lunes, 16 de marzo de 2020

SLOANE


                                                           SLOANE

Me despertei na minha tenda de campanha do exército, embaixo de um viaduto, quase fora da cidade, em Los Angeles.  Ah muito tempo vivia ali, com meus colegas deserdados do mundo, havia de tudo, mas principalmente ex-soldados  tanto do exército, como alguns da marinha. Me perguntei sempre por que quase não se via soldados da aeronáutica.   Minha cabeça explicava que eles não viam as vítimas que faziam.

Nasci numa cidade pequena perto de Tucson, durante toda minha vida só usei o sobrenome de minha mãe, Sloane, meu nome é Archibald, ou Archy, o Ben, atendo por qualquer  nome que  me chamem.  Não vou complicar a vida por culpa disso.   Quando nasci, meu pai que tinha uma fazenda perto dessa cidade, mantinha uma relação amorosa com minha mãe, ela era garçonete num restaurante.   Sua mulher se estava morrendo, como ele dizia, que se estava morrendo a vida inteira, porque sua chantagem era essa.  Queria ir embora dali para uma cidade grande, não suportava a vida no campo.  Então estava sempre doente.  Ele para se defender, teve várias amantes.  Minha mãe era a última.   Justo quando sua mulher verdadeira morreu, eu nasci.

Ele levou minha mãe para sua casa, assim cuidava do filho de 10 anos que tinha.  Mas quando nasci, ele ficou louco por mim, segundo ele éramos iguais.   Em compensação, meu meio irmão me odiou desde o momento que passei a respirar.   Quando era pequeno, fazia de tudo para que eu me desse mal.  Se estava passando, esticava o pé, para que eu tropeçasse.  Mas nesse ponto sempre fui inteligente, quando vi o que ia acontecer toda minha vida, o evitava o máximo, meu pai, fazia que não via nada.    Minha mãe morreu quando eu tinha 15 anos, a partir desse momento minha vida virou um inferno, como sempre meu pai defendia em primeiro lugar seu filho mais velho, um vagabundo.   Vivia na boa vida, eu ao contrário, depois das aulas, o ajudava em tudo que podia, sem reclamar.  Minhas notas na escola eram as melhores, meus dois amigos eram como eu, queriam estudar, sair desta cidade o mais rápido possível.  Estávamos sempre juntos, nunca estávamos jogando bola, ou basquete, nada, nosso negócio era estudar, passar a maior parte do tempo debatendo algum assunto, que em aula não tivesse ficado bem explicado.

Muita gente não entendia, eu era o mais alto, o mais forte, claro fazia todos os trabalhos duros da fazenda, o que comandava, além de proteger os outros dois.   Um deles, Ben era filho do xerife, desde criança tinha tido problemas de asma, bronquite, coisas do gênero, o outro Max era filho do dono do supermercado, um chinês.  Nunca permiti que abusassem deles.  No último ano, estava mais relaxado porque meu irmão estava fora estudando na universidade, com um certo atraso, pois era mal estudante.  Fazia direito, porque era o que permitiam suas notas, isso numa Universidade de pouca monta.

Nos ao contrário, tínhamos notas excelentes, podíamos nos candidatar a qualquer uma, pensava em fazer ou medicina ou veterinária.  Amava os animais.   Nas tudo foi para a casa do caralho, justo no dia do baile de formatura.  Desde que meu irmão não estava, meu pai permitia que eu usasse seu carro.  Os três íamos juntos, porque nenhuma garota tinha aceitado nossos convites para ir ao baile.   A única que aceitou o meu, me soltou na cara, que ia comigo, desde que eu não levasse meus amigos.  Claro preferi ir com eles, sempre nos divertíamos juntos.  Estudávamos juntos desde a primaria, não ia ser agora que eu os abandonasse só porque uma garota idiota me pedisse.   Éramos raros, reconheço, em comparação com os outros, nunca fumamos, nem bebíamos, drogas nem pensar, não podíamos imaginar fazer nada disso, que pudesse atrapalhar nossos planos.   Ben queria estudar Belas Artes, Max queria fazer Administração de Empresas.  Lá pelas tantas, ficamos de saco cheio do baile, no momento que iam coroar o Rei e Rainha do mesmo, saímos.   Entramos no carro rindo, comentando que realmente tinha sido uma perda de tempo, pois aquilo não era para nossas cabeças.  De soslaio vi uma pessoa se esgueirando pelo jardim, de longe parecia meu irmão mais velho, sempre terei essa dúvida na minha cabeça.

Estávamos comentando que eram nossos últimos dias ali, na segunda-feira iriamos todos embora, quando de repente, apareceu um carro negro, do meu lado, alguém que eu não via, jogou o carro contra o meu, controlei o mais que pude, enquanto os dois gritavam, quem é esse louco.  O carro acelerou, se adiantou, respiramos aliviados, mais adiante, havia uma curva muito pronunciada, com um barranco daqueles de filmes de bandidos.  O carro negro, saiu da lateral, nos jogando ribanceira abaixo.

Levei um bom tempo desacordado, o carro estava virado, como tínhamos os vidros abaixados, olhei meus amigos, todos os dois estavam desacordados, sai me arrastando, consegui tirar o Ben, que vi que respirava lentamente,  voltei por Max.   Mal sentia seu pulso, foi justo no momento, quando já estávamos uns cinco metros do veículo, ele explodiu.  Tentei reanimar o Max, pois tinha aprendido nas aulas como fazer.  Mas não tinha jeito, já não tinha mais pulso, me arrastei até o Ben, respirava muito lento,  justamente nesse momento chegou o xerife, com a ambulância.  Sentado com a cabeça do Ben nas minhas pernas, lhe expliquei o que tinha acontecido.   Ninguém tinha visto nada.  Me fizeram prova de alcoolismo, tiraram sangue, para ver se eu tinha drogas no corpo.  Disse ao Mark que ele sabia que a gente não usava nada, porque daquilo.    Ele me explicou que tinha que ser feito, pela morte do Max.  Seu pai quando me viu no hospital, me disse que tinha assassinado seu único filho.  Aquilo doeu, mas resolvi abaixar a cabeça.  Seria a primeira de muitas vezes que abaixaria a cabeça em minha vida.  Disse que ia me processar.

Meu pai não se moveu de casa, achei estranho isso, tampouco me defendeu, mais raro ainda. Só depois entendi que meu irmão tinha envenenado meu pai contra mim.

Por causa da denúncia, iria a julgamento.   Por sorte Ben, saiu do coma, contou ao seu pai o que tinha acontecido,  ele tinha examinado o carro, mas com o fogo, qualquer vestígio tinha sido apagado.  Era nossa história, contra a manipulação dos outros.  O advogado que iria me defender era o pior da cidade.   Meu pai não foi me ver nenhum dia em prisão.  Por minha sorte, Ben, convenceu ao seu pai de me proteger.  Seu argumento foi que eu o tinha protegido a vida inteira, que devia sua vida a mim, pois se não lhe tivesse retirado do carro, estaria morto. Embora iria viver sua vida inteira numa cadeira de rodas.

O juiz desestimou o caso, desde que eu fosse servir o exército, para aprender a me controlar, os boatos sobre mim, eram impressionantes.  O xerife dizia que quem espalhava era meu irmão.

Abaixei a cabeça, aceitei o veredicto, quem me levou foi o Mark, pois meu pai se negava falar comigo.   Mark com meu pai, tinham sido amigos a muitos anos atrás, não sabia por que  não se falavam.  Alguma coisa tinha acontecido nessa época.

Na viagem foi falando todo o tempo comigo, que não tinha acreditado em nada do que se falava, pois me conhecia, que me queria como seu filho.  Falou da minha mãe, da pessoa que era, então entendi que ele tinha estado apaixonado por ela.   Teu pai a levou para sua casa, para ser sua empregada doméstica, de cama e mesa, como ele dizia.  Os dois tinham ficados viúvos quase ao mesmo tempo.     Ben, tinha sido basicamente criado, pela irmã de sua mãe, que vivia com eles até hoje.  Eu chorando disse ao Mark, que maldita hora que tínhamos ido a esse puto baile.

Meu filho, quem fez isso, não se importava o mais mínimo, queria acabar com vocês de qualquer maneira.

Tentei várias vezes falar com meu pai, mas nunca atendeu o telefone.  Na véspera de embarcar para o Paquistão, telefonei outra vez.  Não sei se por causa da hora, ele atendeu o telefone, falava baixo, como se tivesse medo.  Vá com Deus meu filho, me perdoe se for capaz, eu te amo muito.   Lhe pedi que falasse com o Mark, que era o único que acreditava em mim.

Fiquei sabendo que tinha morrido, quase seis meses depois, através do Ben,  sempre nos escrevíamos.

Não sei por que, ou porque tinha madeira para ser um líder, me colocaram com um grupo além de multirracial, de pessoas obviamente com problemas.  Mas eu os levava bem.  Não permitia que ninguém fizesse maldade com eles, nem que se aproximassem para vender drogas.

Uma noite vinha de uma reunião com o comandante, quando fui atacado, eram três, mais altos, mais fortes do que eu.  Me deram uma surra de fazer gosto, ao final, abaixaram minhas calças, me penetraram um a um. Um deles disse, assim esse filho da puta, só porque é bonito, além de dar o cu para o comandante vai aprender, vai ser seu eunuco.   A voz ficou gravada na minha cabeça.

Um dos meus homens me encontrou, pensou que eu estava morto, foi correndo chamar o comandante, este veio com um médico, enfermeiros.    Passei muitos dias entre a vida e a morte na enfermaria.   O problema não tinha sido só o abuso sexual, tinham me cortado os ovos fora, só depois entendi o do eunuco.  Mas o comandante, fez o médico ficar quieto, pois poderia ser um grande escândalo.

Meus homens vinha me visitar sempre que possível.  Estavam agora ao mando de outra pessoa, fiquei uns 20 dias ali, quando voltei a mim, vi que a bolsa de urina, estava sempre cheia de sangue.   O médico me contou o que tinha acontecido.  Levará um bom tempo, até que deixes de mijar sangue.   Perguntou se eu sabia quem tinha feito isso.  Disse que não tinha visto os agressores, que só sabia que eram três, mas que não falaram em momento algum.   Em minha cabeça, seguiria escutando a voz, iria descobrir quem era, ajustaria contas.

O comandante me perguntou se eu queria dar baixa, eu disse de maneira nenhuma, já tinha consciência que não tinha para aonde ir.  Se saísse dali, iria fazer o que?   No exército pelo menos tinha um salario de sargento, com o tempo poderia subir mais.  Nos dias que estive de recuperação, fui aprendendo com o médico como tratar os pacientes.  Disse que faziam falta assistentes, enfermeiros, se eu não queria me candidatar.   Lhe disse que não.

Quando voltei para ficar com meus homens, nunca mencionei nada para eles, sempre se aproximavam de mim, dizendo, que se eu descobria quem tinha sido, eles me ajudariam a me vingar.   Eu tinha certeza que sim.

Fomos designados para mudar de local, iriamos para a frente.   Começaram as batalhas mais cruéis,  sempre estávamos como boi de piranha,  erámos os primeiros a enfrentar o perigo.  Treinava meus homens para aprenderem a observar, fiquem sempre atentos, não percam nada de vista.  Isso nos tornou mais fortes, estávamos sempre vigilantes.

Um dia no refeitório, tinha chegado um outro batalhão que tinham estado no mesmo lugar anterior que nosotros, foi quando escutei a voz, que soava sempre nos meus pesadelos. Com muito cuidado, observei quem era.  O sujeito estava falando uma série de besteiras, todos seus companheiros aplaudiam.  Levava a cabeça raspada, era muito forte,  eu não poderia com ele sozinho, mas tampouco queria usar meus homens.  Comecei a caça do rato contra o gato, o seguia sempre a distância.  Observei que era uma pessoa distraída, que usava drogas, por duas vezes vi seus companheiros, o ajudando a entrar na tenda, mas depois saiam.  Roubei na enfermaria, luvas, uma seringa com anestesia, bem como um estilete de médico.   Esperei a oportunidade, uma noite que estavam todos bêbados, mas o dito cujo drogado. Depois que o deixaram, entrei na tenda por detrás.  Tinham tirado sua roupa, ele estava só de cuecas, com a mão esquerda segurando seu pau.   Lhe dei a anestesia uma dose impressionante, depois descobri que tinha exagerado. Tinha colocado as luvas, assim não haveria impressões digitais.  Não só lhe cortei os ovos, mas todo o pau. Coloquei na mão esquerda, a que estava segurando antes, na outra mão coloquei o estilete.  Sabia que tinha cortado os meus ovos, com um igual.   Tudo isso não durou nem 15 minutos.  Voltei a minha tenda,  entrando por detrás.   Quando apareceu a polícia militar de manhã, me encontraram dormindo tranquilamente.   Quando o comandante me perguntou, disse a hora que tinha ido dormir, bem como todos meus subordinados concordaram.  Depois se descobriu que o mesmo, sempre maltratava os prisioneiros fazendo isso, cortando os ovos, para que não se reproduzissem.   Dizia as gargalhadas, que ele sozinho ia acabar com a ameaça de terroristas.

O levaram embora dali, nunca mais soube dele, seus companheiros também foram mandados para outros batalhões.  Mas tinha me vingado dele, pois ele comandava os que me tinham feito essa barbaridade.   No julgamento, um deles reconheceu que tinha sido ele que tinha me castrado, dizia que o mundo estaria melhor sem homens como eu.

Como não podia provar nada contra mim, segui a diante.  Fomos sim transferido para bases no Afeganistão, junto com o comandante.  Ele tinha especial trato comigo, um dia me chamou, me apresentou um rapaz, muito maltratado, dizendo que ele seria meu tradutor de Pastún, a língua local.  Apesar de que eu eram muito branco, no meu grupo tínhamos negros, descendentes de mexicanos, japoneses, como dizia um ajudante do comandante, toda a escoria americana.   Se sentiu  logo à vontade conosco, lhe conseguiram roupas limpas, o fizeram tomar banho, comer direito.  Ele não podia ir ao refeitório, mas sempre traziam comida para ele, deixou de ter a aparência horrível que tinha quando chegou.   Nos foi ensinando a língua, eu aprendi rapidamente, um dia descobri por que institivamente nos dávamos bem, ele tinha sido castrado como eu.  Quando viu minha cicatriz, me perguntou quem tinha feito isso, se eram milicianos  talibãs.  Foi quando me contou sua história.   Em garoto tinha sido vendido, porque era o menor, o mais frágil de uma família numerosa.  Foi treinado para se tornar a mulher, tinha que aprender a dançar, fazer sexo com os que pagavam mais.  Por isso lhe cortaram os ovos, para que tivesse uma voz frágil.    Tinha sido encontrado num lugar massacrado pelo talibãs, que antes tinham abusado dele.  O Comandante o mandou cuidar.   Este contou ao comandante o que era na verdade.   Tinha algum estudo, por isso podia ler as mensagens, bem como traduzir o que se falava.

Ficamos amigos, sempre nos acompanhava nas inspeções.  Eu sempre dizia aos meus homens que tivesse cuidado com as bombas terrestres.  Íamos sempre com cautela.    

O pior que aconteceu com o meu batalhão, estávamos no alto de um morro, quando vimos dois homens com um bando de garotos, colocando minas, um dos homens vigiavam, o outro ia dizendo aos garotos como colocar.           Massoud, me disse que quando os garotos acabassem, com certeza os matariam, sempre fazem isso.  Me mandou observar os garotos com o binóculos, são todos muito frágeis, era verdade, eram muito magros, mal aguentava o peso das bombas.  Mas um deles, se via que era o maior, o homem não saia de perto.               Massoud, me chamou atenção para as calças do mesmo.  Esse filho da puta abusou desse garoto.  Falou isso com a voz cheia de ira.

Dei ordem para os homens se dividirem em dois grupos, iriamos por cima dos morros que cercavam a estrada, só assim podíamos pegar os dois, sem atingir muito as crianças.  Estavam tão atentos no que faziam os garotos, que não os viram se aproximar.  Seu melhor franco atirador, atirou no que vigiavam, pois, sua arma era a mais perigosa.  O outro simplesmente pegou o garoto que estava manchado de sangue, pelo pescoço se escondendo atrás dele. Gritei aos garotos que colocassem as bombas terrestres tranquilamente no chão, que corressem a se abrigar.  Claro falando em Pastún.     O homem ameaçava em matar o garoto que tinha seguro pelo pescoço.  Massoud, gritou alguma coisa que não entendi, o garoto soltou a bomba que tinha na mão, fazendo com que os dois fossem despedaçados.

Ganhamos todos uma condecoração, pois por aquele lugar, passaria mais tarde um comboio com um general.     Só quando tive a oportunidade, foi que perguntei ao Massoud o que ele tinha gritado.  Ele me olhou muito sério, lhe disse para se vingar, que soltasse a bomba que tinha na mão.  Se eu estivesse no lugar dele, depois de um abuso era o que faria.

Meus homens de uma maneira ou de outra, vinham todos de lugares complicados, outros de orfanatos, alguns tinham sido abusados na sua juventude.

Não disse nada ao comandante, nenhum deles mencionou que o Massoud tinha gritado alguma coisa ao garoto.

Meses depois nos vimos na mesma situação, agora era um grupo de meninos, que quando muito deviam ter uns 7 ou 8 anos.  Mal conseguiam carregar as bombas terrestres, desta vez eram três, um vigiava, os outros dois iam fazendo buracos para colocarem as bombas.  Desta vez não havia morros para nos proteger.    Alguns dos garotos, tinham as calças manchadas atrás, sinal de que tinham sofrido abusos.  Foi difícil nos aproximar, quando dei a ordem os garotos foram metralhados pelo que fazia a guarda, dos adultos foi o primeiro eliminado. O segundo pegou um garoto pelo pescoço, o segurando no alto, com uma arma na cabeça, o outro tinha dois garotos presos pelo pescoço.  Tentei me aproximar, procurando um ângulo para atingi-lo, mas os dois garotos, já estavam a muito tempo segurando as bombas, ao verem seus companheiros mortos, soltaram as mesmas,  recebi em pleno rosto alguma coisa que não sabia o que era, morreram dois homens do grupo, quando me atenderam, viram que tinha um pedaço do revestimento da bomba encravado na cara.  Me disseram não tire, pois poderias dessangrar.

Voltamos ao acampamento, levando nossos mortos, só um dos garotos tinha sobrevivido.  Massoud disse que o melhor seria se ele tivesse morrido com os outros, dois traumas, ter sido abusado, ver como esses filhos da puta massacravam seus amigos.

Tinha que concordar com ele, pois eu já sabia, que teria pesadelos com tudo que tinha visto.  O Médico me disse que tinha tido sorte, com muito cuidado, retirou o pedaço que estava na minha cara.  Brincando comigo, disse que eu deixaria de ser bonito.  Ao retirar a peça entendi, pois comecei a sangrar muito, até conseguir controlar a hemorragia, dar os pontos, foi muito tempo, depois tive uma infecção, uma espécie de rejeição a sutura.  O jeito foi usar grapas, minha cara ficou um verdadeiro carnaval.

Enquanto isso, um outro sargento, levou meus homens diretamente a tumba, pois não tinha muita experiência, nem o Massoud, escapou.  Só sobrou um, porque pensaram que estava morto.  Foi ele quem contou tudo depois.

Eu resolvi, pedir a baixa, de qualquer maneira teria que ir para um hospital na Alemanha para refazerem a parte da minha cara que tinha tido rejeição.  Acabei ficando com uma cicatriz que travessava todo meu lado esquerdo, como um zig-zag.              Poderia ter pedido uma cirurgia estética, mas essa cicatriz era como minha alma, andava em zig-zag.   Fiquei quase três meses na Alemanha, de lá chamei Mark, o vi desanimado, me disse que Ben, estava numa fase complicada.  Consegui que pagassem minha viagem até Tucson, ele foi me buscar no aeroporto.   Eu o vi muito envelhecido, vamos ver se com tua companhia Ben, melhora, está internado.  Não sabemos quem lhe fez isso.

Lhe perguntei isso o que?

Pois lhe atropelaram, fugindo em seguida, o deixaram atirado na rua, ele tinha o hábito de sair tomar uma cerveja para se relaxar, não me deixava acompanha-lo.   Está em coma, já mais de 15 dias.

Por isso, resolvi traze-lo para cá, esta longe da nossa cidade.  Disse a ele que o queria ver, ao mesmo tempo tive que lhe contar por que tinha essa cicatriz na cara. 

Me disse que meu irmão depois de ter vendido a fazenda, acabou voltando depois de gastar tudo, comprou uma terras que não servem para nada, tampouco as trabalha, vive de fazer merdas.

Quando chegamos ao hospital, ao ver Ben, fiquei impressionado, quem poderia fazer mal a ele, parecia menor do que eu me lembrava.  Tinham sido os anos numa cadeira de rodas, segundo seu pai, passava todo tempo desenhando. Com muito custo consegui que fizesse reabilitação, agora andava de muletas, quem fez isso , fez de proposito, pois teve que subir na calçada para atropelar meu filho.

Eu intuía que tinha sido meu irmão, como alguém podia ser tão mal assim.

Dois dias depois, Ben despertou, ao me ver, ficou contente, me confirmou que tinha sido meu irmão.    Lhe disse que ficasse quieto, eu ia nos vingar, não fale com teu pai, porque ele vai me fazer tentar desistir.  Já nos fez isso uma vez.

Aproveitei que meu irmão não sabia que eu tinha voltado, pedi o carro do Mark emprestado, me escondi, fiquei observando, dia trás dia, Massoud dizia que a vingança não resolve, mas que ajuda, ajuda.

Descobri aonde era sua casa, seus hábitos.             Tomei uma decisão, ele ia se arrepender amargamente de ter  destroçado nossas vidas.     Fui o mais longe possível, comprei o que necessitava.  Cheguei sorrateiramente a sua casa.   Estava sentado na frente da televisão, completamente bêbado, se masturbava, vendo um filme pornográfico, para minha surpresa de homens.   Gritava, vamos enfia no cu desse bastardo todo seu caralho.  É o que merecem, eu fiquei um segundo impressionado, ao notar o ódio de sua voz.

Me arrastei atrás do sofá, lhe injetei um produto que o faria ficar imóvel, mas consciente.  Quando me viu seu olhar era de ódio, quando viu a cicatriz da minha cara, sua boca fez como um esgar, como dizendo, bem feito filho da puta.   Lhe perguntei se fora ele que tinha nos jogado fora da estrada, pisque duas vezes.  Piscou, lhe fiz a mesma pergunta a respeito do Ben, piscou outra vez.  Eu agora era muito forte, o levei a uma mesa da cozinha, daquelas imensas de madeira, tirei toda sua roupa, lhe disse vais sentir na pele, o que é fazer maldade.

Lhe cortei abaixo da mão a pele, fiz como os índios, das historias que lia quando criança, retirei a pele até o cotovelo, depois cortei, fiz o mesmo quando ele recuperou os sentidos, com o outro braço, depois fiz nas pernas. Sabia que sofrimento era atroz, mas tinha tanto ódio por esse idiota, que já sequer me importava porque tinha feito tudo isso. Não o matei, como faria com qualquer outro inimigo.   Juntei todos os moveis de madeira, coloquei as cadeiras embaixo da mesa, tudo isso usando luvas, tirei o avental que tinha usado, derramei gasolina que tinha encontrado no seu carro. Isso tudo ele estava vivo, me olhando horrorizado.  Ao final lhe disse, isso tudo por tua maldade.  Olho por Olho. Acendi um fosforo, atirei na gasolina.   Sai pelas traseiras que dava para um bosque, fiquei lá observando.  A casa era pequena, foi rapidamente devorada pelo fogo.   Caminhei até aonde tinha deixado o carro.  Voltei para o hospital, disse ao ouvido do Ben, tudo resolvido, já não vai mais nos incomodar.

Quando seu pai veio no dia seguinte, nos contou o que tinha acontecido. Nem sabemos se é ele que esta morto, pois o fogo devorou tudo.   Virou-se para mim, me perguntando aonde eu tinha indo no dia anterior.   Estive aqui com o Ben,  ajudava as enfermeiras a cuidar dele.  Dormi aqui.  Ben, disse que era verdade.

Virão por ti, me disse o Mark, agora sabem que estas aqui, melhor ires embora rapidamente, me estendeu as chaves de um carro.   Esse carro era de minha mulher, o conservei porque ela adorava o mesmo, para que um dia o Ben, pudesse ir a universidade com ele.  A mim não me importa se foi tu ou não quem matou teu irmão.  Era um bom filho da puta.  Disse aonde estava o carro, tem o tanque cheio, cortesia da casa.   Peguei o meu macuto, fui embora.  Entrei na clandestinidade, pois havia uma busca da minha pessoa.  Deixei o carro num estacionamento de Hollywood, telefonei ao Mark que viesse buscar.   Não te preocupe, limpei tudo, nunca saberão que fui eu que o usei.

A partir desse momento, não poderia mais receber meu dinheiro do exército,  meu último ato, foi sim retirar o dinheiro que tinha no banco.  Consegui novos documentos, com o nome de Ben Harper, um músico que admirava.   Desde então vivo nas ruas, mas sem me drogar, beber, nada disso.   Estou contando isso, porque ontem encontrei um dos poucos sobreviventes do meu batalhão.   Ele me reconheceu, a cicatriz confirmou.   Sentou-se ao meu lado na praça aonde estava tomando sol.  Te procurei, me disseram que tinhas morrido, que teu irmão tinha te matado.

Quem disse isso?

Mark, o xerife da tua cidade.  Disse que o prazer do teu irmão tinha sido tentar destruir tua vida anos após anos, que era o culpado de tudo.  Que o ADN, do cadáver encontrado na casa dele, era o teu.  Que depois tinha desaparecido.   Perguntou aonde eu vivia, lhe respondi que nas ruas.

Este me disse que graças a mim, tinha consertado sua vida, que sempre se lembrava dos companheiros. Você nos protegeu todo o tempo que foi nosso encarregado.  Eu levei anos em tratamento, agora estou estudando novamente.  Disse que estava em Los Angeles de passagem, que ia para Vancouver aonde tinha outros amigos.   Ainda me convidou para ir com ele, lhe agradeci, mas estava farto de ver as pessoas que gostava sofrerem por minha causa.

Tarde da noite, chamei a casa do Mark, atendeu sonolento, lhe disse quem era.   Meu filho, eu convenci o juiz que quem morreu foste tu.  Estas livre, podes sair a luz aonde queiras.   Perguntei pelo Ben, me disse que já estava andando outra vez.   Fala muito de ti, alguma coisa na sua cabeça ficou abalada pela sua caída.   As vezes fala contigo durante a noite, vamos nos mudar, comprei uma casa na praia, mais abaixo de San Francisco.  Mas conservarei esse celular para escutar tua voz.   Só lhe disse, diga ao Ben, que sinto muito tudo isso.

Já não estava seguro ali, duas pessoas sabiam aonde eu estava.  Como quem não quer nada, arrumei minha mochila, nunca precisei de muita coisa.  Fui atravessando o pais, até chegar a New York.  Ia ganhando a vida, fazendo pequenos trabalhos, fui me especializando em ser enfermeiro de pessoas com problemas decorrentes da guerra.   Finalmente arrumei um emprego num hospital em Washington para combatentes.  Me candidatei ao emprego, embora tivesse medo de encontrar alguém.  Quem encontrei anos depois, pois a família o internou, por problemas psicológicos decorrentes da guerra, foi o comandante.  Ele em seus momentos de lucidez, me reconhecia, me olhava nos olhos, mandei tanta gente a morte, quando quem deviam ir as batalhas, eram os quem as causavam.

Pedi para cuidar desse paciente, um dia um filho dele veio visitar, tinha a mesma idade que eu tenho.   Me olhou diretamente nos olhos, agradecendo que cuidasse de seu pai.  Quando voltou, falava muito nos seus soldados, se culpava por tê-los mandado a morte.               Eu e meu irmão, rompemos a tradição da família, todos os filhos homens tinham que servir ao exército.        A nos disse que não, que não queria que fossemos iguais a ele.   Ele era o único que visitava o pai, um dia que ele estava bem da cabeça, conversando comigo, este apareceu.            Seu pai lhe disse, lembra-se do soldado que te falava, que era inteligente, protegia seus soldados, é este, em seguida, voltou ao seu estado catatônico.

Não se preocupe, eu nunca fui soldado, mas deixo que faça essa confusão nos seus momentos de lucidez.

Um dia me convidou para sair, se eu gostaria de ir jantar com ele.  Tentei negar, não queria me meter em confusões.   Um dia desses lhe respondi.  Todas as vezes que vinha ver o pai, sorria, dizendo, estou esperando.

Um dia, aceitei, coloquei a melhor roupa que tinha, mas lhe disse, vamos a um lugar simples, não estou acostumado a lugares com muitas pessoas. Na verdade, só tomava o café da manhã no pequeno apartamento que tinha.  O resto do dia como estava no hospital, comia lá, embora a comida fosse horrível, para mim era comida.

Eu ia te levar para comer na minha casa, mas depois pensei que podia te assustar, pois eres muito arrisco.  Fomos a uma dessas lanchonetes tradicionais, com seus hamburguês, com batatas fritas.   Lhe disse que tinha comido bem, pois comia sempre as do hospital.  Foi me levar em casa, lhe convidei para subir.  Ficou impressionado, pois meu apartamento era minúsculo, mas limpo. Tudo estava nos seus lugares, pilhas de livros, lhe disse que sempre estava lendo, para me relaxar.  Acabamos fazendo sexo, quando viu que eu não tinha os ovos, já sei quem é você, meu pai falou de ti, mas contou que tinhas morrido. 

Sim, morri a muito tempo atrás, mas não quero falar nesse assunto ainda não.  Pois no momento que fale dele, terei que ir embora, é isso que queres?

Na vez seguinte, me convidou para ir a sua casa.  Vivo no apartamento que foi de meus pais, meu irmão mais velho, tem carreira diplomática, se casou, atualmente está servindo em Moscou, que ele odeia.

Lhe disse que preferia fazer sexo com ele, no meu apartamento, que não tinha luxos, mas era o meu lugar.  Todos meus dias livres passava com ele.   Um dia que seu pai, estava melhor, nos olhou um ao outro, sorriu, disse ao filho, já não estas sozinho não é. Agarrou nossas mãos, te deixarei em boa companhia.

Quando ele morreu,  deixou para os filhos, uma boa herança, sua mulher tinha muito dinheiro, ele nunca tinha tocado na fortuna dela.  Todos seus bens eram para serem divididos.

John o meu amante, disse que assim poderia deixar de trabalhar numa coisa que não gostava, era advogado do congresso.   O que achas de irmos viver num lugar que me tocou da herança, uma cabana a beira de um lago, aonde ele nos levava em criança.

Fomos a primeira vez para olhar.  A cabana estava mal conservada, mas entre os dois a consertamos, passamos a viver ali.  Só íamos a cidade para fazer compras, tirar algum dinheiro do banco, nada mais. 

Depois de dez anos vivendo juntos, um dia fazendo isso, quando entramos no banco, o mesmo estava sendo assaltado, ele me disse, vamos escapar, lhe disse para se deitar no chão como os outros. Mas alguém fez soar o alarma do Banco, os bandidos começaram a matar um a um, quando o mataram, perdi a cabeça, me apossei da arma de um deles, matei os outros.  Com isso acabaram descobrindo quem eu era.  Mas nada me importava mais, pois tinha perdido a pessoa que amava.  Mas um descuido, escapei, pensaram que eu estaria na Cabana, mas nessas alturas eu já estava longe.   Tinha sobrevivido a muitas coisas, mas agora me sentia sem forças.  Me lembrei das historias da minha infância, que falavam dos índios,  como morriam.  Foi o que eu fiz, construí uma armação como a deles no meio de uma floresta,  vesti minhas roupas militares, com todas suas medalhas que me tinha acompanhado a vida inteira, subi, me deitei, com minha navalha, que estava bem afiada, cortei minha jugular, agora iria descansar, pois estava realmente muito cansado.   Estive ali embaixo, vendo meu corpo se desmanchar, dia a dia, até que John, veio me buscar.   Creio que levaram muito tempo para descobrir meu final, mas isso já não importa mais.  Estou em paz.





 


















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