Black
is Beautiful
Hoje cedo na rua
do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi.
Eu quero, preciso
de Amor, dos negros do Congo ou daqui.
Quando lhe
pediram para cantar a mesma música que era seu carro chefe, abaixou a cabeça,
seus cabelos brancos imensos, caíram cobrindo totalmente sua cara. Começou a dedilhar no piano sua música, sem
querer tinha transformado em sua, uma música que muita gente antes tinha
cantado.
Era o ano de
1980, Rio de Janeiro, a princípio considerou como seu ano maldito, era um
domingo, voltava da praia com seu namorado, fazia um bom tipo, magro, alto 1,90
metro, cabelos imensos, queimados do sol, tinham estado falando, falando, se
sentia esgotado de tanto falar. A
relação tinha ido para o caralho. Depois
de tudo que tinha feito, pensava, tinha largado tudo por esse amor, renunciado a
uma carreira no teatro, começavam a lhe chamar para outros trabalhos, mas
claro, pensou que amava.
Este avisava, que
ia de férias, quando voltasse, não queria mais nada dele em seu apartamento,
sentia muito, mas o que pensava que era amor, tinha se acabado, queria novas
experiencias.
Ficou puto da
vida, nem casa, teria dentro de um mês.
Chegou, tomou um banho, tinha comprado dois ingressos para assistir o
último dia do show de um cantor que amava, seu amigo de longa data, tinham
começado na mesma época sua trajetória pelo Rio de Janeiro. Nenhum dos dois era dali.
Ele tinha
desistido de cantar, pois, tinha a voz de baixo, adorava os musicais, passava
nos testes de dança, pois era bom nisso, mas quando abria a boca, diziam que não
tinham nenhum papel para este tipo de voz.
Uma grande atriz ainda lhe disse, com todo seu tamanho, irias tapar o
ator principal. Foi ele que disse que não, mas não desista, eres bom.
O jeito foi
montar ele mesmo um espetáculo completamente maluco, primeiro tinha que passar
na censura. Com muito jeito, conseguiu
enganar para os dias da estreia o censor, compartia palco com um amigo. Ele tinha escrito o roteiro. A cena mais importante, era o amigo contando
a historia de como se tinha descoberto gay, vestindo a roupa da mãe,
escondido. Enquanto isso ele fazia a
mesma cena de costa.
No final do monologo, ele se virava lentamente, transformado no outro,
soltava toda sua voz, num grito profundo, começava a cantar uma música composta
pelos dois, o público não esperava isso, uma pessoa travestida, cantando com
aquela voz de baixo, fazendo falsetes em jazz.
Fizeram uma
temporada inteira, com a crítica falando dos dois. Alguns falavam mais dele, o que ocasionou um
choque entre os dois, de amigos, passaram a ser dois inimigos em cena. Mas as pessoas diziam que o espetáculo tinha
ficado melhor. Nunca mais se falaram
quando acabou a temporada.
Logo o chamaram
para mais trabalhos, mas nunca nada interessante, como tinha um trabalho fixo,
foi levando. A paixão bateu em sua
porta, num dia de chuva, quando saia da academia de dança. Tinha feito uma aula de Jazz. A professora teve que sair, como sempre lhe
disse que seguisse com a aula. Ele era
bom. Na época quando estudava, os
momentos livres era para isso, aprender todos os tipos de dança, aulas de
canto.
Seu corpo era de
fazer inveja, segundo diziam no banheiro depois da aula quando tomava banho, de
costa para os outros, lhe dava vergonha ficar nu na frente dos outros. Nunca conseguiu se livrar disso.
Chovia a mares
nunca dantes navegados, como ele gostava de dizer, das chuvas de verão no Rio
de Janeiro. Nada que se esperasse um
pouco, logo acabaria. Saia um aluno,
que já tinha falado com ele antes, tinha visto seu trabalho, as vezes ele
substituía a professora que estava cheia de problemas no momento, era uma
maneira de ganhar algo de dinheiro.
Lhe ofereceu uma
carona.
Vais para
aonde?
A resposta lhe
deu uma surpresa, para aonde queiras, desde que acabe na cama contigo.
Acabaram
realmente na cama, embora nessa época tivesse, entre aspas, relacionamento com
um homem casado, se encontravam quando podiam.
Mas isso para ele era ótimo, levava sua vida.
Se deram bem em
tudo, despertou nele um sentimento, que tinha pensado não ser capaz, por esse
sentimento, começou a trabalhar período integral para poder conviver no
apartamento do outro. Foi uma má
decisão, agora o colocava para fora.
Quando ia se
vestir para sair, o outro fumava um baseado, entraram seus amigos, sem sequer
lhe dizer boa tarde, cada um foi deixando um baseado numa taça de barro que
tinha em cima da cômoda, não teve conversa, passou a mão em meia dúzia.
Vestiu uma
camiseta justa branca, uma calça boca de sino, desenho dele mesmo, enrolou na
cintura um tela indiana, misturada com
lantejoulas, por cima uma camisa imensa branca, uns sapatos brancos que ele
também tinha desenhado, com mais cinco centímetros de sola de cortiça, assim
ficava mais alto ainda.
Foi duro
conseguir um taxi, quando chegou no teatro, já tinha fumado 3 baseados, fumou
mais dois de raiva antes de entrar. O
show já estava começando, seu amigo já estava em cena, ele estava tão tonto que
não sabia aonde se sentar, o amigo do palco lhe disse para sentar na primeira
fila pois tinha um lugar vazio.
Adorava a voz do
amigo, era um tom mais baixo que a dele. Conhecia todo seu repertorio, mas
quando ele disse, vou cantar uma música que sei que meu amigo adora, começou a
cantar Black is Beautiful. Sem se dar
conta, estava eletrizado começou a cantar junto. O amigo parou, de cantar, gente, esse sujeito
tem uma puta voz, mas nunca lhe deixam cantar direito, faz milhões de casting,
mas como é alto, quase não chama a atenção, a plateia riu a bessa. Suba, cante tu dessa tua maneira a
música. A princípio ficou com vergonha,
mas tinha aprendido a falar com os músicos seu tom, lhes disse que da segunda
parte para o final, subiria dois tons.
Tirou a camisa,
deixando que todo seu bronzeado, no seu corpo extremamente branco
aparecesse. Abaixou a cabeça, deixando
que seus cabelos caíssem sobre sua cara, começou a cantar.
Hoje cedo na rua
do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi,
eu quero e preciso de amor, dos negros do congo ou daqui. Abriu seu vozeirão, que até ele mesmo se
surpreendeu, depois entendeu que estava incorporado por um Exu. Foi
subindo cada vez mais, quando foi chegando ao final, fez um sinal aos músicos,
esse pararam de tocar, cantou o resto a capela, o público aplaudiu em pé.
Seu amigo, rindo
falou, nasceu uma estrela, lastima que no céu dessa santa pátria, nenhum cantor
com esse tipo de voz, faz milagres. Lhe
disse, depois vá até o camarim.
Desceu do palco,
esperando que o amigo cantasse uma outra música que finalizava o show.
A doidera ainda
rodava sua cabeça, riu para si mesmo, só mesmo eu, para transformar um momento
de merda, numa coisa assim. Sempre
tinha sido assim, quando uma porta se fechava ele pulava uma janela, ou se
atirava do balcão, buscando outra chance.
Esperou que os
fans falassem com o amigo, encostado numa parede fumando um cigarro, ao seu
lado se encostou um negro da sua altura, lhe disse que tinha amado sua parte no
show, mas falava em inglês. Se se
preocupar muito começou a conversar com ele em Inglês, sua segunda língua. Estava ali conversando, seu amigo saiu já
pronto do camarim, dizendo, uau, nem preciso apresentar os dois.
Jacobo Magstein, um produtor de New York, veio assistir pela
segunda vez meu show, ficou deslumbrado contigo.
Tu parecias
incorporado, meu amigo, que espetáculo, te digo sempre és uma bomba pronta para
explodir.
Sem saber como,
no outro dia despertou na cama do Jacobo. Não se lembrava de
absolutamente nada. Este
disse, não se preocupe, não fizemos nada do que possas te arrepender.
Riu, me arrependo
de muitas coisas, não podia tirar os olhos do corpo dele, enrolado numa toalha,
vem vá tomar um banho, porque dançaste ontem como um louco. Ninguém podia contigo.
Ia pegar sua
roupa, mas sentiu o cheiro que vinha dela, cigarro, bebida, tudo que se pode
sentir depois de uma discoteca.
Acho melhor
deixar para tomar um banho em casa.
Nada disso, pedi
café para os dois, tirou do armário umas
bermudas, uma camiseta, ficaram bem nele.
Tomou um banho demorado, ainda em cinco minutos se lembrou porque tinha
saído de casa na noite anterior.
Se sentaram
tomaram café, contou ao Jacobo, quando ele lhe perguntou por que seu amigo
tinha feito um comentário a respeito de sua voz. Falou
de todos os casting que tinha feito, depois te mostro um vídeo de um espetáculo
que acabei montando para poder ser alguém nesse pais. Mas o
incrível, era que não podia deixar de olhar aquele homem, porque se interessava
por ele.
Jacobo foi
honesto quando lhe perguntou por quê?
Fiquei alucinado quando te vi subir no palco, como se estivesse na sala
de tua casa, soltar a voz daquela maneira, cheguei a ficar excitado, queria
subir fazer sexo contigo ali mesmo.
Agora quem estava
de boca aberta era ele. Replicou
dizendo, pelo que vi, o teatro estava cheio de gente bonita.
Nada como tu,
tens energia, magia, essa tua voz. Te
imagino cantando jazz.
Quando colocou a
sua mão sobre a dele para lhe agradecer, sentiu uma vibração diferente.
Acabaram
finalmente na cama, fazendo o que não tinham feito. Na hora do orgasmo, soltou um urro. Estava colocando para fora tudo que sentia,
mas agora tinha um prazer que tinha confundido, pela pessoa que o tinha
deixado.
Jacobo tremia,
caralho, nunca pensei que ia acontecer isso no Brasil.
Ele riu, Jacobo,
não sou brasileiro, nasci em Paris a séculos atrás, meu pai é francês, minha
mãe alemã, vieram para cá esperando ficarem ricos, vivem no sul, numa casa de
madeira, que cai aos pedaços, numa terra imensa. Eu escapei.
Passaram todo o
domingo juntos, no quarto tinha um piano, cantou várias músicas que gostava,
inclusive uma da Billie Holiday que amava.
Claro tinha transposto a mesma para sua voz.
Não queres vir
comigo para New York?
Como ir contigo,
não tenho dinheiro para isso, mas para fazer o que?
Posso te lançar
no teatro por lá, sou produtor. Estou
de férias para esquecer um amor mal resolvido.
Então estas como
eu, amor mal resolvido.
Mas nunca senti o
que senti hoje de manhã contigo na cama.
Tens certeza de
que queres me levar?
Sim, tenho, corro
o risco.
Na segunda feira
pediu demissão de seu emprego, tirou passaporte, na terça, foi com ele ao
consulado americano, conseguiu um visto de trabalho, uma coisa difícil de
conseguir.
Seu amigo
vibrava, sabia que ia acontecer isso, quando ele te viu, seus olhos se
escancararam, depois na discoteca, quando encontraste teus amigos da escola de
dança, improvisaste uma coreografia com eles, ele não fechava a boca. Me disse que tudo teu era espontâneo.
Bom de qualquer
maneira tinha que me pirar daqui, pois me colocaram para fora do apartamento.
Eu sei me
contaste ontem. O melhor não sabes,
enquanto estavas dançando, vieste até o Jacobo, lhe deste um puta beijo na
boca, nesse momento entravam teu ex com seus amigos ricos. Parou ficou de olhos abertos, virou as costas
foi embora. Fica na minha casa, até ires
embora.
Não, fico no
hotel com ele, adoramos fazer sexo, ficar abraçados. Agora entendo o que sentia pelo outro, um
simples reflexo de mim mesmo, querendo ser amado.
Já tinha retirado
toda sua roupa da casa do Ex como dizia seu amigo. Inclusive sua máquina de costura.
Jacobo perguntou
para que queria uma máquina?
Eu aprendi a
costurar, com minha mãe, a roupa que usava ontem, quase todas minhas roupas,
faço eu, é muito difícil encontrar roupa para o meu tamanho.
Jacobo já tinha
comprado o bilhete de avião para ele, trocou o pouco dinheiro que tinha por
dólares, ainda pensou, deve dar para
comprar um palito, para tirar o resto de um hot Dog dos dentes.
Iam em classe
turística, mas estava feliz, Jacobo
dormiu no avião ele ficou olhando para o rosto do outro. Era um homem extremamente bonito.
O apartamento era
bom, nem grande nem pequeno, mas podia se acomodar com ele. Abriu um armário, estava cheio de trajes de homem
sério.
Jacobo ficou puto
da vida, passou a mão no telefone, disse para alguém que se não viesse recolher
sua roupa, jogava tudo pela janela.
Meia hora depois bateu na porta um rapaz, um mulato, mais baixo do que
ele, sem dizer uma palavra, me olhou de cima a baixo, bom proveito, recolheu
suas coisas foi embora.
Esse filho da
puta tem muita cara, o peguei na minha cama com outro, ainda se faz de vítima,
diz que nunca o soube satisfazer na cama.
Soube depois que me colocou o chifre com muita gente.
Ele foi honesto,
pois eu me sinto fantástico contigo na cama, basta ver esses dias todos.
Eu sei, também me
sinto assim, mais agora que me sinto livre.
Amanhã vou te levar a um lugar, para cantares, mas te digo é só o
começo, pois tem muito que brilhar.
Não lhe disse
aonde era, só disse coloque uma das tuas roupas de fechar o comercio. Ele colocou uma camiseta de lantejoulas
negra, uma calça negra, que era uma cópia dos marinheiros americanos, boca de
sino, uma sandália alta, com a sandália ficava mais alto que o Jacobo.
Este ria, já não
chamarei mais atenção, mas todo mundo vai saber que sou teu amante.
Tomaram um taxi,
pararam num lugar com porta dupla, só dizia Club. Quando entraram viu que todo mundo falava com
Jacobo, a grande maioria eram negros. Se
sentiu como uma galinha branca num terreiro de galinhas negras, vão me
matar.
Ao contrário,
todos o olhavam com curiosidade. No
momento cantava um grupo de garotas jovens todas negras. Lhes faltava algo.
Jacobo disse, em
seguida vão de apresentar.
De fato, o
apresentador, fez colocarem um piano em cena, soltou que nome difícil, Louis Daguerre.
Ele se levantou, Jacobo disse, canta
Black. Ele entendeu.
Se sentou no
piano, inclinou a cabeça, começou a cantar, quando estavam as meninas cantando,
se escutava a voz de pessoas falando.
Tudo era silencio, primeiro cantava em português, quando chegou na parte
alta, passou a cantar em inglês.
Terminou com a cabeça jogada para traz, com seus cabelos fazendo uma
cascata. Todo mundo aplaudia
muito. Lhe entregaram um papel, era do
Jacobo, canta Billie.
Porra na terra
dela, cantar até era uma ofensa. Pegou
no microfone, falou, me pediram para cantar uma música, de uma cantora que
admiro muito. Mas claro não tenho a voz
dela, fiz uma versão para minha voz, The Man I Love. Mudava o ritmo um pouco, baixou o tom de voz,
como se estivesse rouco. Se imaginou se
arrastando bêbado pelas ruas, atrás do homem perfeito.
Quando terminou,
os aplausos era imensos, com todo mundo em pé.
O apresentador,
disse one big star Louis Daguerre. Mas
pediam para continuar, outra em português, não se fez de rogado, cantou a
música do seu espetáculo, mas o fez a capela, em pé no meio do foco, em cima
dele. Sabia que Jacobo tinha amado o
vídeo. Depois cantou a mesma em
Inglês. Soltou-se como fazia no
espetáculo, dançando, cantando, desceu a plateia, mexeu com alguns homens que
estava ali, como fazia.
Quando chegou
perto do Jacobo, viu que estava enciumado, como o foco estava neles, disse my
man.
Nunca mais faça
isso, morri de ciúmes, todo mundo te devorava.
Mas quem me leva
para cama es tu.
Se amaram essa
noite como loucos, ele porque estava se sentindo fantástico, o outro porque
tinha ciúmes, viu que todos o tinha devorado.
Passou se
apresentar no Club, todos os finais de semana, aumentaram inclusive o que lhe
pagavam, pois vinham de outros clubes para vê-lo cantar. Ele gostava disso, do contato direto com o
público, nunca mais cantou a música que deixava o Jacobo com ciúmes.
Agora tinha
dinheiro para alugar uma sala na Broadway para fazer aulas de dança ele só.
Estava ali um
dia, quando apareceu na porta um homem que ficou olhando ele dançar com uma
música tremendamente sensual.
Se apresentou com
André Croix, disse que era produtor da Broadway, que estava selecionando gente
para fazer um casting. Ele disse que lhe
daria o cartão ao seu agente para marcar alguma coisa. Disse aonde cantava nos finais de semana.
Falou com Jacobo,
este não gostou, agora percebia que era um pouco controlador, lhe disse isso,
não gostava que o controlassem. Já perdi
demais na minha vida por quererem controlar minha vida. Lhe disse que eras meu agente. Tu que sabes, ou posso chamar, ir sozinho.
A contra gosto
Jacobo chamou, o André disse que iria nessa noite assistir o show que fazia no
Club, agora cantava mais músicas, uma parte em português outra em inglês. Se
atrevia inclusive com uma da Carmen Miranda.
Depois André
Croix disse que gostava da sua versatilidade, em colocar a voz.
Foram anos
trabalhando duro, não ia contar dos casting no Brasil, quando sempre o
colocavam para fora.
Deixou que os
dois negociassem, era para um segundo
papel numa obra. Já sabia que ele
cantava, dançava, agora teria apenas de fazer um teste para falar o texto.
Quando leu o
mesmo, esperando a vez de se apresentar.
Leu, que o personagem era de Puerto Rico, tinha conversado com vários
deles no camarim, sabia como falavam, carregando em algumas frases. Assim fez o texto, tinha decorado o mesmo,
ficou com o papel. Mas poderia manter o espetáculo que fazia no Club. Inclusive André Croix, conseguiu um cartão
de residente permanente, a princípio teria que voltar ao Brasil, mas Jacobo
conseguiu que ele fizesse show um final de semana em Toronto.
Quando voltou, já
estava como residente. Percebia que
Jacobo cada vez o vigiava mais, pois pensava que estava interessado no
André. Nem tinha lhe passado pela
cabeça isso, era um tipo que não lhe interessava o mais mínimo.
Quando começaram
os ensaios, ele gravava de primeira as modificações que o diretor fazia, o
texto era uma coisa inovadora na época, um musical, com fundo gay. Se saia bem na coreografias, bem
como cantando, ou falando com sotaque de Puerto Rico. Muitos pensavam realmente que ele era de
lá. Lhe chamavam de branquinho de
Puerto Rico, falavam com ele em castelhano das ilhas. Ele respondia igual.
Convidou os
companheiros para assistirem o show, depois do espetáculo.
Depois de meses
em cartaz, já estava chegando a conclusão que gostava mais do show do Club, mas
claro queria o dinheiro para sua independência. Notava que as coisas com o Jacobo iam cada
vez pior. Tentou por duas vezes
conversar com ele a respeito.
Aceitava que tinha ciúmes, que como não ia ter ciúmes com um pedaço de
homem como ele.
Lhe explicou mil
vezes que não se via assim, como ele dizia.
Se saio do teatro contigo, vou ao show contigo, como vou ter amantes.
Jacobo foi fazer
um contato fora, voltou dias depois, sem querer soltou depois de terem se amado
com saudades, do corpo um do outro, que o tinha mandado seguir, para saber
aonde andava. Foi a gota d’água. Ficou furioso, te agradeço ter chegado aonde
cheguei, mas isso está passando dos limites.
Não estou gostando nada do rumo que está tomando tudo isso, se descubro
mais uma coisa desta, vou embora.
Mas não precisou
muito, o espetáculo ia começar uma tournée, ele ia cair fora, pois não queria
sair de New York, apesar de odiar o inverno, estava aguentando bem. O diretor do espetáculo, o chamou, lhe
ofereceram para fazer o papel principal, durante os dois últimos meses que
ficaria na cidade. Aceitou, as pessoas
se surpreenderam, de repente deixou de ter o sotaque de Puerto Rico, para ter o
sotaque de um sulista. Como estava mais branco do que nunca, pois aonde ir para
se queimar ao sol. A crítica elogiou
seu trabalho dizendo que esse papel lhe caia como uma luva. Que realmente ele
bordava fazer o personagem. Numa
entrevista, lhe perguntaram como o fazia.
Observo as
pessoas falando, apesar de já saber falar inglês, procuro estar sempre falando
melhor, falou do seu show no Club, o convidou para ir, ver outra faceta
dele. Sabia que ele adorava Dinah
Washington, ensaiou para cantar Cry me a River, como estava tão branco, passou
a só usar roupas negras, nesse dia pediu ao pianista da orquestra que ensaiasse
com ele. Tinha feito uma roupa que era
um escândalo, mais parecia uma saia.
Quando viu que o entrevistador entrava na sala, avisou o pianista que
era a primeira música. Já tinha ensaiado
com a iluminação. Era o piano, ele,
nada mais. Acendeu a luz, estava de
costa, quando se virou, a cara do outro era ótima, quando soltou a voz,
cantando quase num sussurro, sentiu que
estava provocando o mesmo, era o mais famosos dos entrevistadores da televisão.
Não se atreveu a
olhar o Jacobo, pois sabia que estaria furioso, não gostava que mudasse o show.
Os aplausos foram imensos. Agradeceu ao
pianista, longe de querer competir com a deusa de alguns, aprendi a gostar dela
também, mais uma para ver se aprendi
direito a lição da diva. Cantou Ain’t
Misbehavin, mas ele tocando o piano, desta vez mudou a voz rouca, de quem canta
na orelha do amado.
O público veio
abaixo. Quando desceu do palco todos vinham falar com ele, André disse, se
segues dessa maneira, perderei para alguma grande casa de show. Nunca disse ao André que não tinha nenhum
contrato assinado com o Jacobo.
Quando o
entrevistador veio falar com ele, tens que voltar ao programa, para fazer isso,
amei, lhe deu o cartão, se podes podíamos gravar na sexta-feira aqui, para
apresentar no programa de domingo, no horário nobre. Lhe deu dois beijos no rosto de despedida.
O escândalo do
Jacobo, foi imenso. Queria pegar o cartão para rasgar. Estas falando da minha carreira que está se
levantando, nem pensar. Sei que tudo
devo a ti, mas não se esqueça que ganhas dinheiro a minhas custas, além de que
não tenho na realidade nenhum contrato contigo.
Por um acaso
pensaste em convidar o mesmo para o show?
Não, quem fez o contato com o André Croix, fui eu não tu, a única coisa que fizeste, amo de paixão esse
trabalho é no Club, ouvi dizer que querias que cancelassem o meu show, tiveste
a coragem de dizer ao dono, que não quer os homens olhando para mim.
Acho uma
besteira, porque eu não olho para eles, mas eu te avisei que aquele último
escândalo teu era o último. Eu nunca
esqueço nada. Amanhã vou embora, nos seguiremos vendo, mas vou viver sozinho.
Não posso ter
você o dia inteiro atrás de mim. Estas
deixando atrás teus outros representados, acorda de uma vez.
No dia seguinte,
procurou encontrou um studio, não precisava de mais nesse momento. Seguiu fazendo o espetáculo de teatro, bem
como o Show do Club, tinha se esquecido de chamar o apresentador, foi esse que
o procurou outra vez no Club. Lhe pediu que
falasse com o proprietário do local, ele não queria problemas. O outro concordou imediatamente.
Estava sempre com
o Jacobo, as vezes dormia em sua casa, outras ele na dele. Mas não tinha a
chave. Não gostou quando soube que seria
gravado com convidados do apresentador.
Muita gente do mundo da música, do teatro. Ficou anunciando diariamente nos programas
anteriores. Um especial que faria com um artista brasileiro que era como o
filho mais novo da cidade, que tinha vencido por ele mesmo.
No princípio da
entrevista ele disse, não venci sozinho, fui descoberto no Brasil, por Jacobo,
depois aqui ainda tive outro padrinho o André Croix. Foi encaixando música com entrevista. Ele
perguntou como tinha conhecido o Jacobo no Brasil. Fui ao show de um grande amigo, disse seu
nome, um grande cantor, começamos juntos.
Estava chateado por um problema amoroso,
me tinham colocado no olho da rua.
Vi vários baseados, não tive conversa, roubei, fumei todos. Quando cheguei ao show, um pouco atrasado meu
amigo me fez sentar na primeira fila,
ele começou a cantar uma música que adoro. Já fez parte do show, se quiseres posso fazer
para ti. No camarim, tinha várias roupas
dele. Se vestiu como nesse dia, pediu a
pequena banda do Club tocar, Subiu ao
palco, todo de branco, quando retirou a camisa disse, a diferença era que
estava moreno de praia.
Se soltou no palco, parecia que
estava incorporado.
Houve um
intervalo, viu que Jacobo estava no camarim. Trocou outra vez de roupa, agora todo de negro.
Ele disse com uma
cara triste, estas conquistando o mundo com isso tudo, eu ficarei para trás.
Nada disso, sabes que te quero.
Realmente o queria muito, afinal tudo devia a ele.
O show para a
televisão durou mais uma hora, quando saiu, não viu ninguém lhe esperando,
perguntou ao porteiro pelo Jacobo. Foi
embora daqui acompanhado por um rapaz.
Filho da puta,
foi a casa dele, abriu a porta nu. Já
me abandonaste, estou procurando alguém para me dar prazer. Viu um rapaz que
não devia ter nem 18 anos. Mas Jacobo é
um menor de idade.
É um puto, estou
pagando para que me dê prazer.
Foi embora, no
dia seguinte acordou com a polícia batendo na sua porta. Os
atendeu, sim estive na casa dele ontem, mas estava com um rapaz.
Pois o mesmo além
de o roubar o matou.
Ele caiu no chão
com todo seu tamanho. Puta
merda, ficou totalmente desconsolado, como pode uma pessoa fazer isso, foi tudo
que pensou. Avisou o André, pois tinha
que ir a delegacia, para ver se reconhecia quem estava na casa. Quando disse quem era, pois o tinha visto
bem, soube que tinha 16 anos. Puta
merda. O rapaz alegou que o André depois que ele
tinha ido embora, não quis mais fazer sexo, tampouco pagar, que só estava
fazendo uma cena de ciúmes.
Que idiota, ficou
furioso, prometeu que nunca mais ia querer alguém o controlando.
Quando André quis
que ele fechasse um contrato com ele, como agente, se negou, a partir de agora,
ele só faria o que queria. O enterro
foi muito triste, poucas pessoas, pensou, deixas de brilhar as pessoas
desaparecem.
Em vez de ir de
tournée com o teatro, lhe apareceu outra oportunidade, com o André, agora tinha
fácil o trabalho, estava conhecido pela entrevista. Era um
musical, muito interessante, mas assinou contrato por seis meses, com o compromisso
de avisar no quinto mês se continuava ou não.
Fez o mesmo durante um ano, ao mesmo tempo que o show no Club. Mas ao final estava cansadíssimo. O musical ia para San Francisco, aceitou só
porque precisava de sol, todo dinheiro que ganhava, mal tinha tempo para
gastar, tudo estava no banco investido, para quem não tinha um puto quando chegou,
agora até tinha demais.
Adorou San
Francisco, por recomendação de um que atuava no Club, foi a uma casa noturna
assistir ao show. Se apresentou ao dono,
esse disse que tinha visto a entrevista com o show, que gostava muito.
Estou farto desse
show que tenho, o contrato acaba agora, se queres de deixo montar alguma coisa,
repartimos lucros, bem como eres livres para o trabalho. Já conhecia os americanos, exigiu um
contrato com tudo isso, levou a um advogado, para saber se tinha letras
pequenas.
Ele disse que se
qualquer coisa ele não gostasse, viesse falar com ele. Era um cara super bonito, vi teu show, com
meu namorado da época, quando fui a New York, diziam que era o que havia de
melhor, fui a contra gosto, mas gostei demais.
O convidou um dia
que tivesse livre para jantar. Mas
acabou não acontecendo nada, ficaram amigos, Ruby Carrasco, era descendente de
mexicanos, mas não entendiam os dois, porque, se sentiam atraídos, mas não
funcionavam na cama. Ficavam nervosos
os dois, daí ficarem amigos.
Fez um casting,
com os que já estavam trabalhando, só ficou com um jovem que estava iniciando,
os outros tinham vícios demais, só sabiam fazer uma coisa.
Quando começou a
entrevistar primeiro as pessoas, foi encontrando gente que buscava uma saída
para seu talento, foi separando essas pessoas.
No novo grupo, quem mais se destacava era um japonês, diferente dos
outros pois tinha a mesma altura dele.
Experimentou fazer uma dupla com ele.
Funcionou. Montou um espetáculo,
primeiro arrumou um pequeno apartamento, foi a NYC, buscar suas coisas. se despediu dos poucos amigos que tinha,
seguiu em frente.
Nesse local ficou
mais de 10 anos, até que foi convidado para montar um show em Las Vegas, lá
encontrou o que buscava, como sempre procurou uma casa pequena, fora do centro
da cidade, as pessoas se impressionavam, pois se movia de ônibus, ou quando
muito de taxi. Só levou com ele Ken
Takano, muitos pensavam que tinham algum romance, mas nada mais longe da
verdade.
Se davam bem no
palco. Montou dessa vez partes exclusiva para
ele, apesar do show fazer sucesso,
sentia falta de uma coisa, como tinha no Club.
Procurou um lugar, mas estava difícil, um dia vagabundeando durante seu
dia de folga, viu um anúncio de venda de um bar. Entrou para ver, era uma cópia do Club,
talvez um pouco melhor, examinou o local com o dono, precisava de uma reforma
geral. Ficou interessado, o que fez foi
chamar o Ruby Carrasco, para vir até lá, revisar tudo, contratos, contabilidade
do local, não queria se encontrar com nada escuro demais.
Depois de um
exaustivo trabalho, fecharam negócio, fez uma puta reforma, lhe recomendaram
uma pessoa para cuidar da obra. Amor à
primeira vista, começaram a discutir o
que ele queria, acabaram na cama. Além
de fazer obras, era polícia, viveu com ele, mais de 10 anos, se adoravam. Agora tinha seu próprio Club, foi deixando os
shows grandes, seu clube era indicado
pelos hotéis, quando procuravam um lugar especial. Era como ele sonhava, mesmo depois de tanto
tempo juntos, todo momento livre estavam juntos. Artho era mistura de muitas raças, era um
tipo completamente diferente, alto como ele, moreno, cabelos super negros, os
dois juntos faziam um casal diferente.
Não se escondiam de ninguém, ao contrário, foi viver na casa dele, fora do
centro, aonde tinha piscina, lá podia tomar banho de sol que tanto amava, longe
de olhares curiosos. Podia fazer sexo na
piscina, sem problema nenhum. Quando ele
passou a inspetor, dois anos depois levou um tiro, correu como um louco para o
hospital, mas só pode se despedir. Artho
só lhe disse, siga em frente, foste o amor de minha vida, isso nada nem ninguém
vai poder tirar. Herdou a casa dele,
ficou vivendo lá, os primeiros meses foram uma tragédia, pois cada troço da
casa tinham escolhidos juntos. Mas
superou, cantando toda as noites, agora entendia as grandes do Jazz. Descobriu numa loja de jazz, disco de Sam
Cooke, ficou encantado com sua voz. Ele
não tinha o mesmo tom, mas transferiu para sua voz, algumas coisas que ele
cantava. Durante a semana quando não
tinha nenhum cantor ou artista convidado, se sentava ao piano, podia ficar
horas desfiando canções. Mas gostava
mesmo do final de semanas quando a casa estava cheia. Continuava fazendo suas próprias
roupas, ideando os shows.
Pediu a Ruby, que
viesse como sempre verificar suas contas, queria que olhasse se ia tudo bem,
tinha dinheiro, mas não aproveitava muito.
Levava uma vida simples, seu luxo era fazer seus shows como queria. Mas sabia que algum momento, seria ultrapassado,
pois, as novidades em termos de música não paravam. Queria conversar com alguém que confiasse.
Quando viu Ruby
ficou preocupado. Nunca o tinha visto
tão em baixa, quando perguntou o que passava, não esperava a resposta que
recebeu.
Nunca me entendo
sexualmente com as pessoas, elas se cansam de mim rapidamente, veja conosco,
nem chegamos direito a cama.
Ora Ruby, nem
sabias beijar direito. Venha
vou te ensinar, dessa brincadeira de ensinar, encontrou uma parte dele mesmo no
outro. Tu eres como eu, quando cheguei
a cidade, mas porque deixaste o tempo passar.
Sempre fui
apaixonado por ti, mas tinha medo de ser rejeitado novamente, sempre fui
desajeitado quando se tratava de sexo.
Nunca soube me comportar, se devia ser um machão na cama ou ser frágil. Contigo descobri que tenho que ser eu mesmo.
Se mudou para Las
Vegas, estavam juntos até hoje. Hoje
segundo Louis, faziam quarenta anos que
tinha saído do Brasil.
Quem sabe seja
hora de fazer uma visita ao teu pais. Visitar tua família?
Nem sei ir aonde
vivem. Olha a figura que sou hoje em dia, mais pareço um americano, mal sei
falar português, além das músicas que canto, que hoje já devem estar todas no
passado.
Ruby estava tão
saído, que adorava ver o corpo dos dois, apertados um ao outro no espelho, seja
se ele estivesse na frente ou atrás.
Deixou o clube com o Ken, que já estava farto de fazer musicais nos
cassinos. Queria paz.
Foram os dois,
via Los Angeles. Quando chegaram ao Rio
de Janeiro, quem os esperava era seu amigo, com que tinha sempre mantido
contato. Estava mais gordo, para Ruby
foi como encontrar uma pessoa conhecia, de tanto que escutava falar dele.
Rapidamente
descobriu que já não era brasileiro, todos só falavam com ele em inglês, quando
tentava falar em português tinha que ficar buscando na memória palavras, já não
sou daqui.
Ficaram num
hotel, bom em Copacabana, seu amigo arrumou uma pessoa para passear com eles
pela cidade. Um dia o levou a Rua do
Ouvidor que tinha escutado quando ele cantava, ficou decepcionado, teve que lhe explicar que era uma música nada
mais, ou será que ele queria encontrar algum negro. Ruby ficou furioso, tinha a ele, isso
bastava.
Mas na verdade
ficou rememorando a Rua do Ouvidor de sua época, não era tão suja, nem estava abandonada
como agora. O centro da cidade, aonde
tinha trabalhado em vários lugares, agora parecia nada mais que uma imensa
lixeira. Chegou a uma conclusão triste,
realmente ele já não era dali. Quarenta
anos pesavam na balança.
Quando voltaram,
gostavam da vida que tinha agora, quarenta anos tinham passado, chegou a
conclusão que tinha vivido bem. Ken
tomava conta do Clube, eles tinham todo o tempo para eles. Viajavam mais agora. Aproveitavam a vida.
Ele tinha chegado
à conclusão de que não tinham dado certo a primeira vez, porque não se souberam
explorar como deviam. Pois
não se cansavam de fazer sexo, estarem juntos, compartir coisas, enfim viver a
vida.
TRAVIS FAR
Muita gente me
conhece por esse nome artístico, mas verdade meu nome é Brow Crow, que era o
mesmo do meu pai, um cowboy de rodeos. Nunca soube direito a história, ele me contou
várias versões, nunca pude acreditar em nenhuma porque não correspondiam entre
si.
Só posso dizer
que era um homem bonito, sem muita sorte na vida, ninguém sabia de aonde tinha
saído, num rodeio em Mesa, no Arizona, fraturou ambas as pernas, só lhe restou
seu cavalo que ele chamava de Crow, como seu sobrenome.
Arrumou um
emprego como domador de cavalos, num rancho, entre o deserto de Sonora, e
Reserva índia de O’Odham Nation, um dia
apareceu uma mulher muito bonita, segundo me contavam, desceu de um cadilacc, parou
na sua frente, lhe perguntou se lembrava dela, do Rodeio de Mesa. Ele tinha fudido com tantas garotas que não
se lembrava. Estendeu um fardo, lhe
entregou, teu filho, virou as costas, foi embora.
Como ele não
tinha ideia de quem era, ficou com a criança, me registrou como Brow Crow, que
era seu nome. Todos me chamava de Junior
Crow. Ficou muito amigo do dono do Rancho, os dois as vezes desapareciam voltando
dias depois ainda cheirando a álcool. Que
me criou foi Maria, junto com seu filho Raphael. Os dois, fomos amamentados ao mesmo tempo,
brincamos juntos, fomos a escola elementar que era a única que havia por ali,
para aprender a ler, escrever.
Éramos os dois
loucos pelos cavalos, Mister Hanburry, mais conhecido por Burry, esse era nosso
segundo pai, severo, duro na queda, sua ordem era indiscutível. Todos os outros empregados, eram
mexicanos, Maria era viúva de um
vaqueiro que trabalhou muitos anos para Burry.
Cuidava da casa, da comida para todos, era baixinha, meia gordinha. Nada a ver com Raphael, que era alto, não
tanto como eu, tinha os cabelos negros
largos, olhos negros, uma pele azeitonada que me fascinava. Eu ficava comparando com a minha, que era
branca cheia de sardas. Eu ao
contrário, tinha cabelos castanhos, queimados do sol, rebeldes, olhos azuis, os
dois tínhamos bom corpos, pelo trabalho pesado do rancho. Pois mal tivemos idade, Burry nos colocou a
trabalhar, dizia que se queríamos comer tínhamos que trabalhar.
Aprendi todos os
truques com meu pai, de domar cavalos selvagens. Ele ficava furioso, porque eu entrava no
cercado, sem proteção nenhuma, deixava me cheirarem para saber quem eu era, nos
dois tínhamos o hábito de ir tomar banho num pequeno lago, na ravina, aonde se
criavam os cavalos selvagens. Eles
conheciam nosso cheiro. Então ao menor
descuido do cavalo, dava um salto, agarrava sua crina, ficava em cima do mesmo,
até ficar quieto, ficava comigo, mas quando qualquer outra pessoa tentava fazer
isso, se colocavam como loucos.
Os engana, tudo
bem, mas isso não é domar. Um dia que
fui sozinho a ravina, estava chateado, pois Raphael, com quem descobri o sexo,
já não queria nada comigo, dizia que tinha escutado dizer que era pecado. Mas eu era louco pelo corpo dele, deixava me
penetrar quantas vezes quisesse. Me
disse que iria embora com sua mãe, pois tinham encontrado alguns parentes em
San Francisco.
Nesse dia
despertei, não escutei barulho na cozinha, achei estranho. Quando entrei Burry fazia café. Olhou para minha cara, te acostume, acabou
tua boa vida, Maria já não esta mais aqui, teu pai foi leva-la a Mesa para
pegar um ônibus para San Francisco.
Fiquei como
louco, o único lugar que tinha paz era
na ravina, quando cheguei lá, vi que alguma coisa passava. Um coiote tinha atacado uma égua, que tinha
parido a pouco tempo, um belo potro, marrom escuro. Voltei correndo ao Rancho, avisei ao
Burry, voltamos com mais homens, ele
queria matar o potro, pois não tinha nenhuma égua tinha parido ao mesmo
tempo. Eu me agarrei ao potro, tinha 15
anos, disse que não que eu o cuidaria.
Realmente assim fiz, pelas boas ou pela força. Meu pai e Burry, estavam sempre em cima de
mim. Me obrigando a fazer tudo pelo
potro. Cresceu se tornando um belo
cavalo, me seguia a todas as partes, tinha uma crina impressionante, eu o montava
a pelo, ensinei uma serie de truques.
Quando fiz 17 anos, meu pai me deu uma cela com acabamentos em prata que
tinha ganho num jogo.
Era de longe o
cavalo mais bem cuidado, também meu único bem.
Logo em seguida meu pai morreu.
Primeiro ficou furioso comigo, pois me viu beijando um vaqueiro
mexicano, mal sabia que tínhamos acabado de fazer sexo. Me deu uma surra de fazer gosto. Eu não quero meu filho assim, mas sabia que
já tinha feito sexo com vários deles.
No dia seguinte,
amanheceu morto. Burry dizia que de
desgosto, foi enterrado num lugar que
gostava muito. Quando fiz 18 anos, fui a
Mesa tirar documentos, me queriam mandar para o exército, me neguei, pois isso
me obrigaria a me separar de meu cavalo.
Por nada no mundo o faria.
De qualquer
maneira a coisa se torceu, pois Burry me pegou com um cowboy novo que tinha
contratado para ajudar na doma. Para assim dizer, me pegou de quatro no ato. Ficou furioso, me disse que tinha que ir
embora, pois era um mal exemplo para todos. Mandou também outro embora. Não queria esse tipo de gente ali.
De qualquer
maneira, eu sabia que ele estava vendendo o Rancho, estava velho demais segundo
ele, ia viver com sua filha em San Diego.
Me pagou, me entregou uma
caixa, com dinheiro, meus documentos. Apontou a porta dizendo, rua seu viado sem
vergonha.
Montei meu
cavalo, com uma mochila, com as poucas roupas que tinha, nesse dia dormi na ravina, ali tinha uma pequena gruta, aonde eu com
Raphael, iniciamos nossos descobrimentos sexuais. Mas nunca levei ali, nenhum dos outros.
Burry dizia que
não podia entender, como um homem de 1,90metro, forte, curtido do sol, domador
de cavalos, podia gostar de dar o cu, para esses mexicanos sujos.
Eu na verdade não
sabia explicar, procurava em todos eles o Raphael, mas claro era um romântico.
Fui seguindo em
frente, bordeando o Deserto de Sonora, não tinha muita ideia aonde deveria ir.
No terceiro dia, quando o pouco de alimento se acabava, parei num poço para
aliviar a sede, estava dando água para o meu cavalo, quando escutei uma voz
atrás de mim. Chegas muito tarde,
estamos de esperando a dois dias.
Me virei, vi um
outro tipo, mas notei que mais parecia estar fantasiado de Cowboy. Ele percebeu que tinha se enganado.
Explicou que
estavam esperando o doublé do ator principal, esse já deveria ter chegado, ele
tinha saído procurando, achando que o sujeito estava perdido. Não viste, nenhuma camionete, com trailer
para cavalo.
Lhe respondi que
não, que estava andando por ali a uns dois dias, não tinha visto ninguém.
Me olhou de cima
a baixo, me fez ficar de costa, acho que se sabes lidar com cavalo, pode fazer
esse trabalho. Tens mais ou menos o
tipo do Ator principal.
Me levou com ele,
até aonde estavam as filmagens. O
diretor, me pediu para fazer uma demonstração, chamei meu cavalo, que veio a
trote, colocou a cabeça no meu ombro, quando era garoto, brincava de fazer o
que faziam os índios, montar a pelo, cavalgar, deitado de lado no cavalo, mudar
de posição, coisas assim.
Me disse, como
era a cena, o que deveria fazer, por sorte meu cavalo, era quase igual ao do
ator principal. Quando o vi, era
impressionante, parecia uma cópia do meu pai. Já tinha sua idade, fazia filmes
a muitos anos. Mas não gostava dos
cavalos. Iam me filmar de costa caminhando, até o cavalo, deveria subir de um
pulo, sair em disparada, pela rua poeirenta da vila. Pedi que ele andasse um pouco, para observar
como fazia. Em seguida consegui fazer
igual. O diretor me deu as instruções finais.
Fiz exatamente o
que ele disse, comecei a andar de costas para a câmera, me sem me apoiar no
cavalo, dei um salto, fiz um som, que deveria ir a trote, não a galope, ele me
obedeceu, fomos saindo da vila, com o sol nos iluminando de frente. Essa foi a foto do cartaz do filme.
Depois fiz todas
as cenas de cavalo que já tinha feito antes, que segundo o diretor estavam mal
feitas. O que lhe gostava era que eu
entendia imediatamente o que queria.
Afinal tinha brincado toda minha infância de cowboy.
Quando terminaram
a filmagem, me pagaram, era um bom dinheiro.
Tom, o homem que me tinha encontrado, era o encarregado dos extras, dos
doublés, de contratar gente. Me
perguntou se queria ir com eles, já que estava sem destino.
Arrumou um lugar
no caminhão que levava os cavalos, para o meu, lá fui eu com ele na cabine,
conversando. Naquela época devia estar
beirando os 50 anos, mas era um homem curtido do sol.
Tinha um rancho
só para cavalos, treinados, atendia Hollywood, para todos os filmes de cowboys,
mesmo de outras modalidades. Lá aprendi
muitos truques de como me comportar, de me atirar de algum lugar alto, essas
coisas.
Fiquei com ele
durante dois anos, quando queria um homem, procurava fazer discretamente, nunca
com ninguém com quem trabalhasse.
Fomos para uma
filmagem, aonde minha sorte se
torceu. O ator secundário, era um pouco
mais baixo que eu, ficava histérico em ter que subir em um cavalo. Mas a história, era sobre dois homens que
levam um rebanho para vender, durante a guerra da civil americana.
O diretor estava
farto do sujeito. Olhou para minha cara,
me disse que vestisse a roupa do mesmo, ficava um pouco pequena, apertada,
fazendo que meu peito musculoso, ficasse mais aparente. Mandou fazer um close, gostou do que viu. Perguntou se eu sabia a história?
Tom tinha me
contado do que ia o roteiro, pois tinha que conseguir os doublés, para se
atirarem no chão, várias coisas.
Lhe disse que
sim, que sabia do que ia. Havia umas
quantas vacas soltas por ali, me pediu que eu as agrupasse. Porra tinha feito isso minha vida inteira, só
me deu ordens como, não abaixe demais a cabeça, coloque o chapéu para trás,
deixe aparecer tua cara. Vi um homem
sentado ao lado dele, este lá pelas tantas, disse que agitasse os cavalos, imagina
que você esta sendo perseguido por bandidos, como faria, agitei as vacas, fui a
meio galope ao lado delas, me deitei no cavalo como se fosse um índio.
Quando me
perguntou quem era meu agente, sinalizei o Tom, tinha um contrato de trabalho
com ele. Ele negociou meu primeiro
contrato, meu nome devia aparecer em segundo lugar, coisas assim. Nasceu o Travis Far, pois Brow Crow, lhes
parecia vulgar.
Descobri que o
sujeito que estava ao lado do diretor, era o ator principal. Fizemos um par excelente durante a rodagem,
avisou ao Tom que quase em seguida começaria rodar outro filme, que eu fosse ao
casting. Tinha gostado de trabalhar comigo.
O diretor era um
filho da puta, mas a filmagem foi excelente. Logo consegui um contrato fixo,
não gostei muito, mas o Tom me convenceu.
Achou que eu deveria morar na cidade, eu lhe disse que de maneira
nenhuma ia abandonar meu cavalo.
Continuei vivendo
em seu Rancho. Quando o primeiro filme
estreou, apareceram jornalista para me fotografar no Rancho, criou a minha
fama, de um ator que não está preocupado com a fama.
O filme
seguinte, não gostei de fazer, pois, era
um de detetive, era obrigado a fazer por causa do contrato que ele tinha me
obrigado a assinar. Inventei uma cena,
que ao fugir de uns mafiosos, o mocinho, não encontrava seu carro, lá estava
meu cavalo, amarrado, tipo um cavalo de policial. Corria, pulava no cavalo, saia a
galope. O público adorou. Os homens da empresa entenderam que o meu era
fazer filmes de cowboy. Ao contrário do
outro atores que vão ganhando dinheiro, comprando carros de luxo, eu ia
guardando tudo no Banco, meu amigo o primeiro ator com quem contracenei me
orientou. Um dia fui a sua casa, vivia
numa mansão luxuosa, disse que era do studio, que ele não gastava dinheiro em
casas assim. Tinha um apartamento na
cidade, pequeno, quando não estava fazendo nada ia para lá.
Me convidou para
tomar um banho de piscina, simplesmente tirou a roupa, mergulhou, fiquei sem
graça, ele era famoso. Da água me
convidou a entrar. Não se preocupe,
dispensei todo os empregados.
Fizemos muito
sexo essa noite. Sabia que eu guardaria
segredo. Era casado com uma atriz também
famosa que nesse momento estava fazendo um filme em Londres. Passamos a nos encontrar no apartamento que
tinha na cidade. Não me apaixonei por ele, apenas, era um sexo
sem compromisso, seguro conforme as regras da cidade. Eu tinha uma chave da entrada dos fundos,
entrava por aí. Até que um dia o
encontrei dando o cu para um negro imenso.
Estava até a alma de cocaína. O
negro quando me viu, se vestiu, desapareceu.
Eu ainda fiquei ali, esperando que despertasse. Estava tão colocado que nem sabia que tinha
feito sexo, isso dizia ele.
Não se preocupe,
lhe disse, mas ao sair, deixei as chaves que tinha na mesa da cozinha. Só voltei a vê-lo num filme de guerra que
fizemos juntos.
Minha vida deu
outra volta, numa filmagem, tinha que cair de uma altura considerável, não
queria doublé, fiz eu mesmo a cena, ao mesmo tempo deveriam estourar uma
janelas, um troço de vidro, cortou a minha cara, nem me dei conta. Segui gravando. O diretor ficou maravilhado. Mas claro fiquei
com uma cicatriz imensa na cara. Essa de
cara de bonitão, virou cara de bandido. Passei a fazer papel secundário de bandido,
de mafioso, de detetives frustrados, coisas assim, não reclamava, pois pelo
menos não me ofereciam papel de personagens idiotas.
Quando Tom
morreu, num acidente, passei eu mesmo a negociar meus contratos, porque ia
pagar para alguém negociar por mim.
Comprei uma casa, que tinha um estabulo, um parque imenso aonde podia
sair com meu cavalo. Tinha uma entrada
separada da entrada principal, ninguém sabia da sua existência. Por aí, passaram a entrar meus homens. Normalmente eram mexicanos, a procura de
trabalho. Os contratava para cuidar do
jardim, dai era um passo para a cama.
Me chamaram para
fazer um papel de mafioso numa serie de televisão. Era uma das primeiras que se faziam, toda uma
experiencia, uma coisa nova no mercado.
Era baseada num livro de um italiano.
Seria filmado na Itália, estava
em dúvida, como faria com o meu cavalo, já era velho, não podia deixa-lo para
trás. Por azar, um dia o mexicano atual,
correu ao quarto para me avisar que algo tinha passado durante a noite, corri,
mas já era tarde, quando chegou o veterinário, só para atestar sua morte. Era
proibido, mas o fiz enterrar lá mesmo.
Um dia voltaria para a casa.
Fui para Roma, a
parte dos set seriam na Cinnecitta, os exteriores, pelas vilas antigas, essa
série durou sete anos, se filmava capítulos para um ano, depois estava livre
para voltar para casa, para fazer qualquer outra coisa. Gostei de fazer a série, porque tinha uma
historia bem contada, tempo no mesmo lugar, trabalho quase todos os dias, não
ficava pensando besteiras em casa.
Me ofereceram
para fazer uma séria que seria filmada justo no Deserto de Sonora, ali se
faziam os exteriores. Precisavam de um
rancho como localização, me lembrei do rancho do Burry, sem dizer nada, fui de
carro até lá. A casa estava no chão,
tudo abandonado, o celeiro tinha queimado inteiro, bem como aonde ficavam os
cavalos.
Mandei meu
advogado bisbilhotar, o que tinha acontecido, se estava a venda.
Fizemos a série,
usando um outro rancho, do outro lado disso tudo. Me divertia, fazendo o papel do rancheiro mal
caráter, que cria sempre confusões.
Fiquei famoso por uma cena que fazia.
Quase no final da série, meu personagem se dava mal, eu saia do saloon,
com um tiro, tinha que caminhar até o cavalo, subir sair da cidade. Queriam que um doublé fizesse a cena, não
permiti. O Diretor disse que eu não era
jovem para isso. Experimento, se fica
mal, tu me dizes. Ensaiei a cena duas
vezes, na terceira quando ele disse ação, sai do saloon, fui caminhando até o
cavalo, com dificuldade subia nele, soltava as rédeas, dizia ao cavalo, vamos,
ele saia a trote lento, me levando meio caído por cima dele.
Na verdade, no
final da cena, tive meu primeiro enfarte.
Foram me encontrar mais adiante caído no chão, desacordado.
Brincado depois
disse, meu personagem morreu com toda certeza.
Ainda voltei a Roma
para fazer a última temporada da série,
um dia na rua, fui parado por um homem que me disse que seu chefe
adorava ver a série.
Quem é seu
chefe? Me disse o nome, fui me
informar, era um chefão da Máfia. Na
Itália tomava cuidado com os romances, porque sabia que podia me dar mal. Eram enganosos os italianos.
Quando terminei,
voltei para casa. Meu advogado
finalmente tinha conseguido saber quem era
o dono do Rancho. Havia uma
disputa de dois herdeiros. Esperamos que
terminasse o litígio, ele ofereceu um bom preço para o que tinha ficado com
tudo.
Mas ainda, podia
trabalhar, me chamaram para fazer um papel num filme, era de um médico, com
muitos filhos. Estudei o papel, não
gostei. Disse que não me interessavam, ofereceram o papel para outro da mesma
idade que a minha. O filme foi uma
merda, mas ao vê-lo fazer o papel, vi que estava ficando velho, que dentro de
pouco, só me tocariam papeis de pais, avôs, coisas assim.
Ainda aceitei
fazer um último filme, a historia de três cowboys que foram amigos na
juventude, agora se encontravam anos depois para ajudarem o filho de um
deles. Ficaram horrorizados, quando
descobriram que tinha ido para a cama com o jovem que fazia o papel de filho.
Ri muito da
hipocrisia, estava farto disso. Acabei o
filme, brigado com o diretor, os outros atores.
Agora como iam vender o filme, se tinham encontrado o mocinho embaixo de
mim.
Me fechei em
casa, contratei um engenheiro, começamos a reconstruir o rancho, não queria
nada demais, minha ideia era recuperar o lugar.
Saiu uma reportagem a respeito.
Voltava ao meu lugar da infância, ninguém sabia isso da minha vida.
Quando me
perguntaram se eu iria continuar a fazer filmes, se fez um silencio, pois
fiquei quieto pensando. Estava cansado
dessa vida, de não ter ninguém comigo, de estar sempre sozinho, andando pelas
ramas. Disse que não, que Hollywood,
não era lugar para um cowboy gay. Foi um
escândalo. Eu ao contrário ri muito.
Vendi a casa, mas
nunca disse a ninguém que tinha o meu cavalo lá. Me mudei com minha pequena bagagem, agora só
tinha livros, roteiros de cinema, que fui ordenando por épocas, a histórias de
cada filmagem, que ia escrevendo a parte.
Contratei gente para trabalhar, os que apareciam não me interessavam
muito, contratei só mexicanos, queria a minha juventude de volta. Um dia fui com dois dos meus verificar
como estava a ravina, para minha
surpresa, havia um grupo de cavalos sobreviventes por lá. Quando entrei, eles, riam, fui andando
tranquilamente, tirei minha roupa toda, mergulhei no pequeno lago, aonde bebiam
água, um deles depois diria que tinha sido o momento magico de sua vida.
Sai perto dos cavalos, os deixei virem me cheirar. Estava feliz. Passei a cuidar deles, como meus
filhos. Mas não queria que fossem
domados.
Um dia estava
sentado na varanda, no meu lugar preferido, era aonde se sentavam meu pai,
Burry para conversarem no final da tarde.
Vi um carro chegando, levantando poeira.
Saíram dois homens do carro. Um
da minha idade, outro mais jovem.
Conforme foram caminhando até aonde estava, lancei um grito. Pelo andar era o Raphael, me levantei, o
esperei de braços abertos. Nos
abraçamos, ficamos ali como dois velhos amigos, com lagrimas nos olhos.
O mais jovem era
seu filho. Me contou que tinha visto a
reportagem, tinha mostrado ao seu filho, falou da nossa infância. Ele era viúvo, o filho o convenceu de vir me
ver. Tinha muito medo como eu ia reagir,
pois tinha me abandonado, sabendo que eu o amava.
Eu tinha pensado
milhões de vezes no que tinha acontecido.
Comentei isso com ele, ruminei como uma vaca, depois botei para fora.
Por tua culpa
sempre tive amantes mexicanos, mas nenhum era como tu. Mandei a empregada arrumar um quarto para
eles. Fiquem o tempo que quiserem.
No dia que chegou
eu o achei muito sério, mas depois foi se relaxando, se sentou comigo nos dias
seguintes na varanda, disse que nunca tinha me esquecido, mas que sua mãe tinha
descoberto o que fazíamos, por isso tinha saído na surdina. Perguntei se ainda aguentava andar a cavalo,
no dia seguinte fomos até a ravina.
Contei ao filho, o que fazíamos, para estar com os cavalos. Desci do meu, tirei toda a roupa, fui andando
tranquilamente, até o lago, entrei na água, um potro novo, veio direto até
aonde eu estava. Raphael, estava
parado ali, me olhando com os olhos abertos, fiz um sinal para ele vir. Tirou sua roupa, ainda tinha um corpo
estupendo. Nos abraçamos na água. Me disse nunca esqueci disso, nunca. Mas tampouco estive com outro homem
jamais. Isso eu não podia dizer ao meu
respeito.
O filho se matava
de rir. Jamais imaginei ver meu pai em
pelotas, num riacho, cercado de cavalos, tenho que fazer um vídeo disso.
Conversando,
perguntei o que fazia, ele escrevia, tinha estudado, dava classes numa escola,
porque não tinha conseguido nenhum posto na universidade. Perguntei se queria escrever sobre o
material que tinha separado. Ele era
casado tinha dois filhos, experimenta traze-los até aqui. No dia seguinte nos filmou, na ravina. Quando vimos o vídeo, ficamos rindo.
Ah se ele tivesse
nos visto quando jovens, com aquele corpo que tínhamos, verdade Raphael.
Nessa noite ele
entrou no meu quarto, se deitou ao meu lado, me abraçou, me cheirou, disse que
eu tinha um cheiro inconfundível. Fizemos um sexo de pessoas que se amam a vida
inteira, já não estávamos para arroubos.
Quando o filho
despertou, nos viu abraçados na cama, entendeu realmente o que nos ligava.
Quando disse que
tinha que ir embora, disse ao Raphael, porque não ficas, aqui, ele depois trás
teus netos. Assim ele volta.
Falavam sempre
por telefone, dizia que os meninos tinham ficado fascinado, de ver o avô, em
pelotas entrar no riacho. Vieram passar
as férias, achavam normal o avô dormir
comigo, afinal erámos amigos.
A vida ficou mais
fácil. Acabaram vindo morar conosco,
contei toda minha vida, minhas aventuras para seu filho, que foi escrevendo. Quando foi apresentar o livro a uma editora,
não acreditavam na história, mas ele mostrou o vídeo dos dois no riacho.
Os meninos agora,
iam sempre conosco na ravina. Era nosso
lugar sagrado, combinamos deixando por escrito, que quando nossa vida chegasse
ao fim queríamos ser enterrados ali, um ao lado do outro.
WESTERN – FAROESTE
Genaro bem como
Maria, os dois descendentes de italianos, tinham uma restaurante, basicamente
desde que se casaram. Tinham sonhado em
ter muitos filhos, mas os anos passavam, nada acontecia.
Genaro, meu pai,
então resolveu finalmente pedir ajuda a uma tia distante, que trabalhava
justamente no departamento que recebia crianças abandonadas. Eles queriam bebês, mas queriam criar desde
pequeno.
O primeiro que conseguiram
foi Genaro, ou Junior, pois tinha levado o nome de meu pai, era loiro de olhos
verdes, muito branco, nesse ponto como minha mãe, Maria, que tinha a pele que
parecia de papel branco. Era uma
delícia ficar deitado nos seus braços.
Um dia receberam
um chamado da prima, essa dizia que tinha outro bebê que ninguém queria, porque
devia ter alguma mistura de raças complexa.
Esse era eu, nunca se soube direito de que raça ou raças tinha no meu
sangue. Era moreno, cabelos negros,
segundo as fotos, estavam em pé como um porco espinho. Mas Genaro, pai, mal me
viu se apaixonou, Maria lhe argumento que seu outro filho era muito branco, mas
ele não quis escutar.
Olha parece um
porco espinho, com esse cabelo, eu era assim quando nasci, de uma certa maneira
fui seu filho querido toda a vida.
Me deu o nome de seu avô, que tinha chegado a América, atrás do sonho de
ficar rico, mas nunca mais voltou a sua Sicília natal. Fiquei com seu nome, Guiseppe, dizia também
que era o nome de um grande compositor de ópera italiano, mas a ópera nunca foi
o meu forte.
Os dois tínhamos
a mesma paixão, os filmes de cowboys,
ele era fã de John Wayne, eu ao contrário era fã dos índios que
apareciam nos filmes, não podia entender por que sempre perdiam. Mas ficava quieto, porque a única vez que
ousei a falar no assunto me olhou feio, como podia querer que os índios
ganhassem de John Wayne. Via seus filmes milhões de vezes, mas só
gostava dos que ele fazia montado num cavalos.
Os filmes de guerra, romance, essas coisas não lhe interessavam.
Eu comprava todas
os gibis, dos heróis dos filmes, Zorro com o Tonto, Don Chicote, por ai vai, já
meu irmão era mais moderno, gostava de coisas espaciais, Flash Gordon, coisas
do gênero.
Então tinha meu
momento predileto, na hora que ele me chamava para sentarmos no sofá para ver
algum filme que passava de tarde, quando estava livre do restaurante. Eu ficava ali ao seu lado, vendo pela
milionésima vez por exemplo Centauros do
Deserto, em que o personagem dele busca sem cessar sua sobrinha raptada pelos
comanches. Eu achava que ela devia
ficar com eles, porque o resto da família era muito chatos, viviam brigando. Mas ficava quieto, me maravilhando com a
paisagem que mostrava o filme. Meu
irmão nesse momento saia da sala, zombando dizendo, esses que vivem no passado.
Eu em silencio,
num momento de alguma luta, torcia para que o índio ganhasse a luta, mas mesmo
assim, quem sempre ganhava era o mocinho, meu pai dizia que ganhava, porque era
amigo do diretor do filme. Riamos muito
com isso. Outras vezes, de tanto ver,
dizia, tentando me enganar, vamos fazer uma aposta, ele vai lutar, cair na água
do rio, mas vai sair seco, com o chapéu na cabeça. Apostava com ele, porque sabia que adorava
ganhar. O amei desde que tive
consciência disto. Era recíproco, me
queria muito, me dava uns abraços apertados, beijos em ambos lados da
cara. Eu adorava, meu irmão ao
contrário, em seguida, limpava a cara, anos mais tardes dizia que nosso pai era
um beijoqueiro nato.
Mamãe, tentava
equilibrar tudo. Estava sempre rindo,
dizia ao Genaro, um dia os dois vão entrar casa adentro, montados em cavalos,
vestidos de Cowboy, soltando tiros, vão sujar a sala inteira.
Eu já imaginava o
cavalo, soltado uma bela cagada no seu tapete mais querido, ria com a imagem. Ela me olhava feio, mas quando lhe contava,
acabava rindo, meu irmão ao contrário, levantava os ombros, como dizendo quanta
besteira.
Mas tudo isso se
acabava, quando sentávamos na mesa para comer um belo espaguete, raviólis, ou
qualquer prato italiano feito por ela.
Quando fiz 12
anos, me perguntou o que queria de aniversário?
Lhe disse que
queria ir numa festa, no Arizona, em que se reunião muitas tribos, a cara do
meu irmão que estava sempre pedindo o último relógio, ou alguma coisa muito
moderna. Até eu ri dele, me chamou de
maluco, era a oportunidade me disse de pedir alguma coisa cara.
Meu pai, alugou
um motorhome, lá fomos os dois, a tal reserva.
Foi fantástico, ele logo se entrosou com pessoas que iriam ser
posteriormente amigos seus até o final de sua vida, eu passava o tempo todo
correndo com os outros garotos não me importava a que tribo pertencessem, me
sentia em casa. Podia me aproximar dos
cavalos, quando me ofereceram montar um,
corri para pedir a autorização a ele.
Foi o momento mais emocionante da minha vida, foi quando decidi ser
veterinário. No final do dia estava
moído, me doíam as pernas, mas feliz.
O dono dos
cavalos, ficou amigo do meu pai, disse que tinha um rancho, em que recebia
pessoas que vinham passar férias, ficava perto do Vale dos monumentos, já
deserto, antes de voltar para casa, passamos para conhecer. Foi amor à primeira vista.
Quando voltamos,
passávamos o tempo todo falando no que tínhamos vivido, a partir de então todos
os anos íamos a esse encontro de tribos.
Algumas vezes minha mãe se atreveu a vir, eu já então lia tudo o que me
caia nas mãos. Um dia com muito tato, enquanto víamos um
filme 7 homens e um destino, lhe perguntei, se ele achava que eu tinha sangue
índio nas veias também.
Não sei filho,
mas sei por que estas perguntando isso, quando estas lá, te sentes em casa,
verdade?
Sim pai, adoro
estar no deserto, é como se por minhas veias essa parte de sangue corresse mais
rápido. Meu irmão que sonhava ser
médico, disse que realmente meu sangue devia ser diferente, sangue de algum
louco cowboy tonto.
Por incrível que
pareça, não fiquei ofendido. Ele desapontado, porque não reagi, como ele
esperava.
Ele foi para a
Universidade, realizar seu sonho. Nossos
pais tinham economizado a vida inteira para isso. Creio que para ele, foi como se liberar de
uma carga do passado, que ele não queria, porque quase não, escrevia ou chamava
por telefone. Minha mãe ficava triste,
eu ao contrário não pensava ir embora, queria estudar veterinária. Estava para me decidir, quando fomos por
última vez todos juntos, menos claro meu irmão, ao festival Navajo. Sentado entre as pessoas, escutei dois índios
falando, se os brancos não tinham vergonha, colocavam nos filmes duas pessoas
índias falando, quem escuta, deve pensar que estão falando nossa língua, mas
pode ser chinês, japonês ou qualquer outra merda. Se não tomamos providência, nossa cultura
vai morrer.
Me aproximei,
lhes perguntei, se não existia livros com o idioma, maneiras de como falar, eu
ia adorar ler.
Me disseram que
havia poucas coisas sobre o assunto. Pouca gente se interessava nisso, teria
que procurar os velhos que ainda falavam o idioma para registrar. Tomei a decisão que tentaria fazer isso.
Fui quando tive
uma experiencia a princípio traumática.
Estava ajudando nas cocheiras, alimentar os cavalos com forragem, quando
um homem, me agarrou por detrás, não conseguia ver sua cara, segurava os meus
braços, me chamando de seu franguinho, abaixou as minhas calças, me atirou no
chão, abusando de mim. Fiquei ali desacordado muito tempo, até que
escutei a voz de meu pai, angustiada me procurando. Quando me encontrou ficou furioso, me
abraçou, subiu minhas calças, me levou para a Motorhome, me limpou me
tranquilizando, com o tempo vais esquecer disso. Mas foi falar com os responsáveis. Esses reclamavam o mesmo, todos os anos,
tinham um ou dois casos, nunca resolvidos, pois as vítimas, nunca viam o
agressor. Eu tinha visto, uma tatuagem, meio colocada
embaixo de um relógio com pulseiras negras, nada mais. Mas sabia que um dia me vingaria.
Quando chegou o
momento de escolher o que queria estudar, claro em primeiro lugar, estava
veterinária, comecei a procurar se em
algum lugar tinha cursos sobre a língua dos nativos, foi difícil
encontrar. Na própria universidade
tinha um único professor, fui descobrir depois que era o amigo de meu pai, com
quem ele estava sempre falando.
Riu quando me
apresentei em seu gabinete, agora que
querem me colocar para fora da universidade, pois no semestre passado não
consegui nenhum aluno, agora me apareces tu. Preciso de mais um. Fiquei rezando, comentei com meu pai. Ele foi se inscrever para fazer o curso. Talvez isso o tenha ajudado a suplantar a
morte de minha mãe, pois eu pensei que
ele iria enlouquecer. Ficava horas com o
retrato dela nas mãos, algumas vezes ouvi chama-la para fazer algum
comentário. Tinha vendido o restaurante,
disse que estava velho demais para tanto trabalho. Não se preocupava por mim, pois eu tinha uma
bolsa de estudos muito boa, por ter sido um excelente aluno.
Mas nada o magoou
mais que a negativa de meu irmão, em vir ao enterro de nossa mãe, acho que para
ele foi como se livrar de um lastre.
Eu iria estudar na cidade, portanto não precisava ir-me de casa. Ele ficou feliz da vida. Agora tínhamos mais um para assistir os
filmes, o professor. Ele dizia que agora
estava em desvantagem, pois era dois contra um, torcendo pelos índios.
Um dia o
professor, me trouxe um livro, que se tornou meu livro de cabeceira, “Bury my
heart at wounded Knee” , traduzido, Enterrem meu coração na curva do rio, de
Dee Brown depois consegui todos seus
livros, os guardo até hoje. Foi talvez o
livro mais importante da minha vida.
Além de meu pai,
conseguimos outro aluno, um dos meus companheiros de jogos, tínhamos discussões
imensas. Compaginava meu curso de
veterinária com o de línguas. As pessoas
diziam que eu estava louco. Para
contrariar todo mundo dizia que o fazia, para poder falar com os cavalos
selvagens. Riam mais ainda.
Mas tudo tem um
fundo de verdade, essa era minha loucura desde criança, nos filmes que
apareciam os índios, subindo a um cavalo sem cela nenhuma , quando muito com um
troço de pele ou manta de caribu.
Estava tão vidrado nisso, que no ano seguinte, quando fomos todos ao
festival Navajo, resolvi montar a pelo numa carreira, só não sabia que havia
que colocar os ovos para cima, cheguei a final, mas mal podia andar. Meu amigo índio ria horrores de mim. Só mesmo tu para fazer uma loucura
desta. No dia seguinte, nos
apresentamos os dois vestidos com roupas que tínhamos conseguido, de peito nu,
com uma pluma de águia na cabeça, todo mundo me confundia com um deles. Fiquei
imensamente feliz. Meu pai quando
voltamos ainda quis contatar sua parente para saber se podíamos descobrir quem
eram meus pais verdadeiros.
Ela já tinha
morrido a tempos, nada de nada. Tomei a consciência falando com meu amigo,
que também tinha sido criado por outras pessoas, que na verdade nossos pais
verdadeiros, eram os que nos tinham criado, nos dado amor.
Isso eu tinha de
sobra. Agora meu grande prazer quando
íamos ao festival, era me sentar com os velhos, conversar. Se riam, diziam que os jovens queriam falar
inglês, que ninguém queria essa língua.
Comecei a botar palavras no papel, procurava encontrar sentido nas
palavras, nas frases. Não sabia aonde ia
chegar.
Quando acabei o
curso de veterinária fui fazer um curso de especialização. Queria aprender a lidar com cavalos. Convenci meu pai de me acompanhar. Fiz inclusive uma chantagem, como ia seguir
em frente sem meu grande apoio. Ele cedeu.
Justo no meio dessa etapa, um professor
me convidou para ir para o Dubai, um Sheik Árabe tinha uma bela coleção de
cavalos, esse professor, cuidava do hospital que este tinha montado, me
convidou para ir junto. Lhe disse o de
meu pai. Não seja por isso, ele pode vir
também.
Convence-lo foi
uma barra. Tive que encosta-lo na
parede, se eu fosse, quem ia cuidar de mim, ou como poderia ficar
despreocupado. Ele sabia que não podia
contar com meu irmão, quando muito mandava um cartão no natal. Em carne e osso nunca mais o vi.
Foi comigo. Os dois adorávamos explorar o deserto, inclusive
ele fez muitos amigos por lá, quando estava livre, os dois acampávamos no
deserto, ficávamos deitados em cima de um belo tapete, olhando as estrelas,
eram diferentes das que havia na América.
Quando voltamos,
soube que meu amigo, estava em Taos, trabalhando com um homem que fazia esculturas
em ferro. Fomos até lá. Nos apaixonamos os dois pelo lugar. Começamos a procurar um rancho para viver. Mas nunca queriam nos vender, até que o
professor foi até lá, interferiu. Dizendo que meu pai era mais índio que muitos
deles.
Um dia fui
visitar meu amigo para lhe dar a boa notícia, o vi beijando o homem com quem
trabalhava. Pela primeira vez na minha
vida senti ciúmes. Mas depois entendi
por que, sempre estivera pensando nele,
mas nunca tinha me decidido a dar o primeiro passo.
Talvez por medo
de ofender meu pai, ou de ser rechaçado, não sei.
Quando falei com
ele, lhe disse que estava contente que tivesse encontrado alguém.
Encontrado
alguém, não sei do que falas!
Te vi beijando o
homem para quem trabalhas.
Ah, ele apenas me
felicitava pelo primeira escultura completa que fiz. Já vendeu inclusive, fiquei tão contente, que
o abracei, ele achou que isso queria
dizer outra coisa, me beijou, mas não gostei.
Sempre amei outra pessoa. Ficou
me olhando demoradamente.
Não sabia o que
fazer, até que ele me agarrou pelos meus cabelos, me beijando. Bert, me disse
que sempre tinha me amado, desde criança, mas eu também o queria desde essa
época.
Estávamos
começando a escolher cavalos, tinha comprados uns quantos cavalos antes
selvagens, como eu gostava, falava com eles, os acariciava. Mas no fundo estava preocupado, como diria
ao meu pai, que gostava de outro homem.
Mas foi ele quem
entrou no assunto. Dizendo que se
preocupava, pois já estava velho demais para cuidar de mim. Que pouco poderia me ajudar com os cavalos,
pois já não conseguia se manter em cima de um deles como devia.
Porque não chamas
o Bert para vir viver aqui, a quantos anos vocês são amigos, os dois nunca
tiveram uma namorada, achas que sou cego. Até posso ser, mas tonto não. Não perca tempo meu filho, a vida é curta.
Bert veio viver
lá em casa, montamos numa parte do celeiro, um lugar para ele trabalhar nas
suas coisas quando quisesse.
O Sheik para quem
tinha trabalhado, veio para conhecer os cavalos, numa visita que fazia aos
Estados Unidos, fizemos um acordo, ele escolhia um cavalo, em troca me mandava
um puro sangue. Eu sabia que iria me
mandar um que nunca serviria para uma corrida, mas nem por isso deixaria de ser
um garanhão. Concordei. Mandou um avião buscar, disse o nome do
cavalo. Me lembrei, era um que tinha
salvado da morte. O cavalo, quando me
viu, relinchou, logo estava misturado com uma manada de éguas. Sheik Ibrahim, me disse que a primeira cria
seria dele, queria ver o que saia.
Se ele percebeu
se havia alguma coisa entre mim e Bert, nunca disse, pois depois viajamos os
dois para visitar seu harem de éguas de criação. Ele ficava louco, quando me via entrar no
círculo de cavalos, ir falando com eles, os mesmo se aproximando, encostando a
cabeça no meu ombro. Ele tentava, mas
nenhum chegava perto, a não ser claro se ele oferecesse alguma coisa.
Nos deu duas
éguas, para ver como elas se saiam no meio dos meus cavalos, assim começamos
uma sociedade. O governo americano não gostou
muito, mas para mim era uma besteira, porque quando queriam conseguir algum
contrato com os Sheik, me procuravam primeiro.
Com o dinheiro,
fui comprando mais terrenos, justo detrás do rancho, havia uma ravina com água,
acabei comprando, os novos potros,
soltava por la, assim tinham como correr, agua corrente, viveriam livres. Sempre aparecia algum índio procurando trabalho,
os contratava, alguns rancheiros brancos não entendiam. A mim me importava um caralho. Depois de algum tempo diziam, apesar de teu
pai ser italiano, eres um índio nato.
Quando começavam
a trabalhar para mim, tinha que assinar um contrato, que nunca beberiam em
serviço, pois isso me permitiria o colocar na rua. Sabia que a bebida, as drogas, acabavam com
eles.
Um que tinha
trabalhado para mim, um dia chegou me
dizendo, que ia embora, não conseguia viver sem a bebida nem as drogas. Eu já sabia, pois desaparecia um dia ou
dois. Tempos depois soube que estava
preso, pediu que fosse vê-lo na cadeia.
Fui, estava acabado, tinha matado sua mulher num ataque de ira. Me pediu que criasse seu filho, pois seus
pais tinham muita idade. Já os tinha
avisado, quando cheguei com os papeis que me davam a guarda da criança. Quando cheguei em casa, com o bebê no colo,
meu pai me disse, finalmente um neto, creio que foi assim que ele fez quando
cheguei em sua casa, mal largava o garoto.
Falava o tempo todo com ele, na língua que tínhamos aprendido.
A família foi
crescendo, pois sempre aparecia alguém que não podia criar mais um filho,
sabiam que ali teríamos amor para dar.
Bert se revelou um paizão. Foi o
primeiro a ensinar o garoto a estar em cima de um cavalo. Meu pai da varanda, ria muito, batia com as
mãos no joelho.
Já estava nessa
alturas, com 95 anos. Um dia fomos
procurados por um advogado. Veio nos
contar que meu irmão, sua mulher, tinham morrido num acidente de carro. Até a pouco tempo não sabia que teu irmão
tinha uma família. Nunca mencionava
nada. Sua mulher era órfã, foi quando
descobrimos em seus documentos, sua certidão de nascimento. A guarde poderá ser de vocês. Fez um sinal para o carro, desceram duas
crianças, que eram a cópia exata do meu irmão.
Meu pai como sempre os acolheu, agora a família crescia.
Teríamos que
criar mais filhos, trabalhar mais. Bert
se encarregou de encontrar escolas para eles,
o negócio com o Sheik prosperou.
Agora tínhamos um cavalo selvagem que corriam como loucos, o duro era
doma-los, pois eram mais arisco que os outros.
Riam comigo,
quando eu entrava na ravina, cantando alguma música que tinha aprendido nos
Festivais Navajos, ficavam todos ao meu lado, então como se nada, montava num
deles segurando sua crina, dávamos bons galopes.
Meu pai faleceu
com quase 100 anos, o fez a sua maneira, rindo como um louco vendo seus netos
brincarem de cowboys, montados em cavalos.
Como sempre uma batalha de índios, só que queriam ser todos índios. Estava sentado na varanda, com Bert,
rindo como um louco, quando teve um enfarte.
Morreu com um sorriso na cara.
Seu enterro foi
muito concorrido. Mas seu desejo foram
obedecidos. Na ravina, construímos uma
plataforma, como tínhamos visto nos filmes, nos livros, ele com sua melhor
roupa, deitado em cima. Ia sempre olhar
como estava. Até um dia que já só havia
um esqueleto, juntei todos os ossos, então enterrei junto com os de minha
mãe. Já os podia ver do outro lado conversando como
sempre. Mas nunca pude perdoar meu
irmão o fato de termos abandonado. Levei
anos para entender por quê. Um dia,
vimos que o quarto do meu pai tinha que ser liberado, os meninos estavam
grandes, precisavam repartir os quartos.
Já eram grandes demais para dormirem em beliches. Encontrei uma caixa com as coisas que tinha
ficado para trás quando meu irmão foi embora.
Num caderno
normal, que nas primeiras páginas, tinha uns exercícios de matemática, ao
folear, vi que da metade para trás estava escrito com as letras dele alguma
coisa. Separei, nessa noite depois que
os garotos foram para a cama. Me sentei
na poltrona que era de meu pai, ali comecei a ler, a entender.
Dizia que não
conseguia ter essa sintonia que eu tinha com meu pai. Lhe parecia uma coisa idiota essa idolatria
com John Wayne, filmes de cowboys, não conseguia gostar do assunto, mais adiante
depois de termos voltado da primeira vez do festival, dizia que os dois
devíamos ter sido índios ignorantes no passado.
Como um italiano podia gostar dessas coisas, a mim ele entendia, pois
estava na cara que tinha sangue índio.
Que por isso, em
vez de fazer um curso sério, só pensava em trabalhar com cavalos, que ele
tampouco gostava muito. Ele queria um
futuro numa grande cidade, aonde pudesse ser um médico respeitado. Que nem nossa mãe o entendia, pois estava
sempre nos defendendo, olhe são como duas crianças, mas são felizes.
Eu não posso
dizer nada, amei meus pais com loucura,
principalmente ele, que me acompanhou anos, sempre me deu conselhos
seguros. Sempre esteve do meu lado
quando precisei. Sentia pena por ele ter
perdido tudo isso. Mas não importava,
se ele soubesse que seu filho amava nas brincadeiras fazer papel de índio. Estava sempre com uma pena de águia enfiada nos
cabelos, que o mesmo montava cavalo a pelo, como eu o fazia. Não sei se será médico algum dia, mas que
de momento é feliz, eu podia garantir.
Que chamavam de pai, a mim e ao Bert.
Quando foi oficializado o matrimonio gay, não tivemos dúvida, nosso
padrinho foi o professor, no alto dos seus 90 anos. Agora quando íamos ao festival Navajo, íamos
com toda a família, mais um caminhão com cavalos.
Melhor era
impossível, era tudo que tinha sonhado para minha vida.