mesmo lugar, trabalho quase todos os dias, não ficava pensando besteiras em casa.

Me ofereceram para fazer uma séria que seria filmada justo no Deserto de Sonora, ali se faziam os exteriores.  Precisavam de um rancho como localização, me lembrei do rancho do Burry, sem dizer nada, fui de carro até lá.    A casa estava no chão, tudo abandonado, o celeiro tinha queimado inteiro, bem como aonde ficavam os cavalos.

Mandei meu advogado bisbilhotar, o que tinha acontecido, se estava a venda.

Fizemos a série, usando um outro rancho, do outro lado disso tudo.  Me divertia, fazendo o papel do rancheiro mal caráter, que cria sempre confusões.  Fiquei famoso por uma cena que fazia.  Quase no final da série, meu personagem se dava mal, eu saia do saloon, com um tiro, tinha que caminhar até o cavalo, subir sair da cidade.   Queriam que um doublé fizesse a cena, não permiti.  O Diretor disse que eu não era jovem para isso.  Experimento, se fica mal, tu me dizes.  Ensaiei a cena duas vezes, na terceira quando ele disse ação, sai do saloon, fui caminhando até o cavalo, com dificuldade subia nele, soltava as rédeas, dizia ao cavalo, vamos, ele saia a trote lento, me levando meio caído por cima dele.

Na verdade, no final da cena, tive meu primeiro enfarte.   Foram me encontrar mais adiante caído no chão, desacordado.

Brincado depois disse, meu personagem morreu com toda certeza.

Ainda voltei a Roma para fazer a última temporada da série,  um dia na rua, fui parado por um homem que me disse que seu chefe adorava ver a série.

Quem é seu chefe?      Me disse o nome, fui me informar, era um chefão da Máfia.  Na Itália tomava cuidado com os romances, porque sabia que podia me dar mal.  Eram enganosos os italianos.  

Quando terminei, voltei para casa.   Meu advogado finalmente tinha conseguido saber quem era  o dono do Rancho.   Havia uma disputa de dois herdeiros.  Esperamos que terminasse o litígio, ele ofereceu um bom preço para o que tinha ficado com tudo.

Mas ainda, podia trabalhar, me chamaram para fazer um papel num filme, era de um médico, com muitos filhos.  Estudei o papel, não gostei. Disse que não me interessavam, ofereceram o papel para outro da mesma idade que a minha.  O filme foi uma merda, mas ao vê-lo fazer o papel, vi que estava ficando velho, que dentro de pouco, só me tocariam papeis de pais, avôs, coisas assim.

Ainda aceitei fazer um último filme, a historia de três cowboys que foram amigos na juventude, agora se encontravam anos depois para ajudarem o filho de um deles.   Ficaram horrorizados, quando descobriram que tinha ido para a cama com o jovem que fazia o papel de filho.

Ri muito da hipocrisia, estava farto disso.  Acabei o filme, brigado com o diretor, os outros atores.  Agora como iam vender o filme, se tinham encontrado o mocinho embaixo de mim.

Me fechei em casa, contratei um engenheiro, começamos a reconstruir o rancho, não queria nada demais, minha ideia era recuperar o lugar.  Saiu  uma reportagem a respeito. Voltava ao meu lugar da infância, ninguém sabia isso da minha vida.

Quando me perguntaram se eu iria continuar a fazer filmes, se fez um silencio, pois fiquei quieto pensando.  Estava cansado dessa vida, de não ter ninguém comigo, de estar sempre sozinho, andando pelas ramas.   Disse que não, que Hollywood, não era lugar para um cowboy gay.  Foi um escândalo.   Eu ao contrário ri muito.

Vendi a casa, mas nunca disse a ninguém que tinha o meu cavalo lá.  Me mudei com minha pequena bagagem, agora só tinha livros, roteiros de cinema, que fui ordenando por épocas, a histórias de cada filmagem, que ia escrevendo a parte.  Contratei gente para trabalhar, os que apareciam não me interessavam muito, contratei só mexicanos, queria a minha juventude de volta.     Um dia fui com dois dos meus verificar como estava a ravina,  para minha surpresa, havia um grupo de cavalos sobreviventes por lá.  Quando entrei, eles, riam, fui andando tranquilamente, tirei minha roupa toda, mergulhei no pequeno lago, aonde bebiam água, um deles depois diria que tinha sido o momento magico de sua vida.

  Sai perto dos cavalos, os deixei virem me cheirar.   Estava feliz.   Passei a cuidar deles, como meus filhos.  Mas não queria que fossem domados.

Um dia estava sentado na varanda, no meu lugar preferido, era aonde se sentavam meu pai, Burry para conversarem no final da tarde.   Vi um carro chegando, levantando poeira.  Saíram dois homens do carro.   Um da minha idade, outro mais jovem.  Conforme foram caminhando até aonde estava, lancei um grito.      Pelo andar era o Raphael, me levantei, o esperei de braços abertos.  Nos abraçamos, ficamos ali como dois velhos amigos, com lagrimas nos olhos.

O mais jovem era seu filho.   Me contou que tinha visto a reportagem, tinha mostrado ao seu filho, falou da nossa infância.   Ele era viúvo, o filho o convenceu de vir me ver.  Tinha muito medo como eu ia reagir, pois tinha me abandonado, sabendo que eu o amava.

Eu tinha pensado milhões de vezes no que tinha acontecido.   Comentei isso com ele, ruminei como uma vaca, depois botei para fora.

Por tua culpa sempre tive amantes mexicanos, mas nenhum era como tu.  Mandei a empregada arrumar um quarto para eles.  Fiquem o tempo que quiserem.

No dia que chegou eu o achei muito sério, mas depois foi se relaxando, se sentou comigo nos dias seguintes na varanda, disse que nunca tinha me esquecido, mas que sua mãe tinha descoberto o que fazíamos, por isso tinha saído na surdina.  Perguntei se ainda aguentava andar a cavalo, no dia seguinte fomos até a ravina.  Contei ao filho, o que fazíamos, para estar com os cavalos.  Desci do meu, tirei toda a roupa, fui andando tranquilamente, até o lago, entrei na água, um potro novo, veio direto até aonde eu estava.    Raphael, estava parado ali, me olhando com os olhos abertos, fiz um sinal para ele vir.  Tirou sua roupa, ainda tinha um corpo estupendo.  Nos abraçamos na água.  Me disse nunca esqueci disso, nunca.   Mas tampouco estive com outro homem jamais.   Isso eu não podia dizer ao meu respeito.

O filho se matava de rir.  Jamais imaginei ver meu pai em pelotas, num riacho, cercado de cavalos, tenho que fazer um vídeo disso.

Conversando, perguntei o que fazia, ele escrevia, tinha estudado, dava classes numa escola, porque não tinha conseguido nenhum posto na universidade.   Perguntei se queria escrever sobre o material que tinha separado.   Ele era casado tinha dois filhos, experimenta traze-los até aqui.   No dia seguinte nos filmou, na ravina.  Quando vimos o vídeo, ficamos rindo.

Ah se ele tivesse nos visto quando jovens, com aquele corpo que tínhamos, verdade Raphael.

Nessa noite ele entrou no meu quarto, se deitou ao meu lado, me abraçou, me cheirou, disse que eu tinha um cheiro inconfundível. Fizemos um sexo de pessoas que se amam a vida inteira, já não estávamos para arroubos.

Quando o filho despertou, nos viu abraçados na cama, entendeu realmente o que nos ligava.

Quando disse que tinha que ir embora, disse ao Raphael, porque não ficas, aqui, ele depois trás teus netos.  Assim ele volta.

Falavam sempre por telefone, dizia que os meninos tinham ficado fascinado, de ver o avô, em pelotas entrar no riacho.  Vieram passar as férias,  achavam normal o avô dormir comigo, afinal erámos amigos.

A vida ficou mais fácil.  Acabaram vindo morar conosco, contei toda minha vida, minhas aventuras para seu filho, que foi escrevendo.  Quando foi apresentar o livro a uma editora, não acreditavam na história, mas ele mostrou o vídeo dos dois no riacho.

Os meninos agora, iam sempre conosco na ravina.  Era nosso lugar sagrado, combinamos deixando por escrito, que quando nossa vida chegasse ao fim queríamos ser enterrados ali, um ao lado do outro.










lunes, 13 de abril de 2020

WÉSTERN


                                                         WESTERN – FAROESTE



Genaro bem como Maria, os dois descendentes de italianos, tinham uma restaurante, basicamente desde que se casaram.  Tinham sonhado em ter muitos filhos, mas os anos passavam, nada acontecia.  

Genaro, meu pai, então resolveu finalmente pedir ajuda a uma tia distante, que trabalhava justamente no departamento que recebia crianças abandonadas.  Eles queriam bebês, mas queriam criar desde pequeno.

O primeiro que conseguiram foi Genaro, ou Junior, pois tinha levado o nome de meu pai, era loiro de olhos verdes, muito branco, nesse ponto como minha mãe, Maria, que tinha a pele que parecia de papel branco.   Era uma delícia ficar deitado nos seus braços.

Um dia receberam um chamado da prima, essa dizia que tinha outro bebê que ninguém queria, porque devia ter alguma mistura de raças complexa.  Esse era eu, nunca se soube direito de que raça ou raças tinha no meu sangue.  Era moreno, cabelos negros, segundo as fotos, estavam em pé como um porco espinho.                     Mas Genaro, pai, mal me viu se apaixonou, Maria lhe argumento que seu outro filho era muito branco, mas ele não quis escutar. 

Olha parece um porco espinho, com esse cabelo, eu era assim quando nasci, de uma certa maneira fui seu filho querido toda a vida.             Me deu o nome de seu avô, que tinha chegado a América, atrás do sonho de ficar rico, mas nunca mais voltou a sua Sicília natal.  Fiquei com seu nome, Guiseppe, dizia também que era o nome de um grande compositor de ópera italiano, mas a ópera nunca foi o meu forte.

Os dois tínhamos a mesma paixão, os filmes de cowboys,  ele era fã de John Wayne, eu ao contrário era fã dos índios que apareciam nos filmes, não podia entender por que sempre perdiam.    Mas ficava quieto, porque a única vez que ousei a falar no assunto me olhou feio, como podia querer que os índios ganhassem de John Wayne.   Via seus filmes milhões de vezes, mas só gostava dos que ele fazia montado num cavalos.  Os filmes de guerra, romance, essas coisas não lhe interessavam.  

Eu comprava todas os gibis, dos heróis dos filmes, Zorro com o Tonto, Don Chicote, por ai vai, já meu irmão era mais moderno, gostava de coisas espaciais, Flash Gordon, coisas do gênero.

Então tinha meu momento predileto, na hora que ele me chamava para sentarmos no sofá para ver algum filme que passava de tarde, quando estava livre do restaurante.    Eu ficava ali ao seu lado, vendo pela milionésima vez  por exemplo Centauros do Deserto, em que o personagem dele busca sem cessar sua sobrinha raptada pelos comanches.   Eu achava que ela devia ficar com eles, porque o resto da família era muito chatos, viviam brigando.   Mas ficava quieto, me maravilhando com a paisagem que mostrava o filme.   Meu irmão nesse momento saia da sala, zombando dizendo, esses que vivem no passado.

Eu em silencio, num momento de alguma luta, torcia para que o índio ganhasse a luta, mas mesmo assim, quem sempre ganhava era o mocinho, meu pai dizia que ganhava, porque era amigo do diretor do filme.  Riamos muito com isso.   Outras vezes, de tanto ver, dizia, tentando me enganar, vamos fazer uma aposta, ele vai lutar, cair na água do rio, mas vai sair seco, com o chapéu na cabeça.   Apostava com ele, porque sabia que adorava ganhar.    O amei desde que tive consciência disto.  Era recíproco, me queria muito, me dava uns abraços apertados, beijos em ambos lados da cara.  Eu adorava, meu irmão ao contrário, em seguida, limpava a cara, anos mais tardes dizia que nosso pai era um beijoqueiro nato.

Mamãe, tentava equilibrar tudo.  Estava sempre rindo, dizia ao Genaro, um dia os dois vão entrar casa adentro, montados em cavalos, vestidos de Cowboy, soltando tiros, vão sujar a sala inteira.

Eu já imaginava o cavalo, soltado uma bela cagada no seu tapete mais querido, ria com a imagem.  Ela me olhava feio, mas quando lhe contava, acabava rindo, meu irmão ao contrário, levantava os ombros, como dizendo quanta besteira.

Mas tudo isso se acabava, quando sentávamos na mesa para comer um belo espaguete, raviólis, ou qualquer prato italiano feito por ela.

Quando fiz 12 anos, me perguntou o que queria de aniversário?

Lhe disse que queria ir numa festa, no Arizona, em que se reunião muitas tribos, a cara do meu irmão que estava sempre pedindo o último relógio, ou alguma coisa muito moderna.  Até eu ri dele, me chamou de maluco, era a oportunidade me disse de pedir alguma coisa cara.

Meu pai, alugou um motorhome, lá fomos os dois, a tal reserva.   Foi fantástico, ele logo se entrosou com pessoas que iriam ser posteriormente amigos seus até o final de sua vida, eu passava o tempo todo correndo com os outros garotos não me importava a que tribo pertencessem, me sentia em casa.  Podia me aproximar dos cavalos,  quando me ofereceram montar um, corri para pedir a autorização a ele.   Foi o momento mais emocionante da minha vida, foi quando decidi ser veterinário.     No final do dia estava moído, me doíam as pernas, mas feliz.

O dono dos cavalos, ficou amigo do meu pai, disse que tinha um rancho, em que recebia pessoas que vinham passar férias, ficava perto do Vale dos monumentos, já deserto, antes de voltar para casa, passamos para conhecer.   Foi amor à primeira vista.

Quando voltamos, passávamos o tempo todo falando no que tínhamos vivido, a partir de então todos os anos íamos a esse encontro de tribos.   Algumas vezes minha mãe se atreveu a vir, eu já então lia tudo o que me caia nas mãos.   Um dia com muito tato, enquanto víamos um filme 7 homens e um destino, lhe perguntei, se ele achava que eu tinha sangue índio nas veias também.

Não sei filho, mas sei por que estas perguntando isso, quando estas lá, te sentes em casa, verdade?

Sim pai, adoro estar no deserto, é como se por minhas veias essa parte de sangue corresse mais rápido.   Meu irmão que sonhava ser médico, disse que realmente meu sangue devia ser diferente, sangue de algum louco cowboy tonto.

Por incrível que pareça, não fiquei ofendido.   Ele desapontado, porque não reagi, como ele esperava.

Ele foi para a Universidade, realizar seu sonho.  Nossos pais tinham economizado a vida inteira para isso.   Creio que para ele, foi como se liberar de uma carga do passado, que ele não queria, porque quase não, escrevia ou chamava por telefone.   Minha mãe ficava triste, eu ao contrário  não pensava ir embora,  queria estudar veterinária.   Estava para me decidir, quando fomos por última vez todos juntos, menos claro meu irmão, ao festival Navajo.  Sentado entre as pessoas, escutei dois índios falando, se os brancos não tinham vergonha, colocavam nos filmes duas pessoas índias falando, quem escuta, deve pensar que estão falando nossa língua, mas pode ser chinês, japonês ou qualquer outra merda.   Se não tomamos providência, nossa cultura vai morrer.

Me aproximei, lhes perguntei, se não existia livros com o idioma, maneiras de como falar, eu ia adorar ler.

Me disseram que havia poucas coisas sobre o assunto. Pouca gente se interessava nisso, teria que procurar os velhos que ainda falavam o idioma para registrar.  Tomei a decisão que tentaria fazer isso.

Fui quando tive uma experiencia a princípio traumática.  Estava ajudando nas cocheiras, alimentar os cavalos com forragem, quando um homem, me agarrou por detrás, não conseguia ver sua cara, segurava os meus braços, me chamando de seu franguinho, abaixou as minhas calças, me atirou no chão, abusando de mim.   Fiquei ali desacordado muito tempo, até que escutei a voz de meu pai, angustiada me procurando.  Quando me encontrou ficou furioso, me abraçou, subiu minhas calças, me levou para a Motorhome, me limpou me tranquilizando, com o tempo vais esquecer disso.   Mas foi falar com os responsáveis.   Esses reclamavam o mesmo, todos os anos, tinham um ou dois casos, nunca resolvidos, pois as vítimas, nunca viam o agressor.    Eu tinha visto, uma tatuagem, meio colocada embaixo de um relógio com pulseiras negras, nada mais.   Mas sabia que um dia me vingaria.

Quando chegou o momento de escolher o que queria estudar, claro em primeiro lugar, estava veterinária,  comecei a procurar se em algum lugar tinha cursos sobre a língua dos nativos, foi difícil encontrar.   Na própria universidade tinha um único professor, fui descobrir depois que era o amigo de meu pai, com quem ele estava sempre falando.

Riu quando me apresentei em seu gabinete,  agora que querem me colocar para fora da universidade, pois no semestre passado não consegui nenhum aluno, agora me apareces tu. Preciso de mais um.  Fiquei rezando, comentei com meu pai.  Ele foi se inscrever para fazer o curso.  Talvez isso o tenha ajudado a suplantar a morte de minha mãe,  pois eu pensei que ele iria enlouquecer.  Ficava horas com o retrato dela nas mãos, algumas vezes ouvi chama-la para fazer algum comentário.  Tinha vendido o restaurante, disse que estava velho demais para tanto trabalho.  Não se preocupava por mim, pois eu tinha uma bolsa de estudos muito boa, por ter sido um excelente aluno.

Mas nada o magoou mais que a negativa de meu irmão, em vir ao enterro de nossa mãe, acho que para ele foi como se livrar de um lastre.    Eu iria estudar na cidade, portanto não precisava ir-me de casa.   Ele ficou feliz da vida.  Agora tínhamos mais um para assistir os filmes, o professor.  Ele dizia que agora estava em desvantagem, pois era dois contra um, torcendo pelos índios.

Um dia o professor, me trouxe um livro, que se tornou meu livro de cabeceira, “Bury my heart at wounded Knee” , traduzido, Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown  depois consegui todos seus livros, os guardo até hoje.  Foi talvez o livro mais importante da minha vida.

Além de meu pai, conseguimos outro aluno, um dos meus companheiros de jogos, tínhamos discussões imensas.  Compaginava meu curso de veterinária com o de línguas.  As pessoas diziam que eu estava louco.   Para contrariar todo mundo dizia que o fazia, para poder falar com os cavalos selvagens.  Riam mais ainda.

Mas tudo tem um fundo de verdade, essa era minha loucura desde criança, nos filmes que apareciam os índios, subindo a um cavalo sem cela nenhuma , quando muito com um troço de pele ou manta de caribu.   Estava tão vidrado nisso, que no ano seguinte, quando fomos todos ao festival Navajo, resolvi montar a pelo numa carreira, só não sabia que havia que colocar os ovos para cima, cheguei a final, mas mal podia andar.  Meu amigo índio ria horrores de mim.   Só mesmo tu para fazer uma loucura desta.   No dia seguinte, nos apresentamos os dois vestidos com roupas que tínhamos conseguido, de peito nu, com uma pluma de águia na cabeça, todo mundo me confundia com um deles. Fiquei imensamente feliz.  Meu pai quando voltamos ainda quis contatar sua parente para saber se podíamos descobrir quem eram meus pais verdadeiros.

Ela já tinha morrido a tempos,  nada de nada.  Tomei a consciência falando com meu amigo, que também tinha sido criado por outras pessoas, que na verdade nossos pais verdadeiros, eram os que nos tinham criado, nos dado amor.

Isso eu tinha de sobra.  Agora meu grande prazer quando íamos ao festival, era me sentar com os velhos, conversar.  Se riam, diziam que os jovens queriam falar inglês, que ninguém queria essa língua.   Comecei a botar palavras no papel, procurava encontrar sentido nas palavras, nas frases.  Não sabia aonde ia chegar.

Quando acabei o curso de veterinária fui fazer um curso de especialização.  Queria aprender a lidar com cavalos.  Convenci meu pai de me acompanhar.  Fiz inclusive uma chantagem, como ia seguir em frente sem meu grande apoio.   Ele cedeu.   Justo no meio dessa etapa, um professor me convidou para ir para o Dubai, um Sheik Árabe tinha uma bela coleção de cavalos, esse professor, cuidava do hospital que este tinha montado, me convidou para ir junto.   Lhe disse o de meu pai.  Não seja por isso, ele pode vir também.

Convence-lo foi uma barra.  Tive que encosta-lo na parede, se eu fosse, quem ia cuidar de mim, ou como poderia ficar despreocupado.   Ele sabia que não podia contar com meu irmão, quando muito mandava um cartão no natal.  Em carne e osso nunca mais o vi.

Foi comigo.  Os dois adorávamos explorar o deserto, inclusive ele fez muitos amigos por lá, quando estava livre, os dois acampávamos no deserto, ficávamos deitados em cima de um belo tapete, olhando as estrelas, eram diferentes das que havia na  América.

Quando voltamos, soube que meu amigo, estava em Taos, trabalhando com um homem que fazia esculturas em ferro.   Fomos até lá.   Nos apaixonamos os dois pelo lugar.   Começamos a procurar um  rancho para viver.  Mas nunca queriam nos vender, até que o professor foi até lá, interferiu. Dizendo que meu pai era mais índio que muitos deles.

Um dia fui visitar meu amigo para lhe dar a boa notícia, o vi beijando o homem com quem trabalhava.  Pela primeira vez na minha vida senti ciúmes.  Mas depois entendi por que, sempre estivera  pensando nele, mas nunca tinha me decidido a dar o primeiro passo.

Talvez por medo de ofender meu pai, ou de ser rechaçado, não sei.

Quando falei com ele, lhe disse que estava contente que tivesse encontrado alguém.

Encontrado alguém, não sei do que falas!

Te vi beijando o homem para quem trabalhas.

Ah, ele apenas me felicitava pelo primeira escultura completa que fiz.  Já vendeu inclusive, fiquei tão contente, que o abracei,  ele achou que isso queria dizer outra coisa, me beijou, mas não gostei.  Sempre amei outra pessoa.  Ficou me olhando demoradamente.

Não sabia o que fazer, até que ele me agarrou pelos meus cabelos, me beijando. Bert, me disse que sempre tinha me amado, desde criança, mas eu também o queria desde essa época.



Estávamos começando a escolher cavalos, tinha comprados uns quantos cavalos antes selvagens, como eu gostava, falava com eles, os acariciava.   Mas no fundo estava preocupado, como diria ao meu pai, que gostava de outro homem.

Mas foi ele quem entrou no assunto.  Dizendo que se preocupava, pois já estava velho demais para cuidar de mim.   Que pouco poderia me ajudar com os cavalos, pois já não conseguia se manter em cima de um deles como devia.   

Porque não chamas o Bert para vir viver aqui, a quantos anos vocês são amigos, os dois nunca tiveram uma namorada, achas que sou cego. Até posso ser, mas tonto não.  Não perca tempo meu filho, a vida é curta.

Bert veio viver lá em casa, montamos numa parte do celeiro, um lugar para ele trabalhar nas suas coisas quando quisesse.

O Sheik para quem tinha trabalhado, veio para conhecer os cavalos, numa visita que fazia aos Estados Unidos, fizemos um acordo, ele escolhia um cavalo, em troca me mandava um puro sangue.   Eu sabia que iria me mandar um que nunca serviria para uma corrida, mas nem por isso deixaria de ser um garanhão.   Concordei.   Mandou um avião buscar, disse o nome do cavalo.   Me lembrei, era um que tinha salvado da morte.  O cavalo, quando me viu, relinchou, logo estava misturado com uma manada de éguas.   Sheik Ibrahim, me disse que a primeira cria seria dele, queria ver o que saia.

Se ele percebeu se havia alguma coisa entre mim e Bert, nunca disse, pois depois viajamos os dois para visitar seu harem de éguas de criação.  Ele ficava louco, quando me via entrar no círculo de cavalos, ir falando com eles, os mesmo se aproximando, encostando a cabeça no meu ombro.  Ele tentava, mas nenhum chegava perto, a não ser claro se ele oferecesse alguma coisa.

Nos deu duas éguas, para ver como elas se saiam no meio dos meus cavalos, assim começamos uma sociedade.             O governo americano não gostou muito, mas para mim era uma besteira, porque quando queriam conseguir algum contrato com os Sheik, me procuravam primeiro.

Com o dinheiro, fui comprando mais terrenos, justo detrás do rancho, havia uma ravina com água, acabei comprando,  os novos potros, soltava por la, assim tinham como correr, agua corrente,  viveriam livres.   Sempre aparecia algum índio procurando trabalho, os contratava, alguns rancheiros brancos não entendiam.  A mim me importava um caralho.  Depois de algum tempo diziam, apesar de teu pai ser italiano, eres um índio nato.

Quando começavam a trabalhar para mim, tinha que assinar um contrato, que nunca beberiam em serviço, pois isso me permitiria o colocar na rua.  Sabia que a bebida, as drogas, acabavam com eles.

Um que tinha trabalhado para mim,  um dia chegou me dizendo, que ia embora, não conseguia viver sem a bebida nem as drogas.  Eu já sabia, pois desaparecia um dia ou dois.   Tempos depois soube que estava preso, pediu que fosse vê-lo na cadeia.   Fui, estava acabado, tinha matado sua mulher num ataque de ira.  Me pediu que criasse seu filho, pois seus pais tinham muita idade.   Já os tinha avisado, quando cheguei com os papeis que me davam a guarda da criança.  Quando cheguei em casa, com o bebê no colo, meu pai me disse, finalmente um neto, creio que foi assim que ele fez quando cheguei em sua casa, mal largava o garoto.  Falava o tempo todo com ele, na língua que tínhamos aprendido.

A família foi crescendo, pois sempre aparecia alguém que não podia criar mais um filho, sabiam que ali teríamos amor para dar.  Bert se revelou um paizão.   Foi o primeiro a ensinar o garoto a estar em cima de um cavalo.   Meu pai da varanda, ria muito, batia com as mãos no joelho.

Já estava nessa alturas, com 95 anos.  Um dia fomos procurados por um advogado.  Veio nos contar que meu irmão, sua mulher, tinham morrido num acidente de carro.  Até a pouco tempo não sabia que teu irmão tinha uma família.  Nunca mencionava nada.  Sua mulher era órfã, foi quando descobrimos em seus documentos, sua certidão de nascimento.  A guarde poderá ser de vocês.  Fez um sinal para o carro, desceram duas crianças, que eram a cópia exata do meu irmão.  Meu pai como sempre os acolheu, agora a família crescia.

Teríamos que criar mais filhos, trabalhar mais.  Bert se encarregou de encontrar escolas para eles,  o negócio com o Sheik prosperou.    Agora tínhamos um cavalo selvagem que corriam como loucos, o duro era doma-los, pois eram mais arisco que os outros.

Riam comigo, quando eu entrava na ravina, cantando alguma música que tinha aprendido nos Festivais Navajos, ficavam todos ao meu lado, então como se nada, montava num deles segurando sua crina, dávamos bons galopes.

Meu pai faleceu com quase 100 anos, o fez a sua maneira, rindo como um louco vendo seus netos brincarem de cowboys, montados em cavalos.  Como sempre uma batalha de índios, só que queriam ser todos índios.      Estava sentado na varanda, com Bert, rindo como um louco, quando teve um enfarte.   Morreu com um sorriso na cara.

Seu enterro foi muito concorrido.  Mas seu desejo foram obedecidos.   Na ravina, construímos uma plataforma, como tínhamos visto nos filmes, nos livros, ele com sua melhor roupa, deitado em cima.  Ia sempre olhar como estava.  Até um dia que já só havia um esqueleto, juntei todos os ossos, então enterrei junto com os de minha mãe.   Já os podia ver do outro lado conversando como sempre.    Mas nunca pude perdoar meu irmão o fato de termos abandonado.  Levei anos para entender por quê.  Um dia, vimos que o quarto do meu pai tinha que ser liberado, os meninos estavam grandes, precisavam repartir os quartos.  Já eram grandes demais para dormirem em beliches.   Encontrei uma caixa com as coisas que tinha ficado para trás quando meu irmão foi embora.

Num caderno normal, que nas primeiras páginas, tinha uns exercícios de matemática, ao folear, vi que da metade para trás estava escrito com as letras dele alguma coisa.  Separei, nessa noite depois que os garotos foram para a cama.  Me sentei na poltrona que era de meu pai, ali comecei a ler, a entender. 

Dizia que não conseguia ter essa sintonia que eu tinha com meu pai.   Lhe parecia uma coisa idiota essa idolatria com  John Wayne, filmes de cowboys,  não conseguia gostar do assunto, mais adiante depois de termos voltado da primeira vez do festival, dizia que os dois devíamos ter sido índios ignorantes no passado.  Como um italiano podia gostar dessas coisas, a mim ele entendia, pois estava na cara que tinha sangue índio.

Que por isso, em vez de fazer um curso sério, só pensava em trabalhar com cavalos, que ele tampouco gostava muito.   Ele queria um futuro numa grande cidade, aonde pudesse ser um médico respeitado.  Que nem nossa mãe o entendia, pois estava sempre nos defendendo, olhe são como duas crianças,  mas são felizes.

Eu não posso dizer nada, amei meus pais com loucura,  principalmente ele, que me acompanhou anos, sempre me deu conselhos seguros.   Sempre esteve do meu lado quando precisei.  Sentia pena por ele ter perdido tudo isso.   Mas não importava, se ele soubesse que seu filho amava nas brincadeiras fazer papel de índio.  Estava sempre com uma pena de águia enfiada nos cabelos, que o mesmo montava cavalo a pelo, como eu o fazia.    Não sei se será médico algum dia, mas que de momento é feliz, eu podia garantir.  Que chamavam de pai, a mim e ao Bert.   Quando foi oficializado o matrimonio gay, não tivemos dúvida, nosso padrinho foi o professor, no alto dos seus 90 anos.   Agora quando íamos ao festival Navajo, íamos com toda a família, mais um caminhão com cavalos.

Melhor era impossível, era tudo que tinha sonhado para minha vida.